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Cristal da Marmeleira II

Pacheco Pereira - Eu já digo isto há muitos anos. E mais, e digo isto quando muitos dos que agora são hiper, super antiSócrates, o protegeram. Que eu assisti a altos quadros do PSD protegerem Sócrates. E protegerem-no mesmo quando era mais que evidente que ele estava, por exemplo, a mentir naquela questão da Rádio Renascença, na tentativa de afastar da comunicação social pessoas que lhe eram desfavoráveis, como o José Eduardo Moniz, a Manuela Moura Guedes.
[…] segue-se um relambório confuso e megalómano sobre o episódio em que o Pacheco se fechou numa saleta da Assembleia da República para cheirar as cuecas de Sócrates e Vara […] E quem é que protege o Sócrates? A direcção do PSD na altura, o PC que também impediu...
Carlos Andrade - Foi a direcção que o impediu a si?...
Pacheco Pereira - Sim, sim, foi a direcção do PSD que impediu através das conclusões do inquérito que ele fosse condenado! Eu conheço à letra, cronologicamente, e conheço os papéis todos, conheço os papéis todos...
Pedro Duarte - Foi a direcção nacional do PSD que indicou o Pacheco Pereira para ser o responsável pelo acesso às escutas, foi só um por partido. Eu lembro-me bem disso...
Pacheco Pereira - Não, não, isso não é verdade. Os deputados que quiseram aceder às escutas puderam aceder, e eu não tive nenhuma autorização do PSD para aceder.
Pedro Duarte - Não é verdade. Foi decidido que haveria um representante de cada grupo parlamentar que teria acesso.
Pacheco Pereira - Então se isso foi decidido, isso nunca me foi comunicado porque eu de alguma maneira cheguei e ouvi as escutas.
Pedro Duarte - Pois, por indicação do grupo parlamentar do PSD.
Pacheco Pereira - Não, não é verdade.
Carlos Andrade - Mas o que é que o impediu a si de ir mais longe em função dos?...
Pacheco Pereira - Leia a minha declaração de voto... leia a minha declaração de voto, exactamente sobre estas matérias!...

Princípio da Incerteza_7 de Julho

Por um acaso, porque há uns meses o Pedro Duarte entrou no programa, foi possível vermos o Pacheco a ser exposto como o alucinado narcísico que é. Atenção: todos somos, em certo grau e tipo, igualmente narcísicos e alucinados. Mas nós que nos limitamos a ser espectadores dos programas de opinião não temos as (supostas) responsabilidades que vedetas como o Pacheco têm. Daí dar-lhe atenção, porque é muito influente pelos meios de difusão ao seu dispor.

Vamos esquecer a troca de TVI com Renascença. A parte do “já digo isto há muitos anos” é uma verdade absolutíssima. O resto consiste numa fantasia cuja matriz são os romances de cavalaria medieval. O Pacheco concebe-se como o cavaleiro solitário que, graças à sua pureza de alma, dotes de inteligência superior e coragem sem rival, ousa entrar na caverna do dragão para lhe desferir um golpe quase fatal. Quase, porque para consumar a sua missão heróica precisava da ajuda de uns quantos para arrastar o monstro até ao local do abate final. Para seu espanto e choque, tal como repete “há muitos anos”, viu-se de repente abandonado pelos seus. Como se isso não fosse tragédia suficiente, até os comunas se revelaram mais amigos do dragão do que do Pacheco. Restava-lhe só uma coisa: a declaração de voto. Pelo que hoje, e para as gerações futuras, a história dessa vitória inglória está ao dispor dos cidadãos que tenham curiosidade sobre o que fazem os dragões nas cavernas onde se protegem dos raríssimos Pachecos que possam aparecer para lhes fazerem mal. Têm é que ter o trabalhinho de ler a tal declaração, não há cá pão para malucos.

