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Como não adorar a Alemanha?

São fantásticos. A circularem na loja de porcelanas que é a Europa, batem um elefante aos pontos. Prova de que há sempre uma terceira vez, quase cem anos depois da primeira.

«A taxa de juro implícita das obrigações madrilenas com maturidade daqui a dois anos está em alta de 9,8 pontos base para 5,093%. Na dívida a cinco anos a subida é de 8,2 pontos base para 6,184%, enquanto na dívida a 10 anos a subida é de 5,2 pontos base para 6,665%.

Na dívida de Itália, a maior subida verifica-se nas obrigações a dois anos. A taxa implícita nestes títulos sobe 19,6 pontos base para 3,946%, enquanto a das obrigações a cinco anos ascende 8,6 pontos base para 5,463%. No prazo de 10 anos, a subida é de 5,1 pontos base para 6,079%.

A impulsionar a “yield” das obrigações dos dois países que se têm debatido para contrariar o risco de contágio da crise orçamental estão declarações de um porta-voz de Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças da Alemanha.

“O novo mecanismo não dispõe de tal licença, e não vemos necessidade de a ter”, disse em Berlim um porta-voz do ministro Wolfgang Schäuble, comentando assim notícias de que sobretudo a França e a Itália avançaram com esta iniciativa, para que o MEE tenha um capital praticamente ilimitado.
»

Mãos amigas

Diz Paulo Rangel hoje no Público que a utilização de linguagem “menos cuidada ou rude” ou de “muletas de vulgaridade” por Passos Coelho é, ou pode ser, uma estratégia deliberada de comunicação. Não concordo. Sobretudo porque tal implica a existência na personagem em causa de uma capacidade de comunicação já não digo erudita mas sustentavelmente correta, que seria deliberadamente abandonada. Tal capacidade não existe.

A expressão “pôr porcaria na ventoinha” utilizada na Assembleia, o “saem-nos do lombo” (os sacrifícios) ou “a barata tonta” (que o governo não pode ser se quiser chegar a algum lado) são formas de falar espontâneas, aliás, nunca são lidas, na realidade as únicas que afloram àquela cabeça inculta e «simples» sempre que necessita de usar uma imagem qualquer ou simplesmente terminar uma frase mais enredada, em que o esforço para «falar bem» e educadamente está a atingir os limites e os conhecimentos não dão para mais. Imaginamo-lo perfeitamente a trocar impressões com Relvas num registo similar. Com Relvas e não só, que aquilo na geração dos 40 do PSD é só diplomados «lusíadas» e «lusófonos». Estratégia deliberada? Nada disso. O que acontece é que, a posteriori, esta debilidade é transformada e aproveitada para enaltecer a proximidade do povo de tão fraquinho dirigente, demonstrada por esta via. Está à vista que é isso que os comentadores amigos fazem.

Tendo sido adversário de Passos na corrida à liderança do partido, mas não querendo hostilizar quem conquistou o poder, é o que Paulo Rangel faz com comovente ternura. Embora criticando este tipo de linguagem, arranja-lhe uma explicação elaborada, forçadamente elaborada, na qual nem ele próprio acredita. E nota-se.

E porque tem sido mais frequente ultimamente esta falta de polimento (a expressão “que se lixem as eleições” é apenas a última de uma série já longa)? Há duas explicações: ou porque, ao fim de um ano, o homem se sente mais à vontade, baixa a guarda e fala como em casa ou no restaurante (as sondagens ajudam), tendo-lhe sido penoso o esforço até aqui, ou porque está convencido de que, a par de lhe ser mais fácil, mostrando-se como é, o povo adere às suas políticas mais facilmente. Com a ajuda de Nuno Crato, arriscamos a que assim seja. E se assim for e as pessoas cegarem pela via auditiva, triste povo.

Visto da América, lido de cá

Apinocados, prontos para sair de casa, mas sem sítio onde ir dançar – diz Paul Krugman dos investidores (tradução muito livre).

Porque se financiam alguns países a um custo negativo? Porque, com meio mundo em contenção, os investidores não têm onde investir com garantias mínimas de vendas.

Estados Unidos (-0,6%), Alemanha, Bélgica e Holanda são exemplos de países a quem pagam para lhes guardarem as poupanças. Há dinheiro. Algumas empresas têm os cofres cheios. Os paraísos fiscais estão a abarrotar de depósitos. E então, porque não investem? E mais do que isso, porque têm alguns países de ser asfixiados quase até à morte?

«So what is going on? The main answer is that this is what happens when you have a “deleveraging shock,” in which everyone is trying to pay down debt at the same time. Household borrowing has plunged; businesses are sitting on cash because there’s no reason to expand capacity when the sales aren’t there; and the result is that investors are all dressed up with nowhere to go, or rather no place to put their money. So they’re buying government debt, even at very low returns, for lack of alternatives. Moreover, by making money available so cheaply, they are in effect begging governments to issue more debt.»

Krugman é crítico da política de austeridade seguida na Europa. Este artigo gira principalmente em torno da situação dos Estados Unidos, mas não deixa de referir a situação europeia e de classificar a adesão da Espanha, ou da Grécia, à moeda única de erro que se está a pagar caro.

Portugal é um dos países que supostamente está a tentar pagar a dívida, fadado a não o conseguir, e onde é proibido contrair empréstimos para investimentos na economia e no desenvolvimento. Tudo está, portanto, a degradar-se. A Troika assim o impõe. Antes dela, os investidores/especuladores assim o impuseram com as yields incomportáveis. Caso decidíssemos dar um valente piparote na Troika e nos troikos que os representam e, ainda no euro, fôssemos ao mercado, não nos emprestariam dinheiro a juros aceitáveis.

