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A Senhora Procuradora-Geral não se sente responsável por coisa nenhuma

E também não percebe que é esse o problema do Ministério Público que dirige. E o seu. Que incompetência. E que falta de respeito.

Depois desta afirmação, não devia ser demitida? O que esclareceu Lucília Gago, agora que finalmente abriu a boca? Absolutamente nada. Apenas veio confirmar com enorme desplante que naquela instituição ninguém é responsável, ninguém presta contas. É um descanso. É um regalo. É um gozo. Manda-se abaixo um governo, destrói-se a reputação de um primeiro-ministro; descobre-se de seguida que a investigação tinha erros grosseiros, que os fundamentos estavam errados, mas a responsabilidade não é de ninguém. Nem sequer da autora do parágrafo assassino, que pelos vistos não conferiu, e devia absolutamente ter conferido, o que os procuradores apresentavam como indícios. Para paródia, não tem graça.

Onde anda a Procuradora-Geral?

Não é que se veja muito. Antes de ter ido falar com o Marcelo, no dia 7, eu até pensava que a senhora era loira, há tanto tempo a não via! Mas, perante as convulsões políticas e o alarme que as acções dos magistrados do Ministério Público causaram – escusadamente, velhacamente, propositadamente? – e depois de o próprio gabinete de imprensa da Procuradoria ter demitido um primeiro-ministro através de um comunicado venenoso e/ou irresponsável, o que tem Lucília Gago a dizer? Nada? E a fazer? Também nada? Pensará que é como o Presidente Marcelo?

Eu penso que se devia demitir e explicar bem porquê.

O desmentido do Presidente da República. Já chega de desvario

Depois do caso da cunha para tratamento de duas gémeas brasileiras em Portugal, que em 14 dias passaram a ser portuguesas, segundo as notícias, e de tudo o resto que entretanto aconteceu relacionado com a demissão de António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa vem agora desmentir, em nota publicada hoje, que tenha convidado Mário Centeno para liderar o executivo depois da demissão de António Costa (apesar de nunca ninguém ter dito tal coisa), e também que tenha tido conhecimento e dado o seu aval a essa sugestão do primeiro-ministro.

Sabemos como Marcelo R S vê tudo, ouve tudo e reage a tudo o que se diz e acontece (e muito na hora), mesmo que não lhe diga respeito. Pois bem. Então porque esperou dois dias para publicar este desmentido? Porque não logo no sábado?

Depois de a comissão de ética do Banco de Portugal ter decidido avaliar a conduta do seu governador e reunir-se esta segunda-feira para averiguar da incompatibilidade da assunção do cargo temporário de primeiro-ministro pelo governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, com a sua função actual é que Marcelo Rebelo de Sousa se lembra de vir desmentir o que António Costa disse, claramente articulado, dois dias antes? Que contactou Mário Centeno para o substituir com o conhecimento do Presidente da República? É estranho e nunca visto da parte do Presidente.

 

Se é certo que Marcelo acabou por decidir dissolver a Assembleia e convocar eleições, não me parece que haja contradição com o facto de ter ouvido a proposta de Costa e de não ter manifestado oposição, permitindo que avançasse com o contacto (tanto mais que o Conselho de Estado se dividiu claramente sobre esta matéria). Terá ficado assustado com a hipótese de o seu nome ficar associado a um acto “pouco ético” ou mesmo “ilegal”, segundo alguns dos seus amigos? Pode ser, mas, com tudo o que sabemos, isso faz-me rir.

 

Por outro lado, cabe na cabeça de alguém que António Costa tenha afirmado alto e bom som que deu conhecimento ao Presidente da República da sua iniciativa e que isso seja mentira?

Perante outros, este caso não é de grande gravidade, mas o que interessa a Marcelo é que não pode ser provado. Este final de presidência é simplesmente deplorável.

Há quem se consuma com a dicotomia “direita ou esquerda” e encha um jornal de tolices

Há uma cronista do Público, uma pessoa que eu diria “pipi”, mas que milita, inconsciente do humor que suscita, pela causa comunista em 2023, que estagnou de tal modo na visão direita-esquerda do mundo que é capaz de aplicar esses conceitos rígidos e cada vez mais desajustados ao conflito israelo-árabe e, mais ridículo ainda, ao conflito Rússia-Ucrânia, a bem dizer a tudo o que acontece. Assim, ser de esquerda é estar contra os Estados Unidos sempre e em qualquer circunstância, mesmo que haja milhões de americanos susceptíveis de se enquadrarem na dita esquerda, alguns deles no Governo. Aliás, corrijo, nos Estados Unidos, é impossível, por força do capitalismo, haver alguém de esquerda. Os americanos, ao contrário dos russos e chineses (ah, espera), têm demasiados interesses em demasiadas partes do mundo… A sua catalogação é do mais fácil que há. Kennedy, Ford, Obama, Clinton, Biden? Não prestam.

O Hamas, se calhar, é de esquerda, já que luta contra Israel, um aliado e amigo dos Estados Unidos. Mas, oh diabo, a Catarina Martins diz que é de extrema-direita. E não saem disto, mesmo que decidissem concordar em qual extremo o colocariam.

