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Tiro ao balão

O ex-presidente da CIP, Francisco van Zeller, está convencido, como todos nós, que foi o Governo quem deu indicações para que o relatório “encomendado” ao FMI fosse publicado como se de uma fuga de informação se tratasse. Van Zeller, que deve saber do que fala, acrescenta que é uma prática corrente do governo “mandar para os jornais à frente, para depois dizer que não é bem assim”. A técnica consiste em primeiro assustar, para depois o governo mostrar a sua moderação e magnanimidade. Aprenderam com aquela história do pide mau e do pide bom.

Todos os dias há desmentidos oficiais de projectos e de aldrabices postas a circular, pública ou clandestinamente, pelo próprio governo. Isto além do desmentido diário que o governo faz das promessas e do programa com que se apresentou perante o eleitorado. E todos os dias o governo prepara novos balões de ensaio.

Creio ser a primeira vez que um país europeu é governado à base de supostas fugas de informações e de desmentidos. O governo manda constantemente balões de ensaio para a comunicação social e fica a esperar a reacção do país. Havendo muitos protestos, inclusive vindos de dentro do próprio governo, Coelho e os seus sequazes fingem encolher-se e lançam novo balão. Quando não são declarações encomendadas ao ministro privado Borges, são relatórios supostamente confidenciais do FMI. Muitas vezes é o próprio Coelho ou um Relvas qualquer que manda umas patacoadas ou anuncia uma reforma marada, para ver o efeito.

Todos os dias há tiro ao balão, que se está a tornar no desporto n.º 1 em Portugal. Mas o tiro ao balão dá aos comentadores políticos, aos analistas económicos, a certos ministros do CDS-PP e ao público zangado em geral a falsa ideia de que conseguem influir na linha da governação. Acho que é esse um dos objectivos principais do Coelho, além de querer fazer passar por suave o pontapé no cu que está a dar a Portugal.

O Natal de 2013

O de 2012 “ainda não foi o Natal que merecíamos”, escreveu Passos Coelho no facebook. Pensou melhor e apagou o “ainda”. Ia acrescentar: “Esperem pelo de 2013 e vão ver”, mas desistiu.

Para o próximo Natal, o governo está a estudar a substituição do peru por uma codorniz de aviário, mas ainda é segredo.

Mais uma história da carochinha

Nogueira Leite, o administrador da CGD que tinha prometido, sob palavra de honra, “pirar-se” se em 2013 o obrigassem a trabalhar mais de sete meses só para pagar os impostos, cumpriu há dias a sua promessa, alegando todavia como motivo, na sua carta de demissão, que “o essencial que tinha para fazer” na CGD já estava feito. Nenhum esclarecimento surgiu entretanto sobre o que terá sido o “essencial” da sua curta missão de um ano e tal. Alguns jornais não acreditaram e lembraram uma história anterior, de que se depreendia a insatisfação de Nogueira Leite pelo modo como o governo (Vítor Gaspar) tomava, à sua inteira revelia, decisões de alienação de participações e outros activos do banco do Estado. De facto, não era para isso mesmo que Nogueira Leite estava na CGD, abdicando da sua propalada “condição de homem livre” e dos impostos (presumivelmente mais doces) do sector privado? Não era para manobrar os cordelinhos das vendas de participações nos sectores da saúde, seguros, etc. e, a prazo, a anunciada privatização da própria CGD?

Hoje o Público e outros jornais vêm contar uma história diferente. Que Nogueira Leite, afinal, terá saído da CGD por discordar da “vista grossa” que a administração do grupo Caixa fizera a fortes indícios de corrupção e outros ilícitos envolvendo quadros superiores e um vice-presidente da casa. O assunto, dizem os jornais, arrastava-se há 15 anos (!) e fora alvo de um inquérito interno da CGD, que foi inconclusivo em matéria de ilícitos. De tudo resultou apenas a suspensão sem vencimento do funcionário Francisco Murtinheira, que em 2006 denunciara publicamente as supostas ilicitudes numa carta aberta ao ministro Teixeira dos Santos (o então ministro das Finanças passara o dossier ao presidente da Caixa que, por sua vez, mandou instaurar o tal inquérito interno).

