Todos os artigos de Valupi

Melhor de 2008

Apareceu no Verão esta maravilha recolhida directamente de vacas alimentadas exclusivamente com chocolate belga (verdade verdadinha). Todos os dias começo o dia a virar de penalti um quarto no quarto. Agora é só esperar que apareça a versão chocolate preto, com mais cacau e menos açúcar. Se vier, Portugal fica na vanguarda da civilização (e cá com um vigor, ó pá…).

Pior de 2008

Pacheco Pereira representa aquilo que de pior aconteceu na sociedade portuguesa em 2008. Funciona como uma lente gravitacional, amplificando com a sua galáxia de opiniões os vícios, fraquezas e disfunções da classe política, da direita, do PSD, da oposição e da intervenção cívica profissional.

2007 tinha acabado muito bem para o Pacheco. Era a cara da resistência interna à gaia demência, a esperança de regeneração do PSD, e em Dezembro teve a coragem de publicar esta meia-denúncia sobre uma situação escabrosa. O silêncio geral que se seguiu confirma a dimensão do que deixou entrelinhas, poço sem fundo de cumplicidades que fazem parte do regime paralelo onde a corrupção e o crime ditam as leis. Infelizmente, 2008 veio desbaratar pecúlio tão promissor, num crescendo de fulanização, distorção e depressão.

O modo como este gabiru da análise política falhou o entendimento do papel histórico de Sócrates é, sob qualquer ponto de vista, espectacular. Em 2005, estava claro que Santana encerrava em desgraça o ciclo começado com a fuga de Cavaco, em 1995; primeira traição a Portugal por desresponsabilização após a entrada dos fundos europeus, e a qual levou a uma sucessão infame de governantes e líderes partidários. Não se poderia piorar, não havia nada mais radical do que a destituição de um Governo com apoio parlamentar, pelo que algo diferente começaria necessariamente após a inaudita decisão de Sampaio. E, de facto, o Governo PS saiu melhor do que a encomenda, obviamente com o contributo decisivo da maioria. Mas a grande, enorme, diferença estava na cultura altamente profissional daquele grupo governativo, apesar das naturais diferenças individuais entre ministros. A ambição reformista de Sócrates atacou um inimigo com décadas, ou séculos, de atavismo cultural e marasmo cívico, brilhantemente diagnosticado pelo José Gil pouco tempo antes. Ninguém sabia até onde se conseguiria chegar nem quais as consequências sociais das reformas. Apenas se tinha consciência, cheios de raiva e nojo, que não se podia esperar mais.

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No president is an island

Por que é que a Assembleia da República não alterou o Estatuto apesar de vozes, vindas dos mais variados quadrantes, terem apelado para que o fizesse, considerando que as objecções do Presidente da República tinham toda a razão de ser?

Principalmente, quando a atenção dos agentes políticos devia estar concentrada na resolução dos graves problemas que afectam a vida das pessoas?

Foram várias as vozes que apontaram razões meramente partidárias para a decisão da Assembleia da República.

Pela análise dos comportamentos e das afirmações feitas ao longo do processo e pelas informações que em privado recolhi, restam poucas dúvidas quanto a isso.

A ser assim, a qualidade da nossa democracia sofreu um sério revés.

O problema do Estatuto dos Açores, relativo ao berbicacho que o paupérrimo discurso presidencial da noite passada vem mais uma vez confundir, entra directamente para o grupo das clássicas questões bizantinas. Os sábios bizantinos viviam bem, pachorrentos e anafados, pelo que tinham muito tempo livre. Discutiam problemas abstrusos como o de se encontrar a causa principal pelo facto de um homem ter sido atingido na cachimónia por um tijolo. Possibilidades: foi atingido porque ia a passar no momento em que o tijolo caiu ou teria sido atingido porque o tijolo caiu no momento em que ele ia a passar? E assim se divertiam e consolavam. No nosso caso, estamos perante uma querela jurídica, a qual na sua abstracção máxima dá razão à posição presidencial. Porém, caso a Assembleia da República anuísse, estaríamos, pela mesma lógica invocada pelo Presidente, a desequilibrar o regime a favor da Presidência – logo, em detrimento do parlamentarismo.