Já a Rússia, a pátria da experimentação máxima da ditadura do proletariado, será para todo o sempre de esquerda, ainda que governada por um fascista e facínora, plutocrata entre plutocratas, imperialista puro, como outros no Ocidente e mais além já foram, embora já há algum tempo, que não admite adversários políticos e os manda sistematicamente eliminar. A Rússia é, pois, de esquerda (ainda que, para os jornais, se diga que não) e, como ditadura, muito aceitável, vá lá, muito “ignorável”. Porquê? Porque é contra os Estados Unidos. A Ucrânia, por sua vez, não passa de um antro de nazis, pois é o que diz o Putin, o ex-KGB inconformado, e, apesar de ter sido cruelmente invadida depois de convenientemente “desnuclearizada”, não devia receber ajuda militar para se defender, porque, lá está, a ajuda vem dos Estados Unidos e da Europa capitalista – tudo gente de direita, que são por definição contra os trabalhadores e só pensam em ser imperialistas e exploradores (não no sentido da Royal Geographic Society, claro está, mas, nem nos falem desses, que colonialistas insuportáveis). E não querem a paz, esses ucranianos, no fundo mais americanos que eu sei lá, porque não sei quê as fábricas de armamento. Não havendo armas haveria paz e assim os nossos “assets” putinistas poderiam descansar vitoriosos, silenciados os tais nazis por falta de combustível para resistir e retaliar.

 

No âmbito desta visão, a Carmo Afonso, porque é dela que se trata, dá-se agora ao trabalho de acusar o Rui Tavares de dizer, a propósito dos últimos acontecimentos em Israel, “coisas que agradam à direita”, como, por exemplo, que o Hamas é uma organização terrorista. Não pode, não é? Devia ter dito que os seus militantes são a resistência armada dos palestinos, quiçá um bocadinho violentos, mas quem não degolaria pessoas a eito para “libertar” o povo que oprime? Quem não massacraria jovens foliões pacíficos para impor um regime islâmico, teocrático e opressor, não é? Quem? O Rui Tavares é um traidor, pulou a cerca e não devia, pôs em causa o consenso do esquerdismo, e ela perde o pé e as estribeiras se alguém se atreve a deixar a ortodoxia assim desta maneira. Não se faz e a amizade dos dois está ameaçada. Oh, céus.

Não tenho mais palavras para tanta mediocridade. A esquerda da Carmo Afonso já teve melhores dias. Agora é a indigência e a desorientação totais.

Uma república islâmica para Israel


Pergunto-me se o mundo, se os Estados Unidos, se envolveriam numa guerra no Médio Oriente para a manutenção do Estado de Israel.

Imaginemos que o Irão, a Jordânia e a Síria, com a Rússia por trás, animados pelo aparente sucesso do Hamas em desestabilizar o Estado vizinho, decidiam apoiá-lo às claras e atacar em força com vista a eliminar os judeus daquela zona do globo, onde, dizem muitos, nunca se deveriam ter estabelecido, e provocar deste modo os Estados Unidos, principais apoiantes do Estado de Israel, mas já bastante “ocupados” com o problema da Ucrânia. Quem acorreria para evitar que tal desfecho se concretizasse? Pois tenho dúvidas.

Imaginemos, então, que o Estado de Israel se desmoronava, sendo os seus habitantes obrigados a fugir para outras paragens e instalando-se nesse território um estado palestino governado pelo Hamas. Continuariam os nossos bloquistas e comunistas, e os seus congéneres europeus, a dar vivas ao que se seguiria? Se sim, isso seria o equivalente a darem vivas aos talibãs. Como não se atrevem a ir tão longe no seu ódio ao Ocidente, suponho que frisariam a opressão em que viviam os pobres dos palestinianos nas mãos dos judeus e em como, agora, seriam donos do seu destino… Uns caridosos, estes farsantes. Pena que não vissem o absurdo, a abjecção, dessa caridade.

 

Não nutro qualquer simpatia nem pelos judeus ortodoxos, uns fanáticos que pensam ser donos de toda aquela terra por direito divino e que, em matérias sociais e políticas, pouco se distinguem dos tiranos islamistas iranianos, afegãos, etc., nem pelos radicais islâmicos que gritam morte às outras civilizações como se ainda vivessem no século VIII EC e que pouco ou nada contribuem para o progresso da humanidade. Estão bem uns para os outros e, se se eliminassem mutuamente, não viria mal nenhum ao mundo, pelo contrário. Já chega de querelas religiosas em nome de divindades, quando, no fundo, é uma questão de poder e dinheiro.

No entanto, Israel era uma democracia do tipo ocidental até há pouco tempo. Havia liberdade,  tolerância, ciência e modernidade. Têm os judeus fantasias quanto à sua singularidade neste mundo? Têm, mas não me incomoda, desde que continuem a produzir bons cientistas e convivam bem com a secularidade. Naquela parte do mundo, a minha preferência só pode ir para eles. Já a ocupação progressiva que fazem do território dos seus vizinhos não é de todo aceitável e deviam recuar.

O actual agudizar deste longo conflito não me surpreende, portanto. Os terroristas do Hamas são umas bestas. Mas os israelitas já o sabiam. Os regimes autocráticos do mundo islâmico são violentos e desumanos. Cada vez mais o confirmamos. O Hamas não poderia ser uma excepção.