A acreditarmos na história da carochinha hoje posta a circular pelo Público e pelo DN, Nogueira Leite não se terá demitido da CGD nem 1) por ter que pagar impostos que atentavam contra a sua “condição de homem livre”, nem 2) por ter completado já a sua messiânica missão de contornos misteriosos, nem 3) por ter sido ignorado pelo accionista único do grupo financeiro estatal na tomada de decisões estratégicas, nem 4) por a venda dos activos da CGD e da própria CGD ter deixado de lhe interessar por razões que só ele poderia explicar, nem 5) por outro motivo verosímil que escape às nossas chãs conjecturas. Nada disso! O homem que entrou na CGD em 2011 e agora se demitiu fê-lo porque, homem probo e de uma honestidade intransigente, não podia mais tolerar que, com a sua complacência, se continuasse a fazer vista grossa sobre irregularidades com 15 anos, que não foram confirmadas por um inquérito interno e com as quais, aliás, o pelouro de Nogueira Leite não tinha rigorosamente nada que ver. Está na cara, não tá?

Balanço carregado num país soalheiro

Portugal é uma terra de singularidades, umas boas, outras más, para não falar, por enquanto, das péssimas. Temos o clima mais ameno da Europa, o que nos traz muitos fugitivos do Norte. Não vou falar da nossa comida, mas tinha que falar do sol no fim de um domingo faiscante como este foi. Criamos e exportamos excelentes futebolistas e treinadores (é fatal), mas nos nossos balneários a língua oficial é o espanhol. Não sabemos que somos o terceiro produtor europeu de grão-de-bico (agora apanhei-vos). Produzimos bons vinhos e exportamos excelentes trabalhadores, automóveis alemães, sapatos, rolhas e concentrado de tomate. Temos um serviço nacional de saúde que se compara aos melhores, embora às vezes possa não parecer, quando se tem de esperar meses por uma consulta ou um tratamento. A nossa esperança de vida à nascença é superior à dos norte-americanos, embora possamos esperar dela, da vida, bastante menos. Não andamos armados até aos dentes e a nossa taxa de homicídios intencionais é persistentemente um quinto da dos norte-americanos. Quando queremos arrasar mesmo, dizemos (e é verdade) que estamos melhor posicionados em taxa de mortalidade infantil do que o Reino Unido, Canadá, Estados Unidos e todos os países produtores de petróleo, excepto a Noruega. Já me esquecia, nesta clássico rol do orgulho nacional, dos 900 km de costa, que fazem a inveja da Suíça, Mongólia, Nepal e Andorra. E da vasta Zona Económica Exclusiva, que é a terceira da Europa e a 11.ª do mundo, olaré, embora só sirva para passear os dois submarinos do Portas e cinco fragatas, quando há dinheiro para combustível e reparações. E dos 3.000 km de auto-estradas (eram 25 km em 1974), que nos colocam à frente de muitos países europeus em kms/habitante, mas que agora não sabemos como vamos pagar nem se temos dinheiro para andar nelas.

Parecia que éramos um país do quilé, mas somo-lo cada vez menos. Todos sabemos porquê, mas vou repetir só para chatear. Desleixámos a agricultura e a indústria transformadora, que nunca tinham sido grande coisa. Demos cabo do resto da pesca, destruímos a recém-criada reparação naval, a incipiente siderurgia, a nova indústria química, etc. Se calhar já tinham sido más escolhas, como outras que vieram depois. Persistimos nas indústrias baseadas em baixos salários e qualificação zero até sermos inundados de produtos do terceiro mundo. Como país, andámos trinta e tal anos a gastar muito acima do que produzíamos, aplicámos fatalmente mal os fundos europeus, nunca poupámos o necessário e temos sistematicamente recorrido todos (empresas, bancos, famílias e Estado) ao financiamento estrangeiro. Enquanto muitos países subdesenvolvidos saíram da miséria e voaram para a prosperidade, nós marcámos passo e agora estamos a empobrecer.