Há algo de muito absurdo na economia ocidental hoje em dia. Uns são forçados a empobrecer, outros não têm onde investir porque os pobres não compram e, entretanto, o dinheiro é depositado, se não nos paraísos fiscais, nas dívidas de alguns países, que agradecem. Agradecem e continuam a impor a outros uma austeridade assassina, justamente porque, como se demonstrou, lhes interessa. Um interesse muito acima de zero, ao contrário dos juros que (não) pagam, e que tem tendência a prolongar-se. E assim não saímos do impasse desta história hipócrita.

As ameaças da Moody’s pregam um susto apenas relativo à Alemanha, se os investidores continuarem a elegê-la para cofre-forte. O que parece estar a acontecer.

Não é do interesse dos espanhóis o país entrar em bancarrota. Mas poderia ser a única maneira de alguma coisa mudar na Europa. Começo a ter as minhas dúvidas. O pior que pode acontecer e que provavelmente acontecerá é a Espanha pedir um resgate, este ser-lhe concedido e o país dispor-se a percorrer o calvário dos outros três, ficando tudo o resto na mesma. A bem do Reich.

Os “relvas” a distribuírem-se sem vergonha nenhuma

Nomeações para agrupamentos de centros de saúde. (Jornal Público, não disponível em linha; destaques meus)

Terá sido a presidência do Moto Clube do Corgo ou a coordenação das Festas de Vila
Pouca de Aguiar que impressionaram o sr. presidente da ARS-Norte e o sr. ministro da Saúde?
” – pergunta o Sindicato dos Médicos.

Dos 12 nomeados, apenas dois são médicos. Currículos de alguns dos nomeados novos diretores executivos para presidirem a agrupamentos de centros de saúde (Aces):

«- Luís Filipe do Nascimento Teixeira, antigo chefe de gabinete da Câmara de Vila Pouca
de Aguiar e atual presidente da direção do Moto Clube do Corgo e Sport Clube de Vila Pouca;
coordenador na organização de diversos eventos culturais/económicos, nomeadamente as Festas de Vila Pouca de Aguiar, Feira do Granito, Feira do Mel e Artesanato e Feira Gastronómica, Luís Filipe Teixeira licenciou-se em Direito pela Universidade Moderna.

– Jorge Oliveira Cruz. Na década de 90 foi diretor comercial da Maquitrofa, Ld.ª, onde era responsável pelas compras e vendas desta empresa do setor têxtil. Em 1997 Jorge Oliveira Cruz foi tesoureiro do Centro de Bem-Estar Social de Barqueiros.

– Francisco Félix foi administrador da Geo Future, Ld.ª (empresa informática, comunicação e imagem). No período de 2003-2009, “foi assessor de vereador”, tendo como “principais atividades: gestão económica e financeira, aprovisionamento, gestão do património, proteção civil, recursos humanos, modernização administrativa, trânsito e transportes”. O novo diretor executivo foi consultor financeiro da Plastécnica, Ld.ª (indústria de reclamos luminosos), corresponsável pela conceção, instalação e coordenação do Festival Internacional de Filmes de Turismo, estagiou na Direção-Geral de Contribuições e Impostos e, no final da década de 90,“foi informático e administrativo” de uma empresa de cerâmica decorativa. Licenciado em Contabilidade com 13 valores pela Universidade Lusíada, Francisco Félix Araújo Pereira inscreveu-se em Outubro de 2010 em Gestão das Organizações, ramo de Gestão de Empresas no Instituto Politécnico do Cávado e do Ave.»

Pergunto-me se os médicos se vão calar.

Acrescento apenas que não considero indispensável ou obrigatório que tais cargos sejam exercidos por médicos. Mas, por favor, isto é demais.

Estapafurdismos

Freeport

Crespo: Como explica a decisão do coletivo de juízes do Barreiro de extrair certidão?

PSM: Não conheço o processo Freeport. Essa decisão justifica-se quando existem factos novos, dados muito fortes que indiciem um crime de corrupção. Só assim o compreendo. Não admito outra explicação que não essa. Ao mesmo tempo, os juízes consideraram certamente que ficaram aspetos importantes do processo por investigar.

Tribunal Constitucional

Crespo: Quer dizer-nos a sua opinião sobre a decisão do TC de declarar inconstitucionais os cortes dos dois subsídios aos funcionários públicos e pensionistas?

PSM: Discordo.

Crespo: E por que discorda?

PSM: Porque, para haver Constituição, tem de haver Estado e, como não há Estado porque está falido, a Constituição não é de aplicação.

Advogado Paulo Saragoça da Matta. (citações resumidas, forçosamente não literais)

Observações:

1. O que vale a Mário Crespo é ter os olhos pequenos e óculos, logo, não ser totalmente visível o deleite com que conversa com convidados como este.

2. PSM não leu jornais recentemente. Quem acedeu ao texto da sentença mais não noticiou do que as declarações de 3 testemunhas de que tinham ouvido um dos arguidos dizer que para as bandas do Ministério do Ambiente e/ou da administração pública tinham sido exigidos pagamentos para a aprovação do projeto. Um «diz que ouviu dizer» totalmente novo, novinho em folha, portanto. Novas provas documentais?! Diz quem sabe que no julgamento estaria obrigatoriamente presente pelo menos um magistrado do Ministério Público, que estranhamente não ouviu nada que lhe merecesse uma reação como a dos juízes. E o que têm dito os plausíveis «veículos» Charles Smith e Manuel Pedro acerca disso? O que é que ainda não foi suficientemente investigado? O que andou a fazer a judiciária com cartas rogatórias para várias partes do mundo, deslocações a Londres, investigação de contas durante 7 anos? Era tudo relativo a Charles Smith e Manuel Pedro? Então por que razão dirigiram os magistrados aquelas surpreendentes perguntas a Sócrates após o arquivamento? E o que é que foi arquivado exatamente em 2011? (nada disto Crespo perguntou, obviamente)

3. Para este causídico, um Estado que se encontre numa situação económica e financeira difícil deve suspender a democracia e o Estado de direito. Ponto.