Assim sendo, para já, distância. Mas, neste caso, como no da Ucrânia, uma negociação de paz para evitar o pior terá que passar pelo abandono dos colonatos na Cisjordânia, onde Israel é o ocupante, como contrapartida pelo reconhecimento do Estado de Israel pelos dirigentes palestinos.

E chovam as críticas, por favor.

Decido ir para a rua paralisar o trânsito, em Portugal. O que espero

Aplausos dos condutores, claro, solidariedade, confraternização, uma conversa amigável e um dispersar pacífico sobretudo graças à monotonia. Todos de acordo. Missão cumprida.

 

Missão cumprida? Tudo menos isso. A missão cumprida é mesmo o que aconteceu. Suscitar a fúria e depois chamar violentos aos condutores que os forçaram a desobstruir a estrada, porque tinham mais que fazer. Este é, muito provavelmente, para estes jovens o conceito de missão cumprida. Melhor, penso eu, só se houvesse sangue. Missão em parte por cumprir, portanto.

 

Conclusão para as polémicas que aí andam: se os jovens tiveram o que queriam, e o que queriam não era seguramente o que descrevi no primeiro parágrafo, se alguns até fizeram ginástica num viaduto, que mais há para discutir? Nada. Siga a banda.

Nem os defendo por serem jovens e irreverentes, porque, ouvindo os que falaram, vejo que são é ignorantes, nem os ataco porque me parecem antes indigentes e imitadores e a precisarem de cuidados. Como divertimento, a sua acção também não me parece grande coisa. Não faz rir. Mais importante ainda, não populariza a defesa do ambiente, porque quem conduz automóveis é porque precisa e ficaria até grato se o automóvel não poluísse. E quer pôr pressão justamente no país e no governo que mais tem feito pela implantação das energias renováveis. Talvez irem manifestar-se para a China? Aí, sim, seria um verdadeiro desafio internacional.

À semelhança de Marcelo, António Lobo Xavier também sabe fazer figuras ridículas

Ouvi-o no Domingo, no programa da noite da CNN, “O Princípio da Incerteza”, sobre o “caso” do Conselho de Estado. Argumentação mais disparatada em defesa do seu estatuto e contra António Costa era impossível. Por um lado, declarou que, uma vez que Marcelo tinha mudado a natureza daquele órgão consultivo ao abri-lo a personalidades estrangeiras, por exemplo, não havia problema algum em que fosse agora um órgão mais aberto e informal, ou seja sobre o qual se pode vir falar cá para fora (deduzi eu como ouvinte); por outro lado, assumiu o papel de pessoa muito indignada e ofendida por o Primeiro-Ministro declarar que alguém estava exorbitar as suas funções e dar a entender que algum dos conselheiros presentes divulgou o que não podia ter divulgado, e ao que consta, de forma truncada ou mentirosa mesmo.

Ora, ele próprio, uma das tais pessoas respeitáveis, dignas e totalmente respeitadoras das regras que têm assento no dito Conselho, decidiu confirmar que o que outros disseram era verdade. E estar calado, não teria sido melhor opção? É que assim torna-se demasiado óbvio que só fala por ser ele um dos escolhidos por Marcelo e, evidentemente, em defesa deste. Como se António Costa não estivesse cheio de razão ao decidir não ter nada a dizer numa reunião cujas conclusões já estavam tiradas e escritas à partida. Pior prestação só mesmo a de Marcelo a tentar passar-se por extremamente amigo de António Costa depois do desplante daquele putativo “comício”.

 

Mais uma vez de acordo com Vital Moreira, de quem muitas vezes discordo, deixo aqui a sua opinião sobre este assunto:

Assim, não (6): O mal e a caramunha

Ainda Marcelo, o católico

Diz-se, e é verdade, que Marcelo morde como o escorpião. Ultimamente são inúmeras as vezes em que desafia, provoca, ameaça ou ressabia com o primeiro-ministro: ou porque embirra com João Galamba e quer que se demita só porque um esgrouviado de um assessor, na sua ausência, surripia o computador de serviço (objectivo: causar ruído, dar matéria à oposição), ou porque entende que o pacote de medidas para a habitação é um bom pretexto para fazer ver quem manda e fazer ele a oposição que o Montenegro não faz, ou, eventualmente, porque embirra com a ministra dessa mesma pasta, ou ainda porque decide “espicaçar” os sindicatos dos professores para os manter assanhados, criando problemas sérios ao Governo, que já dava o assunto da contagem do tempo de serviço por esgotado (e está), e sobretudo causando prejuízos aos alunos das escolas públicas (objectivo: instabilidade política), ou porque decide fazer dos conselheiros de Estado ouvintes das suas próprias conclusões prévias, enfim, este exemplar, no seu segundo mandato, não se contém nas ferroadas, nas tentativas de golpe e na exorbitação dos seus poderes.