A sugestão de que em 2010 Passos Coelho e sua trupe, mais o PCP, a que ainda poderia ter acrescentado o BE (pela facto de este partido nem sequer ter querido mandar um deputado ouvir as escutas), andaram a “proteger Sócrates” de uma “condenação” (presume-se, na Justiça) é um delírio que chega a ser admirável só pelo facto de se lhe dar publicidade. O Pacheco nos “muitos anos” de tocar esta cassete jamais perdeu uma caloria a explicar o racional de tal protecção. Era porquê e para quê? Quase toda a ficção depende deste artifício, deixar sem explicação as voltas e reviravoltas do enredo. Sem esse encobrimento, perde-se a magia. No caso, o Pacheco perderia a sanidade mental caso tomasse consciência de ser ele o único a conduzir em contra-mão.

Pedro Duarte tem toda a razão (em segundos se confirma), João Oliveira do PCP nada ouviu de ilícito nas escutas (mais nenhum deputado as consultou), e até os procuradores que montaram a Operação Marquês também com recurso a hipóteses fantásticas não quiseram saber destas escutas pachequianas para nada. Mas o elemento mais importante do episódio vai parar a Mota Amaral, que era quem presidia à comissão de inquérito em causa. Passos Coelho queria que os resumos das escutas fossem incluídos no relatório final da comissão, não porque tivessem indícios de crimes mas para poder continuar no espaço público a chicana e as calúnias alimentadas por elas. Mota Amaral recusou. E, quando se pronunciou sobre o assunto, deu uma lição que reduz o Pacheco Pereira à pulhice que o devora: “Mota Amaral não quis comentar mas fez questão de dizer que apenas respeitou a Constituição. ‘A correspondência privada é inviolável’, disse, recordando que a PIDE chegou a apreender cartas dele.”

Venha o Costa

Refiro-me ao João. Porque José Luís Carneiro perdeu a autoridade liderante ao perder a oportunidade de transformar uma gravíssima crise partidária numa base de esperança. Para tal, teria de ter corrido para junto dos que perderam o seu abrigo por motivos exclusivamente eleitoralistas, deixando-lhes palavras e gestos. O seu silêncio perante a violência que autarcas socialistas cheganos fizeram abater sobre indigentes provocou a reacção de militantes e simpatizantes do PS. A carta aberta é, simultaneamente, uma carta de despedimento. As declarações do despedido, inanes e até vexantes, confirmaram a justa causa.

Quererá João Costa ser secretário-geral do PS? Não faço a menor ideia. Apenas me parece uma excelente ideia.

Cristal da Marmeleira

Não me é possível acompanhar o caudal da matéria publicada, por escrito e oralmente, acerca do arranque e sucessivos desenvolvimentos do julgamento de Sócrates. Mesmo que me pagassem, e nada mais tivesse para fazer, não haveria tempo para essa cobertura. Pelo que me resigno a tratar dos favoritos.

Devo ser o único bípede implume neste planeta a considerar Pacheco Pereira como o maior dos caluniadores profissionais no activo em Portugal. Para quem tenha interesse em acompanhar este tipo de carreira, João Miguel Tavares aparecerá como um muito mais provável candidato ao título. Não só por os seus produtos serem obscena e fetidamente sórdidos, não só por exibir obsessão na perseguição a Sócrates e ao PS, mas também por ter sido consagrado como o caluniador do regime por um primeiro-ministro e por um Presidente da República. Costa envolveu os filhos menores do caluniador numa acção de marketing político ocorrida nas instalações do Governo e em horário de expediente, Marcelo juntou o nome do caluniador a uma lista de portugueses ilustres que só lá entraram depois de terem deixado obra memorável para usufruto da comunidade. Ambos esfregaram na cara do País que se estavam a cagar para as instituições, para a decência republicana, para a mera racionalidade dos poderes que lhes foram confiados em nome do Soberano.