Porque é que as argumentações sobre os dois casos em discussão têm um nexo tão claro? Porque é que quem entende ser conveniente suspender a democracia também concorda com o arrastar infinito do caso Freeport?

Ah, ah! Vocês são/eram o quê?

Com a degradação da perspetiva («outlook») da Alemanha, Holanda e Luxemburgo pela Agência Moody’s, está finalmente a chegar o momento «nós não somos a Grécia» também para estes países. Para já, a Alemanha ousa apenas protestar, dizendo: «Nós somos a âncora da estabilidade da Europa». Pode ser, mas a mim parece-me mais que são a âncora da sua própria estabilidade e da dos satélites mais próximos. Até um limite. Para não se tramarem, os alemães teriam que exercer ou ter exercido esse papel com uma visão europeia, coisa que não lhes passa pela cabeça. Chegamos assim ao ponto em que a rã gostaria de se libertar do escorpião e o escorpião da rã, mas não conseguem. Vão os dois ao fundo.

Boletim semestral

Não é que este governo não tenha tido tempo para se sentar, como vaticinava Teixeira dos Santos. Sentou-se e bem. Tudo o que fizeram, contratações diárias, cortes atrás de cortes, nomeações de amigos e apoiantes, puderam perfeitamente fazê-lo sentados, tranquilamente e sem grande esforço. O pote oferece belos sofás. Como anunciaram, era e está a ser um prazer aplicar um programa externo desta natureza. Entretanto, mesmo que quisessem desentorpecer as pernas e ir até à rua, um local em que se anda normalmente de pé, não podiam, ou cada vez menos o podem, tais os apupos diretos e enxovalhos matutinos com que são brindados, se tiverem tido a ideia de abrir a boca na véspera. Logo, mais uma razão para permanecerem confortavelmente sentados.
O ministro Crato «has a dream», mas um sonho de retrocesso, e aproveita os cortes orçamentais para repor a escola elitista e classista de antigamente, seguindo as suas memórias de lisboeta da classe média, mas metendo 30 adolescentes em cada sala de aula. Dificulta o trabalho na escola pública e ajuda assim os privados, o que, de certa forma, é um contrasenso face ao seu espírito revivalista. O ministro Gaspar, com as suas teorias «thatcherianas» fora de tempo, abre buracos atrás de buracos, que alguém vai ter de tapar. Saldo da Segurança Social? Prestes a ir à vida. Aumento do IVA? É já a seguir. Despedimentos na FP? Vão começar. Aumento da recessão? Consequência lógica. Serviços públicos? Impossíveis de gerir, disfuncionais e prontos a serem liquidados. Gaspar ignora o país, com o qual, aliás, parece não se identificar, ocupando-se com somas e subtrações que nunca podem bater certo. Conseguirá pôr o país a produzir para cumprir os seus compromissos e a financiar-se a juros decentes? Quando estivermos todos mortos, quem sabe?
Na Defesa, Administração Interna, Ambiente/Agricultura, etc., nada se faz, logo haverá toneladas de medidas a tomar depois (alguém viu Miguel Macedo ou Assunção Cristas enquanto o país ardia? Pareceu-me vê-la, a ela, animada num comício do CDS nos Açores). Portas passeia-se, segue a estratégia e colhe os louros das conquistas de outros e distancia-se o mais que pode das confusões de São Bento e São Caetano. Relvas, com um pé dentro e outro fora, prepara com azáfama o seu futuro no privado, de que Passos beneficiará se o proteger entretanto. Mota Soares, sob o lema da caridade, enlata velhinhos e crianças em lares e creches e consagra um novo sinónimo para «pobre» – malandro/mandrião. Passos é o vazio total, apenas uma voz bem timbrada e até imprópria para as grosserias que profere. Algo não bate certo. Foi um erro não ter ido trabalhar com o Filipe La Feria. Conta com Gaspar para o conteúdo técnico e com Relvas para a estratégia política. Ambos estes suportes se estão a desmoronar.
Com estes atores assim dispostos no palco, pagamos ao menos o excesso de dívida? Não, não pagamos. Agravamo-la. Essa é a parte dramática. O país está a ir pelo cano, ao som de elogios, mas a ir.

Parece-me que quem não terá tempo para se sentar, tal a quantidade de medidas que vai ser preciso tomar para corrigir os desmandos destes incompetentes e civilizar o país, será o próximo governo.

Com dois semestres de liderança, António José Seguro nada tem feito para provar que é uma boa alternativa. Se mais nada fosse, o facto de as sondagens continuarem a dar ao Governo maioria absoluta no meio do descalabro a que estamos a assistir e da incompetência e vacuidade que revelam os seus membros devia levá-lo a pôr o lugar à disposição, ou ser forçado a tal. Sei que, estando a situação na Europa por definir – mantém-se o euro, não se mantém o euro, sai a Grécia, saem os do sul, não sai ninguém, morre tudo, salvam-se alguns, reduz-se a zona euro, etc. – não é apetecível assumir a liderança da oposição com vista a um futuro governo. Mas o contrário não pode ser a inexistência de oposição e o eterno «bluff» de Seguro: ira-se por vezes, mas na prática pactua. Não há qualquer interesse, nem para o partido socialista nem para o país, em andar a negociar ou a celebrar acordos ou pactos com os farsolas e incompetentes que nos governam, quando estes têm maioria absoluta e, ainda por cima, aplicam uma receita objetiva e comprovadamente desastrosa. Manter Seguro à frente do PS é destruir a credibilidade do partido e das pessoas competentes que tem e empobrecer a democracia.

