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Como é que se pode ser tão safado?

Perante o descalabro eleitoral do Bloco, Daniel Oliveira tenta com piruetas desesperadas escapar à sua quota-parte de responsabilidade pela estratégia suicida desse partido, que lhe fez perder 14 dos seus 19 deputados.

Escreve hoje o Daniel da Impresa que o chumbo do Orçamento de Estado – que o mesmo Daniel andava há anos a aconselhar ao Bloco – terá afinal sido obra de António Costa, “que preparava esta crise política desde 2019” e que depois “vendeu melhor a sua narrativa do que aqueles que o puseram no poder em 2015”.

Leram bem: o Costa é que andava a preparar o chumbo do seu próprio Orçamento desde 2019.

Segundo o genial Daniel, Costa vendeu tão bem a sua narrativa que muitos bloquistas e comunistas foram agora votar no PS. Esses pobres otários “foram sugados para o que afinal era um engodo, contribuindo involuntariamente para uma maioria absoluta que seguramente não desejavam” (sic).

Devem ser realmente muito totós esses “bloquistas” e “comunistas”, para caírem assim como patinhos no “engodo” do Costa e darem-lhe uma maioria que absolutamente não lhe queriam dar. Grandes artolas!

E eu a julgar que eleitores inteligentes tinham castigado a estratégia imbecil que o Frei Daniel da Impresa lhes tinha andado a pregar…

O mapa cor de rosa

A resposta do eleitorado de esquerda ao derrube do governo socialista pelos kamikazes do Bloco e do PCP foi ainda mais contundente do que se poderia imaginar, com os bloquistas reduzidos a 5 dos 19 deputados que tinham até ao chumbo do Orçamento e os comunistas reduzidos a 6 dos 12 anteriores. A maioria absoluta socialista fez-se em boa parte com a migração dos votos de eleitores que se sentiram enganados pelo Bloco e pelo PCP. O Jerónimo e a Catarina levaram uma lição que não deverão esquecer, sob pena de caminharem para a extinção.

O PS, que só ganhou 11 dos 20 deputados perdidos pelo Bloco e PCP, beneficiou também da inédita divisão da direita, pelo que o mapa cor de rosa que saiu na lotaria a António Costa pode ser um bocado enganador. Os 12+8 deputados que a corja do Ventura e os chamados liberais conquistaram não chegariam para derrotar o PS, mas, se tivesse havido concentração de votos de toda a direita, o resultado destas eleições seria diferente, tirando aos socialistas a vitória em Aveiro, Braga, Viana, Viseu (cavaquistão), Vila Real, Bragança, Leiria e Faro e impossibilitando a maioria absoluta. Bem haja a divisão da direita, e que se repita por muitos anos.

Nazizinhos, hitlerzinhos, salazarinhos e outros ditadorzecos

Há dias, uma conhecida atleta reformada chamou displicentemente nazizinho ao Rui Rio, fornecendo com isso matéria para escândalo e desagravo da direita, nos seus media amestrados, durante vários dias de campanha eleitoral.

Claro que o Ruizinho não é nazi. Se formos a ver, não há nazis em Portugal nem até no mundo. Os que havia na Alemanha em 1945 desapareceram na natureza, reaparecendo passado um tempo com atestados de democratas. Uns tristes arremedos que por aí vegetam em Portugal, alguns na prisão, não servem de exemplo de nada.

Rosa Mota, porém, criou um novo conceito, nazizinho, muito diferente do velho nazi. É comparável a hitlerzinho, nome dado nos meus tempos de liceu a um professor que o merecia, embora não fosse propriamente nazi nem uma reencarnação do Adolf em miniatura. Toda a gente sabe o que é um hitlerzinho, porque toda a gente já teve na vida o azar de tropeçar num deles. Eu até conheci uma hitlerzinha, que impunha o terror numa famosa livraria de Lisboa.

