Todos os artigos de Valupi

Ver a distância

A série Mad Men tem uma desvantagem face aos Sopranos: o território parece mais próximo, mesmo com a deslocação temporal para 1960, o último ano da década de 50. Quase todos nos cremos conhecedores do mundo da publicidade, já quanto ao universo dos mafiosos a literacia é só a que vem dos filmes. O preconceito cria inércia e leva a uma curva de aprendizagem mais longa. Porém, assim que se dominar o código, assim que o olhar se focar para além do 1º plano de identificação com os clichés, reconheceremos a continuidade do estudo começado em 1999 com a Dra. Jennifer Melfi e o seu paciente favorito, Tony. Na verdade, tudo começou em 1972 com The Godfather, mas essa é outra (embora a mesma) história.

Quem conhece o meio enche a pança com o subtexto. A publicidade atrai preguiçosos, egocêntricos, canalhas, mentirosos, paranóicos, biltres, vaidosos, pífios, esquizóides, cobardes, tiranetes, narcisistas e psicopatas; animais invariavelmente bem-dispostos, agradavelmente vestidos e hábeis na simulação de um saber que não têm nem alguma vez poderão vir a ter. Representam a condição humana, claro.

Randa Nabulsi choca de frente

A representante da Autoridade Palestiniana em Portugal desfez as dúvidas: a culpa do terrorismo que se abate sobre Israel é do próprio Israel. Isto equivale a legitimar o terrorismo, visto como resposta adequada. Creio que a enorme maioria dos que tomaram partido por este lado da barricada comunga do raciocínio. É por isso que PCP e BE, mas também muitos outros no PS e alhures, não se alvoroçam com os actos de terror. Uma parte da explicação estará na cobardia de se manifestarem contra indivíduos que sabem não respeitar qualquer lei ou ser humano, mas esta consciência fica recalcada. O seu silêncio embrulha-se na desculpa da assimetria, indo dar a estes raciocínios:

Houve apenas 3 israelitas mortos, em 8 anos, e 12 foram feridos. […] Um acidente viário pode resultar em mais mortes do que estas.

Eis o algoritmo do horror: vale tudo desde que a aritmética possa ser invocada. Quantos morreram no 11 de Setembro? 2.974 pessoas, uma gota no número de mortos causados pelos EUA, Israel e aliados ao longo dos anos, séculos. Esta abstracção, que une fundamentalistas religiosos com fanáticos marxistas, tanto pode ir buscar às Cruzadas motivos para assassinar inocentes como os escolher para alvo pelo aleatório facto de estarem no local errado à hora errada. Os bombistas de Londres e Madrid não se importavam de ir matar também muçulmanos, hindus, budistas, agnósticos e ateus, já para não falar nas nacionalidades, sexos, profissões e idades dos massacrados. Aliás, o sentimento de impunidade, e sua pulsão martirizante, obriga a que se anule a noção de inocência. Não há inocentes, só injustiçados a quem a divindade cauciona a destruição, de um lado. Do outro, só algozes e seus cúmplices, mesmo que alguns destes cúmplices estejam a favor da causa dos bombistas, contra as políticas dos seus Governos ou, tão-somente, tenham uma mochila às costas com os livros da escola primária.

Cada morte injusta compromete por igual toda a Humanidade. Não há mortes de inocentes que valham mais do que outras. Os imbecis que comparam números são coniventes com a matança. Daqui, a primeira posição ética perante um conflito que regista injustiças de parte a parte ser a de recusar a violência maior, o terror. Quem se faz rebentar no meio de civis ou manda bombas pelo ar para zonas de habitação, e quem o apoia, é nosso inimigo. Um tipo de inimigo que não merece qualquer piedade.