Os mórmons, porque é domingo

Mitt Romney, o candidato republicano às próximas presidenciais americanas, é mórmon. Conhecendo relativamente pouco da seita, lembrando-me sim dos seus métodos de proselitismo, mais concretamente, o envio de jovens e bem parecidos evangelistas vestidos de fato cinzento pelo mundo fora, inclusive nas ruas da minha terra, em busca de aderentes, investiguei na net o que é exatamente ser mórmon. Descobri o seguinte sobre a cosmologia em que assentam a sua prática e que foi consignada no «Livro de Mórmon» (a sua verdadeira Bíblia), escrito nos anos 20 do século XIX por Joseph Smith Jr., após uma revelação, e que os distingue do cristianismo comum:

(tradução livre da Wikipedia) A vida na Terra é uma parte muito curta da nossa existência eterna. No princípio, todas as pessoas existiam num estado de independência em relação a Deus. Eram espíritos ou inteligências. Nesse estado, Deus, que também é espírito (mas amplamente «upgraded»), chegou junto delas e propôs-lhes um plano, de acordo com o qual poderiam progredir e ter o privilégio de o igualar. Livres de aceitar o plano, dois terços das pessoas aceitaram-no e um terço, liderado por Satanás, rejeitou-o. Quem o aceitou recebeu um corpo e veio à Terra perfeitamente consciente de que teria a experiência do pecado e do sofrimento e de que a forma como lidasse com as tentações e provações lhe conferiria posteriormente, presume-se que no regresso à existência extraterrestre, o estatuto de Deus. A expiação dos pecados da humanidade por Jesus Cristo merece especial ênfase, sendo o ponto central do referido plano, já que constitui o exemplo a seguir pelos humanos. Aparentemente, o mistério da Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) não é mistério nenhum porque não há fusão. Cada um tem a sua função e estatuto. Deus vai comunicando com os humanos, para lhes lembrar o seu programa, como a Troika, por intermédio do Espírito Santo, através de visões, revelações e visitas de entes divinos.

No fundo, esta cosmovisão resolve o problema do Deus criador de tudo o que existe e que o torna responsável pela criação tanto do bem como do mal. Assume a distinção e o contrato desde o início dos tempos e identifica claramente os agentes do mal.

Bom, deixando de lado o interesse ficcional que me suscitam sempre estes tipos de explicações do mundo, porquê isto agora? Porque é domingo? De certa forma, sim. Domingo é dia de crónica do Alberto Gonçalves no DN. Começando por culpar a Maçonaria em geral pelos males do país e pelas trafulhices do Miguel Relvas em particular, o principal objeto das suas chispas de ódio desta vez não é Sócrates, é Barak Obama, de cuja mediocridade os seus apoiantes são o perfeito espelho, já que, ao que diz, gozam com a religião minoritária de Romney, ainda por cima sem humor. Obama, rotulado de perigoso, deve, por essas e por outras, abandonar a Casa Branca em Novembro. Mas tem razão, não deviam gozar, sobretudo se se intitulam de cristãos ou praticantes de outra qualquer religião. O ridículo e o absurdo apenas variam, pelo que é de facto inaceitável que uns gozem com os outros. Gonçalves revela-se aqui grande defensor das minorias, começando por nos induzir a pensar, enquanto lemos e arregalamos os olhos, porque conhecemos o escriba, que se está a refrir aos homossexuais. Engano, brincadeira com o leitor. Afinal referia-se aos mórmons, uma comunidade tão simpática. Sobretudo desde que aboliram a poligamia por terem sido proibidos de a praticar (o que deu lugar a cisões). Não percebo é em que aspeto Mitt Romney imita Jesus Cristo. Mas enfim. Fica-lhe bem, a Alberto Gonçalves, a defesa da liberdade religiosa, ainda que seja apenas um pretexto e uma maneira ínvia de esconjurar Obama. Por acaso não me lembro de o ver defender tão sentimentalmente os homossexuais nem sequer nenhuma religião, mas pode ser distração minha.

Relvas e os chineses: aprender com quem sabe

Não sabemos quanto pagou Miguel Relvas pelo pacote completo da licenciatura. Possivelmente alqueires de milho imaterial, a posteriori. Mas também poderá ter sido a priori, com grande linguajar. Se optarmos pela teoria do sempre pândego professor Marcelo, foram Relvas e a sua fama que atraíram para uma bandeja o diploma que ele até nem queria, com um cartão de boas-festas da universidade… Seja como for, não partilho da opinião dos que dizem ser muito português o desejo de ser doutor. É português, é alemão (temos o caso do ministro Karl-Theodor zu Guttenberg, demitido por plágio, mas conheço quem ganhe a vida a escrever teses), é líbio, argentino e, sobretudo, chinês, nos tempos que correm. E, como o desejo deste governo parece ser achinesar o mercado de trabalho e os salários e não só, Relvas provou ter aprendido antes alguma coisa com eles, embora não tudo, nesta matéria (sem prejuízo do muito que tem para ensinar noutras, como na disciplina de geologia que versa sobre a técnica de detetar os melhores terrenos para furar).

Falta de ambição. Porquê um diploma da Universidade Lusófona? Os chineses fazem melhor! Segundo a revista The Economist, há quem, no Império do Meio, venda diplomas de universidades americanas inventadas, como uma tal «Nation University», os mais caros (30 000 dólares), e, a um preço mais módico, de falsas universidades chinesas, como a Universidade Wuhan de Indústria e Comércio. Na terra das falsificações de relógios Rolex, malas Louis Vuitton ou echarpes Armani, os diplomas só podiam ser uma mercadoria como outra qualquer e logicamente falsificável. Os interessados podem ser jovens estudantes, sujeitos à implacável concorrência de outros 7 milhões deles, mas também homens de negócios ansiosos por enriquecer o currículo e arranjar um posto no governo. As autoridades parece que já deram conta e arranjaram um sistema informatizado de controlo da autenticidade, sem certezas de que resulte.