Em Portugal existe, há muito, o cognome de salazarinho, aplicado a ditadorzecos que pululam por esse país, na política, no trabalho ou em casa. O saudoso Vítor Gaspar, tão pouco nazi quanto Rui Rio, teve entre os seus próprios colegas o cognome de salazarinho. Isso até foi assunto, em 2011, de um artigo do Correio da Manha, que lhe achou graça, para inveja do Passos Coelho, que antes queria ser ele o salazarinho. Mas seria realmente o Gaspar uma reedição do Salazar ou um salazarista? Não, não era. Era só um salazarinho, o que é muitíssimo diferente.

Sobre o Rui Rio desde sempre se disse, incluindo no seu próprio partido, que ele é um político autoritário. Por isso eu acho que, em lugar de nazizinho, lhe calhava melhor o nome de autoritarinho, atendendo aos dez reis de gente e aos cinco reis de político que ele é. E não duvido que, se ganhar as eleições, meterá um gasparinho nas Finanças.

Fact-checking do fact-checking

Há muito quem julgue que o fact-checking hoje em voga na comunicação social é uma moda positiva, porque pode ser uma arma preciosa no combate à aldrabice política e à mentira ou preconceito que grassam impunemente nas redes sociais.

Assim poderia ser, e muitas vezes é. Mas, em muitos outros casos, não é. Na realidade, são grandes as possibilidades de manipulação e distorção através dessa suposta ferramenta de verificação, que se arvora em juiz infalível, mas está muito longe de o ser.

Desde logo, pela selecção dos “factos” que são, ou não são, submetidos ao fact-cheking. Qual o critério? Quem e como decide da relevância dos (poucos) factos que são escolhidos ou da irrelevância dos (muitíssimos) factos que são ignorados? Que interesses, agendas e parcialidades presidem a essa selecção?

Depois, pelo discutível rigor e até falta de lógica com que, por vezes, essa ferramenta é usada. Se muitas vezes as conclusões são indesmentíveis e bem ponderadas, outras vezes são duvidosas, precipitadas e até suspeitas. E o pior é que as conclusões legítimas e acertadas conferem, por simpatia, credibilidade às conclusões incorrectas ou falsas.

Depois, pelo nivelamento ou equivalência que o fact-checking frequentemente estabelece entre mentiras afrontosas, mentiras descaradas, mentiras “honestas”, mentiras involuntárias e simples inexactidões mais ou menos desculpáveis. Tudo, nesta hierarquia, leva o rótulo lacónico e igualitário de “falso”, desde as difamações odiosas perpetradas conscientemente por patifes calejados e impenitentes até às declarações apressadas do político, blogueiro ou facebookista que, por ignorância ou descuido, se engana numa data, percentagem ou outro pormenor mais ou menos inócuo. Escusado será dizer que tal nivelamento, longe de ser inocente, é muitas vezes propositado.

Por fim, mas não em último lugar, os órgãos de comunicação social que praticam o fact-checking, esquecem-se sistematicamente de o aplicar às mentiras, inexactidões e faltas de imparcialidade que eles próprios cometem ou divulgam diariamente nos seus noticiários, programas de informação, colunas de opinião, etc. Não raro, fica-se com a impressão que o fact-checking é, para essas televisões e jornais, apenas um habilidoso processo de promoção da sua imagem, que lhes permite ufanarem-se de um rigor e de uma isenção que não têm e até habitualmente ofendem – uma mera arma de propaganda e auto-legitimação.

Omiti propositadamente nesta rápida análise o elemento manipulatório resultante do facto de os órgãos de comunicação social que praticam o fact-checking, desde a SIC até ao Observador, serem consabidamente enviesados politicamente. Mas isso é pano para outras mangas.

$onhos $elvagens

Quando Mariana Mortágua for ministra das Finanças – sonho que o Xico Louçã teve em maio deste ano – vai certamente pôr em prática as suas ideias sobre a renegociação da dívida, o controlo dos bancos pelo Estado, a reversão das privatizações e outras miudezas, como por exemplo meter o sistema financeiro internacional nos eixos.

