Todos os artigos de Valupi

extra_plágios&contágios

A propósito das presas que não escapam à visão aquilina do Luis Rainha, este texto de Malcolm Gladwell apresenta-nos uma outra perspectiva do assunto. Não se trata de munição para a vexata quaestio da natureza do acto da Joana Amaral Dias, antes alimento para a disputatio sobre o estatuto do autor. E colhe recordar Agostinho da Silva, que recusava receber dividendos dos seus direitos autorais por não se considerar autor de coisa nenhuma. Ele dizia que as ideias pairavam algures acima das cabeças e que algumas lhe chegavam como chegam os sinais de rádio às antenas. De onde elas vinham, ele não sabia; e muito menos reclamava a sua posse. Claro, nada disto tem já a ver com o episódio que levou a Joana a tomar (pelo menos) uma Aspirina.

Para quem não conheça, a escrita de Gladwell é melíflua e servida em bandeja de prata.

Emmimmesmado

Tinhas 15 anos e a mãe na sala. Escrevi que ia gostar de ti para sempre. Azulejos esverdeados. Era mentira, não se pode gostar de alguém cuja mãe esteja na sala. Mas gostei de ti, para sempre, todo. Fui eu que ofereci o gato. Mesmo quando descobri que não gostavas de ninguém. Gostei das tuas bebedeiras, da tua promiscuidade, tuas traições, tua nulidade, misérias, desgraça. Natal? Gostei de nunca teres gostado de ti. Eras um pássaro cego e a mãe na sala.

Logoterapia

Arcaísmos para a retro-modernidade:

Sabes, tudo isto se teria resolvido com um buz, disse ela depois de quase hervilhar.

És um lecco, passas o tempo a deffengular, disse ela já a pensar na disnembrança.

Er, o que tu fizeste é um thraconismo, disse ela com sotilidade e olhar pação.

Constipation

Não consigo. O dia foi mesquinhamente reduzido a 24 horas, decisão tão arbitrária como essoutra que faz com que os rios corram para o mar. Que raio vai fazer um rio para o mar? Adiante. Só 24 horas, em que o homem comum passa dezasseis a dormir. A mulher incomum é diferente, duas vezes oito horas a sonhar. Por isso, não consigo. Há blogues a mais. Cada blogue tem posts a mais. Um post tem palavras a mais. As palavras têm silêncios a menos. Em soma, é-me igual. Porque não consigo. Preciso de tempo para ler a Odisseia traduzida pelo Frederico Lourenço. Em voz alta, devagar. Devagar não, quedo. Preciso de tempo para olhar o Bad Boy do Eric Fischl nos olhos, ele que está de costas. Quanto tempo se leva para descobrir o rosto de uma figura que está de costas? Pouco, nada. Mas o nada demora. Preciso de tempo para escrever a biografia de uma erva daninha, para ouvir o Carl Dreyer, para abraçar uma árvore, para chegar ao fim do Half-Life 2 e começar o Civilization IV, para arrumar os livros por ordem analfabética, para ajudar uma velhinha a atravessar a vida, para reencontrar os amigos que vejo todos os dias, para dançar ao som da Nona de Beethoven, para me fechar numa praia deserta em manhã fria de Inverno.

Há blogues a mais.

Cineterapia

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The Sun Shines Bright_John Ford

É um filme que mereceu, à data em que escrevo, seis comentários no IMDB. Se cruzarmos esse epifenómeno com a informação de estarmos perante o filme preferido de John Ford, percebemos que uma parte fundamental da História do cinema repousa esquecida nesta hora e meia de pretos e brancos.

Tinha 120 filmes de idade. 59 anos de casmurrice e insolência. Tratava mal todo e qualquer que deixasse entrar na sua intimidade. E por isso cuidava deles. Orson Welles declarava-se discípulo. Truffaut e Godard ainda só rabiscavam em cadernos. Onde grafavam a palavra “auteur”. O mundo vivia a única década feliz do século XX. Hollywood preparava-se para fechar a fábrica de estrelas. E Ford fez um fracasso comercial que não tem ponta por onde se lhe pegue, por ser um todo indivisível. Estamos em 1953.

O que é uma pessoa? É aquele agregado molecular que sobrepõe a comunidade à lei, que escolhe o ideal em vez da comunidade, que elege o sentimento em prejuízo do ideal. É inevitavelmente um ser paradoxal, cadinho de contradições, aberração da lógica binária. Porque a vida não é lógica, nem sensata, nem piedosa. A vida é uma merda, e são as pessoas que a limpam.