Isto só é possível na China? Não sei. E não me estou a esquecer que os chineses são largos milhões de primatas como nós que mal se conhecem uns aos outros, quanto mais ao resto do mundo e às instituições académicas dos estados norte-americanos. Mas, os já referidos dotes (leia-se qualificações) do ministro Relvas teriam potencialidade para lhe angariar um diploma de uma qualquer universidade estrangeira muito mais bem sonante do que a Lusófona. Não ousou. Internacionalizar os seus inúmeros contactos talvez lhe tivesse trazido vantagens. Ai dele, que agora é tarde.

Estamos muito melhor do que há um ano

António Borges, em entrevista ao Público de domingo, dia 15:

Pergunta: Tem defendido o espírito do memorando da troika. Está confiante no resultado?

Resposta: “Portugal estava numa situação de completa emergência. A maioria das pessoas não se deu conta de quão perto estivemos da bancarrota. Era uma questão de dias e não tínhamos dinheiro para pagar aos funcionários públicos e aos pensionistas. O país precisa agora de voltar aos carris, de pôr a economia em ordem. As coisas estão a correr melhor do que pensávamos em muitas perspectivas. Estou, por isso, confiante que os resultados vão chegar mais cedo do que se esperava.”

Ora bem, esta falácia de que a economia ia muito mal devido a políticas erradas (pressupõe-se e alguns afirmam-no, dos últimos seis anos) e que apaga do mapa a crise internacional tem sido repetida ultimamente ad nauseam por todos os PSDs que passam pela televisão e pela rádio. E são muitos e despudorados. Estávamos à beira da bancarrota, para onde fomos levados pelo Governo anterior, martela-se, e fomos salvos pela milagrosa Troika e seus fiéis representantes na Terra, os atuais governantes. “Estamos muito melhor do que há um ano”, dizem os Arnauts, os Matos Correia e os Abreus Amorins de serviço. Para o ilustrarem, falam exclusivamente dos juros que estão mais baixos e da mais que subjetiva convicção de que lá fora temos imensa credibilidade. Baixaram de facto um bocadinho os juros nos prazos mais curtos, de 3 a 12 meses (baixariam igualmente com outro governo, os mercados são algo tontos, tendo em conta a situação das contas públicas), mas nos mais longos nem há sequer hipótese de ir ao mercado. Evidentemente que os juros cobrados pela Troika também são mais baixos do que os que nos pediam em Maio de 2011, mas isso é a condição indispensável para se recorrer a empréstimos de emergência internacionais: bastava que nos emprestassem dinheiro a juros de 6% para já serem mais baixos. Não é essa a taxa, mas anda lá perto. É altamente compensadora.
Estivemos perto da bancarrota, diz o homem com orgulho salvífico. Mas agora, passado um ano, quantas famílias, serviços e empresas estão na bancarrota? Quantas pessoas fugiram?

E a que se deveu a emergência que tanto alardeiam? À inexistência de políticas de redução da dívida e do défice? Não. Elas existiam e estavam a ser acompanhadas e aprovadas pela UE. O PCP e o BE que o digam tendo em conta o que diziam então – tudo o que o Governo propusesse como contenção de gastos eram ataques às classes trabalhadoras, tudo era cedência aos privados. Tudo era liberalismo com capa de esquerda. O próprio PSD e o CDS acusavam o Governo de Sócrates de sobrecarregar os portugueses com impostos e austeridade desmesurados. Somem-lhe o Cavaco. A Assembleia e as transferências para a Madeira. Lembram-se? Teixeira dos Santos viu-se obrigado a fazer uma declaração ao país para expor a irresponsabilidade da oposição. As carreiras docentes! A lata não tem, pois, limites.

O que esta gente quer verdadeiramente dizer é que estão, eles, muito melhor, não o país. O estado do país está à vista e vamos ter de recomeçar tudo de novo, algum dia tem de ser, com alguém que reponha a dignidade interrompida. Dispensamos o Tozé.

Afinal, o que quer esta gente?

O FMI pronunciou-se sobre o andamento do programa de assistência português e as conclusões foram as seguintes:

1. O desemprego aumentou mais do que o previsto, com grande hipocrisia o dizem, logo, a receita é reformar ainda mais o código laboral e baixar mais os salários, de preferência acabar com eles, pois são a grande razão da falta de competitividade das empresas.
2. Para facilitar a vida às empresas (que entretanto vão perdendo clientes por fatores que se prendem com a crise), há que baixar a taxa social única, desequilibrando por completo o saldo da segurança social, mas que importa? A solução é recorrer ao privado e às jogatanas da banca para as pensões futuras.
3. A recessão não tem nada a ver com a quebra do poder de compra decorrente da acentuada redução de rendimentos, mas não dizem com o que é que tem a ver, sendo certo que as medidas preconizadas pelos seus famosos cérebros nunca podem estar erradas.
4. Quanto à inconstitucionalidade dos cortes salariais e de pensões na função pública, esperam que o Governo arranje substitutos estruturais duradouros, de preferência do lado da despesa, por outras palavras, que despeça funcionários públicos, pouco interessando a garantia das funções do Estado – saúde, educação, segurança, prestações sociais. Luxos que os pobrezinhos não podem pagar.
5. As condições económicas externas são a grande razão de risco. Claro. Não estamos mesmo a ver? Estranho é que já foram os fatores externos, como as trafulhices da banca, que espoletaram a crise em 2008 e o FMI pouco tem a dizer acerca disso.

Em suma, para esta gente (havendo nuances nos seus porta-vozes), os países em dificuldades mas amarrados à moeda única europeia que lhes cria tais dificuldades têm de empobrecer sem limite material nem temporal e o Estado tem de desaparecer (para dar lugar a quê pouco lhes interessa), cavando ainda mais o fosso que nos separa dos países do norte da Europa, onde nada disso se verifica. Experimentem ir à Alemanha e verão como os transportes públicos funcionam claramente em abundância e verosimilmente com prejuízo, sendo fortemente subsidiados; os apoios sociais são mais que muitos. Na Suécia, o Estado está por todo o lado, é assistencialista e funciona bem. Em França, nem convém falar do peso do setor público. Na Bélgica, idem. E por aí fora. Valerá a pena falar da educação na Finlândia?