Atribuo o título ao Pacheco porque ele é capaz de assumir valores fundamentais do Estado de direito, como neste exemplo: “Tudo aquilo que são direitos da defesa, são relevantes. Não é para o Sócrates, é para nós!” Esta exclamação saiu-lhe de improviso no “Princípio da Incerteza” a 7 de Julho. Condensa o que há de mais valioso no Estado de direito, essa noção divinal (porque inconcebível para o animal em nós) de que o direito do outro é tão crucialmente importante como o meu — porque são o mesmo: o dele é o meu, o meu é o dele. Seja quem for o outro. Pode ser o mais miserável, pode ser o imigrante, pode ser aquele que é suspeito, ou acusado, ou condenado, no crime mais hediondo. Defender os seus direitos, mesmo que as pessoas nos causem repulsa ou tão-só absoluta indiferença, é sempre um acto de defesa dos meus direitos e dos direitos daqueles que amo, daqueles a quem quero bem. Toda a escolaridade obrigatória poderia ter este ensinamento como prova final; o qual exige um intelecto robusto, versátil e maturo para ser apreendido visceralmente.

O caluniador pago pelo Público, pela SIC e pelo Observador (pelo menos), não perde tempo com o Estado de direito. Descobriu o ouro da pulhice em 2009, vive a partir daí com muita segurança financeira, muito conforto para si e família, a despachar difamações e calúnias enquanto se vende como moralizador da Grei. O seu maior entusiasmo na vida divide-se, em partes iguais, no exercício de ajudar procuradores e juízes a conseguirem voltar a meter Sócrates numa prisão e na ânsia de levar o Ricardo Araújo Pereira a jantar em sua casa. Ora, perante esta indigência deontológica e arrivismo sôfrego, acaba por ter mais desculpa do que o Pacheco. Porque este até consegue ser decente, e defender a decência, e, mesmo assim, não consegue deixar de ser indecente. Fica, portanto, com a taça.

Voltarei ao Pacheco.

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Green Spaces Boost Children’s Cognitive Skills and Strengthen Family Well-Being
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Attending Events Is the Ticket to Happiness
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New IQ research shows why smarter people make better decisions
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Walnuts Up Insulin Response, Cut Gut Permeability in Obesity
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Is One Fasting Method Better Than Another?
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Study Shows Why Managers Reject Great Ideas
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Why monkeys—and humans—can’t look away from social conflict
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Dominguice

José Sócrates, não vamos continuar as entrevistas sempre que houver críticas aos jornalistas. Estamos a dar-lhe sempre palco para falar connosco. Portanto, se entrar por aí, vamos parar. Estamos a dar-lhe o nosso tempo de antena para falar. Sistematicamente a criticar os jornalistas, em vez de criticar o Ministério Público, que é o que deve fazer lá dentro.” Depois afastou-se e continuou a dizer coisas.

Este fulano não é jornalista, profissão que consiste em descrever o mundo, com sorte explicá-lo. Ele é outra coisa, é um editorialista. Como tal, usa o mundo para criar outro mundo. No seu mundo, Sócrates tem de ter respeitinho para com os jornalistas, tem de baixar a bola e não tocar em certos assuntos, caso pretenda continuar a subir ao palco. O palco pertence aos editorialistas, os donos do “tempo de antena para falar” do que eles querem ouvir.

Românticos, heróis e loucos

Não há ninguém na comunicação social, que eu conheça, a falar da captura da Justiça pela direita como Paulo Pedroso. Ninguém com a sua frontalidade, rigor e honestidade intelectual. Contudo, ele pára na tangência de apenas apontar disfuncionalidades, cuja origem admite lhe ser ignota. Como académico, figura pública e pessoa que cultiva a lhaneza cidadã, é alérgico a difamações e calúnias. Não pode dizer o que escrevo que pensa e indica. Mas é exactamente por estas fundamentais razões que igualmente se sente obrigado à denúncia corajosa: há algo de sinistramente podre no Ministério Público e juízes cúmplices. É evidente.

Que pena este homem não ser parte de um projecto político qualquer. Que perda. Que trágico.

Aqui: 07 jul. 2025

Atente-se como o jornalista não aprofunda e desenvolve a gravidade do que é exposto. Muda de assunto. Por não perceber o que ouve? Ou será pela razão contrária? Em abono da verdade, não existem lideranças políticas à altura do homérico desafio que a questão levanta. Porque quase todas se têm aproveitado da perversão. A conduta privada de Sócrates, mesmo na eventual versão mais benigna em que tudo se limite a ilícitos fiscais, deu lenha, gasolina e dinamite a quem na Justiça comete abusos e crimes.