Ora aqui está uma boa razão para nos irmos precavendo e procurarmos saber o que diz o livrinho que Mariana traz agora a público, certamente como sugestão de presente de Natal, para oferecermos aos amigos que mais detestarmos. O título do livro é: “No Sonho $elvagem do Alquimista” (o cifrão está lá, não é meu). Parece estúpido, e é.

Mariana odeia banco$, por isso ela e o Bloco querem “metê-los na ordem”. Querem controlar o sistema bancário, tal como querem renacionalizar as principais empre$as portuguesas, a começar pela EDP,  GALP, ANA e CTT, que também odeiam. Prevê-se, contudo, que Mariana deixará de odiar empresas e bancos quando estiverem todos sob a sua alçada como ministra das Finanças. O título desse filme de terror será, sem dúvida, “No sonho $elvagem do Louçã”.

“Levar a banca à glória” é uma velha expressão de jogos de mesa que retrata bem o que a Mariana, o Xico e o Bloco pretendem: apoderar-se do dinheiro da banca, que é “do povo”, para o utilizar na realização do programa lunático do seu partido. Por exemplo, para renacionalizar as tais “empresas estratégicas”, que eles querem recomprar aos accionistas.

Para quem já cá andava em 1975, tudo isto soa a farsa trágica. Mas a Mariana só nasceu em 1986 – sob o cavaquismo, coitada.

Bloco, PCP e direita unidos em nova geringonça

Na pré-campanha eleitoral que já aí se perfila, a direita está deliciada com a colaboração inestimável que BE e PCP estão dispostos a prestar-lhe. Estes dois partidos têm revelado todos os dias que só estão interessados em agitar o espantalho da maioria absoluta do PS, algo que uma dementada Catrina ainda ontem descreveu como a a incerteza absoluta do povo (sic) e um perigo para a vida dos trabalhadores (re-sic).

Votar contra a maioria absoluta do PS – na prática, votar contra o PS – será o slogan comum dessa fantástica frente eleitoral formada pelo BE, PCP, PSD, Chega, IL e CDS. Depois de juntos terem chumbado o orçamento de 2022 e precipitado a anunciada dissolução do parlamento, aqui os temos de novo de braço dado na campanha eleitoral, sob uma única e mesma bandeira: impedir o absolutismo ou “tirania” socialista, como há dias escreveu um destrambelhado qualquer no Público.

A direita sabe muitíssimo bem que só pode voltar ao poder em 2022 com um PS fraco e uma esquerda dividida. Ora é precisamente no enfraquecimento do PS e na divisão da esquerda que o PCP e o BE estão a apostar todo o seu argumentário. É esse o programa da nova geringonça, que vai do Bloco ao Chega, passando pelo PCP e o PSD. Pode só durar até às próximas eleições, mas espero que semelhante farsa fique para sempre gravada na memória da gente de esquerda de Portugal. Votar no Bloco ou no PCP é investir no regresso da direita ao poder. São hoje os mesmos que há dez anos, quando, movidos pelo ódio a Sócrates e ao PS, estenderam a passadeira vermelha com fanfarra ao governo do Passos Coelho e às políticas de assalto que foram “mais longe do que a troika”. A traição virou ponto programático fixo para PCP e BE.

Uma despedida para esquecer

Sousa Tavares despediu-se ontem da sua carreira de jornalista, num salão dourado de Belém, com uma entrevista que desejava que ficasse para a história. Apenas conseguiu mostrar que, como jornalista, já estava fora do prazo de validade e que, como cidadão, se tornou sensível ao canto de sereia do nacional-populismo. Nos dez minutos finais, por duas vezes desafiou Marcelo a valer-se  do consenso nacional que gerou à sua volta para agir como uma espécie de salvador da pátria, pondo fim ao “país eternamente adiado” — uma citação de Eanes velha de mais de 30 anos. Como explicar este desafio, que parecia verbalizar as secretas esperanças da direita radical, eternamente descontente com o regime democrático que temos? Sebastianismo senil? Salazarismo serôdio? Uma despedida para esquecer, pois ainda me lembro do outro Miguel de Sousa Tavares.