O Presidente da República não tem feito outra coisa senão errar neste processo, desde o começo. Até parece que foi de propósito, tanta a estupidez: não envia para o Tribunal Constitucional todas as passagens problemáticas; assusta o País em Julho com uma comunicação críptica que deixou meio Portugal perplexo e o outro meio estupefacto; não consegue expor convincentemente a sua posição nos 5 meses seguintes; promulga o Estatuto, mas exibe-se ressabiado a disparar em todas as direcções. Ao menos que o discurso fosse bom, mas nem medíocre conseguiu ser:

– Que cena é essa das vozes, vindas dos mais variados quadrantes? Vozes?! O Presidente anda a ouvir vozes ou acha que a política é o reino da vozearia?…
– Que maluquice é essa de sugerir que a atenção dos agentes políticos devia estar concentrada na resolução dos graves problemas que afectam a vida das pessoas? Quer dizer que não está? Então, que se digam os nomes e se apontem os prejuízos. Mas, vejamos, que se está a propor? Será uma reedição do deixem-me trabalhar agora em versão deixem-me ser eu a mandar? Esta passo arrisca-se a ser aviltante, transmite a ideia de uma desejada capitulação da vontade democrática face aos desígnios presidenciais.
– Que raio são razões meramente partidárias? Ou serão as razões meramente partidárias, para o Presidente, de si e em si, politicamente insuficientes e moralmente ilegítimas? Serão os próprios partidos demasiado partidários para o gosto do Presidente?
– O Presidente faz análise de comportamentos, o que faz dele um psicólogo ou um etólogo.
– O Presidente faz análise de afirmações, o que faz dele um linguista ou um hermeneuta.
– O Presidente recolhe informações em privado, o que faz dele um espião ou um coscuvilheiro.
– O Presidente admite ter poucas dúvidas quanto a isso. Tudo bem, mas quais são elas? Sabemos que serão pelo menos duas dúvidas, talvez três ou talvez trinta, mas se ainda tem dúvidas como é que pode vir falar ao País? Não seria melhor esclarecer totalmente o assunto em vez de despejar insinuações birrentas?
A ser assim, a qualidade da nossa democracia sofreu um sério revés. Dizes bem, Presidente, usando o condicional. Já quanto à tua prestação na ida à Madeira, onde foste humilhado, e no caso do Parlamento Regional da Madeira, onde a Constituição foi ofendida, não restam quaisquer dúvidas: a nossa democracia sofreu, e vai continuar a sofrer, um sério revés.

O país gripado


Este filme publicitário do medicamento Ilvico N tem passado na RTP Memória (pelo menos), e esteve disponível durante uns dias no YouTube, algures no início de Dezembro. Começa por mostrar um homem de cama, ao telefone. Este informa um colega de que vai ficar em casa por estar doente. O colega diz-lhe que, nesse caso, tratará ele das entrevistas, mostrando-se muito satisfeito com a situação. De seguida a câmara foca as coxas nuas de uma jovem mulher (na imagem). Essa mulher, ao levantar-se, exibe úbere regaço em generoso decote. O filme termina com a mulher avançando dengosa para o entrevistador, estando duas outras candidatas à espera.

Assim por alto, umas 20 pessoas terão tido influência no anúncio supra, entre pessoal do marketing, da publicidade e da produção vídeo. De acordo com uma anedota recorrente no meio publicitário, as campanhas acabam por ser aprovadas pelas esposas dos directores de marketing. Eles chegam a casa, jantam, vêem o Malato e depois mostram as propostas da agência às madames. Os directores de marketing – segundo a sabedoria forjada pelos publicitários nos anos 60, 70 e 80 (quando ainda não havia mulheres em cargos de direcção nas empresas em Portugal) – não se preocupam muito com os consumidores e a inteligência das agências, querem é ter um reclame que não os deixe ficar mal perante a esposa, filhos e amigos. Não estão para levar raspanetes ao deitar durante o período da campanha. No fundo, eles pensam (mal, muito mal) que qualquer ideia acaba por ter o mesmo efeito desde que esteja no ar o tempo suficiente (no que têm razão, mas não a razão toda). E também sabem que ainda não se inventou a máquina que consiga medir a eficácia das ideias de comunicação antes de chegarem aos consumidores (é aqui que entra o valor da agência), pelo que vale tudo (é aqui que ele é desprezado). Ora, se tal ausência de certezas acaba invariavelmente por ser colmatada pelo gosto de alguém, porque não o da esposa?