É preciso ser romântico, herói ou louco para defender o Estado de direito democrático. Ajudará ser cada um à vez — ou em simultâneo.

Exactissimamente

«[...] um anterior primeiro-ministro foi finalmente pronunciado num processo judicial e irá agora a julgamento, ao fim de mais de uma década de ter sido detido pelas televisões e, incidentalmente, pela polícia, ao chegar a Portugal. [...]

É-me francamente indiferente o resultado do processo concreto, como será a quase todos. Sócrates já foi condenado e já cumpriu pena, como todos sabemos. [...] Já sabemos: mexer com o Ministério Público pode dar dez anos de processo antes do julgamento, todo o ímpeto da CMTV e acabar com qualquer vida futura.»


Miguel Romão

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Sujidade

O julgamento ético do julgamento ético

Pessoas que muito prezo no espaço público, com poder mediático relevante, com quem comungo de variegadas causas ligadas à liberdade e à democracia (portanto, ao Estado de direito democrático e à Constituição), andam há anos a repetir que já é possível fazer o julgamento ético/moral de Sócrates sem carência do desfecho do seu processo judicial (agora, do seu julgamento em curso). Basta, como também repetem, que nos fiquemos pelas declarações do próprio Sócrates a respeito do dinheiro alegadamente pedido por empréstimo a Carlos Santos Silva, e aos circuitos manhosos em que ocorria o envio. E elas têm razão, evidentemente. Essa dimensão não tem a mínima possibilidade de passar sem a maior censura dadas as consequências políticas e cívicas — mas também pessoais — que resultaram das decisões tomadas por Sócrates na esfera da sua privacidade. Isto é, embora a existência de empréstimos por um amigo não seja crime (questões fiscais à parte), ter corrido o risco de ser apanhado nessa situação (e era altissimamente provável que fosse apanhado por ser um alvo tão valioso para os seus muitos, e muitíssimo poderosos, inimigos) foi uma opção, não uma necessidade. Daí, a sua incontornável e indelével responsabilidade no caso histórico que vivemos como comunidade. Crucialmente, depois do que ocorreu no Face Oculta (espionagem a um primeiro-ministro em funções e tentativa de golpada judicial em cima de eleições, seguida de conspiração presidencial) não havia a mínima ilusão a respeito do que lhe poderia suceder havendo ocasião para tal. Sócrates criou, por sua iniciativa, essa ocasião.

Só que há aqui uma chatice. Que é esta: se estamos ansiosos por anunciar a condenação ética de Sócrates, nalguns casos exibindo obsessão, cadê o julgamento ético daqueles que fizeram da Operação Marquês um processo político e um linchamento social? Acaso as maleitas éticas de Sócrates são mais importantes do que a perversão da Justiça e da imprensa? Uma conduta imprópria para ex-primeiro-ministros no plano das finanças pessoais é mais grave do que ver magistrados a cometer abusos, perseguições e crimes?

Ter como estratégia, ou que seja mera pulsão, acusar eticamente Sócrates enquanto ele está a ser uma vítima dos que usam os poderes coercivos do Estado e os poderes tóxicos dos impérios de comunicação social, a que se juntam aqueles que atacam a cidade, é uma forma de cumplicidade com o seu linchamento. Que isto aconteça aos melhores do País não é surpreendente, porque o animal em cada um de nós é quase tudo. Surpreendente será — sempre e sempre — defender o fraco contra o forte.

Vai tu, Miguel

Quando os jornalistas e comentaristas repudiam Sócrates por apresentar recursos estão a fazer campanha aberta pela sua culpabilidade. Este fenómeno pode ser testemunhado até naqueles, raríssimos, que dão a cara e a honra pela falta de provas no processo que justifique ser condenado por corrupção. É o caso de Miguel Sousa Tavares, que esfrega na cara de quem lhe aparecer à frente ter lido todos os milhares de páginas da acusação e nada lá ter encontrado de incriminatório. Os jornalistas que estejam presentes ficam calados, porque eles não sentiram essa necessidade de estar a perder o seu rico tempo com a verdade tal como o Ministério Público a serve. Preferem a verdade tal como outros jornalistas, políticos e pulhas a estabeleceram bem antes de existir Operação Marquês. Sócrates é corrupto, é criminoso. Desde sempre, provavelmente desde a infância. Para nada lhes interessam as provas que os tribunais supostamente preferem, o tipo de provas com origem na realidade. Aliás, para nada lhes interessam os tribunais, a menos que confirmem burocraticamente o que já transitou em calúnia.