Falando do seu trono de credores, dourado, distante e indiferente, às Troikas deste mundo não lhes chega emprestar dinheiro e fazerem-se pagar principescamente por isso; brincam e divertem-se com jogos de poder à custa das economias dos países e da vida dos seus habitantes. Para além da imposição de políticas, dão-se até ao luxo de distribuir carícias e rebuçados aos seus servidores perfeitos, como estas varejeiras do pote, na forma de defesa verbal pública contra todas as evidências de miséria e deterioração. Não gostamos deles. Mas gostamos ainda menos dos que, gostando deles, ignoram com total desamor o país que governam, não tendo uma única ideia nem estratégia para o seu desenvolvimento futuro.

Esta gente basicamente quer o dinheiro de volta. Deviam ficar-se por aí. Talvez assim o conseguissem.

Notícia da boa decisão do Tribunal Constitucional é manifestamente exagerada

Faz parte da democracia questionar decisões governativas e, nesse contexto, fizeram bem os deputados que solicitaram o Tribunal Constitucional, colmatando mais uma lacuna e incongruência de Cavaco Silva. Não estavam talvez à espera que o mesmo tribunal abrisse uma exceção para o ano em curso, mas já lá vamos. Também o uso que o Governo fará dessa decisão não está nas mãos dos deputados da oposição determinar, mas evidentemente que não deixarão de reagir às próximas decisões que tome à luz do acórdão do TC para tentar corrigir, com muitas aspas, o descalabro da execução orçamental. Chama-se controlo político e é importante para a opinião pública. Este Governo é incompetente, anti-patriótico, submisso e insensível. E cada ato seu o atesta.

Para piorar uma situação económica e financeira já péssima, bem pior do que antes das eleições de junho do ano passado, o Governo prepara-se, pois, para reforçar a dose do remédio que, em vez de reduzir o défice e a dívida, os aumenta. Vem aí mais austeridade e o TC deu-lhe um bom pretexto para confiscar parte dos vencimentos dos trabalhdores do setor privado, para o ano, através da imposição de uma taxa extraordinária.
Por outro lado, se as razões que o TC considera válidas para a manutenção dos cortes nos subsídios da Função Pública este ano se mantiverem para o ano, ou seja, as exigências da Troika e a constatação de uma situação de exceção, não há motivo nenhum para que o Governo, respaldado pela própria decisão do TC, não mantenha os cortes para o ano.

Estamos assim a chegar ao fim da linha que conduzia a Atenas. E à conclusão óbvia de que, bom ou mau aluno, um país do euro que aplique a receita da austeridade intensa e punitiva ao gosto alemão está condenado à miséria durante anos sem fim (pelo menos, até os bancos alemães resolverem a exposição à dívida dos outros), apenas lhe restando, para o evitar, equacionar as vantagens de 1) forçar uma renegociação do Memorando utilizando a chantagem da ameaça de saída da moeda única; e 2) sair pura e simplesmente pelo seu pé, de preferência negociando uma atenuação do impacto. Isto porque é cada vez mais claro que a Alemanha não mudará o rumo traçado, aliás, cada vez mais o eleitorado popular do norte da Europa protesta contra o que considera ser o pagamento dos desvarios dos povos do sul. Um simplismo e uma mentira, mas que influencia o voto. E que abre fortes perspetivas de que tudo acabe mal ou muito mal.
A nível internacional, há queixas crescentes contra o empobrecimento dos europeus. Todos os mercados se ressentem. Os problemas de Itália e Espanha não estão resolvidos e novas medidas de austeridade vão ser aplicadas. Até quando?

O Tribunal Constitucional português cumpriu mais ou menos a sua função. O parêntese do ano em curso abre a porta a todas as interpretações e sequências, sendo que nenhuma delas é a devolução dos subsídios confiscados.

A fotografia, senhor reitor?

Lê-se no Público de hoje:

«O reitor da instituição, Mário Moutinho, disse à Lusa que Miguel Relvas apresentou o dossiê com as suas habilitações, descrevendo o seu percurso profissional, e que o Conselho Científico da Lusófona o analisou e não teve dúvidas em conceder-lhe a licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais em apenas um ano. Do dossiê, disse Mário Moutinho, faziam parte “fotografia, currículo, certificados, cartas de recomendação, tudo o que entendeu poder ajudar a que a instituição reconhecesse o seu trajecto de vida”.»

Com a fotografia apensa às cartas de recomendação, é que o reitor não teve qualquer dúvida.

Eu só pergunto: a Lusófona decidiu conceder-lhe a licenciatura*em apenas um ano” ANTES ou DEPOIS de ter feito x (x pode ser igual a zero) cadeiras?

Quem inspeciona e autoriza estas universidades? E já agora os seus reitores.

Serviço editorial

É impressionante ler as peças jornalísticas dos diretores dos jornais portugueses e da hierarquia mais próxima. Servem e bajulam este governo de uma forma escandalosa. Quase não há um que destoe. DN, JN, jornal i, Correio da Manhã e Expresso fazem a direção do Público parecer um órgão objetivo e isento. Abro uma exceção para o Jornal de Negócios.