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Anfibologia da crise

Desde 2000 que é consensual a ideia de não haver no Planeta recursos que cheguem para os consumos que se prevêem na China, Índia e outras potências emergentes onde a classe média cresce dramaticamente. Na alta do preço do petróleo, na Primavera de 2008, uma das teses explicativas do fenómeno sugeria estar a China a comprar desenfreadamente para garantir os consumos próprios no futuro de médio e longo prazo. Para agravar, os especialistas antecipavam o esgotamento das reservas em poucas décadas, tanto por causa da ausência de novas descobertas significativas, como por causa do aumento do consumo global.

Desde 1988 que é consensual a ideia de não ser possível evitar catástrofes ecológicas inimagináveis se continuarmos a emitir para a atmosfera poluentes nas quantidades registadas, quanto mais nas previstas. A questão da origem do aquecimento global é já secundária, pois está em causa conseguir aplicar todo e qualquer meio para conseguir adiar, reduzir ou anular os efeitos nocivos (a maior parte deles completamente imprevisíveis) da alteração das temperaturas.

Após a 2ª Guerra Mundial, a Europa Ocidental e os Estados Unidos desfrutaram de 5 décadas de prosperidade sem paralelo na História. Bem cedo se criticaram as assimetrias económicas entre esse mundo da abastança e desenvolvimento e a pobreza e subdesenvolvimento circundantes. O que um cidadão médio europeu ou americano consome individualmente é escandaloso, aberrante mesmo, quando comparado com a média individual do Terceiro Mundo. Para além disso, temos riqueza espalhada em vias de comunicação, estruturas públicas e privadas, instituições políticas democráticas, órgãos de justiça, forças de segurança, conhecimentos científicos e tecnológicos. Esta qualidade de vida foi obtida à custa dos recursos e ecossistemas globais, ao longo de séculos, e serve agora de meta para quase todos os indivíduos no Mundo.

Então, a crise não é apenas financeira e económica, é civilizacional. Na etimologia da palavra grega krisis está a ideia de separação e decisão, krinein, cujo étimo também se encontra no termo crítica. Mais tarde ou mais cedo, teríamos de tomar decisões quanto ao que vamos fazer com esta Terra perdida nos subúrbios duma Galáxia à deriva na imensidão do Universo visível. Se for mais cedo, talvez não venha a ser tarde demais. Precisamos de encontrar e apoiar os dirigentes que saibam montar este tigre.

Casamento homossexual segundo Jon Stewart

Jon Stewart é um fenómeno de popularidade porque defende ideias, não se limitando aos oportunismos, clichés e palhaçadas do contra-poder. O seu humor apela à cidadania, à assunção de causas, à responsabilidade política que é nossa por direito inalienável nas democracias. 8 anos de Bush ofereceram-lhe um estrelato merecido e cada vez mais relevante nos EUA e fora.

Em todos os programas há uma entrevista que dura à volta de 15 minutos, para menos. É o caso desta com Mike Huckabee, peso-pesado dos Republicanos e do conservadorismo norte-americano. E é notável o empenho, até entusiasmo, com que o nosso humorista aproveita este segmento de 7 minutinhos para escavacar a posição do outro senhor. Posição essa que, sem um pressuposto religioso, se torna indefensável; como até sem legendas dá para perceber.

Jon Stewart não é de esquerda nem de direita. É do centro, aquele território onde se faz política com a inteligência no máximo e o tribalismo no mínimo.

A pistola de plástico do Sr. Nogueira

Há brincadeiras que, pura e simplesmente, não são admissíveis. Os professores não estão nas aulas para brincar e os alunos também não podem estar.

