Pacheco Pereira - Eu já digo isto há muitos anos. E mais, e digo isto quando muitos dos que agora são hiper, super antiSócrates, o protegeram. Que eu assisti a altos quadros do PSD protegerem Sócrates. E protegerem-no mesmo quando era mais que evidente que ele estava, por exemplo, a mentir naquela questão da Rádio Renascença, na tentativa de afastar da comunicação social pessoas que lhe eram desfavoráveis, como o José Eduardo Moniz, a Manuela Moura Guedes.
[…] segue-se um relambório confuso e megalómano sobre o episódio em que o Pacheco se fechou numa saleta da Assembleia da República para cheirar as cuecas de Sócrates e Vara […] E quem é que protege o Sócrates? A direcção do PSD na altura, o PC que também impediu...
Carlos Andrade - Foi a direcção que o impediu a si?...
Pacheco Pereira - Sim, sim, foi a direcção do PSD que impediu através das conclusões do inquérito que ele fosse condenado! Eu conheço à letra, cronologicamente, e conheço os papéis todos, conheço os papéis todos...
Pedro Duarte - Foi a direcção nacional do PSD que indicou o Pacheco Pereira para ser o responsável pelo acesso às escutas, foi só um por partido. Eu lembro-me bem disso...
Pacheco Pereira - Não, não, isso não é verdade. Os deputados que quiseram aceder às escutas puderam aceder, e eu não tive nenhuma autorização do PSD para aceder.
Pedro Duarte - Não é verdade. Foi decidido que haveria um representante de cada grupo parlamentar que teria acesso.
Pacheco Pereira - Então se isso foi decidido, isso nunca me foi comunicado porque eu de alguma maneira cheguei e ouvi as escutas.
Pedro Duarte - Pois, por indicação do grupo parlamentar do PSD.
Pacheco Pereira - Não, não é verdade.
Carlos Andrade - Mas o que é que o impediu a si de ir mais longe em função dos?...
Pacheco Pereira - Leia a minha declaração de voto... leia a minha declaração de voto, exactamente sobre estas matérias!...
Princípio da Incerteza_7 de Julho
Por um acaso, porque há uns meses o Pedro Duarte entrou no programa, foi possível vermos o Pacheco a ser exposto como o alucinado narcísico que é. Atenção: todos somos, em certo grau e tipo, igualmente narcísicos e alucinados. Mas nós que nos limitamos a ser espectadores dos programas de opinião não temos as (supostas) responsabilidades que vedetas como o Pacheco têm. Daí dar-lhe atenção, porque é muito influente pelos meios de difusão ao seu dispor.
Vamos esquecer a troca de TVI com Renascença. A parte do “já digo isto há muitos anos” é uma verdade absolutíssima. O resto consiste numa fantasia cuja matriz são os romances de cavalaria medieval. O Pacheco concebe-se como o cavaleiro solitário que, graças à sua pureza de alma, dotes de inteligência superior e coragem sem rival, ousa entrar na caverna do dragão para lhe desferir um golpe quase fatal. Quase, porque para consumar a sua missão heróica precisava da ajuda de uns quantos para arrastar o monstro até ao local do abate final. Para seu espanto e choque, tal como repete “há muitos anos”, viu-se de repente abandonado pelos seus. Como se isso não fosse tragédia suficiente, até os comunas se revelaram mais amigos do dragão do que do Pacheco. Restava-lhe só uma coisa: a declaração de voto. Pelo que hoje, e para as gerações futuras, a história dessa vitória inglória está ao dispor dos cidadãos que tenham curiosidade sobre o que fazem os dragões nas cavernas onde se protegem dos raríssimos Pachecos que possam aparecer para lhes fazerem mal. Têm é que ter o trabalhinho de ler a tal declaração, não há cá pão para malucos.
A sugestão de que em 2010 Passos Coelho e sua trupe, mais o PCP, a que ainda poderia ter acrescentado o BE (pela facto de este partido nem sequer ter querido mandar um deputado ouvir as escutas), andaram a “proteger Sócrates” de uma “condenação” (presume-se, na Justiça) é um delírio que chega a ser admirável só pelo facto de se lhe dar publicidade. O Pacheco nos “muitos anos” de tocar esta cassete jamais perdeu uma caloria a explicar o racional de tal protecção. Era porquê e para quê? Quase toda a ficção depende deste artifício, deixar sem explicação as voltas e reviravoltas do enredo. Sem esse encobrimento, perde-se a magia. No caso, o Pacheco perderia a sanidade mental caso tomasse consciência de ser ele o único a conduzir em contra-mão.
Pedro Duarte tem toda a razão (em segundos se confirma), João Oliveira do PCP nada ouviu de ilícito nas escutas (mais nenhum deputado as consultou), e até os procuradores que montaram a Operação Marquês também com recurso a hipóteses fantásticas não quiseram saber destas escutas pachequianas para nada. Mas o elemento mais importante do episódio vai parar a Mota Amaral, que era quem presidia à comissão de inquérito em causa. Passos Coelho queria que os resumos das escutas fossem incluídos no relatório final da comissão, não porque tivessem indícios de crimes mas para poder continuar no espaço público a chicana e as calúnias alimentadas por elas. Mota Amaral recusou. E, quando se pronunciou sobre o assunto, deu uma lição que reduz o Pacheco Pereira à pulhice que o devora: “Mota Amaral não quis comentar mas fez questão de dizer que apenas respeitou a Constituição. ‘A correspondência privada é inviolável’, disse, recordando que a PIDE chegou a apreender cartas dele.”