Arquivo da Categoria: José do Carmo Francisco

Uma pomba em Óbidos

(foto de Abílio Leitão)

Na estrada velha a caminho das muralhas,

de súbito,

uma pomba da paz fazia alto aos condutores na subida.

Pomba da paz ou mão aberta como lhe chamou o escultor José Aurélio.

Muito se discutiu o conteúdo da mensagem

mas o presidente da Câmara aceitou a versão do artista.

Veio gente de Lisboa para lembrar que o país estava em guerra

e a pomba não podia ser.

Hoje é tudo veloz na pressa da auto-estrada

e quase ninguém repara na mão aberta à esquina

de quem sobe a estrada velha.

No silêncio da pedra uma pergunta que se repete nos dias:

pomba da paz ou mão aberta?

Vinte Linhas 770

António Colaço no Museu da Água das Amoreiras

Até 28 de Abril no Reservatório da Mãe d ´Água do Jardim das Amoreiras, de segunda a sábado entre as 10 e as 18 horas, António Colaço (n. 1952) expõe um conjunto de pinturas sob o título de «Lisboas». Jornalista ligado ao movimento das rádios livres e da TV regional, com um processo no DIAP em Abril de 1995, as suas pinturas, esculturas e desenhos, estão na Mãe d´Água «para dizer que a cidade precisa de inventar novos Aquedutos que tragam até ao coração dos seus dias os revigorantes caudais das nossas desperdiçadas energias».

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Vinte Linhas 769

Cristiano Ronaldo: O mestre os meninos ou nada está garantido

A foto, assinada pelo repórter fotográfico Vinícius Carriço num sábado à tarde, mostra o mestre José Travassos, primeiro jogador português a jogar numa selecção da UEFA, ao lado de um grupo de meninos no banco verde que o coronel Cunha Bispo punha à nossa disposição em Alvalade no campo nº 2. Lá está o Cristiano Ronaldo, recém-chegado da Madeira. Um dos miúdos chama-se José Américo. Ora há dois meses quando a vantagem do Real Madrid sobre a equipa da UNICEF era de 10 pontos e depois de o treinador Gaurdiola dizer que não era possível ganhar a Liga Espanhola, lá se arranjou um esquema para a vantagem descer de 10 para 4 pontos. Veio ao de cima o mesmo desportivismo que levou os responsáveis da equipa da UNICEF a ligarem o sistema de rega quando o Inter de Milão ganhou a eliminatória em Camp Nou à equipa, já se sabe, da UNICEF. O mesmo desportivismo que levou a apagar os nomes de Vítor Baía e Luis Figo do seu museu clubista ficando a leitura dos seus nomes só para quem tenha livros antigos.

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Vinte Linhas 768

Em louvor da escrita de Fernando Sabino

Fernando Sabino (1923-2004) teve no Brasil a sua consagração junto da crítica e do público com «O grande mentecapto» (1979) mas já publicava regularmente desde 1941: «Os grilos não cantam mais», foi o seu livro de estreia. Neste «A falta que ela me faz» (Editora Record) de 1980 mas já em terceira edição, Fernando Sabino junta 36 crónicas com os temas mais diversos. Pode ser sobre o acto de escrever em geral: «o escritor é um homem que passa a vida inteira conversando consigo mesmo e cujo único consolo é que a conversa, com o correr dos anos, fica cada vez mais interessante». Já em particular confessa: «limito-me a escrever aquilo que me agradaria ler».

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Vinte Linhas 767

«Golo!» por Juventino Freire (à memória de João Ivo Peralta)

Nem de propósito. Mão amiga fez-me chegar à minha caixa postal um exemplar do velho jornal «O Catarinense» de Julho de 1959. Embora apareçam apenas as iniciais (J.F.) sabe-se que o autor da notícia desportiva «Golo!» é Juventino Freire, infatigável leitor de jornais desportivos na oficina de seu pai (A Bola, Mundo Desportivo e Record) e redactor desportivo do nosso modesto mensário de Santa Catarina.