Na política, então, o panorama é dos mais sombrios. Depois de termos suportado durante meio século uma ditadura de caserna, esquadra e sacristia, fizemos uma grandiosa revolução das antigas e enveredámos gloriosamente por uma sociedade sem classes, para arribar hoje em dia a um país sem crédito. A única coisa que em Portugal deixou absolutamente de ter classe foi o governo. Estamos actualmente sujeitos a levar com governantes rascas e trampolineiros, que por essa Europa fora, exceptuando a Itália, só dariam para carteiristas ou industriais do alterne. Aqui especializaram-se em leiloar serviços públicos.
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A libertação ao alcance do telecomando

Perdoem-me os aspirinautas mais militantes, mas é sábado e tenho que abrir aqui um descompasso para desabafar sobre uma magna questão pessoal, que só muito colateralmente poderá ter a ver com a renegociação do memorando da troika ou com a fiscalização preventiva ou sucessiva do Orçamento.

Às vezes dá-me uma de nostálgico por não ter enveredado por uma carreira de empresário ou engenheiro. Acho que poderia ter singrado nessas nobres actividades, se tivesse optado por rumos mais úteis à humanidade. Gostaria de ter lançado produtos revolucionários e tenho a platónica pretensão de que os poderia ter inventado. Quase todos os dias me ponho a imaginar uma maquineta inovadora, quando tenho que suportar o ruído infernal do moinho de café do local onde almoço, para já não falar da chinfrineira de pires e chávenas. Não há conversa, leitura ou digestão que resista a tal tortura. Numa era em que se colocam sondas em Marte com precisão de metros, ninguém me convence que é impossível fabricar um moinho de café silencioso ou louça de café que não destrua a convivialidade dos locais que frequento por necessidade ou lazer. Mas o meu maior sonho era o de criar um software para o aparelho de televisão e um telecomando com special features. Os actuais botões do telecomando para pouco servem e o zapping é um desporto frustrante.

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É assim mesmo, Garcia Pereira!

 

O caso Brutosgate, como lhe chamam, é o mais recente episódio do permanente Relvasgate que assola o país desde, pelo menos, que esse doutor da mula ruça é ministro. Já aqui foi exposto, de modo irónico, um guião altamente verosímil do caso das imagens confiscadas à RTP e das suas consequências. Toda a gente já percebeu que o Relvas armou uma cilada a Nuno Santos.

O mais cínico-cómico é que isso foi feito tendo como música de fundo o Goldman Borges a justificar a venda ao desbarato da RTP por ser urgente acabar com a irresistível tentação dos governos em intervirem na televisão pública!

Garcia Pereira vem hoje no Público apontar o dedo acusador: quem cometeu crimes, além de ter mentido, foram os responsáveis da PSP que mandaram filmar os manifestantes sem respeitarem os trâmites legais, que depois afirmaram que não tinham filmado nada e que, por fim, se calhar porque as imagens obtidas não prestavam, foram ilegalmente à RTP buscar os registos da cena de S. Bento.

Ninguém sabe ainda, porque as declarações de Alberto da Ponte não inspiram naturalmente a mínima confiança, o que se passou na RTP. Nuno Santos já negou, na comissão parlamentar, que tivesse dado autorização alguma, alegando que foi alvo, sim, de uma purga política. A ousadia foi retaliada com um processo de afastamento da RTP. Se Nuno Santos realmente não deu autorização, é bom que se deixe de fosquinhas e despeje o saco todo, que deve estar bem ajoujado de curiosidades.

Os ratinhos do governo nem chiam, a fingir que não é nada com eles. Já algum jornalista mais azougado perguntou ao ministro Macedo se ele autorizou ou aconselhou a filmagem pela polícia? Tá queto que perdes o emprego!

É preciso um Garcia Pereira para se fazerem certas perguntas e certas afirmações neste pântano arrelvado povoado de cagarolas. Não se ficou pelas declarações: prometeu que vai apresentar, por incumbência da comissão de trabalhadores ou sem ela, “queixas de natureza criminal, cível e disciplinar contra os responsáveis que se venha a apurar terem tido alguma espécie de intervenção em factos susceptíveis de consubstanciar ilícitos”. É assim mesmo, Garcia Pereira!

