Arquivo da Categoria: João Pedro da Costa

Bolero da web 2.0

Está, neste preciso momento, a nevar no Porto e, em Agosto do ano passado, quando resolvi concorrer a um curso de doutoramento leccionado pela Universidade do Porto e pela Universidade de Aveiro sobre Informação e Comunicação em Plataformas Digitais, estava longe de pensar que o referido curso ia constituir para mim uma genuína epifania. Concorri um bocado às cegas: li o programa, pareceu-me interessante e condizente com esta minha paixão pelo HTML com pulso, mas nem isso me preparou para o rigor, o entusiasmo e a dedicação do corpo docente, nem para o elevadíssimo nível de qualidade humana e intelectual dos meus colegas, que têm mostrado uma capacidade invulgar para me aturar. Está, neste preciso momento, a nevar no Porto e fica desta forma recomendado aos interessados e mais destemidos um programa doutoral exigente mas profundamente enriquecedor.

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25 de Setembro de 2009 às 18h30

Sou, obviamente, suspeito. Afinal de contas, está ali o Arraiolos que me deu cabo das costas, a minha bela e única cidade, as duas Dianas feitas da mesma luz que ilumina as árvores e a relva, a campainha de uma bicicleta, sombras insuspeitas e uma das mais belas músicas de um dos grandes compositores e intérpretes nacionais, esse grande bacano cheio de talento que é o Francisco, aka Old Jerusalem. Apetece dizer que, naquele dia, todos os elementos se conjugaram em nosso favor: as duas estudantes Erasmus alemãs (obrigado, Merle e Judith) que de imediato aceitaram o repto, o magnífico tempo que naquele dia permitiu ao Palácio de Cristal fazer jus ao nome, os ruídos da fauna e do acaso, a voz, as palavras e a guitarra do Francisco. Apetece dizer, de facto, mas não digo – porque tal seria menosprezar a forma magistral como o André Tentugal filmou tudo isto e a superior captação de som do Alexandre (aka The Weatherman) da pop tones. E é precisamente ali, meninas e meninos, que o Rui Rio quer construir uma caixa de cimento. No que depender de mim, não deixo.

O Nobel que se Clézio, que o PEN é que está a dar

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O Daniel Jonas acaba de ganhar o prémio literário do PEN Clube na categoria de poesia (ex-aequo com Segredos do Reino Animal de Helder Moura Pereira) pelo magnífico Sonótono (Cotovia, 2007). A efemeridade é particularmente importante porque estamos a falar de um livro que foi profundamente ignorado ou incompreendido por uma crítica que, salvas algumas honrosas excepções, vive do compadrio, da preguiça e de obsessões pseudo-elitistas e mereológico-geracionais. Que o prémio sirva pelo menos para atrair mais leitores à obra profundamente original do Daniel e que consiga sacar ainda hoje da net o terceiro CD do Tell Tale Signs, o oitavo volume das Bootleg Sessions do Dylan, são os meus mais profundos desejos para o que resta deste tão surpreendente ano. Parabéns, Daniel: já podes deixar de lado a tua carreira gastronómica.

Dica

Não sei se repararam, mas o acontecimento televisivo mais importante dos últimos (vá lá) dez anos está neste preciso momento a acontecer num horário que há muitos anos não dedicava a ver televisão. Não é apenas um acontecimento importante: é um autêntico milagre. Daqueles que emociona. Se o regresso à boa forma do Herman José era algo que já não fazia parte do meu universo de expectativas (para mais no reciclado formato de um saudoso concurso televisivo), que dizer ao facto (para mim, inegável) do maior génio do humor português estar a caminhar perigosamente para a sua mais leve, divertida, politicamente incorrecta, inteligente e paradoxalmente contida performance televisiva de sempre? A sério, vejam o programa. De 2.ª a 6.ª, por volta das 19h15. Na SIC.

Rui de Brito

É já nos próximos dias 4 a 7 de Setembro que terá lugar, na Póvoa de Varzim, a segunda edição deste belo e importantíssimo evento que é o ViMus, o único festival internacional de vídeos musicais organizado no nosso país. Por isso, babem-se com o programa deste ano e vejam lá se conseguem dar um salto a essa bela cidade. As entradas são livres.