Pois MST dá voz a essa modalidade de ataque à presunção de inocência que consiste em apelar a que Sócrates se deixe de recursos e vá de peito aberto para o tribunal, e quanto mais cedo melhor. É o clamor do “quem não deve, não teme”, que a imbecilidade colectiva exige em frenesim de auto-de-fé. A lógica é medieva e pede consumação no ordálio. Mas, perguntita, se fosse o Miguel a estar numa situação análoga à de Sócrates, era isso que faria? Nunca o saberemos, óbvio, mas sabemos outras coisas. Por exemplo, que a Justiça comporta uma dimensão de sorte, aleatória, onde o desfecho dos casos pode depender decisivamente da idiossincrasia do juiz em causa. Prova provada disto mesmo deu-nos o Conselho Superior da Magistratura quando confirmou que a escolha de Carlos Alexandre para a Operação Marquês, em 9 de Setembro de 2014, foi feita manualmente, e sem nenhum juiz presente a presidir ao acto, quando deveria ter sido realizada através do sistema Citius, o qual estava a funcionar sem qualquer impedimento à data. Trata-se da violação do princípio do juiz natural, a qual compromete a imparcialidade e a segurança jurídica de todos os actos processuais subsequentes. Coisa pouca, irrelevante, tratando-se de Sócrates, pois claro.

Carlos Alexandre viria a justificar fidelissimamente a escolha manual, mostrando ser o homem de mão do Ministério Público para qualquer abuso e violência que fosse preciso assinar em nome da Justiça portuguesa. Ficou tão encantado com essa função de verdugo que até se permitiu dar entrevistas a celebrar a sua soberba impunidade, tratando um cidadão à sua responsabilidade como se fosse um escravo nas galés a pedir mais chicote. Ora, serve esta pequenina amostra do que tem sido a Operação Marquês para reconhecer um padrão: os direitos de Sócrates — direitos constitucionais, direitos da personalidade, direitos humanos — não despertam paixões entre a malta das magistraturas; parece mais ao contrário, causam alergia, enfado e desprezo. Sendo isso abundantemente demonstrável, não é sensato presumir que no julgamento venha a ser diferente.

Se até o Zé dos Anzóis sabe que num processo judicial por uma merdice se pode ficar enterrado num arbítrio do juiz que calhe, ou que há juízes com decisões abstrusas em casos de gravidade maior, neste processo em que a Justiça portuguesa está corporativamente na berlinda só um milagre permitiria um julgamento justo. Donde, as suas tentativas para não ir a julgamento são a atitude mais adequada a quem tenha respeito próprio e sinta a responsabilidade de defender os seus interesses. Porque estes nunca foram defendidos por quem tinha esse dever supremo, e logo desde a primeira violação do segredo de justiça em Julho de 2014. O primeiro crime público contra a sua pessoa, neste processo, cometido por aqueles que um dia assumiram o seguinte compromisso: «Afirmo solenemente por minha honra cumprir com lealdade as funções que me são confiadas e administrar a justiça em nome do povo, no respeito pela Constituição e pela lei».