De vitória em vitória

Há uma ilha da costa d’África onde há 30 e tal anos é o mesmo salazarote pançudo e pesporrente quem mais ordena.

Mas aquilo deve estar a chegar ao 22 ou 23 de Abril: houve duas listas para a direcção do partido, coisa nunca antes vista na gaiola do autocrata. A rebentar de fúria mal contida, o salazarote pançudo acusou o seu concorrente de ousar fazer “brincadeiras”.

Hoje, horas antes de ganhar por uma unha suja as eleições da barraca, subiu a parada e acusou Albuquerque, presidente da Câmara do Funchal, de ter organizado uma “palhaçada”. Note-se que o basófias processou aqui há tempos alguém que lhe tinha chamado palhaço, epíteto que até pecava por excessivamente elogioso. Mesmo “salazarote” para ele deve ser rebuçado, pois nunca se refere ao “Dr. Salazar” que não seja para o elogiar.

Já tratou políticos, funcionários da justiça, polícias e sobretudo jornalistas abaixo de lixo. Já fez manguitos diantes das câmaras e já usou publicamente expressões obscenas para se referir a quem despreza ou lhe faz frente. Sempre apoiado pelos risos alarves dos seus bacocos admiradores.  Sempre impunemente, com uma única excepção, mas ignoro se chegou a cumprir a sentença indemnizatória. E, se a pagou, com o dinheiro de quem.

Não sei se me apetece continuar a falar deste político desprezível que um dia se lançou de punhos fechados (e costas bem quentes) contra um trabalhador que numa estrada em construção queria impedir o seu carro de avançar. Não me apetece mesmo.

 

Alô, chancelaria?

Cavaco escreveu no facebook que ouviu em Tóquio a Lagarde dizer que não se pode exigir que se cumpra a todo o custo os objectivos nominais do défice público fixados pela Merkel, pelo BCE e pelo FMI, porque se não houver crescimento aumenta o défice. O tipo está meio xexé e disse isso com sete vezes mais palavras e como se estivesse a desvendar uma verdade bem guardada. Portugal inteiro já sabia da boca da Lagarde e, antes dela, já milhões de portugueses tinham dito o mesmo na rua.

Cavaco parece que tem medo de falar directamente com a Merkel e utiliza o facebook como quem pinta paredes e foge antes que venha a polícia. Será que o tipo não tem o contacto dela? Aqui ficam o endereço e os contactos do 8.º chanceler alemão desde o tempo do nazismo:

Willy-Brandt-Strasse, 1
10557 Berlim – Alemanha

Telefone: +49 3018 400-0
Fax: +49 3018 400-2357

Trocadalhos

O governo anterior criou a palavra Allgarve para promoção do turismo algarvio em Inglaterra. Hoje, The Economist ripostou com humor de bife e criou o termo Poortugal para definir a situação lusa actual.

Se a moda pega, vamos ter mais puns (ler em inglês) engraçados.

O governo vai acabar com essa coisa dos pobres

Este governo teve várias ideias geniais para acabar com o regabofe do Rendimento Social de Inserção, que permitia vestir Prada e comer lagosta a gente que não tem rendimentos porque não quer trabalhar. Porque essa coisa dos pobres é uma treta, eles não querem é trabalhar! Perguntem ao homem da lambreta.

Dados: a imensa maioria das famílias (54.034) recebe uma prestação entre 100 e 200 euros mensais, ou seja, 20 a 30 % do salário mínimo nacional, havendo até 5.715 famílias que recebe menos de 25 euros, que é cerca de 5% do salário mínimo. Mas há 400 famílias que têm direito a mais de 600 euros por mês de RSI. (São de certeza traficantes de droga que vão diariamente de Mercedes SLK coupé ao casino do Santana Lopes estafar a massa.)

