A química do digital

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Cinco elegantes num concurso hípico em 1928. Na mesa estão frutos que têm de ser tomates. Têm porque assim me parece melhor para escrever o resto, mesmo que sejam óbvias e lógicas maçãs. E têm porque a elegante à nossa esquerda ostenta um par deles nas mãos, coroado por um sorriso muito maroto. A elegante ao centro também agarrou o seu par de bolas e apresenta um sorriso não menos corado. À volta há janotas, homens fardados, cavalheiros de indústria e cavalos. Para os conseguirmos ver temos de olhar com muita atenção para as meninas dos olhos das senhoritas. Esta fotografia tem as cores ofuscantes de uma lubricidade pré-Crash, fatal destino de todos os ciclos lúbricos. Mas depois a coisa volta a arrebitar, a fruta volta a crescer.

Graças ao maradona, descobri esta graça: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian’s photostream. Ontem liguei para a Biblioteca de Arte, queria falar com alguém que tivesse informações sobre a iniciativa. Deixe contactos de telefone e email, vamos ver se descobrimos quem é a pessoa indicada e entraremos em contacto consigo. Minutos depois conhecia um novo número de telefone e respectivo nome: Dr. Paulo Leitão. De imediato liguei, de imediato fiquei a saber tudo de viva voz, bastando ter informado que era um cidadão interessado e que ia escrever sobre o assunto num blogue. O Paulo, que só conheço desse telefonema, foi inexcedível em simpatia e disponibilidade, ao ponto de eu começar a suspeitar que Portugal se tinha tornado num local civilizado entre os dois telefonemas. Para além de informações que já estavam espalhadas em vários locais, fiquei a saber que todos os dias entram 10 a 12 fotografias novas para as colecções actualmente disponíveis. Tendo em conta que há dezenas de milhares de potenciais novas entradas, não tem fim a maravilha. Depois do lançamento do arquivo da Colóquio/Letras, aqui celebrado, estão reunidas as condições para gastar duas das nossas nove vidas sentados só a olhar para os tesouros da Gulbenkian.

A fotografia não reproduz um passado, mas um presente imune ao futuro. O que nos parece imóvel, paralisado no instante enterrado na película, é antes uma vibração da eternidade. Aquelas paisagens e rostos que se deixam ver nunca existiram fora da fotografia. Vieram de uma outra dimensão inapreensível pelos sentidos ou artefactos de registo sensorial. Ali esperavam a salvação, a luz. Em nós, agora, habitam por metempsicose. São uma ponte entre o mundo visível, o da fotografia, e o mundo invisível, o nosso. Pela fotografia podemos ir até ao meio da ponte. E contemplar as margens do tempo.

Predilectos:

Marginais
Estoril a banhos
Montra
Queques de 1928
Dançar à tarde
Éden
Cinema Europa
Cinema Alvalade
Cacilhas
Feira da Ladra
Exposição do Mundo Português
Mamada
Pernoitar
Lucie de Souza Cardoso
Lisboa Nazi
Descalços em Alfama

Nota: as imagens podem saber melhor, e ser mais nutritivas, quando consumidas no seu tamanho máximo.

11 thoughts on “A química do digital”

  1. Hum , V , não precisas de recuar no tempo para encontrar mulheres com tomates.
    Estamos só à espera de ver se vocês os perderam para sempre. E a engordar os tomatinhos dos pequeninos , à la greque.

  2. tão giro, Valupi, vou ter guardar no email, para ir vendo…

    Há uns tempos andei a ver fotos daqui do Estoril e Carcavelos, no tempo da segunda guerra, também me pareceu entrar noutra bolha do tempo, estava tudo cheio de louras misteriosas e fatais, e homens de gravata e chapéu, farda da época,

    Aqui, naquela casa assombrada* da marginal, que parece um castelinho, – chama-se Castelo de Nª Sra de Fátima -, vivia uma bailarina famosa internacional, que dançava nua no pátio resguardado de muralhas encimadas da cruz de Cristo, nas noites de Verão. Depois, às tantas, qual recordação dos fenícios que por ali andaram na Pedra do Sal, morreu uma criança que caiu da muralha nas rochas. Tudo aquilo era uma necrópole, zona sagrada, agora no Solstício de Inverno, ao pôr do Sol, mergulha direito nas águas mesmo em frente, com Vénus e Júpiter no ar.

  3. Z, faz falta um grande filme que traga essa época de volta, esse luxo cheio de Sol do Estoril dos anos 40.

    __

    opiniões, pois não. Nunca faltaram mulheres com tomates, grelos, marmelos e demais horticultura.

  4. Por acaso Valupi, é mesmo assim como dizes, faz falta esse espectáculo do verdadeiro glamour dourado e sombrio. Pode ser que nos leiam aqui, o hotel Palácio continua bem. E ainda se podiam pôr atrás de um diamante famoso que eu dou o roteiro: o Florentino.

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