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Dominguice

Políticos, jornalistas, editorialistas, comentaristas e abéculas de tipologia vária andam a desumanizar Sócrates desde 2004. A desumanização é um fenómeno universal, automático, necessário para se exercer a violência. Uma vez em acção, a desumanização gera violência contínua e crescente. A luta política pode facilmente despertar instintos violentos, pois se está em disputa, ao mesmo tempo, por recursos valiosíssimos e status. Em Portugal, a elite da direita levou a desumanização de Sócrates a um grau de paroxismo como nunca antes se tinha visto por cá após a democracia ter estabilizado em 1976. Essa desumanização feita de forma sistemática e obsessiva nos impérios de comunicação — ao longo de anos, meses e dias consecutivos — explica a aposta ganha na violência extrema do linchamento institucional e popular planeada e executada pelo Ministério Público e pelo juiz Carlos Alexandre, em 2014. Os crimes de violação do segredo de justiça, a descontextualização das escutas e a ficção (porque apenas especulação) de uma acusação sem provas, mas onde havia ofuscantes e hipnotizadores milhões de euros, levaram a população a aceitar a violência que se abateu como castigo colectivo em cima daquele que não tinha, nem merecia, defesa. Ele era o monstro da mentira, o monstro da corrupção, o monstro do mal. Ao mesmo tempo, políticos, jornalistas, editorialistas, comentaristas e abéculas de tipologia vária geraram uma desumanização simétrica a respeito das pessoas que na Justiça têm responsabilidades na Operação Marquês, procuradores e juízes. Elas não erram, não abusam, não são corruptíveis, não têm vieses cognitivos, não têm vieses corporativos, não têm vieses políticos, são imunes à pressão social, são imunes à pressão mediática. Permanecem puros, são anjos. Anjos do bem, a tentar defender-nos de Satanás e sua legião de demónios.

Um curso de ciência política devia começar sempre com esta máxima de Hannah Arendt: «The ideal subject of totalitarian rule is not the convinced Nazi or the convinced Communist, but people for whom the distinction between fact and fiction, true and false, no longer exists.»

O megaprocesso começou com uma megaprodução para um megaespectáculo

Pinto Monteiro foi escolhido (não à primeira) por um primeiro-ministro do PS e um Presidente da República do PSD. Muito antes de existir o Chega, sequer Ventura em Loures, a direita política — ao mais alto nível — caluniou (durante anos, continuará a caluniar se tiver oportunidade) o falecido ex-PGR de forma maximalista: acusou-o de ter violado a lei para proteger Sócrates. Era verdade? A ser, como explicar a passividade de Cavaco face a tão escandaloso e grotesco crime, então, ou a inexistência de uma mísera denúncia do sindicato do Ministério Público, ou de um solitário procurador a provar tal? Como é óbvio, não passava de uma campanha negra, um vale tudo de terra queimada. Cavaco viria a condecorar Pinto Monteiro quando este abandonou o cargo, como é da praxe.

Joana Marques Vidal foi escolhida por um primeiro-ministro do PSD e por um Presidente da República do PSD. Joana Marques Vidal escolheu Amadeu Guerra para planear e dirigir a caçada a Sócrates. Passos e Cavaco viriam a fazer campanha para que a falecida Vidal continuasse como PGR num segundo mandato, ao arrepio da prática desde os idos do caso Casa Pia. Temiam que a acusação a Sócrates, então ainda por concluir, ficasse de algum modo sujeita a olhares estranhos. Disseram que sem Vidal e seus muchachos voltaria o controlo criminoso do Ministério Público pelos socialistas. Ou seja, confirmaram que a sua escolha em 2012 teve como finalidade primeira, e suprema, o controlo político do Ministério Público pela direita.

Amadeu Guerra foi escolhido por um primeiro-ministro do PSD e por um Presidente da República do PSD. Apesar de a lei impor aos magistrados a cessação de funções aos 70 anos, abriu-se uma excepção para este senhor. Porquê? Porque Sócrates. A direita precisa de ganhar em tribunal o processo que criou no MP. Ninguém melhor do que o Amadeu para reunir todos os recursos humanos, e outros, para essa batalha a partir do seu poder como PGR. De cada vez que abre a boca, a agenda de perseguição a Sócrates tolda-lhe a capacidade de medir as consequências das suas declarações. Está transformado num carrasco choné.

O conceito de “megaprocesso” foi uma escolha, foi uma estratégia. Sabiam que, fosse qual fosse o seu desfecho, uma pena totalitária seria fatalmente aplicada. O sofrimento incomensurável, o dano profundo, para indivíduos avulsos e para o PS, estaria garantido ao longo de muitos anos — corrijo: para sempre, como mancha indelével. E se assim o pensaram, assim o fizeram. Começou no espectáculo, inaudito na história de Portugal, ocorrido no aeroporto de Lisboa. A captura de um cidadão que chegava do estrangeiro para se apresentar às autoridades. À hora do telejornal para telejornal mostrar. Um cidadão que ficou preso durante 11 meses alegando-se perigo de fuga.

