O problema foi o estatuto do Ministério Público pós-25 Abril, elaborado pela “lei Almeida Santos”, o grande legislador do Portugal democrático no domínio da justiça, que o sistematizou com a preocupação política de operar um corte com o sistema do MP durante o regime da ditadura, e que a despeito de a Constituição a consagrar como uma magistratura hierarquicamente subordinada ao PGR (art.º 219.º/4 da CRP), resolveu atribuir aos magistrados do MP uma autonomia funcional, segundo a qual apenas estão vinculados ao cumprimento da Constituição e da Lei, não estando, pois, vinculados a nenhum poder, nem ao poder executivo, nem mesmo ao PGR, tendo os seus agentes (também eles magistrados) direitos e deveres equivalentes aos dos juízes, especificidades de um modelo do MP que não existem em mais nenhum país europeu. Almeida Santos procurou fazer uma síntese entre as concepções francesa (organização hierárquica) e italiana (autonomia), que como todos os regimes híbridos não tem tido grandes resultados.
Não foi por acaso que o ex-PGR Pinto Monteiro afirmou que relativamente aos procuradores se sentia como tendo “os poderes da Rainha da Inglaterra” e que o “o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público era um mero lobby de interesses pessoais que pretende actuar como um partido político”.
Palavras certeiras do falecido Pinto Monteiro sobre a actuação do MP, em que ao invés do papel fundamental na defesa da legalidade, na promoção do acesso dos cidadãos ao direito e à justiça e na defesa dos mais fracos e incapazes, os agentes do MP com a notoriedade e protagonismo mediáticos, se centram crescentemente na área criminal da política (buscas e apreensões, vazamento de processos e escutas para os media em conluio com os jornalistas, em manifesta violação do segredo de justiça, sempre que se mostram incapazes de investigar e acusar).
No fundo, uma prática também contestada pelo Prof. Vital Moreira (blogue Causa Nossa, publicação de 1 de Junho de 2023, com o título “A política criminal pertence ao foro político”) em que a dado passo afirma: «Em Portugal, é de facto o Ministério Público quem decide o que investiga ou deixa de investigar, quando e como lhe apetece. Aparentemente, o MP manda em si próprio; aliás, cada procurador manda em si próprio e ninguém manda neles, nem a própria Procuradora-Geral controla o que eles fazem».
«O MP define as suas próprias prioridades, sem ser “chamado à pedra” pela Assembleia da República e pelo Presidente da República, que deve velar pelo regular funcionamento das instituições (sendo ele, aliás, quem nomeia e demite o/a PGR, sob proposta do Governo)».
Ainda nesta mesma ideia, um link (https://www.noticiasonline.eu/ministerio-publico-e-processo-penal-erros-e-equivocos/) para um excelente artigo de António Garcia Pereira sobre o “Ministério Público e Processo Penal: Erros e equívocos”.
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