Justiça zarolha

“Nada fazia prever que havia perigo de fuga”, diz uma juíza atoleimada acerca do agora fugitivo Rendeiro. Trata-se de um malfeitor financeiro que foi condenado em três processos a 18 anos de prisão efectiva e que, graças às piruetas de advogados da Mafia e aos alçapões da justiça portuguesa, se encontrava simplesmente em liberdade com termo de identidade e residência. A juíza até deixou o sentenciado ir a Londres “tratar da saúde”, mas o gajo apanhou logo um jato privado para fora da Europa, um destino programado há meses, segundo sabem os jornais, mas a juíza ainda hoje decerto ignora.

Nem o facto de Rendeiro, condenado por crimes económicos, se pretender arvorar em perseguido político abriu os olhinhos da juíza. Ela não é o tal cego que não quer ver, é o que vê, mas diz que não vê.

A comparação é inevitável com outras situações, sobretudo a de um cidadão não condenado nem sequer acusado, como José Sócrates, que foi mantido um ano em prisão preventiva devido ao tal “perigo de fuga” que, no caso do já condenado Rendeiro, a justiça zarolha dos dois olhos não conseguiu enxergar. A diferença é que Rendeiro apanhou o primeiro avião para se pôr na alheta, enquanto que o tal cidadão, que estava em França, apanhou o primeiro avião para se vir colocar nas mãos da justiça.

Rendeiro seria um sério candidato à Ordem do Mérito Financeiro, que só não foi ainda instituída em Portugal porque vivemos tiranizados pela esquerda há bué da tempo — 20 dos últimos 26 anos, segundo se queixa hoje amargamente o conselheiro Acácio Tavarrres no Público.

Mas já temos aí a Ordem da Liberdade, muito apropriada para quem continua livre apesar de condenado. Caso haja dúvidas, sempre se pode criar a Ordem da Liberdade sem Perigo de Fuga. Deixo a sugestão ao grão-mestre das ordens honoríficas.

Este nunca me enganou

Fernando Nobre, o médico da AMI que foi candidato a PR e deputado pelo PSD durante umas semanas, participou há dias no comício dos trogloditas negacionistas junto à AR. O fulano discursou na escadaria e, entre outras coisas, afirmou que os testes PCR do covid-19 dão falsos positivos em 93-97% dos casos e que a infecção com covid “trata-se com hidroxicloroquina”, a famosa receita dos doutores Trump e Bolsonaro, apesar de a eficácia do fármaco ser contestada em todo o mundo. Nobre opõe-se também à vacinação da população jovem em Portugal e ao uso de máscaras em espaços públicos.

Perante tal atestado de incompetência (passado a si próprio), é lícito perguntar se este médico, por acaso, já curou alguém.

Imoralidade e ilegalidade

O MP não teve outra solução senão pedir a absolvição do ex-ministro Azeredo Lopes no caso de Tancos, depois de ter, durante anos, manchado a sua reputação com acusações sem provas, plasmadas com máxima violência no despacho de pronúncia do gajo do costume, que o Valupi já aqui transcreveu.

O procurador Ferrão, impotente para provar qualquer ilegalidade do ex-ministro, não se calou simplesmente, eventualmente reconhecendo o seu erro e até lamentando ter xingado o ex-ministro da Defesa. Não senhor. Lançou, sim, mais uma suspeita sobre Azeredo Lopes, desta vez em nome da ética. Segundo fez saber, “perante o que foi demonstrado em julgamento podia, no limite, haver violação de deveres éticos e deontológicos e não criminais”, noticiou o Observador. Não é atenuante a forma condicional usada: “podia, no limite”. É sempre uma suspeita lançada a alguém, ainda por cima partilhada com a comunicação social.

O acaciano comentadeiro laranjinha, Marques Mendes, veio há dias à SIC exibir, fingindo isenção, uma falsa indignação pelo mal feito a Azeredo Lopes pela acusação sem provas – falta em que ele próprio, M.M., confessadamente também incorreu –, mas não se coibiu de condenar o ex-ministro por motivos ditos éticos, desta vez sem recurso ao condicional. Uma coisa, segundo disse, é não haver provas (ou “faltarem provas”, mais sacana) para condenar uma pessoa por um crime, outra coisa é essa pessoa ter cometido actos eticamente reprováveis. No caso em apreço, o comentadeiro M.M. deu como provados os actos eticamente reprováveis do ex-ministro, mas não explicou porquê.