O povo adorou a novel excitação e o sabor a sangue dessa noite.

Onde é que se poderá votar nesta pessoa?

«Quando a crítica e o debate plural - conquistas de Abril - se tornam “delitos de opinião”, quem sai prejudicado é o desenvolvimento democrático de uma região, de um país, de um partido. Quando nem a nível nacional existe uma acendalha de esperança que retire o PSD do monocromatismo de pensamento, é preciso agir em conformidade com a própria consciência.

Assim, entre os vínculos a princípios humanistas e democráticos, e o vínculo partidário ao PSD, escolho, naturalmente, os primeiros.»


Rubina Berardo_Ex-deputada do PSD

Rock me Amadeus

Em qualquer curso de Direito no mundo, calhando um aluno escrever num exame ou dizer numa oral — fosse em que cadeira fosse — que compete aos acusados provarem a sua inocência, esse cábula seria inevitavelmente chumbado. Mesmo que o resto da sua prova fosse melhor do que a perfeição. Porquê? Porque a presunção de inocência, e como inerência o ónus da prova ser responsabilidade da acusação, confunde-se com a essência mesma da ideia de direito enquanto sistema cuja finalidade seja a aplicação de uma qualquer concepção e materialização da justiça. Pensemos: sem a presunção de inocência estatuída nos códigos fundamentais, cada um passa a ser potencialmente culpado até prova em contrário. Culpado de qualquer tipo de crime. Que sociedade seria essa onde o acusador não teria de provar nada? Uma sociedade onde não existiriam Direitos Humanos, por exemplo. Uma tirania infernal.

Amadeu Guerra tem 70 anos, licenciou-se em Direito em 1978, entrou no Ministério Público em 1981. A hipótese de ignorar, ou ter esquecido momentaneamente, o que é e o que vale a presunção de inocência, na recente entrevista ao Observador, é impossível de aceitar. Pelo que somos obrigados ao confronto com a evidência: quis dizer o que disse. Ora, isolando essa afirmação do “Sócrates tem direito a provar a sua inocência” como objecto de análise, temos que ela sozinha consegue o feito de promover a inversão da lógica constitucional que protege o cidadão face ao poder do Estado: é uma inequívoca violação do princípio da presunção de inocência. Se este ataque direto ao coração do Estado de direito viesse de um procurador de baixo escalão, seria sempre um caso extraordinário, a merecer uma extraordinária polémica e medidas de protecção da legalidade democrática. Vindo de um procurador-geral da República, ainda por cima este, fica como um momento realmente inacreditável na história de Portugal. E isto é apenas o começo da conversa.

Passos e Cavaco escolheram Joana Marques Vidal como procuradora-geral da República em 2012. Meses depois, a senhora escolheu o Amadeu para director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). O clima de caça implacável a alvos socialistas assim inaugurado está cristalinamente representado pela seguinte cena. No dia em que a Polícia Judiciária efectuou buscas nas casas dos ex-ministros das Obras Públicas, Mário Lino e António Mendonça, e do ex-secretário de Estado Paulo Campos, em Setembro de 2012 (num processo que continua aberto para investigação ao dia de hoje), Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça, lançou a seguinte pulhice: “Acabou o tempo em que havia impunidade”. Esse “tempo da impunidade”, na cifra usada, era aquele em que Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento defenderam as suas instituições, a Constituição, os códigos legais e a República. Daí a golpada do Vidal de Aveiro não ter conseguido colocar Sócrates como arguido no Face Oculta antes das legislativas de 2009. Agora é que ia ser bom, ouvia-se a Torquemada da Cruz a afiar as facas. A direita passava a ter uma maioria parlamentar, um Governo, um Presidente da República e uma PGR. Não, já não estamos no sonho de Sá Carneiro.