Mário Nogueira não quer alunos a brincar nas aulas. As aulas são um assunto muito sério e só para gente séria. Os alunos, se quiserem brincar, podem sempre participar nas manifestações dos sindicatos, carregando cartazes durante três horas, porque isto da luta contra o fascismo toca a todos e os que começam ainda novinhos tornam-se nos grandes dirigentes sindicais e partidários do futuro. Outra excelente brincadeira consiste em agredir com palavrões e ovos os responsáveis ministeriais e as autoridades escolares; que é tão giro e a malta nos bares dos sindicatos ri-se tanto a ver na televisão eles a fugirem dos ovos, ó pá que galhofa, é um espectáculo enquanto se bebe mais uma e depois outra, só rir pá. Mário Nogueira também autoriza os alunos a fechar escolas a cadeado e a dizer mal do Governo aos papás, porque as eleições estão à porta e o filha da puta do Sócrates vai perder a maioria, o cabrão. Ai vai, vai. O cabrão.

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Amo-te, Fernando Mendes!

Rara lição na arte do improviso. Eis o único cómico, actualmente em actividade, que gosta do povo. Eis o único herdeiro de Vasco Santana, consegue fazer humor de empatia. Esta cepa está em extinção. E por isso o povo ama-o. Por isso o povo merecia que lhe dessem mais Fernando Mendes.

Feliz Natalidade

Quando for eu a mandar na cristandade (situação que estará por horas, senão minutos), as celebrações de Natal serão alteradas. Em vez do imoral e hipócrita desperdício consumista, que precisou de uma crise financeira global nunca antes vista para ser finalmente reduzido, a quadra terá como propósito levar o maior número possível de pessoas a dançar. Dançarem umas com as outras, com a família, com os amigos e com quem calhar. Para isso se reunirão os indivíduos e as comunidades. A dança começará exactamente no primeiro segundo do dia 25 de Dezembro. E durará até ao último segundo desse mesmo dia, para quem quiser e aguentar. Sim, pode-se ir dormir e voltar a entrar na dança. Haverá mais feliz celebração de um nascimento do que ter toda a nossa gente a dançar?

A Igreja actual nem sonha com o diamante que permanece por lapidar. Falta corpo, sangue, sexo no Natal. Falta nudez e luz para que se reaprenda o que é a santidade, o que é a pureza. A visão gloriosa do parto, dos corpos que precisam de se separar para se poderem conhecer e reunir, é a mais católica das experiências humanas. Caminho, verdade e vida que nos chamam para dançar. A todos, humanos, animais e plantas. Sempre a dançar, a renascer.

Mas porquê com os jornalistas?

Paulo Querido destacou 4 conselhos de Anita Bruzzese, convidada de Crish Borgan. Vale bem a pena ler o artigo todo para melhor discordar do que se diz na síntese do Paulo.

O sempre útil e entusiasta (e nosso!) Paulo é enfático, refere-se a: todos os bloggers portugueses que eu conheço — and I mean todos. Eis o berbicacho: este conjunto corresponderá à nata da classe, aferida por critérios de popularidade. É um subgrupo que inclui jornalistas e pretendentes a jornalistas ou a comentadores oficiais, mais os outros que mimetizam estes. Para estes produtores de conteúdos, o nome é importante, porque está em causa constituir, ou enriquecer, o currículo. É a lógica do Daniel Oliveira e do Rui Tavares, para ir buscar um exemplo paradigmático, onde a passagem para os meios de comunicação profissionais (e de referência) aparece como prémio de consagração pelo tirocínio na blogosfera no momento da sua novidade mediática como canal agregador de elites. A enorme maioria dos bloggers almeja desfecho semelhante, sonha com ele, ufana-se sempre que recebe a atenção de um jornal, rádio ou TV. No entanto, a pirâmide continua a ter a base desvairadamente mais larga do que o topo, o que torna rarefeitos os lugares vagos na mesa dos publicistas profissionais. É o que leva muitos outros a disfarçarem a ambição frustrada, mas obtendo recompensas variadas pelo lado do convívio nas comunidades de autores, de leitores e da rede social própria – onde ainda é sinal de modernidade e sofisticação anunciar a presença em blogues.