Ricardo Costa, do Expresso, faz o favor de, neste sábado, escrever uma carta a Angela Merkel em nome de Passos Coelho (“Carta de Pedro aos europeus”), enumerando o que considera serem os trunfos para o Governo obter uma revisão das condições do empréstimo. Ignorada por completo no seu cérebro a hipótese de incompetência total como origem da recente derrapagem colossal das contas, RC centra o seu argumentário nas qualidades de bom aluno personificadas em Gaspar e Passos, fazendo-lhes um elogio e querendo com isso ajudar o amigo primeiro-ministro. Ridículo. No mesmo jornal, Henrique Monteiro não vai além do suave e simpático “cobardolas” para apelidar os governantes atuais que, entre outras coisas, não ousam renegociar as PPP. São uns cobardolas, diz ele. Cobardolas? Imaginamo-lo a referir-se a Sócrates com esta brandura! Noutras colunas, destes ou de outros membros da direção, apesar de uma ou outra crítica, a gentileza e a contenção são também notórias. Chego a temer que Nicolau Santos não consiga manter-se por muito tempo à frente do suplemento de Economia.

Dos editoriais de Marcelino no DN nem vale a pena falar, tal é a colagem. Hoje, por exemplo, a propósito de mais um elogio a Paulo Portas e à sua fantástica diplomacia económica: “Nem todos os novos e possíveis parceiros comerciais são exemplos de democracias perfeitas. Mas, nunca deixando de marcar a distância, fazer as devidas críticas, cumprir as regras e defender os direitos humanos, são os que existem e com os quais todos os países estão a negociar”. Pois. O que não se dizia do anterior Governo e das idas à Venezuela e outros países da América Latina e norte de África!
O JN, por sua vez, perdeu todos os traços distintivos que faziam dele um jornal sério do norte no tempo de Leite Pereira. Editoriais do CM e do i, abstenho-me de comentar.

Atendendo a que a orientação política dos jornais e tudo o que daí decorre para as notícias propriamente ditas é plasmado nessas colunas, o panorama é desolador. Apenas salvo pelos artigos de opinião dos colunistas convidados, que, nuns mais do que noutros, traduzem o respeito por um certo pluralismo. Mas é triste. E revelador.

Percebe-se por que Louçã idolatra o Syriza

De saída da liderança do Bloco (“Terei sempre um papel no Bloco”) Louçã deu uma entrevista a Clara Ferreira Alves, no Expresso deste sábado. A entrevistadora conduz o diálogo na base da troca de impressões (com a dela sempre presente, às vezes demasiado) entre amigos, ou pelo menos bem conhecidos, perdendo com isso a oportunidade de aprofundar algumas declarações do entrevistado, que bastante interesse teria. Assumo que é o meu ponto de vista, mas achei Louçã francamente desinteressante. Não sei se é a personagem que está gasta, sem confiança e talvez no fundo com má consciência, ou se é o discurso que perde cada vez mais aderência à realidade, se alguma vez a teve. A situação política na Grécia trouxe um balão de oxigénio, ainda que longínquo, ao Bloco. Mas na Grécia os grupúsculos de agitadores nunca deixaram de pulular e são bastante violentos. O Syriza até parece comedido. Por outro lado, a proximidade do poder para um grupo com características semelhantes às do Bloco impõe-lhes a revisão da sua missão primordial de protesto (despreocupada e inconsequente), o que farão, diria eu, a contragosto. Aí, talvez, a maior condicionante desta entrevista. A primeira parte gira, portanto, à volta do tema Syriza. Eis o percurso:
– O Syriza, a sua grande ascensão (um orgulho!), a porta aberta que representa para a afirmação de movimentos como o dele (não o diz, mas depreende-se do entusiasmo com que se lhe refere);
– A ideia de que, conquistada uma maioria democrática de esquerda (a dele, a dita “dos valores” (?), para Louçã, não há outra), Merkel, a CE e o FMI seriam obrigados a negociar (com tudo o resto estático, depreende-se);
– A ideia de que a sociedade só logra a equidade e a justiça quando o povo conquistar o poder (ou, na nova linguagem não bolchevique “A única possibilidade é os de baixo imporem aos de cima novas políticas”);
– O perdão de parte da dívida, a correção do défice através de políticas fiscais (“Taxando os ricos?”, pergunta a entrevistadora. “Não, isso são políticas de financiamento. Eu falo de políticas para promover capacidade exportadora, capacidade de criação de emprego qualificado, de inovação tecnológica inteligente…” (?));
– A ideia de que vender empresas e bancos a países totalitários (China, Angola (resta saber como seria o país não totalitário dirigido por ele)) é uma nacionalização (quando acusado de querer nacionalizar tudo, como o Syriza). Aqui, um regresso à linguagem panfletária;
– O objetivo prioritário (e único?) de conquistar eleitorado ao PS (“Contamos [ir à luta] com metade do eleitorado do PS, mais as pessoas que se abstêm”. “A história do Bloco sempre foi dialogar com essa gente”). Parece não ter percebido o episódio Manuel Alegre. Mas também é certo que o secretário-geral do PS agora é o Seguro;
– A sanha contra os grupos Mello e Espírito Santo (e contra os hospitais privados) e o tiro aos grandes grupos económicos em geral, como a Galp, a Cimpor, sem esquecer o Amorim, o seu fantasma predileto;
– As razões para o chumbo do PEC 4 (“Quando foi recusado porque a direita o recusou, nós estivemos contra todos os PEC. Teixeira dos Santos queria despejar os inquilinos, liberalizar os despedimentos, privatizar a TAP, os CTT e os hospitais.” (sem comentários, face ao observado na atualidade);
– Sócrates? Muito bom nas questões “fraturantes”, alguém cheio de genica e uma vítima de uma perseguição pessoal miserável (onde estavas em 2008, 09, 10, 11?), mas um vendido aos grandes grupos, claro. Para Louçã, ninguém em Portugal pode ter um grande grupo económico (talvez o Estado?). É mau para o país;
– Uma certa mágoa pelo fim do seu papel como líder do Bloco, que no entanto mantém numa nebulosa (“[…]mas não vou falar do meu afastamento. Na Convenção se decidirá”).

