Ou como a burocracia mata um dia de lazer
Desde a semana passada que eu aguardava este dia: o dia de ter, para mim, todo o centro histórico de borla. Então não era o que estava escrito nos cartazes? Entradas gratuitas na Sé, na Igreja de S. Francisco, no Palácio da Bolsa; bebidas e petiscos a 1 euro nas mais diversas tascas da Ribeira. Querem melhor? Haveria um balão quente largado nos Aliados e um cruzeiro grátis no Douro. Eu não pedia tanto! Contentar-me-ia com o Palácio da Bolsa, que nunca tive a ocasião de visitar, e as bebidas e petiscos a 1 euro.
Convidei uma amiga de fora: Anda daí, vamo-nos divertir. Lá veio ela, com a tralha toda, quero ver a Sé! Antes de entrarmos na Sé, comemos umas pataniscas espinhosas com sabor a Porto Antigo. Tentei um desconto por causa das espinhas. Mandaram-me bugiar.
Entrámos na Sé. Momento solene, silêncio mórbido, respirações retidas, tosses rebeldes. Virei-me para a minha amiga: Já está tudo visto. Vamos embora. Persistente, não, vamos ao claustro, quero ver. Íamos a entrar e a recepcionista: Ei! Os bilhetes? Detive-me, estarrecida, e a minha amiga replicou: Então hoje não é o Dia Nacional dos Centros Históricos? É preciso pagar? A matrona antipática, numa falsa e fingida compaixão, expôs o trâmite misterioso, subjacente a toda esta organização mafio-turística: Têm que ir ao posto de turismo dos Aliados levantar os vouchers. Voucher, no meu imaginário verbal, remete incontornavelmente para vache e comecei a apreciar a recepcionista pelo seu lado bovino.
Armada em chica-esperta, discursei: O Porto tem três postos de turismo, portanto, se temos de ir para a Ribeira, vamos ao posto da Ribeira.
Descemos as ruas pedregulhosas, tortuosas; umas cheiravam a esgoto; outras, a urina. Avistámos o Palácio da Bolsa e entrámos no posto de turismo da Ribeira: Vouchers? Aqui não. Só nos Aliados. Têm que ir aos Aliados. Neste ponto dramático da situação, sobressaltou-me o lado caprino das recepcionistas. E a minha imaginação verbal corrompe o adjectivo caprino remetendo-o para a lamúria romântica Capri, c’est fini!
O meu dia nacional dos centros históricos acabou em tremoços e finos na Ribeira, tripas à moda do Porto no Ora Viva, uns chás marroquinos do caraças, umas inalações fantasmagóricas com sabor a cereja e umas músicas rock and roll, com Undercover Dj’s no Mercedes. Discuti com a minha amiga por ela me sair a literatura anglo-saxónica toda e berrei-lhe um J’emmerde les anglais et les américains!
Acordei hoje de manhã, perguntando-me o que teria feito de histórico ontem à noite.
Cláudia