À frente do DCIAP, foi Amadeu Guerra quem definiu a estratégia para desta vez Sócrates não poder escapar. Foi dele a decisão de se fazer a detenção no aeroporto, à chegada a Lisboa, e ele fica como um dos maiores suspeitos pelos crimes de violação do segredo de justiça na Operação Marquês — os quais começaram em Julho de 2014, e explodiram na própria noite da detenção. Foi dele a decisão de se prender Sócrates não porque existissem provas que o justificassem mas para as tentar arranjar. Sócrates foi preso para ser investigado. E também para ser exibido como troféu num linchamento mediático e popular. E ainda para pressionar todos os juízes que viessem a deliberar no que se sabia implicar anos de litigância judicial. Pois é esta pessoa, com estas responsabilidades e influência no decurso da Operação Marquês, que montado no cargo de PGR vem transgredir insanavelmente o seu estatuto de magistrado e pôr em causa valores basilares do Estado de direito. Violando o seu dever de reserva e de imparcialidade, despejou na praça pública aquilo que de imediato se traduz como uma convicção de culpabilidade. Tal posição, vinda da mais alta figura do Ministério Público e num caso de enorme relevância mediática e institucional, fragiliza a confiança dos cidadãos na Justiça e compromete a integridade do sistema democrático ao contaminar um processo judicial a decorrer.

Donde, que pretendeu este pulha com esta pulhice? Os meus 10 euros vão para a tentativa de continuar a pressionar os juízes através de uma manifestação de força e impunidade. Que alcançou. O silêncio de jornalistas e políticos que se seguiu às suas declarações significa aprovação do regime. O regime aprova a violação do Estado de direito como excepção porque Sócrates. Para os restantes cidadãos, as leis continuarão em vigor. Enquanto os Amadeus quiserem, claro.

Introdução ao Direito, à Política e à Decência Básica – Época de exames

Duas situações para testares a tua literacia nestas disciplinas.

I. Imaginemos que aparecia um procurador-geral da República a fazer as seguintes declarações públicas:

"É lamentável que Paulo Portas, Dias Loureiro, Duarte Lima, Cavaco Silva e Passos Coelho não tenham ainda conseguido provar a sua inocência. Tendo em conta o que sabemos no Ministério Público, e que é público, devíamos dar-lhes essa oportunidade."

Qual achas que seria o efeito social, político e judicial dessas afirmações? Acharias possível que toda a gente — dos políticos aos jornalistas, dos magistrados aos cidadãos — ficasse calada? E a haver uma qualquer reacção mediaticamente registada dentro da comunidade, qual deveria ser a posição do Conselho Superior do Ministério Público?

II. Imaginemos que aparecia um procurador-geral da República a fazer as seguintes declarações públicas:

"A sociedade pôde ouvir as escutas feitas a Sócrates, enchemos a pança de gozo, e ninguém tem dúvidas de que seja culpado de qualquer coisa. Para além disso, é uma pessoa profundamente antipática, merece sofrer para ver se perde aquela arrogância de mentiroso e corrupto. Proponho que se faça uma votação nacional onde se pergunta se deve ser preso ou absolvido. Se o povo votar pela sua prisão, depois um juiz só tem de decidir por quantos anos. Dessa forma conseguiremos finalmente encerrar este processo. Continuarmos a vê-lo usufruir dos seus direitos para se defender é que já não se aguenta."

Provavelmente, achas que jamais ouviríamos isso de um procurador-geral, sequer de um procurador genérico. Nem mesmo o mais fanático e rancoroso dos jornalistas ou caluniadores profissionais caça-socráticos se atreveria — em público! — a largar uma bojarda dessas. Terás toda a razão. Mas dá largas à fantasia neste exercício pedagógico. Num caso desses, qual deveria ser a consequência para o PGR face ao Estatuto do Ministério Público? Qual deveria ser a resposta política e constitucionalmente apropriada do sistema partidário, do Governo e do Presidente da República?

Estuda bem as questões supra e dá respostas devidamente alicerçadas nos conhecimentos que tens adquirido ao longo da vida e no estudo destas disciplinas. A pontuação será de 0 a 20.