Tal como o ano passado, a organização (que tem uma certa dificuldade em aprender com os erros que cometeu no passado), voltou a convidar-me para escrever um texto sobre um realizador português. Depois de José Pinheiro, o cristo deste ano é Rui de Brito. Espero que gostem, não propriamente do texto (apesar da imensa trabalheira que me deu inserir tanto link), mas da viagem que lá proponho pela obra desta cabal demonstração de que não faltam imensos talentos no nosso país (ler esta última frase à la Sócrates). Aí vai aço.

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petite apocalypse doméstique

je suis la grande prostituée de babylone.
c’est moi qui se vend pour tes hanches,
celui qui craint tes regards. le serpent
emplumé guette de sa tranchée,
mais aussitôt, blâmé par la colombe,
retourne à la déesse qui l’a conçu : nin.ti.
parfois je suis ce que je suis lorsque je ne
suis ce que je suis. il me manque un peu plus
de discipline pour être canonisé. tu me dis
que tu es moi. il faut que je fouette mes vers.
et tu ne les veux pas fouettés, tu veux
qu’ils soient pécheurs, la bête au chiffre imparfait.
mais tu ne comprends rien. tu ne comprends
que c’est moi la bête e que le combat est terrible
de sortilèges : je ne suis ce que je suis, mais un
dragon, la fille de joie, quelquefois un fou.

Poema de Daniel Jonas (O Corpo Está Com O Rei, AEFLUP, 1997)
Tradução de João Pedro da Costa

Voix

c’est une voix de velours celle qui te dit que tu pourrais rester
si un oiseau habite sa bouche
ou si un barbiturique a choisi d’y vivre, je ne sais dire
mais la voix qui meurt dans ta voix
n’a faim d’aucune autre
et elle ne veut que ta bouche
rien que ta bouche

c’est une voix qui coule comme une fiole
qui ne chante qu’une fois et puis meurt
et en mourant laisse un trottoir mouillé
et une maison abandonnée et en mourant
laisse un trottoir et une ville perdue
une voix qui en mourant
sort entièrement

c’est une voix celle qui te demande maigre et affaiblie
qui se dépouille des mots après la pluie
qui fait ses adieux de la pluie après les mots
une voix qui part pour mourir
comme un chat dans les banlieues de la nuit
après s’être donnée entièrement
à ce qu’elle t’a dit.

Poema de Daniel Jonas (Moça Formosa, Lençóis de Veludo, CCA, 2002)
Tradução de João Pedro da Costa

Silvia Alberto

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Os Dodos são um duo formado por Meric Long (voz e guitarras) e Logan Kroeber (bateria e percussões) que produz uma sonoridade que se situa algures entre a psycho-folk dos Animal Collective (é já prá semana, malta) e um country-blues que tanto me faz lembrar os Wilco como os Led Zeppelin circa 1970. Também haveria algo a dizer sobre a batida afro-metal da banda e as descargas de adrenalina que me provoca ouvir aos berros esta musiquinha, mas, infelizmente, está a começar o Desafio Verde na RTP2 e a apresentadora (está-se mesmo a ver) não é rapariga para esperar por mim, seu incansável e dedicado fã. Portanto, fiquem lá com este super viciante «Walking / Red & Purple» que é o dois em um com que arranca aquele que é, para já, o melhor disco que ouvi este ano. Oh yeah.

Olha, já agora, eu também want to be like water and never need um endocrinologista faxavor

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Apesar de toda a gente reconhecer a autêntica revolução que o YouTube representou para a web 2.0, nem todos terão reparado na sua influência na criação de novos conteúdos audiovisuais. Não é por acaso que videófilos e audiófilos abominam o YouTube: as suas limitações de upload e streaming (resoluções de 320×240 ou 480×360 a 314 kbits/s para as imagens e compressão a 64 kbits/s para a faixa sonora) são um verdadeiro pesadelo para quem venera a alta fidelidade. O vídeo de «Water Curses» dos Animal Collective realizado por Andrew Kuo e Snejina Latev, consegue a proeza de transpor aquilo que são aparentemente as limitações do YouTube (e de outros programas semelhantes) para o interior do próprio processo criativo de uma forma que, para além de ser absolutamente inovadora, possui resultados estéticos que me deixam num estado entre o transe e a levitação. Ou muito me engano ou temos aqui, se não o melhor, pelo menos o mais importante vídeo musical desse admirável mundo novo que é o HTML.