Agora, graças ao homem da lambreta, quem tenha mais de 25.000 euros no banco não pode pedir RSI. Pimba! Quem tenha carros, barcos ou motociclos de valor superior aos mesmos 25.000, idem. Toma! (Esqueceram-se das trotinetes Ferrari e dos cavalinhos de balancé de raça, mas pimba e toma à mesma!)

Pronto, lá vai ficar o Audi dos falsos pobres a enferrujar na garagem da vivenda de verão. Imagino que muitos milhares destes falsários tinham pelo menos 50.000 € ou mais a render, além do seu Lamborghini, do seu iate e da sua  moto BMW. Está na cara! Contaram esses tais malandros? Sorry, não há estatísticas. Há é muita demagogia bacoca e muita manipulação por parte de um governo de pulhas e por parte de muitos queridos compatriotas que se servem dos argumentos mais reles e baixos para justificarem a sua fuga maciça ao fisco.

A outra medida brilhante do governo é a de obrigar por contrato os beneficiários do RSI a fazer “trabalho útil para a comunidade”. O governo, que se informou junto de uma tia velha, militante n.º 324 da União Nacional e n.º 234 do PPD/PSD, parte do princípio de que eles não encontram trabalho porque não querem. E que é imoral dar-lhes dinheiro “para não trabalharem”.

Sérgio Aires, presidente da Rede Europeia Antipobreza (deve ser um tacho chorudo como o do Catroga) disse hoje no Público que a conversa do governo é bullshit. E é. O problema é que a esmagadora maioria dos beneficiários do RSI não têm rendimento porque não encontram “trabalho útil”, nem para eles nem “para a comunidade”. Qual a receita do governo, então? Talvez obrigá-los a trabalhar em merdas inúteis e humilhantes, inventadas por um idiota inútil qualquer, para os desencorajar de pedirem RSI? Talvez fazer deles fura-greves dos varredores de ruas? Talvez pô-los a concorrer com as ocupações de voluntariado gratuito que já existem? Ou, lá no fundo, enviá-los para as indústrias de lazer mais conhecidas e para os ramos ilegais do comércio farmacêutico?

Lunático pretende que teria evitado a crise…

…se não se tivesse demitido.

 

 

Campos e Cunha em entrevista ao i de hoje disse que “o Estado foi à falência com base nas políticas seguidas, em particular desde 2008, pelo engenheiro Sócrates”. E acrescentou: “Não esqueço quem nos levou à bancarrota”.

Curioso. O fulano opta por não falar de 2005-2008, pois seria penoso reconhecer a consolidação orçamental desses anos, dirigida por Teixeira dos Santos. Mas que terá acontecido a partir de 2008 que precipitou uma crise económica e das finanças públicas em Portugal? Talvez uma crise financeira internacional seguida da crise europeia das dívidas soberanas? Estavas acordado, Campos e Cunha?

Impõe-se uma pergunta: se Campos e Cunha não tivesse feito chichi pelas pernas abaixo e não se tivesse demitido em 2005, poucos meses depois de ter tomado posse como ministro das Finanças, e se tivesse continuado no governo, como é que ele teria passado entre as pedras de granizo a partir de 2008? Porque é isso que, na entrevista ao i, ele pretende que teria conseguido fazer.  Não tem coragem para o afirmar claramente, o que é típico da sua índole esquiva e temerosa. Mas insinua, de facto, que teria evitado a crise das finanças públicas em Portugal.

Que solução milagrosa teria ele para evitar a quebra das exportações, a retracção da procura interna e externa, a subida do desemprego, a descapitalização dos bancos e das empresas, a dramática quebra das receitas fiscais, a urgente necessidade de financiamento do Estado, dos bancos e das empresas privadas, a subida dos juros das obrigações da dívida pública no mercado internacional, etc.? Teria Campos e Cunha evitado a crise internacional, a crise na Europa ou só a crise portuguesa? Teria posto Portugal a pão e água desde 2005, ou mesmo desde 2008, quando ainda se estava longe de conhecer a duração e todos os efeitos da crise? E teria sido isso uma boa solução? Não sabemos nem ele o explicou. Nem hoje nem nunca.

