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Geert Wilders, fixem esse nome. Vão ouvir falar mais dele. Quem é?
É um deputado holandês que há dois anos foi expulso do Partido Liberal, e hoje preside no Parlamento a um grupo próprio. Houvesse hoje eleições, e Wilders (o «i» soa como ê) seria o chefe do quarto partido político, se não do terceiro, do país. Essa popularidade de Wilders vem-lhe, sobretudo, da frontal oposição ao Islão.
Estamos na Holanda, país que, em matéria de liberdade de expressão, não recebe lições. Vivem nele meio milhão de islamitas, mas Wilders tem a plena liberdade de exprimir-se. Não como eu, ou como o meu vizinho. Não, ele é, depois da Rainha, o cidadão mais protegido no país.
Até aqui tudo bem.
Mas Wilders quer mais. Quer contar ao Mundo inteiro a desfaçatez e o perigo que é o Islão, e isso sob a forma dum filme, Fitna, que ele espera ver passado na TV. Por ele, simples questão de dias. Simplesmente, até ao momento, nenhum canal holandês se prontificou. Wilders afirma que nada no filme viola a lei holandesa, o que é de admitir, já que é das mais permissivas do Planeta. Caso a TV recuse, sobra-lhe a vasta Internet.
Na opinião pública, ninguém acredita que Geert Wilders faça tudo isso só para proteger-nos do Islão. Pode fazê-lo, lá num recesso do seu íntimo. Mas o fito dele é o Poder. O que é absolutamente legítimo. Simplesmente, de momento, e de confessável, só os seus anseios apostólicos.
Entretanto, os holandeses que vivem e trabalham em países muçulmanos – cooperantes, pessoal médico, professores, pequenos empresários – começam a ficar preocupados, e não só um bocadinho. Um qualquer deles, não o vigiadíssimo Wilders, poderia ser a próxima vítima. A próxima, depois do cineasta Theo van Gogh, nas ruas de Amsterdão.
Muitas vozes se erguem na Holanda, a começar pelo primeiro-ministro, rogando a Wilders que não use a grande liberdade que aqui se vive para pôr em perigo vidas de compatriotas, aqui, ou Mundo afora. Mas Wilders repete sempre o mesmo: que nada fará de ilegal.
Pode ser. Mas, sabendo-se o que do Islão ele tem dito, no Parlamento e fora dele, é altamente provável que o filme vá ferir convicções, e sentimentos, de muitos. E seria ingénuo pensar que Wilders não percebe que isso é uma provocação aos mais débeis e fanáticos entre esses muitos.
Nas numerosas, diárias «Cartas ao Director» sobre o tema, em todos os jornais do país, uma fez-me particular impressão. Perguntava uma senhora se era exagerado medo, o seu, de achar-se um dia, por um estúpido acaso, no local em que Wilders fosse alvo dum atentado. Essa senhora incarnava, pode inferir-se, qualquer cidadão holandês. Nem ela nem eu temos a mínima vontade de virmos, um dia, a ser condecorados em condições um nadinha esquisitas.
Resta-nos, pois, por entre as bênçãos à liberdade de expressão, rezarmos um poucochinho. Por Wilders, também, claro. Mas esse sempre tem os seus guarda-costas.
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Actualização [6 de Março]
Geert Wilders anunciou que vai mostrar o filme, em finais de Março, na sala de imprensa do Parlamento.
Entretanto, esta manhã, a polícia holandesa entrou na segunda mais alta fase de alerta. Significa uma «chance real» de haver um atentado terrorista em solo holandês. (A primeira é para depois do atentado).
Alarmismo? Medo? Quem falou em tal? Mas ninguém acha sumamente interessante ir pelos ares aos bocadinhos, só porque lhe calhou viver num país que – de tão tolerante – não desarma o braço a um louco.