A democracia é a pior forma de governo, indo a Churchill, por causa da sua essência caótica. À partida para as urnas, qualquer coisa pode acontecer na cachimónia dos eleitores. As sondagens são apenas induções, com a sua inerente falibilidade epistémica. E os especialistas na coisa, seja essa coisa as sondagens ou o povão, enganam-se como os néscios.
Ninguém previu o resultado mais importante saído destas eleições legislativas: o PS deixou de contar para defender a Constituição. Se nas democracias os resultados eleitorais são ontologicamente bons, partidariamente há resultados para todos os gostos. No caso do PS, perder as eleições é sempre um mau resultado. Mas ficar empatado com o Chega, ou que fosse pouco acima, seria em qualquer cenário eleitoral um péssimo resultado. Vir a ficar com menos deputados do que os salazarentos, quiçá também menos votos, corresponde a uma humilhação traumática. Por cima disto, deixar de contar para uma eventual revisão constitucional é uma verdadeira, historicamente inaudita, catástrofe.
A direita não vai deixar passar a oportunidade, resta saber com que profundidade e radicalidade. Na versão mais benigna, alucinadamente ingénua, limitavam-se a varrer o Preâmbulo da Constituição, há décadas gerador de azia. Na versão mais provável, porque fundamentada em declarações públicas, esta é uma ocasião imperdível para aplicar a receita que Passos não se cansa de publicitar: “À chegada ao almoço dos ex-líderes do PSD, o antigo primeiro-ministro sublinhou a necessidade de “um espírito reformista”.
Irá o PSD juntar-se à IL e ao Chega para tal? A pressão para essa união das direitas não pode ser maior. Basta recordar que, em 2020, o santinho Rui Rio aceitou um acordo com Ventura para os Açores, depois de Cavaco e Ferreira Leite terem feito campanha pública nesse sentido. Ao tempo, Rio admitia estender o acordo a nível nacional. Donde, por maioria fanatizada de razão, a segurança social, a legislação laboral, a saúde e a escola públicas, os direitos das mulheres e das minorias, aquilo que se constitui como o legado e labor de Abril está agora nas mãos do que Montenegro quiser fazer com eles. Nada nem ninguém se lhe poderá opor.