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Vinte Linhas 766

Sobre uma foto de David de Abreu na Rua D. Antão de Almada

O ano de 1908 teve grandes convulsões políticas, sociais e económicas. Um golpe em Janeiro, um regicídio em Fevereiro, eleições municipais em Novembro e outro governo que cai em Dezembro. Mais de cem anos depois de 1908 a ideia original permanece, afirma-se e continua: transformar produtos em mercadorias e trazer ao balcão todo o Mundo resumido. Fazer do longe perto. Se o comércio ideal não existe, façamos o comércio possível. Não há lojas para vender a peso aos clientes o prazer, a felicidade e a esperança; é possível juntar a terra e o mar nos metros quadrados de uma loja. Do mar vem o bacalhau, o atum, as conservas, o sal e o peixe seco. Da terra vem o azeite, o vinho, o queijo, o presunto, os licores, as especiarias e os frutos da época. Cesário Verde passou por aqui a caminho da loja de ferragens do pai na Rua dos Fanqueiros. Fernando pessoa vinha da Rua dos Douradores a caminho do café Nicola, José Rodrigues Miguéis vinha visitar o passado aqui muito perto, num certo hotel de Galegos. Na poesia, seja ela em prosa ou em verso, existe, tal como no comércio, a mesma ideia central: juntar de novo o que a distância separou. A «Escola do Paraíso» sai da capa de um livro e existe, afinal, numa rua daqui, perto desta loja antiga e, ao mesmo tempo, moderna.

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Vinte Linhas 765

Victor De La Fuente – a bandeira é uma peça de puzzle

«Realidades paralelas» é o título de um conjunto de quadros de Victor De La Fuente (n.1975) em exposição na Rua da Misericórdia nº 30 (ao Chiado) até ao dia 12 de Maio, de terça a sábado, das 10 às 19 horas. Coisas paralelas também porque mudam em relação ao que se espera das pessoas e dos objectos. Pintor e ilustrador, Victor é licenciado em Psicologia, colabora no semanário «Magazine» e a sua obra tem passado por galerias de muitas cidades como Santander, Braga, Madrid, Sevilha, Cartagena, Alicante, Porto, San Sebastian, Gijon, Córdova, Leon, Málaga, Vigo e Lisboa.

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Vinte Linhas 764

Joaquim Camacho e a irrequieta e opiniosa senhora

Longe de mim tratar com algum acinte a senhora que está na presidência da Fundação José Saramago. A imagem é bem clara: tirada na Casa da Cultura da Galiza em Marid no Verão de 2008 lá estou ao lado da minha amiga poeta, tradutora e professora Marta López Vilar e mesmo ao lado do poeta e tradutor Vicente Aráguas que mais tarde em 15 de Novembro de 2008 promoverá a publicação de uma página sobre a minha poesia no jornal «ABC» no «Suplemento Las Artes y las Letras» coordenado pela também amiga, a jornalista cultural Amália Iglésias Serna.

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Um livro por semana 285

«A Companhia dos corvos» de Joaquim do Nascimento

Depois das memórias da aldeia de Pereiros («Quotidianos de uma aldeia do Alto Douro» e «A casa e as sombras») e da revisitação ao inquérito do Ministro do Reino em 1758, Joaquim do Nascimento escreve a memória de um tempo (1963-1966) entre dois lugares – Lisboa e Inhaminga «uma vila de ferroviários localizada a cerca de 200 quilómetros da cidade da Beira na linha que, do seu porto, levava à Niassalândia». Partiram de Lisboa no Niassa: «Para Angola rapidamente e em força disse o cabrão do chefe, mas não criou condições para navegar, o filho da puta, com perdão da mãezinha dele!». Iam no Niassa «rapazes tontos, é verdade, mas foi sobre os nosso ombros que os bonzos do regime depositaram a responsabilidade de lhes guardar o Império e nós, convencidos, inchávamos o peito e fingíamos que acreditávamos».