Muito se fode no emprego

Segundo este estudo, as mulheres que procuram trabalho acabam vítimas de um Catch-22 nas entrevistas: se mostrarem confiança e ambição, embora valorizadas como competentes, são vistas como problemáticas; se mostrarem humildade e espírito de equipa, embora apreciadas como colaboradoras, são vistas como medíocres. É bera? É pior: um cabrão qualquer que se mostre confiante e ambicioso é, e por essas mesmas características, apreciado e visto como competente. Será ele o contratado. E lá dentro será ele o promovido. Por isso as mulheres continuam a trabalhar menos, ganhar menos, mandar menos.

Esta segregação de género é um dos maiores desperdícios de inteligência que me é dado testemunhar. Os imbecis que a perpetuam ainda obedecem a milénios de condicionamento cultural, repetindo no local de trabalho uma matriz biológica e patriarcal onde a mulher só pode ser fêmea e serviçal. Para estes nababos do masculinamente correto, as mulheres servem apenas para foder: em casa e no emprego. Mas no emprego dá mais gozo.

Joelho

Ponho um beijo
demorado
no topo do teu joelho

Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio

Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo

Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo


Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo

E os lençóis desalinhados
como se fosse
de vento

Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas

Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas.

Maria Teresa Horta

Discursologia

A discursologia é uma área de estudos que acabo de inventar para ajudar os portugueses a lidar melhor com os discursos presidenciais de Ano Novo. Está em causa conseguir identificar padrões, enunciar leis e reduzir a ambiguidade na interpretação desses objectos oratórios tão estranhos.

Comecemos com um exercício: em que ano, e por que Presidente, terá sido comunicada ao País esta curial reflexão?


[…]
Portugueses,

No início de um ano tão importante para nós, quero dizer-vos que devemos empenhadamente reforçar a coesão e a unidade nacional, sem o que tudo se tornaria mais frágil, precário e difícil. Não percamos a consciência de que quaisquer que sejam as legítimas divergências de pontos de vista ou os conflitos de interesses, o que nos une é sempre mais importante do que aquilo que nos divide. O que nos une faz de nós uma comunidade sólida e em movimento, herdeira de uma história e de uma cultura de que nos orgulhamos, portadora de valores comuns e segura da sua identidade, possuidora da vontade firme de construir um futuro melhor para todos os portugueses.

Temos razões para acreditar que vamos vencer os desafios, por mais complexos que se apresentem. A nossa história recente mostra que, por entre dificuldades e riscos, conseguimos consolidar e aperfeiçoar a democracia, desenvolver e modernizar o País, dinamizar a sociedade e a iniciativa individual. Nada autoriza, por isso, o pessimismo e a lamúria ou que cultivemos uma imagem negativa de nós próprios. Já Fernando Pessoa advertia para esse perigo, quando escreveu: «Uma nação que habitualmente pensa mal de si mesma, acabará por merecer o conceito de si que anteformou. Envenena-se mentalmente. O primeiro passo para uma regeneração, económica ou outra, de Portugal é criarmos um estado de espírito de confiança — mais, de certeza — nessa regeneração.»

Saibamos, pois, conciliar o saudável e necessário exame crítico do que está mal com a vontade optimista de fazer melhor e de vencer num mundo cada vez mais aberto e competitivo.
[…]

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You 2.0

Se um psiquiatra diz para confiares nos químicos, um psicólogo dirá para confiares em ti. Ambos estão certos, embora isso não garanta que acertem. Entretanto, passa aqui um bocadinho.

Entrada:
You may feel bound to your timid demeanor, your stifling job, or your rancorous relationship, but there is one realm over which you unquestionably have control: your own head. Herein, five principles of change to turn you into a self-starter.

Receitas:
You or Your World?

Overcome Your Fear of Failure

Embrace Risk and Novelty

Create a New Internal Vision

Expect (and Enjoy) Discomfort

Tempo previsto para a consulta:
10 a 15 minutos

Benefícios:
Diz-me tu.