Na argumentação de M.M., além das manhas e patranhas habituais, há dois atentados à verdade e à justiça. Primeiro, se não há provas para condenar alguém, não se pode insinuar que, nesse caso, há crime, mas que não se conseguiu provar. Se determinado crime de certa pessoa não for provado, esse crime não existe. Segundo, se a justiça é obrigada a provar as ilegalidades cometidas pelo acusado, quem pronuncia acusações de imoralidade ou falta de ética também não está isento da obrigação de apresentar provas do que diz. A acusação de imoralidade, tal como a acusação de ilegalidade, tem de ser provada com matéria de facto. A imoralidade não é uma ilegalidade que a justiça não conseguiu provar. “Imoralidade” não é um conceito vago ou ideológico de que qualquer um se pode apropriar ou usar a seu bel-prazer, sem mais deveres ou explicações. Como se diz em português, a moral não é da Joana.

No caso em apreço, foi considerado “imoral” o facto de Azeredo Lopes não ter evidenciado em todos os seus actos e omissões uma total diligência e uma absoluta conformidade com a estratégia imposta pela procuradora-geral Joana Vidal, a qual tinha resolvido – por razões que só ela, se quisesse, poderia um dia revelar – pôr duas polícias judiciárias, a civil e a militar, em guerra uma contra a outra. A Joana e o seu MP definiram, pois, conceitos particulares de moralidade e imoralidade em função da conformidade ou não conformidade à dita estratégia de guerra entre a PJ e a PJM – estratégia que só pode ser qualificada, à luz de uma moral mais universal, como altamente contestável, controversa e até suspeita.

“Imoral” terá sido, pois, segundo o MP e o comentadeiro residente da SIC, o ministro da Defesa Azeredo Lopes não se ter submetido 24 horas por dia à estratégia da Joana, não ter curvado a cerviz à sua ética particular, não ter acorrido prestimosamente em seu auxílio, não ter tentado adivinhar-lhe os desejos mais íntimos, em suma, não lhe ter servido de criado, agente e, possivelmente, chibo.

“Caguei”

Foi esta a resposta que Bolsonaro disse ontem ter dado a uma carta que a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, do Senado, lhe tinha endereçado há 12 dias, perguntando-lhe se confirmava a denúncia de irregularidades na negociação do contrato de compra de 20 milhões de vacinas Covaxin. A denúncia de corrupção tinha sido feita pessoalmente a Bolsonaro, há meses, por um deputado federal seu apoiante, que só em fins de junho a revelou publicamente. A compra das vacinas acha-se actualmente suspensa.

“Sabe qual a minha resposta, pessoal? Caguei!” – disse o meliante presidente numa sessão em directo para a TV.

Além de “cagar” para a pergunta, o salafrário presidente ainda insultou o presidente, o vice-presidente e o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, tratando os três senadores de “patifes” e, um a um, de “hipócrita”, “analfabeto” e “imbecil”, respectivamente.

Diz-se que Bolsonaro já tem slogan para a campanha de 2022: “Caguei”.

Espera-se que o eleitorado lhe retribua.

 

Ana Gomes e José Sócrates

Em declarações hoje ao jornal da Sonae, Ana Gomes diz, comentando as declarações de Fernando Medina anteontem na televisão:

Só tenho pena que não haja mais vozes do PS, eleitos do PS, a dizer aquilo, em particular os seus responsáveis máximos. E a tirar consequências políticas daquilo que se sabe, independentemente do que a Justiça venha a apurar. Não se pode deixar de tirar consequência políticas, sabendo que um primeiro-ministro do PS “mercadejou” o cargo, que se aproveitou do cargo para tirar vantagens pessoais. […] Aquela linha do “À Justiça o que é da Justiça, à política o que é da política”, que tem sido utilizado por António Costa, não é mais aceitável, sobretudo a partir do momento que já não é só o Ministério Público, é também o juiz de instrução, que vem dizer que aquele indivíduo foi corrupto.