Mas da bancada do ex-ministro cobardola e ressabiado é fácil pôr culpas, mandar postas de pescada e, em matéria política, dar palpites cabotinos como este, revelador do lunático que ele é:

“Os votos em branco deviam estar representados no parlamento por lugares vazios. Tinha duas vantagens. A primeira era trazer pessoas que não votam para dentro do sistema. Em segundo lugar, levaria a que os partidos competissem entre eles, mas também que ganhassem confiança do seu eleitorado.”

A solução mágica de Campos e Cunha, insistentemente exposta por ele na comunicação social – e hoje novamente no i – para o problema político português, tal como o fulano o diagnostica (a alegada falta de representatividade do parlamento e do sistema de partidos), é esta: incentivar o voto em branco. Uma imbecilidade nunca experimentada em nenhum país do mundo, porque nenhum país do mundo tem o azar de ter um governante lunático como Campos e Cunha. O fulano acha que cadeiras vazias no parlamento significaria “trazer pessoas para dentro do sistema” e “levar os partidos a competir entre eles”. Esta é a lógica da batata do tal especialista em finanças públicas que pretende que teria evitado a actual crise financeira do Estado português.

Não sei se a abécula fez as contas, mas a habitual percentagem de votos em branco não daria, com sorte, para mais de uma cadeira vazia no parlamento. Para Campos e Cunha bastaria. Seria a cadeira dele, vazia. É uma boa imagem.

RTP: a Igreja lava as suas mãos?

O que diriam os bispos italianos, alemães, ingleses, franceses ou espanhóis se o governo resolvesse privatizar as televisões públicas dos seus países? A questão lá nem se põe, mas aposto que, se tal eventualidade surgisse, fariam uma santa guerra a propósito tão idiota. Mesmo no caso da água, que Berlusconi queria entregar aos privados, a Igreja católica italiana levantou uma onda de protesto, cujo curioso slogan era “A água é de Deus”. Mobilizaram-se os católicos, padres, bispos e até cardeais contra o plano do governo italiano, que acabou, aliás, rotundamente vencido num referendo nacional sobre o tema. Diga-se que Berlusconi, com as suas sete cadeias de televisão, nem sequer arriscou a ideia de privatizar a TV pública.

E por cá o que pensa a Igreja das privatizações anunciadas da RTP e das Águas de Portugal? Ninguém sabe. Paira um silêncio manhoso e pouco santo, hoje denunciado numa coluna do Público pelo cineasta António Pedro Vasconcelos, relativamente ao projecto de privatização da RTP. O que parece fortemente é que a Igreja católica portuguesa, desde que continue a ter os seus espaços nas estações de rádio e televisão privatizadas ou concessionadas a privados, não se importa nada com os planos do governo. Lava as suas mãos, como sugere Vasconcelos.

Marques Mendes, não se sabe se na qualidade de pequeno conselheiro de Estado omnipresente na política ou se na – até agora desconhecida – qualidade de católico, foi há dias a Fátima tranquilizar as hostes da Igreja. Segundo ali declarou, o tempo de emissão das confissões religiosas no serviço público de rádio e televisão “pode e dever manter-se”. E acrescentou esta coisa curiosa: “Esse debate ainda não foi iniciado, mas tem que ser feito e, na altura própria, essa componente de serviço público das confissões religiosas, tem de ser salvaguardado”. A ideia do pequeno conselheiro é a de que, com a Igreja posta em stand by, o projecto do governo passa sem novidade de maior. O desplante do fulano: agora não é a altura própria! Quis ele dizer: não estrilhem, mantenham-se quietinhos e caladinhos, que no final têm o rebuçado. Isto é, o prato de lentilhas, de que reza a Bíblia.