 

O que acontece depois? Depois, vem a tomada de consciência do abuso, a contrição (mas só para si) e o recuo público quando “a sacanice”, para não lhe chamar outra coisa, ou o desrespeito da Constituição se tornam demasiado óbvios e se viram contra ele ameaçando-lhe a tão almejada popularidade (nem os seus colegas comentadores o poupam). Que não, que é muito amigo do Costa, desde há já muitos anos, do tempo da faculdade!, que as amizades são para manter (tese do amuo como que confirmada, apesar de falsa, mais uma sacanice), que entende apenas ser sua função repor os equilíbrios institucionais, leia-se “ataca quando acha que o seu partido não está a ser contundente o suficiente”, o que é pior emenda que o soneto porque não é esse, de todo, o seu papel, ou, quando confrontado com as suas jogadas totalmente infantis mas malévolas, entabula um discurso enigmático, que ninguém decifra, mas pode soar para alguns a grande sabedoria, discurso a que já assistimos noutras etapas comprometedoras da sua vida (como aquando da despenalização do aborto). Um farsante. Um farsante que se faz passar por querido, beija muito, anda ao sabor do vento e está convencido de que pode passar raspanetes. Azar: ao Costa não pode. O Presidente não governa nem vai responder pela governação em futuras eleições. Portanto, voltar ao seu galho é mesmo o melhor que tem a fazer.

 

Em suma, Marcelo está a ser má pessoa, sabe que está, mas, como é vulgar nestes casos, entende-se lá com o seu deus quanto às desculpas, para garantir que será perdoado. A cada conversa mística privada, fica lavado. Já beijou a mão do papa. Mas isso é até à próxima. Aposto que tanta lavagem lhe garantirá o céu, mesmo que cá na Terra se divirta a infernizar os outros só porque pode.

O beijo do espanhol

Imaginemos que era uma mulher, presidente de uma federação de futebol masculino (improvável, mas possível hoje em dia, quando já vemos mulheres a arbitrarem jogos masculinos), quem “se descontrolava” no auge de uma enorme alegria e dava um beijo na boca, fugaz embora como aquele foi, a um jogador vitorioso apesar do penálti falhado.

Ai, não dava. Impossível uma mulher fazer isso”, ouço já uns a dizerem. Convicções fortes à parte, digo-vos, como mulher, que podia acontecer. Quem se queixaria? O próprio não, de certeza. Ofendido não ficaria. Revoltado muito menos. O mais provável seria pôr-se com ideias sobre a senhora (dependendo da idade da dita e da heterossexualidade do dito). Protestaria talvez, talvez, a namorada/mulher do jogador, essa também com as conjecturas e a indignação muito facilitadas por aquele gesto. Mas será que haveria um clamor generalizado, como o que se ouve agora pela voz da mais insignificante das equipas até à do presidente do governo espanhol? Não haveria. A menos que este episódio com o senhor Rubiales já tivesse acontecido, claro, porque a coerência é uma coisa bonita e obrigatória, se se quer ser feminista e justa.

Dir-me-ão: “Mas a dominância tem sido historicamente a do macho”. É por isso que toda a reivindicação e acusação da mulher é justa e atendível. É verdade a primeira parte e não sempre, inapelavelmente, a segunda. Aquele beijo foi assédio sexual? Claramente não. Foi abuso? Não necessariamente.

 

Dito isto, que fique claro: não considero aceitável que, no desporto ou em qualquer outra situação de convivência hierárquica, um superior ou uma superiora, ou um colega, já agora, se aproveitem da sua posição para abusarem, mesmo que levemente ou sob falsos pretextos, do corpo de pessoas com quem convivem profissionalmente, quer em troca de promoção (ou de paz no dia a dia para a pessoa abusada, vá) quer em troca de coisa nenhuma, como parece ser este o caso e muitos outros, só porque sim. Não é aceitável. Também não sou radical ou tontinha ao ponto de achar que uma mulher não tem meios para se defender de “avanços” não desejados (sem violência). Tem. Tal como um homem. Mas também não sou radical ou hipócrita ao ponto de achar que nenhum “avanço” é desejado. Muitos são e seria pena se não acontecessem.  Repito que não estou a falar de actos violentos, como é óbvio. Mas terá sido aquele um acto violento, o do Rubiales? Irreflectido, sim. Violento, não.

O que se passou então? A própria atleta, que desvalorizou o sucedido num primeiro momento, optou por se juntar ao clamor geral, dada a reacção desafiadora de Rubiales e dadas as implicações que uma desvalorização daquele gesto tem no contexto de uma série de casos conhecidos de abusos no desporto. A tolerância passou a ser zero. Compreende-se. O próprio Rubiales devia ter compreendido e, no mínimo, pedir desculpa. Coisa que não fez, o que agravou a situação.

 

Enfim, se nada na vida e na conduta daquele senhor configura falta de respeito pelas mulheres atletas, não me parece que o homem mereça ser crucificado por aquele excesso, como pretendem muitas feministas. Mas o próprio podia tê-lo evitado se reconhecesse esse excesso, preferindo optar pela fuga em frente (uma vez mais, irreflectida), inventando consentimentos onde não os houve nem podia ter havido por falta de tempo ou condições. Fez mal. Possivelmente teria que abandonar o cargo fosse qual fosse a sua reacção às críticas. E isto, sim, é passível de discussão. Porque uma mulher ser sempre vítima (incluindo em situações calmas) é também um excesso e demasiado desprestigiante para a própria.

 

 

Exemplares católicos: Marcelo e Maria João Marques

 

A propósito da corrente campanha de propaganda de uma religião, a que chamam festa da juventude católica, há questões que são velhas e relhas mas que voltam sempre com a maré: o que distingue um católico de um não católico, ou de um ateu ou de um agnóstico? O católico é mais boa pessoa? Rege-se por padrões éticos e morais mais elevados? O não católico não se interessa pelos outros? Não tem padrões morais de conduta?