É mais do que provável que este ramo da blogosfera já siga os conselhos da senhora. Aliás, o que ela escreve é básico, um registo tão elementar que poderia ser intitulado Anita e a blogosfera. Está a dirigir-se a um público inculto, que só agora entra no meio e que chega sem competências de comunicação. Só isso explica que tenha de botar discurso sobre a importância da gramática, da consulta de dicionários e da veracidade das informações. Ou que apele à procura de fontes de conteúdos fora da Internet, fazendo da novidade um fim em si mesmo numa lógica concorrencial, quando a quantidade incomensurável de informação disponível na Internet pede urgente tratamento de interpretação, correlação e reflexão. Mas o ponto interessante, onde a Anita e o Paulo se cruzam (não, não se trata de outro potencial título), é o da tese subjacente: If you want to be taken seriously by those outside the blogosphere, you’re going to have to verify your facts 100 percent of the time. O que está em causa é inequívoco, trata-se de convencer e encantar esses que não estão na blogosfera. Quem serão? E ainda mais trágico, se não estão na blogosfera, como é que alguma vez iremos conseguir despertar a sua misericórdia e obter as migalhas da sua atenção? Ou teremos de escrever um livro, como a autora não se cansa de recordar (referindo-se ao seu) nos 10 conselhos esgalhados?

Se a ideia for a de utilizar um blogue como meio de promoção para a obtenção de um lugarzinho nos meios de comunicação profissionais, os conselhos que o Paulo Querido em boa hora divulgou são válidos para exercícios padronizados e limitados pelos códigos sócio-profissionais dos jornalistas. Na prática, trata-se de anular a rebeldia e liberdade da blogosfera, uniformizando os discursos pela bitola politicamente correcta, industrial. Para quem não se interessar por esta cenoura, os modelos de referência podem e devem ser procurados noutras áreas da criatividade: literatura, poesia, universidade, tertúlia, teatro, política e happening. Sei lá. É contigo.

O Papa não alinha em paneleirices

Ao arrepio do berreiro que imediatamente se levantou, as declarações de Bento XVI onde se reafirma a posição da Igreja contra o casamento homossexual – aliás, contra os actos homossexuais, o que é ainda mais radical – são lógicas. Estranho seria que a Igreja não definisse com esta clareza o território que ocupa. E, quando muito, devíamos era aplaudir – todos, heteros e homos – o desempoeiramento papal de aproveitar a quadra natalícia para deixar os moralistas anti-católicos à beira da síncope politicamente correcta.

Deus, segundo os católicos, não gosta de homossexuais sexualmente satisfeitos. Que têm os não-católicos a ver com isso? Se os não-católicos não admitem aos católicos que se metam nas suas vidas, porque caralho andam sempre a tentar meter-se nas vidas dos católicos? É que já farta de tanto complexo de inferioridade perante uma Igreja que está reduzida a ser museu folclórico e garante dos feriados religiosos que nenhum ateu quer perder.

Bendita cocaína

Uma das patranhas mais comuns é a da efemeridade da paixão. A paixão passa rápido e, com sorte, depois vem o amor. Dizem-nos, dizemos, como quem se conforma com um último Inverno sem Primavera. São duas, ou três, mentiras seguidas: (i) a paixão pode ser longa; (ii) o que se segue pode não ser o amor; (iii) se passa rápido, talvez nem paixão tenha chegado a ser. É a ciência que o diz, para convencer os tristes e calar os cínicos. Estudando casais que testemunhavam estar apaixonados pela mesma pessoa após 20 anos, descobriram-se estes pequenos-nadas:

A paixão mantém-se no mesmo nível de intensidade inicial.
As áreas do cérebro relacionadas com estados de calma e supressão da dor têm mais actividade nas pessoas com paixões de longa duração.
Pessoas incapazes de paixões longas exibem maior actividade em áreas do cérebro relacionadas com estados de ansiedade e obsessão.

Estás a ver bem o que está em causa? Pessoas apaixonadas vivem com menos ansiedade, menos desgaste, menos problemas de saúde e nos relacionamentos. Vou dizer-te de outro modo: pessoas apaixonadas durante muito tempo vivem muito tempo e, ainda por cima, apaixonadas.