Não sendo católico, quero reconhecer na Igreja uma entidade cuja independência, espiritualidade, valores éticos e doutrina social representam valores estimáveis em qualquer sociedade plural. Quero reconhecer, mas ela não me deixa… Então a Igreja católica portuguesa, se não lhe forem ao tempo de antena, não tem nada a dizer sobre o projecto de transformar Portugal no único país europeu sem uma televisão pública generalista e sem um canal público vocacionado para programação cultural de qualidade? Então a Igreja está-se nas tintas para os planos borgianos-coelhinos de transformar a RTP-1 em mais um canal de novelas e tele-lixo e de extinguir a RTP-2?

Quem é que disse isto?

Sem ir ao Google, quem é que você acha que disse a frase abaixo?

A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, a alma de situações sem alma.

Escolha, que é fácil:

João César das Neves

Álvaro Cunhal

Christopher Hitchens

Madre Teresa de Calcutá

Mitt Romney

Irmã Lúcia

Hugo Chávez

Padre Américo

Barack Obama

Frei Bento Domingues

George W. Bush

Papa João XXIII

Karl Marx

António Borges

Richard Dawkins

Fidel Castro

D. Januário Torgal Ferreira

 

Aqui vai a solução, sem o nome do autor, mas com a citação completa:

“O sofrimento religioso é, ao mesmo tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, a alma de situações sem alma. É o ópio do povo.”

 

Atenção pessoal, o governo perdeu os travões

Primeiro foi a história da TSU. Foi preciso encenar aquela coisa do Conselho de Estado para que Passos Coelho parasse e fizesse marcha atrás.

Agora é a história da privatização da Caixa que, segundo o Expresso, foi “travada” in extremis por Belém e pelo… Banco de Portugal (não estou a delirar).

O governo dá cada vez mais a impressão de ser inimputável, necessitando ter sempre alguém à perna para se evitar o pior. Filme de terror, não é?

Será que o Borges fez os exames todos lá na América?

Sobre a abortada reforma da TSU, que todos os assalariados, a maioria dos empresários, grande número de comentadores económicos e cerca de 90% dos portugueses consideraram uma estupidez e/ou um roubo, disse hoje António Borges, no seu português algo claudicante:

Que a medida é extremamente inteligente, acho que é. Que os empresários que se apresentaram contra a medida são completamente ignorantes, não passariam do primeiro ano do meu curso na faculdade, isso não tenham dúvidas.

O super-pseudoministro Borges assegurou ainda que a abortada reforma da TSU não implicava uma transferência de rendimentos dos trabalhadores para as empresas: “Não se trata de transferir rendimentos de ninguém para ninguém”. Dando-se conta de estar a negar o inegável, observou todavia, agitando o seu papão preferido:

Acho extraordinário o debate de que estamos a transferir dinheiro do trabalho para o capital. Parece que voltámos ao marxismo e que o capital é uma coisa má.

O Borges tem razão, só mesmo o marxismo é que seria capaz de chamar transferência de dinheiro a uma transferência de dinheiro. Mas ficámos a saber pela boca deste especialista de managerial skills que a maioria dos empresários portugueses é “completamente ignorante” e que jamais passaria no primeiro ano do curso dele. O Borges não se pronunciou sobre as centenas de milhares de manifestantes contra a medida, mas podemos conjecturar sem risco que os considera abaixo de lixo marxista, qualquer coisa como C- num imaginário rating da Standard & Poor’s.

Entretanto, à revelia do Borges, a revista online The American, órgão do American Entrerprise Institute, um think tank da direita, publicou uma artigo sobre a reforma portuguesa da TSU, intitulado Um auto-golo em Portugal

Vale a pena citar uma parte, que só diz aquilo que a massa dos portugueses “completamente ignorantes” está farta de saber, isto é, que a medida não faria qualquer sentido do ponto de vista económico e que a última coisa de que Portugal precisa neste momento é de uma quebra substancial da procura agregada:

The public outrage against the government’s social security proposal would suggest that it was ill-advised from a political standpoint in a way that is all too reminiscent of Margaret Thatcher’s poll tax in the United Kingdom in 1989, which cost her so dearly politically. However, the more disturbing aspect of the proposal is that it makes very little economic sense, especially when Portugal is in a deep recession and the IMF-EU program is already forcing it to pursue a pro-cyclical fiscal policy.