As respostas são óbvias e por demais comprovadas: nem os católicos são melhores do que o resto da humanidade (para já, quando são “maus”, basta-lhes confessarem-se para ficarem com a folha limpa), e só chineses e indianos são mais de dois mil milhões,  nem os não católicos são todos más pessoas. Ou seja, ser ou não ser boa pessoa, interessar-se pela humanidade, pelo bem-estar dos animais em geral, pela justiça social, pelos direitos laborais, pelo estado do planeta, pela paz, etc., em nada depende de professar ou não a religião católica.

 

Marcelo, o Presidente, diz-se e mostra-se católico, achou genial a ideia de poder receber o chefe da Igreja Católica na sua casa (literalmente), achou-se com poder para pôr o país a pagar o seu prazer pessoal e aqui estamos: com uma conta calada para pagar, uma substituição de turistas normais, que alugam quartos de hotel ou alojamentos locais, por hordas de miúdos a dormirem em escolas ou casas particulares e um retorno económico quase irrelevante, a par de uma fuga generalizada de lisboetas (fui um deles) e um massacre de uma semana de directos televisivos que já ninguém aguenta.

Depois, ficará tudo na mesma (salva-se o Parque Tejo e, mesmo esse, para já, só tem o chão). Marcelo, o católico, não se irá confessar àquela colina das confissões, uma espécie de “muro da culpa”, tenebroso e de péssimo mau gosto num ambiente que se diz de festa, não só porque não é jovem, mas também porque os “pecados” para católicos como ele são à escolha do freguês. As ameaças e agora as vingançazinhas constantes para com o Primeiro-ministro, como a mais recente, que consistiu em dar gás a reivindicações que sabe serem impossíveis de satisfazer, levando a agitação desnecessária e prejudicial, fazem parte, claro está, da bondade própria de um católico fervoroso. As intrigas também. Não é?

 

Em suma, muito entusiasmo, muito fervor, muita fé em criaturas mitológicas, como a “Maria cheia de graça e de bondade” cuja imagem fazem deslizar pelas águas do Tejo, ou num “Cristo redentor” que nenhum “contemporâneo” jamais viu nem de quem ouviu falar, e nós a olharmos envergonhados e a dar um desconto. Sim, ó Maria João Marques, damos um desconto. Enorme.

Tudo mentira à partida. Para quê o relatório e para quê a CPI?

Tendo o PS conquistado uma maioria absoluta, automaticamente se formou o coro da oposição conluiada, que entoa vigorosos cânticos de indignação partilhada a cada medida tomada pelo Governo, a cada resposta a reivindicações, muitas vezes provocatórias, de sinal partidário e intenções disfarçadas, a cada conclusão de comissão de inquérito (CPI), aberta por tudo e por nada. O coro conta com os poderosos megafones da comunicação social e comentadores amigos.

Saiu o relatório preliminar da CPI à TAP. À TAP, repito. À alegada interferência política na administração da TAP, a propósito da indemnização paga a Alexandra Reis pela sua saída. “Relatório fofinho”, ouvi eu hoje na rádio Radar, que citava o Expresso. Estava dado o mote para a indignação do dia. O relatório era uma vigarice.

Segundo a oposição, o que se devia ter apurado na dita comissão? Ora, que foi o Governo, na figura de Pedro Nuno Santos, que deu ordem não só para o pagamento da indemnização considerada escandalosa, como até pelo despedimento da senhora (de quem durante meses a mesma oposição – amplificada por jornalistas e comentadores amigos – disse cobras e lagartos, troçando das suas competências, aparência e guarda-roupa). Como não se apurou nada disso e quer Alexandra Reis, quer Pedro Nuno, quer o seu secretário de Estado Hugo Mendes se mostraram à altura e responderam dignamente e com verdade às perguntas dos deputados, deixando-os vazios de acusações, mas cheios de tristes figuras, agora o relatório é uma lástima, foi ditado pelo Governo e não passa de uma ficção. Esta oposição está mesmo onde devia estar: na oposição. A continuar assim, é onde vai estar por muitos anos.

Que interessa todos termos ouvido a ex-CEO da TAP declarar que foi sua a decisão de despedir Alexandra Reis e que foi a equipa de advogados convocada de acordo com as regras que chegou àquele valor? Nada, não interessa nada. E que não agradou ao ministro a saída da engenheira? E que interessa que o secretário de Estado tenha dito que, ao ter conhecimento do elevado montante, comunicou ao ministro ter sido impossível baixá-lo (inicialmente seria muito mais elevado)?  Nada, não interessa nada, até porque, para a oposição, tudo era já mentira antes de ter sido dito por qualquer dos inquiridos, excepto Frederico Pinheiro. O relatório, escrito por eles, dispensava a comissão de inquérito! A ex-CEO ter sido despedida passar de exigência das oposições a decisão reprovável do Governo também diz muito dos nós em que se metem as oposições e que ficam visíveis nas CPI. Um circo, foi a ideia que ficou.