E a cocaína? Larga a fruta ou nem a experimentes. A área do cérebro que a cocaína estimula é precisamente a mesma que está activada na paixão. Se não tens vocação para aspirador, mas sentes curiosidade quanto à experiência, basta que recordes uma paixão e ficas a saber tudo. A cocaína oferece uma versão fatela da paixão, e ainda te deixa paranóico, cardíaco e com muito menos dinheiro. Ah, e também não te voltarás a apaixonar, suprema maldição.

Concerteza, Dr. Hortelão

Rui Hortelão, Director-Adjunto do Diário de Notícias, está certo da legitimidade de concerteza. Os revisores do DN, se os houver, concordaram com o chefe ou abafaram a incerteza. No Público, alguém achou por bem validar o neologismo. E os revisores do Público, se os houver, não quiseram provocar um conflito diplomático ao corrigirem o trabalho da concorrência. Maneiras que, após a consagração por estes dois jornais de referência [hahaha!], é fartar vilanagem.

Concertezamania: I, II, III

Infelizmente, a crise ainda não chegou

Quando a crise chegar, vai ser o bom e o bonito. Bom, porque ela teria de chegar para se dar mais um salto evolutivo. A história da evolução é a história de crises sucessivas e respectivas respostas da pulsão vital. Bonito, porque finalmente a Humanidade se irá unir como ainda não o conseguiu fazer em 200.000 anos de existência neste planeta. A crise será ecológica ou nuclear-bio-terrorista, talvez as duas em simultâneo. A rapidez das alterações climáticas superando todos os cálculos dos imperfeitos modelos à disposição, e a proliferação de material nuclear, tecnologias biológicas e ideologias fundamentalistas, eis uma equação que permite antecipar como inevitável a ocorrência de desastres a uma escala de destruição e violência nunca antes conhecida.

Perante a ameaça de se pertencer à última geração de humanos, ou perante o desaparecimento de cidades, multidões e memória para satisfação da psicose de alguns, a civilização irá unir-se em inteligência e vontade. As diferenças de política, religião, epiderme, género, idade, condição social, sexualidade, profissão, nacionalidade, seja o que for, não desaparecem, mas serão postas no seu lugar: acidentes. Na essência, todos somos inteligências amantes, e amores inteligíveis, sem excepção. Ligamo-nos às coisas e aos outros através da razão, mesmo quando apenas as sentimos. Quem as sente é a consciência, não o corpo, não os sentidos. A consciência é racional, inteligente, volitiva, imaginadora, criativa. E daí percorre todos os tecidos e espaços, onda de liberdade. Ao que sabemos, demorou 13, 5 mil milhões de anos até aparecer no Universo, ou 4,5 mil milhões de anos a aparecer na Terra. Não se deixará destruir sem ir à luta, sem dar o melhor de si, sem cumprir a esperança.

Antes disso, na faustosa e luxuriante Europa, não me venhas falar de crise. Há irmãos nossos que se fazem ao mar sem qualquer garantia de chegarem vivos à costa de Espanha ou Itália, em actos desesperados para fugir da miséria secular onde calhou nascerem, e nós estamos em crise? Nós, que temos constituições democráticas, sistemas de justiça, instituições e serviços públicos em permanente e quase perfeito funcionamento, sistemas de ensino, universidades e organismos de investigação cada vez mais pujantes, liberdades variadas e crescentemente acrescidas, protecções e direitos legais de fazer inveja no Olimpo, desvairada oferta de produtos, bens e serviços especializados, estamos em crise? Só se for uma crise dentária, cercados por toneladas de nozes.

Mais de 1 milhão de razões para ter vergonha

Votei Alegre nas presidenciais. Por um lado, jamais votaria Cavaco, nem que tal desse o título de campeão ao Sporting. Por outro lado, jamais votaria Soares, havendo ainda a forte motivação para o castigar, bastando ficar atrás de Alegre por 1 voto. O que eu não tinha era o mínimo interesse em Alegre, embora a sua mediocridade, ao tempo, lhe desse uma caução simpática em estrita correspondência com a sua irrelevância. Ter sido herói da luta contra Salazar e Caetano não impedia a constatação de ser agora um tonto balofo, mais um entre tantos.