Antes de mais, Ana Gomes mente. O juiz de instrução Ivo Rosa não declarou que Sócrates “foi corrupto”, nem podia ter dito tal coisa, porque foi apenas chamado a decidir as matérias sobre as quais Sócrates deveria ser levado a julgamento.

Ana Gomes recusa distinguir acusações de factos provados em tribunal. Pior, ela sustenta que sobre Sócrates há algo que “se sabe, independentemente do que a Justiça venha a apurar” (sic). Ela já se tinha comportado assim em outras fases do processo, atentando desinibidamente contra a presunção de inocência do inquirido, do arguido, do acusado e agora do pronunciado. Ana Gomes não se atrapalha com as garantias do Estado de Direito, niquices inventadas para chatear nobres jornalistas e honestos políticos.

Que Ana Gomes emporcalhe a sua conduta com os mesmos tiques “justiceiros” do jornalismo tabloide, da extrema-direita populista ou do seu velho MRPP, é lá com ela. Fernando Medina fez algo de parcialmente semelhante, colando-se oportunisticamente às sentenças condenatórias de Sócrates emitidas na praça pública. A diferença, porém, é que Medina, por razões obviamente eleitoralistas, fê-lo a título pessoal, sem se atrever a fazer recomendações ou exigências sobre o que deveria ser a “linha” do seu partido ou do governo a tal respeito.

Ao contrário de Medina, Ana Gomes exige expressamente que o primeiro-ministro e líder do PS deixe de respeitar e defender a delimitação do que pertence à justiça e do que pertence à política. Ana Gomes acha mesmo “inaceitável” que António Costa continue a recusar a intromissão da política nos meandros da justiça e vice-versa. A fulana deseja, visivelmente, que o primeiro-ministro e dirigente do seu partido se acanalhe como ela, dando como provadas acusações não julgadas e alinhando com julgamentos na praça pública.

Curiosamente, José Sócrates, numa atitude simétrica da de Ana Gomes, tem vindo a vituperar o seu partido por não o ter defendido, ou seja, por não se ter intrometido no seu processo judicial. Denotando também uma surpreendente falta de senso político, o ex-governante socialista recusa ver a armadilha que tal intromissão representaria para António Costa, o seu partido e o seu governo. Uma armadilha em que a direita e toda a comunicação social adoraria ver Costa meter ambos os pés, para do mega-processo a Sócrates poderem fazer finalmente o ansiado giga-processo ao PS, ao governo, a Costa e, no fundo, à esquerda. Foi também para esse fim – e Sócrates deveria sabê-lo melhor do que ninguém – que em 2014 foi fabricada a Operação Marquês.

Entre Ana Gomes e José Sócrates, espero que António Costa persista intransigentemente na defesa do Estado de Direito.

O fim de um monstro

Faz hoje exactamente 200 anos que a Inquisição foi abolida por uma lei aprovada por unanimidade no primeiro parlamento do liberalismo (31 de março de 1821). O Santo Ofício da Inquisição, que durou quase três séculos, foi a maior fábrica de opressão, fanatismo, intolerância, tortura, morte, perseguição, roubo, confisco, delação, preconceito, conformismo, submissão, atraso, ignorância e compressão do pensamento da história de Portugal.

A Inquisição foi também um tribunal corrupto, que inventou os processos arbitrários, esmagando os direitos dos réus. Alguns desses processos deixaram saudades em certos juízes que ainda por aí vegetam.

Na Assembleia da República, Ferro Rodrigues lembrou esta manhã a data histórica. No Público de hoje, Esther Mucznik assinalou a data. A TSF também evocou a data, entrevistando o historiador da Inquisição José Pedro Paiva (vale a pena ouvir).

Estou curioso do que vão dizer, ou calar, os nossos “liberais” de hoje, muitos deles apenas reaccionários disfarçados, como a Bonifácia e os seus colegas.