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Vinte Linhas 763

Uma Taça mesmo à medida mas não só a Taça

A recente vitória do SLB na Taça da Liga de 2012 veio colocar na ordem do dia uma prova que parece ter sido desenhada e concebida para esse mesmo clube. Não por acaso na final de há quatro anos entre o SLB e o SCP, quando o jogo se aproximava do fim, havia 1-0 favorável ao SCP, logo um elemento exterior às duas esquipas resolveu «escrever história» e inventou uma grande penalidade, alterando assim o resultado de modo grosseiro, brutal e insólito.

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Vinte Linhas 762

Naquela manhã de Abril em 1995

O dia 14 de Abril foi, no ano de 1995, uma sexta-feira; não uma qualquer mas a Sexta-Feira Santa. Minha mãe estava a sofrer numa cama articulada de um Lar de Idosos, entre tubos, lágrimas e vitaminas. Passaram dezassete anos e continuo a pensar que foi a Sombra de Deus e a Sua vontade que quis levar, naquele dia tão especial, o corpo de minha mãe, já cansado de tantas doenças, para ele poder repousar na Sua Sombra, afinal muito mais viva que todas as luzes do Mundo.

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Um livro por semana 284

«Uma vara de medir o sol» de Graça Pires

Graça Pires (n.1946) estreou-se em 1990 com «Poemas» (Prémio Revelação A.P.E. 1988) sendo este «Uma vara de medir o sol» o seu 13º título publicado. Os poemas deste volume situam-se entre a Natureza e a Cultura: «Envelhecemos com uma vara / de medir o sol na linha do olhar./ Não entendemos os sinais inscritos / nas margens do abismo.»

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Vinte Linhas 761

Com que então é a presidenta? E o Alpalhão e a infância?

O jornalista João Céu e Silva do «Diário de Notícias» deve ter tremido todo por dentro ao ouvir o grito da irrequieta e opiniosa senhora espanhola que preside (presidente) à Fundação José Saramago quando ela quis fazer lei no Português de Portugal obrigando-o (por assim dizer) a escrever na sua entrevista um aborto – a palavra presidenta. Vejamos o caso: o particípio activo de atacar é atacante, o de pedir é pedinte, o de cantar é cantante, o de existir é existente, o de ser é ente.

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Vinte Linhas 760

Memória da Morais Soares a caminho da Escola Patrício Prazeres

A foto da Câmara Municipal de Lisboa (Arquivo Fotográfico) recorda um tempo no qual reinava a lentidão. Os eléctricos com atrelado vinham do Alto de São João para Belém, o pica bilhetes do atrelado tocava a campainha para o da frente dar ordem de arrancar. Havia poucos automóveis e poucas camionetas em circulação. Ali à esquerda aquele arco era a entrada de uma garagem onde o meu amigo Carlos Miranda (director de A BOLA) chegou a ter o seu automóvel guardado durante a semana para os passeios ao Domingo quando ainda era apenas colaborador do mesmo jornal ao tempo tri-semanário – segundas, quintas e sábados.

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Vinte Linhas 692

Visita guiada a uma antiga memória de Romeu Correia

No passado dia 19 de Novembro, a meio de uma manhã ameaçadora, integrado num grupo da Associação ALDRABA, iniciei uma visita guiada por um quarteto de luxo: Henrique Mota, Luís Bayó Veiga, Alberto Ramos e Luís Barros. Os segundos, não sendo da Associação O Pharol, associaram-se ao encontro e ao percurso. O grande largo de Cacilhas, cujo nome mudou ao longo dos tempos, foi o ponto de partida para a viagem a pé pelos restaurantes do Ginjal hoje desactivados e seguindo o percurso pelos estaleiros navais e fábricas diversas em ruínas.

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Um livro por semana 283

«Adeus até ao meu regresso» de Mário Beja Santos

Depois de dedicar à Guiné três livros (Na terra dos Soncó, O tigre vadio e Mulher grande) Mário Beja Santos assina este volume de 408 páginas nas quais estuda, interpreta e situa vários livros sobre a Guiné em diversos géneros: romances, contos, memórias, ensaios, poesia, reportagem, história e diários. Entre outros, são aqui recenseados livros de: João de Melo, Armor Pires Mota, Álvaro Guerra, José Martins Garcia, Joana Ruas, Salgueiro Maia, Álamo Oliveira, Vasco Lourenço e Amândio César.