Este filme ensina-nos a nunca confiar na palavra de um cão. Só por isso, estava justificada a invenção do cinema.

Pneumáticos

The biggest paradox about the Church is that she is at the same time essentially traditional and essentially revolutionary. But that is not as much of a paradox as it seems, because Christian tradition, unlike all others, is a living and perpetual revolution.

Thomas Merton, New Seeds of Contemplation

A tradição mística do cristianismo é desconhecida de quase todos, crentes e descrentes. Os crentes passam bem sem ela, por ser trilho demasiado exigente e até perigoso. Os descrentes ficam sem compreender o espírito do Espírito, apenas julgando as aparências. Para complicar, o entendimento mediático da mística está contaminado pelo mercado da “espiritualidade”, onde entra qualquer trafulha ou manipulador de vigésima categoria. Para complicar? Para simplificar, que a mística sempre pediu silêncio e segredo. Para melhor se descobrir.

Uma das notas imprescindíveis no acesso à mística cristã diz respeito à sua importância política. Começa nas raízes judaicas, como tudo o que é cristão, onde o papel do profeta interfere directamente no rumo político da nação. E ainda antes, na primeva busca de um território para morrer. Mais tarde, já em regime católico, os místicos são vistos como ameaças à ortodoxia da doutrina (e por muitas, e excelentes, razões). Dar a César o que é de César não significa que César esgote a dimensão política, pode até ser precisamente ao contrário. Hoje, num Ocidente que se vai despedindo dos crucifixos, a experiência mística cristã continua igual a si mesma (ou seja, genesíaca) e cria bolsas onde se pode respirar a Tradição.

Qual tradição? A da liberdade. Qual liberdade? A da disciplina. Qual disciplina? A da obediência. Qual obediência? A da vocação. Qual vocação? A da virtude. Qual virtude?… Alto! Ou melhor, sursum corda.

Não precisamos de ser cristãos para sermos cristãos. Basta sermos rebeldes.

Emmimmesmado

Chove. E sempre que chove oiço sempre as pessoas a dizerem sempre as mesmas coisas de sempre. Oiço ou ouço? Não interessa, porque elas não gostam da chuva. Ficam com uma cara triste e dizem “chove”, mas como quem diz “chove…”, não como quem diz “chove.”, muito menos como quem diz “chove!”. Porque trovoada não gostam elas da chuva? Qual foi o aguaceiro que lhes fez mal? Será que ninguém lhes explicou que os corações desenhados nos vidros embaciados por dedos enamorados vêm dos céus nublados? Uma vez fiz estas perguntas a uma dessas pessoas. Com o cuidado de falar tão baixinho que ela não me pudesse ouvir. Ela mesmo assim ainda disse “não ouço”. E eu disse ainda assim mesmo “não oiço”. Ela estava com uma cara triste. Triste como um daqueles dias de Sol em que não chove nem água. Ficámos sem nos conseguir ouvir. Apeteceu-me chover.

Logoterapia

Figuras de Estilo da III República

Prosopopeia – Ramalho Eanes

Anacoluto – Mário Soares

Perífrase – Jorge Sampaio

Candidatos

Hipérbato – Mário Soares (versão 2.0 mandatos)

Anadiplose – Francisco Louçã

Catacrese – Jerónimo de Sousa

Apóstrofe – Manuel Alegre

Disfemismo – Cavaco Silva

Um Discurso de Despedida falhado

Vou imitar o Luis Rainha, que se imitou a si mesmo (e este jogo de espelhos teria ainda mais para contar…), começando com uma despedida. Não o consegui fazer em tempo útil — o que talvez até me tenha custado o último livro de contos do Alexandre Andrade à pala — e com esse fracasso acabei por resolver o problema do meu primeiro post na Aspirina B. Muitos, e alguns notáveis, foram aqueles que entraram na blogosfera através do layout azulado do BdE. Mérito inquestionável do Zé Mário e do Manuel Deniz, mérito indiscutível de todos os colaboradores que o tornaram num blogue de referência. E de convivência.

Não sei como fui parar ao BdE, por isso não sei porquê. Sei que nunca tinha ligado aos blogues. E continuo a não ligar, mas por mais ilustradas razões.

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