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A new version of WordPress is available! (a sério?) Please notify the site administrator (vou já a correr)

Tenho cá em casa um gato muito giro chamado Xavier, que tem uma fixação doentia por fitas de cabelo. Apesar de ter as mãos todas arranhadas pelo bichano, é óbvio que me divirto imenso com essa sua fixação. Inspirado por essas andanças felinas, resolvi fazer um mash-up de duas bandas desenhadas que adoro: os Bunny Suicides de Andy Riley (vénia) e os Mutts do Patrick McDonnell (tripla vénia, amén). O Mooch faz de Xavier e o coelho usa a fita à Rambo. Ai ai, as merdas que me passam pela puta da cabeça.

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Não afastes teus olhos dos meus

sungani.jpgTenho uma coisa muito importante a dizer sobre as recentes saídas do Fernando Venâncio e do Daniel Sá do Aspirina B e que, porventura, irá abalar as fundações da blogosfera: os Animal Collective vão dar dois concertos em Portugal no mês de Maio – dia 27 no Porto (cinema Batalha) e dia 28 em Lisboa (Lux). Como foi muito bem referido pelo Fernando Venâncio antes de abandonar o Aspirina, os Animal Collective são a maior banda do planeta e, por isso, se quiserem evitar a criação de uma imagem de vós próprios à qual não estão habituados (o que é uma verdadeira chatice, perguntem ao Daniel Sá), vejam lá se compram bilhetes antes que os mesmos esgotem (os bilhetes, não o Fernando Venâncio e o Daniel Sá, que são inesgotáveis). Mas eu não conheço a banda, exclamarão alguns (entre os quais julgo vislumbrar o tom pouco cuidado nas sílabas e na acentuação do José do Carmo Francisco) – não se preocupem, caralho: não estou eu aqui para outra coisa. Começo por este singelo «Leaf House», uma cançoneta sobre gatinhos, que é suficientemente estranha e genial para separar o trigo dos mais preguiçosos. Ah, ao contrário do Daniel Sá, que, pelos vistos, está alojado nas antípodas do Venâncio, direi que não vou dizer se gostei ou não de não estar aqui. Se dissesse o que não disse sobre o quanto gostei de não estar, continuaria a não estar, né. Desejo-vos, sinceramente, a ausência de qualquer problema pancreático.

LEAF HOUSE (Animal Collective, 2004)

This house is sad
Because he’s not
Inside it

Where does he hide
When someone comes?
To the front door

There’s no one to say: Meow, kitties!

Sem emoções para os espanhóis, inovações turísticas e loucuras relativas: ó, penso tanto em ti, Vanessa Amaro

Os Elbow são daquelas bandas que, como os Doves, vivem numa terra de nenhures: são demasiado comerciais para merecerem o reconhecimento do universo indie e excessivamente adultos para singrarem no mainstream. Apesar de os sucessivos fracassos comerciais somados com a indiferença da crítica já terem dado cabo de muitas bandas, os Elbow têm prosseguido uma carreira brilhante que terá em Março um novo capítulo intitulado The Seldom Seen Kid. Até lá, há o belo vídeo que Dan Sully realizou para o tema «Grounds For Divorce». Simples, belo, eficaz. Numa palavra: Elbow.

Igualmente digno de nota, se bem que ligeiramente mais sofisticado, é o último vídeo dos The National realizado por Scott Cudmore para um dos grandes temas de 2007: «Fake Empire». Já passei horas a ver e a ouvir esta maravilha em loop e vêm-me sempre à memória (vejam lá o estado de loucura a que um gajo pode atingir) filmes de Wenders, John Cassavetes e PT Anderson. Podem vê-lo aqui (Quick Time).

Quem duvida das virtudes estéticas dessa mui nobre arte que é a taxonomia que deixe de lado o Lineu e atente à seguinte passagem da versão de 1980 (para mim, a melhor de todas) da Classificação Nacional das Profissões da saudosa Secretaria de Estado do Emprego do Ministério do Trabalho (pp. 239-240): «A profissão de Tripeiro divide-se em: a) Tripeiro em geral; b) Auxiliar de tripeiro; c) Calibrador de tripas; d) Medidor de tripas; e) Salgador de tripas; f) Salgador de peles que não sejam tripas; g) Outros magarefes, tripeiros e preparador de carnes.»

