Sou um fumador que não fuma desde Abril de 2006. Aproveitei um estado gripal e gripei o consumo. O vício ficou, e para sempre. Por isso ainda levo um isqueiro no bolso, ao sair de casa, para nunca me esquecer que continuo fumador. E por isso deixei os maços abertos onde eles estavam, onde eles estão, para me recordar da facilidade com que se atraiçoa a vontade. Mas só voltei a pegar num cigarro há uns meses, quando sonhei que estava a fumar. No próprio sonho, experimentei a delícia de fumar e o arrependimento por ter estragado mais de um ano de abstinência e castidade pulmonar, seguido do alívio por me saber a sonhar. Tudo isto a dormir. Ou tudo isto para me acordar.
Os que se opõem às restrições da lei do tabaco são, sem excepção, mentirosos. Podemos até usar esta questão (como outras, esta no caso) à laia de estetoscópio para diagnosticar o carácter de alguém. Tendo em conta que não há uma única razão que torne bondosa a exposição involuntária ao fumo do tabaco, aqueles que não se importam de contaminar o empregado que lhes serve a bica, por exemplo, são uns trastes em quem não se deve confiar. Porque eles não querem saber das consequências, não se relacionam com o empregado enquanto pessoa, apenas como meio para o café lhes chegar aos beiços. Vai daí, quando se puxa do cigarro ao balcão, ou no interior do estabelecimento, cada fumador é um convicto representante do solipsismo. Para logo a seguir, se o seu carro tiver a saída barrada por um estacionamento à má-fila, se anunciar fogoso procurador do Estado de direito. E ao chegar ao emprego, calhando não poder fumar no espaço onde trabalha, o fumador assume-se anarco-sindicalista, maldizendo a democracia vendida ao fundamentalismo higienista e antecipando a extinção de todas as liberdades para daí a duas semanas. Sim, estamos a lidar com filhos da puta. E eu fui um deles.