Muito rasteira anda também a comunicação social pelo facto de o episódio do roubo numa situação inédita, e da recuperação posterior do computador de Frederico Pinheiro, assessor de Galamba, não ter sido mencionado no relatório. Esquecem, mas sem surpresa, porque é intencional, as razões por que não o foi: o caso, como todos sabem, está a ser objecto de investigação pela Procuradoria, além de que não tem nada que ver com o objecto do inquérito. Mas, meu deus, como tolerará a oposição que o ministro Galamba não tenha sido enxovalhado no relatório, como não o foi na CPI? Como tolerará o Bloco de Esquerda que o seu camarada Frederico não tenha sido descrito como um herói, na pior das hipóteses como uma vítima? Não tenha sequer sido mencionada a importância do seu acto?

Da próxima vez, os senhores deputados da oposição podem dispensar-se de ouvir seja quem for do Governo. Reúnem-se e elaboram o relatório das suas teorias e conclusões. E o Governo demite-se. Então não era?

O crítico de cinema do Público que vá dar uma curva

 

Ao contrário do senhor Luís Miguel Oliveira, eu adorei o último filme da série Indiana Jones. Tem acção, pancadaria, emoção, cor, movimento, variedade, substância, imaginação, história, humor, sentimento e um elenco maravilhoso. O espectador não se aborrece um segundo naquelas duas horas e meia de aventuras. O Harrison Ford está perfeito no papel despudoradamente assumido do velho e já cansado, algo amargurado e sofrido professor aventureiro, que ainda assim mantém a antiga chama. A Phoebe Waller-Bridge muito viva, arguta, excelente, cinco estrelas para ela. Perfeita naquele papel. O miúdo que a acompanha, uma bela surpresa. O Banderas muito bom, apesar do (infelizmente) reduzido papel. O Mads Mikkelsen não desilude no seu estereótipo. Depois, todos os “brinquedos”, a maquinaria: os automóveis, os aviões, os comboios, as motas, as lanças, os artefactos, tudo impecável e na medida certa para um filme deste género. É muita coisa? É. Mas, tratando-se do último filme da série (com o Harrison Ford como protagonista, pelo menos, porque conhecemos Hollywood), digamos que uma despedida apoteótica, expressionista, se justifica inteiramente. Um adeus à guisa de homenagem e muito merecido para o actor. Não esteve o Spielberg na realização, mas James Mangold provou ser um substituto mais do que à altura da responsabilidade.

Posto isto, então não é que aquela alminha do Público lhe atribuiu uma estrelinha apenas? O que quereria ou esperaria ele para um filme deste género, quatro décadas depois? Que não tivesse sido feito? Eu acho que a tarefa era arriscada à partida, claro, eu própria duvidei do interesse da minha deslocação, mas os argumentistas foram extremamente felizes nos equilíbrios e no cozinhado que obtiveram, bem como no tratamento do protagonista. O declínio dos heróis tende a descambar em tragédia e angústia. Mas não há tragédia aqui. Puro divertimento. E ainda bem.

Fatalismo: a Rússia tem que ser ditatorial, imperialista e religiosa e os ucranianos que se lixem

Afinal o que tem o Ocidente de bom? “Nada”, diriam os Monty Python, a não ser democracia, ciclos eleitorais pacíficos, liberdade de expressão e de associação, liberdade religiosa, incluindo liberdade de não professar qualquer religião, separação de Igreja e Estado, liberdade de mercado, acesso universal à educação, a serviços de saúde maioritariamente gratuitos, respeito pelos direitos das minorias, independência da Justiça, direitos laborais, liberdade de imprensa, etc. “Nada”, portanto. Resta-nos, pobres de nós, gozar a sorte do nada de bom que temos, mas que levou tempo, dor e muito trabalho a conseguir. Por muito sob stress que estas características da nossa sociedade possam estar permanentemente (candidatos a ditadores e arruaceiros haverá sempre), duvido que a esmagadora maioria das pessoas as queiram deitar pelo cano e prefiram a mordaça das autocracias.

 

Pois bem, o Miguel Sousa Tavares (in Estátua de Sal) que também as prefere, ultimamente anda desorientado com o sucedido para lá do Dniestre. Declarando ter sempre topado perfeitamente o Putin, acha por bem troçar do facto de muitos dirigentes ocidentais terem expressado no passado o desejo e a esperança de que a Rússia se “ocidentalizasse”, mais concretamente, penso eu, que deixasse a violência e as práticas imperialistas e permitisse o jogo democrático a nível interno. E depois terem-se sentido enganados. Haverá algo de errado nisto? A Rússia já não fez (e de certo modo ainda faz) parte do universo cultural europeu? Escritores, compositores, artistas, filósofos, cientistas dos últimos séculos eram tão europeus como quaisquer outros. As respectivas cortes interligavam-se. Alturas houve em que a violência reinava em todos os lados e as monarquias imperavam. É certo que, após a revolução russa, os caminhos divergiram (por cá, no sentido das democracias) e que o domínio soviético, que levou ainda mais longe os requintes de malvadez dos czares, a par de um soturno e radical nivelamento social, deixou marcas profundas naquela sociedade. E hábitos de alheamento político que perduram. Mas a Rússia não deixou de ser uma parte da Europa! Isso, sim, é uma fatalidade.