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Apesar de os vídeos musicais terem descoberto há já alguns anos que a Internet tinha tudo para ser o seu habitat natural, é surpreendente que apenas recentemente tenham surgido os primeiros sinais de adaptação do formato à plataforma. Não estou a falar da suposta estética pixelizada do YouTube, mas do facto dos videoclipes terem finalmente começado a tirar proveito das potencialidades interactivas do HTML. Também aí, os Arcade Fire são pioneiros. Depois de, há cerca de meio-ano, o realizador Vincent Morrisset ter dado o tiro de partida com o surpreendente Neon Bible, chega agora um objecto ainda mais belo e fascinante realizado por Olivier Groulx & Tracy Maurice e que tem por mote o hipnótico Black Mirror. Posso estar enganado, mas algo me diz que estes dois clipes marcam o início de uma nova era na história dos vídeos musicais.

Gostaria de agradecer ao Governo o seguinte reflexo condicionado: à mínima sensação de frio, fico logo com uma traça descomunal.

Era para escrever sobre os Deerhunter, mas terá que ficar prá próxima, pois agora estou aflito com 3 vídeos que urge partilhar. Não é que não achasse piada à fase electro-clash, mas confesso que fiquei entusiasmado quando li há alguns meses que o novo álbum de Goldfrapp marcava um regresso às sonoridades cinematográficas do disco de estreia. Na verdade, não há regresso nenhum, mas uma síntese perfeita de todos os ingredientes dos três discos anteriores com um mais-valia absoluta: a electrónica deixa de ser ornato para passar a textura. Para prová-lo, há este delicadíssimo «A&E», cujo vídeo foi realizado por Dougal Wilson, o bacano que já tinha sido responsável por esta pequena maravilha (não é por acaso que os mais atentos conseguirão vislumbrar a fugaz aparição de uma bicicleta). Outra surpresa é o novo single de Moby, o tal rapaz que prometia imenso há uns dez anos e que depois se espetou com grande aparato no mainstream. «Alice», para além de ser um excelente tema hip-hop, vem acompanhado por um fenomenal e muito lynchiano exercício de VJing saído da mente do grande Andreas Nilsson (vejam, por exemplo, este brinquinho). Para terminar, deixo-vos ainda com o pedagógico «Back Out On The…» de Kevin Drew (Broken Social Scene). É favor de mostrar à chavalada para ver se eles aprendem, de uma vez por todas, o que é o rock’n’roll.

A fonologia é uma disciplina muito útil que, por exemplo, nos ensina que «goraz» é, contra todas as evidências, o nome de um peixe e não um adjectivo

Mais umas cenas à maneira. Desta vez, gostaria de partilhar as minhas três grandes apostas musicais para 2008 (facção indie). Os nova-iorquinos Vampire Weekend são a coisa mais refrescante, inovadora e bem-disposta que ouvi nos tempos mais recentes e o belo vídeo de «A Punk» é da autoria de um dos meus realizadores favoritos: o grande Garth Jennings da Hammer & Tongs. Os The Mae Shi são de Los Angeles e, sinceramente, não vejo como poderão deixar de ser das bandas mais relevantes de 2008. Não é por acaso que o vídeo de «Run To Your Grave» é semelhante ao dos Vampire Weekend: só mesmo o fast forward para captar toda a energia e a criatividade destas duas bandas. Finalmente, as Those Dancing Days vêm da Suécia e, para além de terem a vocalista mais gira do planeta, também são capazes de fazer coisas tão viciantes como este «Hitten». Eu gosto muito do vídeo: são as brincadeiras infantis, os grandes planos que me paralisam a espinha e, claro está, aquela comovente e absolutamente inesperada recriação da capa de um dos discos da minha vida. Não dá mesmo para acreditar é na pinta daquela vocalista.


O alho congelado seria uma invenção perfeita caso os respectivos saquinhos fossem, de facto, herméticos e não empestassem os restantes géneros alimentícios do meu sempre refrescante congelador

Ando há uma semana doido com esta música: «Singing On Our Graves» dos The Cave Singers (a banda é nova, mas os músicos são malta com larga experiência: Pretty Girls Make Graves, Hint Hint, Cobra High). A música é um folkzinho irresistível (Leadbelly, Woody Guthrie, Dylan) que gravita em torno de um hipnótico arpeggio e de uma batida tipo marcha militar (ou seja: rock’n’roll). É tudo muito simples e, por isso mesmo, absolutamente genial e adictivo. O vídeo, que acabo de descobrir agora, é igualmente uma maravilha: um freak show com serpentes, baptismos e curas milagrosas. É caso para dizer que o clipe dos Familjen já tem seguidores no outro lado do Atlântico. Ah: o tema é igualmente a cena mais estupidamente dançável que ouvi em 2008. Ei: aquela ali, logo no início, não é a irmã do Tony Soprano?