
Uma memória de Dinis Machado sobre a Barateira
No dia 13-2-1994 Dinis Machado celebrou os meus 43 anos com o poema manuscrito que me ofereceu. Escreveu o prefácio para o meu livro «Os guarda-redes morrem ao Domingo» edição da Padrões Culturais (11 contos, 11 crónicas, 11 poemas) e recordou os 80 anos da Livraria Barateira – fundada em 1914. Assim: «Como trazia os livros por atacado, tive aprendizagens simultâneas, resplandecentes e confusas. Já mais velhinho, cheio dos fumos da adolescência, trocava com os parceiros da minha confraria os livros alugados em grupo, numa espécie de cultura de cooperativa, regras de mercado que convinham às nossas bolsas e permitiam leitura desregrada. Na escola, dormindo muitas vezes pelo tédio, pela distracção e pelo invisível sono matinal, esperava o toque da campainha para me ver cá fora e partir à descoberta do continente barateiro e outras maneiras lúdicas de celebrar a existência como ir ao cinema ou jogar à bola. Posso dizer que tive na Barateira a escola paralela com a vantagem de não ser obrigado a aprender o que não conseguia aprender e não ter que responder, no coração da asneira, a perguntas doutorais. Eram só vantagens a começar pela coexistência pacífica entre as letras vetustas e as modernistas, se é que assim se pode chamar a esse caldeirão de letras. Império empírico de um rapaz destinado a pôr Shakespeare na sombra, a Barateira faz parte da minha formação, esse curriculozito tão exíguo e obstinado. E pergunto-me: – Serias capaz de te reconhecer sem todos aqueles anos de prateleiras que levavas para casa, essa feira inconcebível de trocas e baldrocas? Acho que não, confesso.»
Para quem começou na Barateira com «O Mosquito», as anedotas do Bocage e alguns calhamaços cujos títulos tinham sugestões aventurosas – não está nada mal.