Portugal recordista

Quando há três semanas, a 6 de março, o democrata amordaçado de Boliqueime acusou Portugal da “vergonha” de ser “recordista” da pandemia, já o país saíra há muito do pico da segunda quinzena de janeiro. O patifório pensa au ralenti. Mas agora que Portugal já é há três semanas o país europeu com menos casos novos de Covid-19 por habitante, será que vai retirar o que disse ou elogiar o SNS?

Uma ova! Soube-lhe tão bem o pico da pandemia em janeiro! Filas de ambulâncias à porta dos hospitais, oh maravilhosa visão orgástica! Era a prova de que o gajo desesperadamente precisava para enxovalhar a maldita geringonça, que tinha dado cabo do SNS com “decisões erradas”.

Estava-lhe atravessado desde 2016 o êxito do governo. A última estocada foi o excedente orçamental em 2019 – verdadeira vergonha para um gajo que governou 10 anos com uma conjuntura ultra favorável e nunca conseguiu equilibrar as contas. No passado dia 6 de março só lhe faltou dizer (mas insinuou!) que o surto pandémico de janeiro foi o preço que Portugal pagou pelo excedente orçamental.

Agora a prova do “recordista” foi pelo cano abaixo. E até o tremendo défice de 2020 saiu curto, oh miséria de um corno! Resta ao democrata amordaçado esperar pela estação dos incêndios, alguma inundaçãozeca ou quiçá um terramoto, para sair novamente da cova e voltar a botar asneira.

Amor secreto secretamente correspondido

Toda a gente conhece “Take Five” do quarteto de Dave Brubeck. O homem do saxofone, Paul Desmond, foi o autor dessa faixa do álbum Time Out, de 1959, que muitos garantem ser o disco de jazz mais vendido de todos os tempos.

Anos antes, no verão de 1954, o quarteto de Brubeck tocava no club de jazz Basin Street, em Manhattan. Todas as noites, a certa hora, Desmond olhava o relógio e pedia um intervalo. Saía e corria três quarteirões até à porta do teatro onde se representava uma peça com Audrey Hepburn. O saxofonista ficava ali a fumar o seu cigarro até a estrela sair e entrar numa limusine. Contentava-se com aqueles segundos em que a via de perto, mas nunca ousaria dirigir-lhe a palavra. Nesse ano, em que a actriz ganhou um Oscar, Desmond compôs uma música dedicada à sua secreta paixão, pouco secretamente intitulada “Audrey”, incluída no álbum Brubeck Time.

O vício de fumar matou o divorciado Desmond aos 53 anos, em 1977, sem nunca ter falado a Audrey Hepburn e ignorando se ela alguma vez ouvira a sua música.

Quando a actriz morreu, em 1993, um ex-marido pediu a Brubeck que o seu quarteto tocasse “Audrey” numa cerimónia realizada na sede da ONU em homenagem à actriz, que fora embaixadora da boa vontade da UNICEF. Brubeck sabia da antiga paixão de Desmond por Audrey, mas admirou-se com o pedido, pois não fazia ideia que o casal conhecia a composição. O ex-marido explicou-lhe que todas as noites antes de se deitar Audrey ouvia aquela música e que também costumava ouvi-la com auscultadores quando passeava no jardim. Chamava-lhe “my song”.

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Esta história foi revelada por Doug Ramsay em Take Five: The Public and Private Lives de Paul Desmond (2005),  contada pelo mesmo aqui (2015) e posta em banda desenhada por Paul Rogers na revista The New Yorker de 8 de fevereiro de 2021.

A vacina russa

Recomendo dois artigos sobre a vacina Sputnik V (o V é de vacina), que os russos anunciaram em meados de 2020, antecipando-se às grandes empresas farmacêuticas ocidentais. O cepticismo, quase escárnio, com que essa notícia foi então recebida nos presunçosos media ocidentais, está agora a ser substituído por um acolhimento mais favorável, mais humilde e mais racional.