Acontece que Alegre tem um passado, e ninguém se preocupa mais com ele do que ele próprio enquanto seu protagonista, realizador e projeccionista. O passado é sempre uma qualquer versão alternativa, nunca a definitiva. Ora, é evidente que Alegre está muito satisfeito com a versão que escolheu e publicita. Por isso, e por não ter qualquer ideia política que valesse a pena discutir entre a população, foi para as eleições presidenciais plebiscitar a sua biografia em versão oficial. O resultado obtido fez-lhe muito mal à caixa dos trocos, passou a acreditar que tinha 1 milhão de portugueses (Mais!) a validar a sua pessoa tal como ele a imagina. Essa infecção narcísica tem vindo a gangrenar, e pode levar a uma amputação. As duas últimas entrevistas, SIC e RTP, exibem uma pessoa gravemente fragilizada, sem as mínimas competências para a gestão de cargos de exigência política complexa, incapaz de pensar as questões nos planos teóricos e técnicos, vítima de distorções cognitivas e perversões emocionais. Neste quadro, o seu discurso resume-se ao anedotário do quotidiano (almoçou com este, falou com aquele, ouviu o outro, os apoios na rua, os que lhe pedem para fazer qualquer coisa) e à repetição maníaca de clichés escandalosamente grosseiros, inanes.

É esta pessoa – muito provavelmente até a precisar de ajuda psicológica – que o BE explora com um cinismo assustador. Ver Louçã a colar-se ao seu desvario egóico – em que Alegre fala do PS e da esquerda exactamente como o Toni fala do Benfica e de futebol – e a manipular as debilidades intelectuais do coitado, arrepia-me. Ouvir Rui Tavares a fazer contas a deputados num cenário de fractura do PS pela saída de Alegre – reduzindo a política ao calculismo acéfalo e desbragado – causa-me asco. E se, num milagre, estes dois ninjas vermelhuscos se arrependessem 1 milhão de vezes do mal que andam a tentar fazer à democracia e ao velhote, ainda não seria suficiente: teriam de se arrepender 1.125.077 vezes.

A química do digital

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Cinco elegantes num concurso hípico em 1928. Na mesa estão frutos que têm de ser tomates. Têm porque assim me parece melhor para escrever o resto, mesmo que sejam óbvias e lógicas maçãs. E têm porque a elegante à nossa esquerda ostenta um par deles nas mãos, coroado por um sorriso muito maroto. A elegante ao centro também agarrou o seu par de bolas e apresenta um sorriso não menos corado. À volta há janotas, homens fardados, cavalheiros de indústria e cavalos. Para os conseguirmos ver temos de olhar com muita atenção para as meninas dos olhos das senhoritas. Esta fotografia tem as cores ofuscantes de uma lubricidade pré-Crash, fatal destino de todos os ciclos lúbricos. Mas depois a coisa volta a arrebitar, a fruta volta a crescer.

Graças ao maradona, descobri esta graça: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian’s photostream. Ontem liguei para a Biblioteca de Arte, queria falar com alguém que tivesse informações sobre a iniciativa. Deixe contactos de telefone e email, vamos ver se descobrimos quem é a pessoa indicada e entraremos em contacto consigo. Minutos depois conhecia um novo número de telefone e respectivo nome: Dr. Paulo Leitão. De imediato liguei, de imediato fiquei a saber tudo de viva voz, bastando ter informado que era um cidadão interessado e que ia escrever sobre o assunto num blogue. O Paulo, que só conheço desse telefonema, foi inexcedível em simpatia e disponibilidade, ao ponto de eu começar a suspeitar que Portugal se tinha tornado num local civilizado entre os dois telefonemas. Para além de informações que já estavam espalhadas em vários locais, fiquei a saber que todos os dias entram 10 a 12 fotografias novas para as colecções actualmente disponíveis. Tendo em conta que há dezenas de milhares de potenciais novas entradas, não tem fim a maravilha. Depois do lançamento do arquivo da Colóquio/Letras, aqui celebrado, estão reunidas as condições para gastar duas das nossas nove vidas sentados só a olhar para os tesouros da Gulbenkian.