 

Diz ele:

«Putin sabe que a democracia e as liberdades, tal como as conhecemos no Ocidente, são coisas alheias aos russos: não lhes fazem falta. Não obstante o heroísmo de resistentes como Navalny, o poder autocrático de Putin não é uma forma de governo estranha aos russos. »

«…desde tempos imemoriais, há três coisas em que assenta o poder na Rússia: a noção de pátria, a religião e o autocrata. Durante a monarquia, a noção de pátria estava na “Mãe Rússia”, o território sagrado pelo qual cada russo daria a vida contra as ameaças dos inimigos; a religião era a Santa Igreja Ortodoxa; e o autocrata era o Czar, investido de poder divino. A partir de 1917, com a Revolução e a paz de Brest-Litovsk, Lenine cedeu território em troca de ganhar os soldados massacrados do Czar para a Revolução, substituiu a religião da Igreja pela do comunismo e a autocracia do Imperador pela do Partido.»

 

Isto é mau? Não muito, para o Miguel.

Mas, curiosamente, o termo “ocidentalizar”, significa para ele deixar o Ocidente controlar as grandes empresas russas. E por isso dá vivas a Putin por ter revertido essa afronta.

«A diferença entre os seus oligarcas e os do seu antecessor é que os seus passaram a ser controlados a partir do Kremlin e não do Texas. Depois, daí em diante, foi uma cascata: ele passou a “enganá-los” a todos. Ao contrário do esperado, não se deixou “ocidentalizar”

Não é bem isso, Miguel, mas enfim. As democracias liberais também estão abertas a capitais estrangeiros. Além disso, é mais justo fazer comércio em igualdade de circunstâncias (pensar nas nossas relações com a China, um problema).

 

«A barbárie dos russos e dos eslavos, em geral, é lendária. Todavia, a história das décadas da Guerra Fria está carregada de episódios semelhantes do nosso lado, uns conhecidos, outros não, e dificilmente se poderá sustentar que, em matéria de métodos de actuação, de invasões, de golpes de Estado, de massacres, de Guantánamos, nós fomos predominantemente os bons e eles os maus. A História é uma lavandaria onde todos entram sujos e só sai limpo o último a fechar a porta.»

 

«Claro que, para quem teve a sorte de nascer e ser educado com os valores daquilo a que chamamos “democracias liberais”, só por masoquismo experimental ou obstinação ideológica trocaríamos o nosso modo de vida pelo do país de Vladimir Putin. E, se pudéssemos, decretaríamos o mesmo, a liberdade, para todos os povos e nações do mundo. A liberdade e também a prosperidade. E também a paz — também a paz. »

 

Os nós dessa cabeça, ó Miguel.

 

Os últimos parágrafos, sobretudo, são os que revelam o maior transtorno. O Putin é sanguinário, é ex-KGB, é isto e aquilo, mas devemos querer é a paz e deixá-los lá como são. Os russos.

Miguel, não há pachorra para as pazadas de História que atiras para cima dos ocidentais só para escamotear e desculpar o simples facto de ter havido uma invasão violenta de um país soberano, aqui tão perto de nós e tão semelhante a nós, com aspirações a ser um de nós, sem incubadoras de terroristas que gritam “morte ao ocidente” enquanto brandem o Corão, apenas com intuitos imperialistas, e isto no século XXI.

Os ucranianos nesta história do Miguel são completamente irrelevantes. Se calhar, acha que são nazis e merecem perder a sua terra e morrer.

 

Estado da comunicação social: a pergunta que todos os democratas devem fazer

Com o controlo total dos órgãos de comunicação social que é notório e aterrador neste momento – rádios, televisões e jornais, até empesas de sondagens -, se a direita portuguesa chegar ao poder um dia, aliada aos boçais do Chega e da Iniciativa Liberal, que diferença haverá entre este país e a Hungria ou a Turquia (embora neste caso fosse preciso o Ventura ganhar eleições)?

Convém recordar a história que desvairava a direita na altura de que o Sócrates é que atentava contra o Estado de Direito porque não sei quê da Prisa e da TVI. Está claro agora?

Uma imensa Fox News

Sobre o caso do momento. O Frederico Pinheiro não podia levar o computador. Ponto. A partir daqui, o que interessa a hora das chamadas (feitas como se impunha que fossem), os membros do governo informados (como deviam ter sido), a entidade policial alertada (e foram alertadas várias) e outras questões ainda mais laterais totalmente irrelevantes para o caso, que mais ridículas se tornam na boca prolongada, e na desboca, dos deputados inquisidores?

A situação ocorrida no ministério foi insólita e inesperada, mas penso que muito clara para todos. O homem despedido quis levar o computador com ele (ainda não explicou porquê) e, encontrando resistência, forçou-o recorrendo à violência. As restantes assessoras e as funcionárias apenas podiam fazer uma de duas coisas: ficar a olhar para ele passivamente enquanto cometia o ilícito (tornando-se nesse caso cúmplices, pelo que também já estariam no olho da rua); ou impedi-lo de levar o computador: com as próprias mãos ou pedindo que as saídas do edifício fossem bloqueadas. Feito tudo isso, não é de esperar, obviamente, que o assessor corrido venha tecer elogios às ex-colegas ou ao ministro, muito pelo contrário, faz-se de vítima, e pouco mais haverá a dizer a não ser que se aguardem as conclusões do processo, sobretudo se houve interferências indevidas em documentos classificados, que tipo de informação não autorizada estava no computador e o tipo de sanção que será aplicada ao ex-assessor infractor. O ministro apenas o despediu, coisa que tinha todo o direito de fazer. Aliás, se me permitem um aparte, finda a geringonça, o que fazia ainda um militante bloquista no governo?