Adler, Masoch, Homero

Ricardo Costa foi acintoso na entrevista a Sócrates. O cúmulo, de vários exemplos, e exemplo especialmente imbecil, foi quando lhe disse O banco é seu, referindo-se ao BPN. Não fazendo a menor das mais pequenas ideias de como seja a sua relação pessoal, estou à vontadex para especular. Imagino-os íntimos. Amigos de farra, de bebedeiras, de confidências. Percursos brilhantes, no topo das carreiras, estilos de vida sofisticados, conforto e segurança vindos do conúbio com o poder político e económico. O mano Costa braço-direito de Sócrates, e o mais seguro sucessor para a chefia do PS aquando do inevitável salto do actual líder. Impecável e fodido: como simular a isenção, visto esta ser impossível? Talvez através da simetria: se gostam um do outro, vão tratar-se mal, para telespectador ver, na exacta medida da proximidade. Foi essa a escolha do Ricardo, a qual recebeu de Sócrates uma atitude de santa paciência, tolerância e até cumplicidade divertida. Mas o Ricardo tem outro problema: o excesso de informação, e as dinâmicas familiares, criaram-lhe um complexo de inferioridade. No fundo, inveja o mano e sabe que não tem o seu peso, literal e figuradamente, nem virá a ter. Resultado? Passa o tempo todo a pôr-se em bicos dos pés. O modo como o faz é através das previsões. O Ricardo está convencido de que consegue adivinhar o futuro com maior acerto do que aqueles que o rodeiam, e tem um especial prazer em anunciar essa sua putativa capacidade. Terá isso algum mal? Não. Terá isso algum interesse? Não.

Ver os actuais directores do Público e do Expresso a falarem sobre Sócrates é penoso. Mas vê-los juntos, seja qual for o assunto abordado, é perigoso. O perigo é o de acabar por aceitar tamanho sofrimento. Porque há um conflito insanável entre a importância histórica desses dois jornais e a inenarrável miséria intelectual e política dos seus directores, a qual condiciona fatalmente a qualidade do jornalismo praticado pelas equipas. Que se passará com Balsemão e Belmiro? Será a idade, a casmurrice de fim do caminho? Ou haverá um prazer secreto em sentir a dor da crescente decadência?

Augusto Santos Silva é o maior. Esteve só contra todos e terminou fresco como se tivesse acabado de sair do banho. Portugueses como ele são raros; tão raros como aqueles que aprenderam a fazer política – ou a amar, que é o mesmo – com a Ilíada.

Clube das bolinhas

A partir de hoje, este blogue entra no clube dos que atingiram 1 milhão de visitas (atenção: contadas pelo Sitemeter). Tal deve-se a dois factores: ao extraordinário elenco de autores que por aqui passaram desde Novembro de 2005, onde se incluem algumas das maiores vedetas da blogosfera, e à atípica resistência ao efeito dissolvente das forças centrífugas, comuns num blogue colectivo.

Influenciado pela repto presidencial de Ano Novo para que se fale verdade, devo explicar que este milhão terá 90% de registos que não correspondem a leitores, apenas a buscas de toca e foge à procura de imagens e palavras. Sobram 100.000 visitas para 3 anos e 2 meses, e estou a ser generoso. Média de 33 mil por ano. Ou seja, pouco mais de 2700 por mês. Isto é, à volta de 80 pessoas por dia. Vamos ainda admitir que alguns utilizam o computador de casa e o do emprego, duplicando o seu registo de visita, e restam 40. Ou menos.

Sim, apertando as bolinhas, ficam 20 amigos que se encontram nesta tertúlia diariamente. Obrigadinho Al Gore.

Trânsitos solares

Interrogações que transitam de 2008 para 2009:

– Aquilo no BCP, quem é que roubou o quê a quem e quanto?
– António Marta continua incomunicável?
– Tirando Cavaco Silva, haverá algum português que tenha acreditado nas declarações do Dias Loureiro?
– Quem foram, afinal, os deputados do PSD que se baldaram à votação e que raspanete Ferreira Leite terá passado aos miúdos?
– Se Carlos Cruz for condenado por pedofilia continuará a aparecer na RTP Memória?
– Pinto da Costa é mesmo mais forte do que o Ministério Público?
Quo vadis Paulo Portas?
– Sem o Louçã, quantos minutos demora até o BE desaparecer em guerra civil?
– Se um militante do PCP entrar numa floresta, e ficar por lá até ter a certeza de não haver ninguém por perto, continuará a acreditar no comunismo?
– Há algum político português que consiga fazer-se respeitar pelo Jardim?
– As casas dadas pela Câmara Municipal de Lisboa, ao longo de décadas, para pagar favores políticos e pessoais vão permanecer com os beneficiários?
– A corrupção que grassa nas autarquias, seja nas licenças de construção ou nos concursos de admissão de pessoal, vai continuar impune e desavergonhada?
– Será que há alguém na TVI que convença alguém da TVI a nunca mais, mas nunca mais, convencer o Eduardo Moniz a entrar em brincadeiras promocionais da Gala de Natal?
– Apesar da merda toda que tem feito com disciplina e afinco, irá o Bento papar o título e ainda ficar a pensar que teve sempre razão?
– Assistiremos ao merecido despedimento de Scolari antes de acabar a sua primeira época no Chelsea?
– Quando é que veremos um preto retinto a singrar num qualquer cargo de responsabilidade na política portuguesa, ou na administração pública, ou no empresariado, ou na investigação?

Ir a votos

Votos de um 2009 com saúde, alegria e o dinheiro suficiente para serem clientes regulares da FNAC e da AMAZON, são os meus desejos para todos os que aqui passam. Especial saudação para os nossos amigos Nik, Z, ramalho santos, Marco Alberto Alves, M, Aires, zazie, claudia e MFerrer. (se esqueci alguma mensagem, mereço o inferno)

Votos para 3 eleições: europeias, legislativas e autárquicas. Vai ser um ano muito rápido, animado, divertido. Os milhões de portugueses que odeiam Sócrates poderão tirar a barriga de misérias e cascar forte e feio nesse tirano, correr com ele sem piedade. O meu desejo é o de que essas pessoas não falhem nenhuma das eleições, que se envolvam nas campanhas, conheçam os programas dos partidos, interessem-se pelas biografias e ideias dos candidatos e tentem convencer aqueles à sua volta da importância de ir votar. Também alimento a fantasia de Sócrates não se recandidatar e deixar o lugar vago no próximo congresso. Adoraria ver o PS entregue ao Alegre e ao Seguro, rodeados pela Ferreira Leite, Jerónimo de Sousa, Francisco Louçã e Paulo Portas. Que despautério, que alucinação. Que circo.

Votos de que a democracia seja cada vez mais, e para mais, uma paixão e um destino. Está na altura de adaptar o celebérrimo dito de Churchill ao século XXI: A democracia é a melhor forma de governo, apesar de todas as outras que possam vir a ser testadas de tempos a tempos. Os elitistas servem-se da democracia, não a promovem nem protegem. Simulam desavenças entre si só para manterem secretos os mecanismos da repartição dos bens públicos, por isso não há renovação na classe política desde os anos 80. As mesmas caras rodam pelas mesmas cadeiras, é uma perfeita oligarquia que apenas altera os elencos pela morte, doença ou quezília pessoal insanável entre os artistas. Não há escândalos que tenham consequências, é um fartar vilanagem perante a monstruosa ineficácia da Justiça. Quem ama a democracia são os aristocratas. Estes podem ter estudos ou apenas instrução, mas comungam da mesma cultura e querem a mesma civilização. Eles sabem que a democracia é o mais difícil dos regimes porque é aquele onde a confiança tem maior valor. Os democratas confiam na inteligência alheia e seguem uma aritmética básica: aumentando o número de indivíduos inteligentes, aumenta a inteligência da comunidade. Essa inteligência que faz da ética a sua casa, e da coragem o seu caminho. É por isso que a democracia é o regime que depende dos aristocratas para poder nascer e crescer – porque um aristocrata é aquele cidadão que dá o melhor de si para ajudar qualquer outro a ser melhor.

Vamos a eles.