Em suma, pareceu-me muito pouco. O afundamento do Bloco depois do chumbo do PEC 4 prometia ser longo e irreversível e quase nada indica que assim não será. Louçã está politicamente gasto e possivelmente cansado. Não tem a idade de Tsipras. Como este, não se descortina ninguém nas hostes bloquistas. A crise e sobretudo o Syriza (a ver vamos se a sedução de Tsipras se mantém, ou se Samaras o utiliza habilmente como força de pressão perante a Europa) ofereceram uma tábua de salvação ao agrupamento, que me parece ilusória, porque distante, apesar de os 9% que uma das recentes sondagens lhes dá serem motivo de grande júbilo e esperança para Louçã.

Este homem passou pela cimeira?

É o que se chama estar na horta e não ver as couves (de Bruxelas):

«Reiterando a vontade de “preservar o país de assistência” mais prolongada e novos condicionalismos e medidas de austeridade, sobre as quais voltou a dizer não querer “especular”, o primeiro-ministro sublinhou, contudo, que “se a realidade mostrar que há condições que mudam o suficiente” para que seja necessária uma outra leitura , esta será analisada.
“Temos de utilizar toda a margem orçamental que ainda temos para evitar que os portugueses tenham de observar medidas adicionais que tivessem de ser adoptadas para garantir estas metas”, sustentou ainda Pedro Passos Coelho.»

Além de não se perceber nada (enfim, percebe-se que está metido numa alhada com o fracasso clamoroso das suas políticas e a impossibilidade de o confessar), Passos já levava a trela para Bruxelas e, à saída da cimeira, mantinha-a, o que significa que ele, sim, não percebeu nada do que se lá passou.

Um povo aberrante?*

“The leaders of Italy and Spain, — the third and fourth largest economies in the euro zone — are demanding relief from the high costs of servicing their debt. Yields on Spanish 10-year bonds are now almost at 7 percent — a level considered unsustainable — and interest rates on Italy’s bonds are not much lower. Monti and Rajoy complain that their countries can not cope with such high yields for much longer. They want the euro rescue fund, the European Stability Mechanism (ESM), to buy up their bonds in order to push down the market rates.”

“Merkel, however, feels that her partners have not yet reached their limit.”

Ah, o drama das taxas! Sócrates tentou fazer o que Monti e Rajoy estão agora a tentar, com as armas que tinha, basicamente conversas/discussões/persuasão. Perante taxas de rendibilidade insustentáveis, pressionar no sentido de uma solução vinda da Europa é e era a única saída para quem está acorrentado ao euro. Teria, eventualmente, sido ouvido e ajudado. Mas, por cá, houve quem entendesse ser melhor mandar a casa abaixo e culpar o herói. Grandes génios.

É adequado lembrar que nem Monti nem Rajoy comungam de ideias próximas do socialismo ou da social-democracia. No entanto, sentem os problemas dos seus países e não veem vantagem nenhuma, nenhuma mesmo, em contrair empréstimos com Troikas e quejandos, muito menos nas condições já conhecidas e no contexto atual. Só mesmo esta conjugação portuguesa de leviandade + sede do pote + experimentalismo faz de nós uma exceção. Que demonstra ser uma aberração.

Aliás, em matéria de aberração:
“One reason why Merkel is so inflexible is that the two houses of the German parliament, the Bundestag and Bundesrat, are due to vote on the ESM and the fiscal pact on Friday afternoon. Merkel is unable to make further concessions in Brussels before these measures are approved, otherwise it could jeopardize the two-thirds majority that she needs to get the legislation through parliament. In the view of those who were hoping for significant progress in Brussels, the timing of the summit is therefore very unfortunate.

Other European leaders are also under intense pressure at home. Italian Prime Minister Monti desperately needs demonstrable results, because the Italian election campaign begins after the summer break and Monti’s predecessor, Silvio Berlusconi, is lurking in the background, apparently plotting his political comeback. Dutch Prime Minister Rutte is opposed to transferring any more power to Brussels, because he is threatened by a rise in left-wing and right-wing euroskeptic populism ahead of elections in September. Meanwhile British Prime Minister David Cameron has already made it clear that Britain will not support the European-level bank supervision proposed by Van Rompuy in his master plan.”

Os líderes já referidos da Itália e da Espanha, além de gostarem dos seus países, sentem também a pressão da população e agem condicionados pelas questões internas (li algures que Monti se demitirá). Não são muito diferentes de Merkel nessa matéria. Todo o seu comportamento, seja na Holanda, na Finlândia, na França, na Grécia, e por aí fora, é ditado principalmente pela situação interna. Os holandeses temem a ascensão dos extremistas de extrema-direita e de extrema-esquerda e a impossibilidade de coligações ao centro, outros temem os populistas, outros temem mais a extrema-direita, os alemães temem o Parlamento e a própria coligação, além do Tribunal Constitucional. E nós? Estes anormais que nos governam não têm ninguém a quem temer! Somos de facto uma aberração.

*Possivelmente um PS aberrante e um PCP ainda mais aberrante.

“Dream on”

A Alemanha joga amanhã contra a Itália e poderá sair do Euro. Mas poderá também sair do euro.

A cimeira vai dar em nada.

Entrevista de George Soros ao Der Spiegel online.

Análise de Jean Quatremer no Libération.

Eis a disposição com que Angela Merkel se apresentará na cimeira europeia de amanhã, depois de já ter dito que considera as propostas de Van Rompuy, Juncker e Barroso desproporcionadas:
“Enquanto for viva, não haverá mutualização da dívida dos Estados da zona euro”, disse ela ao grupo parlamentar liberal, seus parceiros de coligação. Ao que estes lhe responderam: «Esperamos que viva por muitos e bons anos».

(Em alemão no Die Welt: “Eine gesamtschuldnerische Haftung, also auch Euro-Bonds, werde es nicht geben solange ich lebe. Einige liberale Abgeordnete riefen spontan in den Fraktionssaal: Wir wünschen Ihnen ein langes Leben!”)

Isto só pode acabar mal. Outra vez.