The last thing that Portugal needs right now is a further meaningful reduction of aggregate demand. Yet that is precisely what this social security proposal would do. A hike of as much as 7 percentage points in employees’ social security contributions will surely lead to an immediate substantial decline in household consumer spending. This would especially be the case considering how income-constrained most Portuguese households are.

E o artigo termina fazendo votos para que a medida não vá avante, caso contrário a economia portuguesa em 2013 ficará boa para a extrema-unção.

Perante tal atestado de inépcia passado pelos seus pares dos states, resta a pergunta: – Será que o Borges fez os exames todos lá na América? Ou teve umas equivalências à Relvas?

As somas nulas do governo

Na oposição, a plateia laranja agitava histericamente o espantalho das fundações e das PPP – símbolos máximos das gorduras e da ruína do Estado. No poder, os Abranhos, Gouvarinhos e Acácios, obrigados a fingir que cumprem algumas promessas, só têm produzido pilhérias, como diria o pai deles, o Eça.

Com previ, a histeria anti-fundações pariu um rato. Gastaram um pipa de massa num censo de palhaçada que classificou a Gulbenkian, a mais importante fundação portuguesa, abaixo da fundação do Alberto João Jardim, denunciada na Madeira como uma falsa fundação, ou seja, uma organização que existe para receber “donativos” de origem duvidosa, para financiar actividades partidárias e para isentar esse partido de diversos impostos e taxas, como o IMI. Agora vêm os governantes propor a extinção de 11 fundações universitárias, medida essa que não vai representar 1 cêntimo de poupança e quiçá, a prazo, vai aumentar a despesa do Estado. No melhor dos casos, será de soma nula.

Quanto a Serralves, Casa da Música, Casa das Histórias de Paula Rego, etc., a decisão segue o lema principal de Passos Coelho: “Que se lixem!” De facto, Portugal não merece ter museus nem salas de concertos. A propósito: quanto terá custado a construção e manutenção até hoje do Centro Cultural de Belém, obra faraónica da época do sr. Silva, em cujo reinado se fez também a mais faraónica sede de um banco em Portugal, a da CGD? Será que Ferreira Leite também engloba o CCB e a sede da CGD naqueles investimentos que “arruinaram o Estado” e “comprometem o futuro dos nossos filhos”?

O guru de Economia da Rádio Católica, o esverdeado Sarsfield, foi ontem à TV explicar que antigamente é que era bom: um milionário quando morria deixava o pastel para uma fundação e o Estado não tinha que lá meter um tostão. (Nunca foi verdade: o próprio Botas perdoou todos os impostos a Calouste Gulbenkian e à Fundação). Agora não, lamenta-se o esverdeado comentador, as fundações querem “viver à pala” do Estado. Sarsfield, que de vez em quando não recua perante as opiniões mais trogloditas, não explicou (também ninguém lhe perguntou!) porque é que o censo do governo não abrangeu as 100 fundações da Igreja e quanto é que estas recebem em subsídios e benefícios fiscais do Estado.

Quanto às PPP, o governo fez mais ou menos o mesmo passe de ilusionismo. A tal poupança que a renegociação dos contratos vai originar tem como contrapartida para as empresas que o Estado – através das Estradas de Portugal, etc. – vai assumir encargos que nos contratos cabiam às empresas. Soma nula, no melhor dos casos, previu ontem na SIC o economista Caldeira Cabral, da Universidade do Minho.

Seguramente, demite-se

Na sondagem da Católica o PSD consegue nas intenções de voto 24%, ou seja, uma queda de 12 pontos percentuais em relação a Junho. Sobem os comunistas quatro pontos para 13%, o Bloco dois pontos para 11% e até o CDS um ponto para 7%. O PS, que aparece agora à frente com 31%, desce no entanto dois pontos dos 33% que tinha em Junho. A sondagem foi realizada nos dias 15, 16 e 17, já depois do anúncio das novas medidas de austeridade do governo.

Que ilações tira Seguro a seu próprio respeito desta sondagem? E que vai fazer?

Obviamente, demite-se.