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Vinte Linhas 759

Aviso – ainda a tempo – aos meus leitores e amigos

Quando foi publicado o «Vinte Linhas 500» surgiu um comentário no «Aspirina B» escrito por um pobre diabo nestes termos: «Pronto, já chegaste ao quinhentos, já te podes pôr na alheta». A facilidade com que qualquer trambolho, só porque tem acesso à Internet, se arroga o direito de ter opinião e, mais do que isso, o poder de decisão, é assustadora. Mas eu não me assustei e continuei a escrever porque tenho um passado, tenho um presente e julgo que tenho um futuro. Mas mesmo que não tivesse nem passado nem presente nem futuro, nunca seria um desconhecido a decidir a minha vida ou a fazer a minha agenda. A prova que consegui ultrapassar o caso é que já vou a assinar o «Vinte Linhas 759», o mesmo é dizer 259 textos mais tarde do tal 500. Ora 259 já é mais de metade do número que o tal trambolho julgava capaz de ser o ponto final. Mas até aqui tudo foi fácil: eu desmenti o pobre diabo assinando sempre mais textos. O trabalho foi a resposta.

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Vinte Linhas 758

A procissão em Santa Catarina de Lisboa ou a memória desencadeada

Acabou há minutos a procissão de Santa Catarina (de Lisboa) que me trouxe à memória as procissões da outra Santa Catarina (das Caldas da Rainha) onde nasci em 1951 e vivi até aos 6 anos e onde mais tarde regressei para fazer os exames da terceira, quarta e admissão entre Abril e Agosto de 1961. São 23h 11m do dia 6-4-2012 e para além do desfile dos pendões e bandeiras, das imagens de Cristo Morto e Sua Mãe transportadas em ombros nos respectivos andores, para além do pálio com o maravilhoso perfume do incenso, o que mais me emocionou foi o som da Filarmónica – neste caso a Sociedade Filarmónica da Ribaldeira (Torres Vedras). Um som alto, puro e grave, capaz de me trazer de novo ao meu tempo de menino quando havia na minha família mais chegada cinco músicos filarmónicos.

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Um livro por semana 282

«Os sítios sem resposta» de Joel Neto

Para Joel Neto (n. 1974) também a Geografia é mais importante do que a História. Miguel Barcelos, o herói deste romance, resolve mudar de clube («num dia de Novembro») e passa do Sporting para o Benfica durante um processo de zelo e sobressalto como «um cristão-novo na aprendizagem do pai-nosso». O enredo é absurdo, insólito e estranho mas repete, afinal, a troca que em 1961 foi feita por Eusébio quando virou costa ao Sporting de Lourenço Marques e veio para o SLB. Rejeitado pelo Desportivo e acarinhado pelos «leões» de Moçambique, Eusébio (n.1942) chegou ao Benfica por duas razões: era menor ao tempo e a mãe recebeu «dinheiro grande». Ele não seguiu o destino de «Juca», Mário Wilson e Hilário, notáveis jogadores moçambicanos que reforçaram os «leões» de Lisboa.

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Vinte Linhas 757

Fernando Grade – 50 anos depois do primeiro livro

O primeiro livro de poemas de Fernando Grade foi publicado em 1962 pela Guimarães Editores e o seu título é «Sangria». Não o tenho mas celebro a efeméride com outro livro: «A+2 = Raiva» de 1970, editado pela Difusão Dilsar na colecção Edições do Autor.

Trata-se de uma poesia que fala de si mesma. Umas vezes na perspectiva do «eu»: «Tenho a minha poesia boa e também a má / a alcoólica, a maníaca, a pervertida / com sangue, com olheiras, com dedais de fazer lume». Outras vezes num olhar mais «geral»: «Dizem que a poesia já começou a retirar-se para casas de chá / que vai destruir a charrua e o martelo / que vai deixar de ter filhos / de distribuir panfletos pelas tabernas / que vai deixar de ser parva.»

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