A fotografia não reproduz um passado, mas um presente imune ao futuro. O que nos parece imóvel, paralisado no instante enterrado na película, é antes uma vibração da eternidade. Aquelas paisagens e rostos que se deixam ver nunca existiram fora da fotografia. Vieram de uma outra dimensão inapreensível pelos sentidos ou artefactos de registo sensorial. Ali esperavam a salvação, a luz. Em nós, agora, habitam por metempsicose. São uma ponte entre o mundo visível, o da fotografia, e o mundo invisível, o nosso. Pela fotografia podemos ir até ao meio da ponte. E contemplar as margens do tempo.

Predilectos:

Marginais
Estoril a banhos
Montra
Queques de 1928
Dançar à tarde
Éden
Cinema Europa
Cinema Alvalade
Cacilhas
Feira da Ladra
Exposição do Mundo Português
Mamada
Pernoitar
Lucie de Souza Cardoso
Lisboa Nazi
Descalços em Alfama

Nota: as imagens podem saber melhor, e ser mais nutritivas, quando consumidas no seu tamanho máximo.

O programa das 21:40

Ontem, tive um dia pouco banal mesmo. Entrei de serviço às 16h. Tinha feito travessas para os pequenos-almoços do dia seguinte, tinha posto as mesas e estava a iniciar o tratamento das facturas para companhias de seguro, quando me telefonam de uma rádio para eu participar no concurso das 21:40.
O concurso consistia em duas etapas. Na primeira, punham-me uma música e eu tinha de dizer quem a fez. Na segunda etapa, colocar-me-iam uma pergunta e eu teria de responder. A primeira valia 1000 Eur.; a segunda, 500 Eur.
Concordei. Meteram a música. Comecei-me a rir e respondi: “Tudo o que sei é que é a banda sonora do desenho animado A Pantera Cor-de-Rosa.”
– Cláudia, diga só quatro palavras! Já as disse! Diga, diga!!!
– Quatro palavras? Pantera Cor-de-Rosa.
– É isso!!! Ganhou, Cláudia! Os 1000 Eur. são seus!!! Quer então responder à pergunta dos 500 Eur.?
(Eu ainda estive para lhe perguntar se me arriscava a perder tudo caso eu não acertasse na resposta, mas aquiescei.)
– Cláudia, a que horas o João foi a casa da Juliana?
Não me recordo muito bem, mas a pergunta apresentava-se nesses termos. Ocorreu-me que poderia ser algo ligado ao programa da rádio ou uma novela qualquer e respondi:
– Ai, isso já não sei.
– Diga, diga, diga, Cláudia!
– Sei lá, meio-dia?
– Nãããão, mais.
– 14h?
– Mais.
– 19h?
– Ai, menos!
De repente, ribombou um alarme.
– Ai, Cláudia, passou o tempo! Não ganhou estes 500 Eur. Mas os 1000 Eur. são seus!!!
Ouvi-os a arrumarem tudo.
– E agora? Tenho que ir a algum sítio levantar o dinheiro?
– Sim, claro. Quer receber em notas ou em cheque?
– Sei lá, pode ser em notas. Onde é que tenho de ir?
– Tem que ir à Caixa Geral de Depósitos e diga que é do programa das 21:40. Para receber, vai ter que dar uma senha. Tem aí onde apontar? É que a senha não é comum.
Peguei muito apressadamente no primeiro rascunho à minha frente, ajeitei a caneta.
– Diga, eu já tenho onde apontar.
Então, muito pausadamente, a apresentadora soletrou palavra a palavra:
“O Rex dela abriu às 8 mas o João no sobe e desce foi de 4.”
Agradeci. Desliguei. Passados 5 minutos, é que entendi a dimensão de eu ir a uma CGD dizer a um empregado: “O Rex dela abriu às 8 mas o João no sobe e desce foi de 4.”

Disseram-me que daqui a uma semana me voltavam a contactar para outro concurso.

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Oferta da nossa amiga claudia.