Por isso, a comunicação social já acabava com as suas inqualificáveis figuras, até porque já ninguém aguenta. Sobretudo ver jornalistas, praticamente todos (os mesmos que nos dão diariamente as notícias mais diversas), a tomarem os espectadores por acéfalos, a assumirem descaradamente o papel de opositores ao Governo, recorrendo, como disfarce e apoio, a todos os comentadores de direita ou de extrema-esquerda que puderem arrebanhar para a sua “causa”. A que propósito é que se põem a defender directa ou indirectamente através de insinuações várias o ex-assessor? Que tipo de imprensa e de comunicação social existe em Portugal? É tudo a Fox, a que na América está ao serviço do Trump, essa criatura deplorável? Uma, aliás várias “news network” em campanha permanente, escamoteando o óbvio ? A nossa comunicação social é, na Europa, uma vergonha. Jornalistas sem consciência profissional, uma ERC que não existe, ninguém que assegure um mínimo de pluralismo e isenção. Um circo, e de má qualidade.

A asfixia mediática a sério e o Presidente

Já aqui falei nisto, já outros falaram, mas, francamente, os canais televisivos andam a bater no fundo há tempo demais no que respeita aos comentadores de política nacional para que os cidadãos fiquem calados. Não pode valer tudo para ganhar audiência ou para os senhores jornalistas se sentirem poderosos. Os jornalistas não são políticos (a menos que queiram copiar a Fox News, o que seria francamente mau e, no final, dispendioso para os patrões, como se viu na América, onde as mentiras e o excesso de trumpismo saíram caro). Também o comentário político não devia ser um espectáculo, em que, quanto mais malévolo ou maluco o comentador, mais palmas recebe. Nem tão pouco devia ser uma campanha de recrutamento de tropas da direita, com recurso aos reservistas e tudo, para o objectivo comum de deitar abaixo o Governo eleito não há muito tempo com maioria absoluta, ou justamente por causa disso. Não pode. As direções de informação não podem servir para subverter a democracia. Descaradamente. Não aqui na Europa.

 

Mas vamos a um exemplo de extrema maluqueira que pude observar ainda ontem, na CNN. No meio minuto que por lá me detive, por volta das dez e tal da noite, vi a Joana Amaral Dias a afirmar, cheia de si como sempre, da sua maquilhagem e do pau de vassoura que parece ter engolido, que o acordo que pôs fim às greves na CP, negociado pelo ministro João Galamba, tinha constituído uma “afronta ao Presidente da República” (!!!). É demais, não? Ainda ouvi de fugida o Bugalho a questionar, para meu espanto, “Como assim, uma afronta?”. E mais não vi. Se calhar, acabaram a concordar. Mas para mim bastou. Doida varrida. É verdade que o próprio Presidente também não anda lá muito bem. E isso, sim, devia ser comentado. Perdeu a noção dos seus deveres e das suas competências. É até penoso ver os que tentam tirar proveito desse triste facto. O Paulo Magalhães ainda ontem se mostrava ansiosíssimo, porque achava que Marcelo tinha que fazer alguma coisa mal viesse de Espanha, mais uns dias de espera estavam a matá-lo…

 

Voltando à informação. Poder-se-ia invocar a preocupação dos OCS, perante uma crise institucional, com o pluralismo de opiniões, dando voz a diferentes tipos de pessoas, das mais ajuizadas às mais disparatadas, das mais marcelistas às mais constitucionalistas. Mas não é isso. Tirando uma ou duas excepções, o que vemos é um desfile de pessoas de direita, ou ex-PS, ou ex-governantes PS, azedos,, a fazerem críticas e ataques de sentido único e, como se já não bastassem as habituais picaretas falantes como o Marques Mendes, o Portas, a Ferreira Leite, etc., ainda vão desenterrar criaturas como o Relvas, o Luís Filipe Menezes, o Matos Correia e sabe-se lá quem mais para engrossar as hostes (poupei-me ao desfile completo, pelo que admito existirem outros desenterrados).

 

Também nesta matéria do assessor, juntam-se ao rol os bloquistas em peso a acusar o ministro Galamba e a pedir a sua demissão, não com qualquer argumento credível, mas porque sim. Embora todos saibamos que a verdadeira razão é o assessor despedido ser bloquista. E então temos um coro.

 

Claro que, se eu não quiser ver, não vejo. Parece que o público também não vê muito ou não é assim tão manipulável como muitos gostariam, a avaliar pelas sondagens. Mas esta bolha desestabiliza. A começar pelo Presidente da República que, com o seu historial de comentador, atribui uma importância desmesurada ao ruído desta espécie de galinheiro. E, como se está a ver, isso leva-o a atitudes preocupantes – ameaças de dissolução por tudo e por nada, propostas públicas de medidas governativas, matéria que não é da sua competência, birras por não governar nem escolher os governantes, crispação inevitável com o primeiro-ministro, enfim, um certo desnorte. Desnorte, porque não tem saída: abrir caminho a outra maioria absoluta do PS ou a um possível governo de coligação com o André Ventura, o “quarto pastorinho de Fátima”, que adora a saudação nazi, não lhe vai garantir um lugar feliz na História. De todo. Deve, por isso, esquecer os comentadores, esquecer que foi comentador, deixar de ver televisão para regularizar a respiração, e atinar.