O primeiro texto é uma coluna de Luís Delgado na Visão, quase telegráfica, mas cheia de fé na vacina russa: “A Sputnik V é que nos vai safar”. Apenas recomendo essa opinião ou fezada porque é raríssimo os jornalistas portugueses, amestrados para desconfiarem da Rússia e da China, falarem sobre a Sputnik excepto para alimentar as maiores dúvidas. Os correspondentes em Moscovo dos media portugueses (actualmente creio que só há um) não vão, em geral, muito além de falar mal do czar, que é o que se espera deles.

O segundo artigo é um texto muito informativo, diria mesmo suculento, do correspondente em Moscovo da revista The New Yorker, o jornalista americano Joshua Yaffa, O artigo intitula-se “Five-Month Plan” (brincadeira com os planos quinquenais soviéticos) e saiu na New Yorker de 8 de fevereiro. Relata a história, para nós basicamente desconhecida, do épico desenvolvimento da vacina russa em cinco meses. Para esse fim entrevistou cientistas, investidores e gestores e visitou os institutos e laboratórios envolvidos na preparação e testagem da vacina. Yaffa tem um excelente conhecimento da Rússia de hoje e do putinismo, sobre o qual publicou um livro em 2020, Between Two Fires. Um interesse suplementar do artigo é que o jornalista, que não tem qualquer simpatia por Putin, levou a sua  ausência de preconceitos ao ponto de se fazer vacinar com a Sputnik. O médico que o vacinou, sabendo de quem se tratava, ficou tão surpreendido que lhe deu os parabéns e um diploma.

Porque não há locutores ou apresentadores negros na TV portuguesa?

Muito mais do que mil manifs de rua ou inflamados discursos “anti-racistas”, vale a análise séria dos fenómenos do preconceito racial e, sobretudo, das práticas quotidianas de discriminação racial em Portugal, pondo com rigor o dedo na ferida e apresentando, com serenidade e inteligência, propostas de reformas viáveis e realistas. O racismo propriamente dito também existe em Portugal, mas, para combater as suas principais expressões, que são principalmente casos de polícia, temos a lei penal e a Constituição.

Um dos casos mais patentes de preconceito e discriminação racial é, em Portugal como numa nação tão multirracial como o Brasil, a invisibilidade dos afro-descendentes na comunicação audio-visual, muito especialmente na informação, programas de debate e talk-shows. Ora a televisão é (ou podia ser) um dos meios mais eficientes, se não o mais eficiente, do combate ao preconceito e à discriminação racial.

Ao contrário de um país dito “racista” como os EUA, os canais de televisão portugueses (e brasileiros), públicos ou privados, não têm locutores de notícias, comentadores, entrevistadores ou pivôs de talk-shows negros, nem sequer apresentadores de programas de entretenimento, desporto ou meteorologia, salvo raríssimas excepções. A RTP 2, que quase ninguém vê, apresenta de longe em longe filmes de realizadores africanos e acha cumprida a sua missão. Se quisermos ver negros que não sejam atletas, futebolistas ou músicos nos canais de televisão de grande público, a solução é ver a CNN, o 60 Minutes da CBS, filmes americanos, séries americanas, inglesas, francesas ou escandinavas, telejornais franceses ou até alemães. Até a NHK japonesa e a CGTN chinesa têm apresentadores negros.

A RTP África, onde predominam os profissionais portugueses brancos, é um curiosíssimo canal onde alguns jornalistas afro-descendentes também podem fazer trabalhos destinados… aos africanos dos PALOPs (ia quase a dizer: aos povos das colónias). Na RTP 1, 2 e 3, que eu saiba, não há jornalistas negros a fazer programas para portugueses (brancos ou negros) e sobre a realidade portuguesa (negra ou branca). Como se esses jornalistas — se é que os há por lá — não fossem também portugueses e não tivessem legitimidade para trabalhar e falar sobre a sociedade, a política ou a cultura portuguesa. O preconceito consciente ou inconsciente está aqui presente em toda a sua força.

A situação em Portugal nas últimas décadas melhorou quase exclusivamente em alguns programas de entretenimento, com a participação de actores e outros profissionais afro-descendentes. Até no tempo do Estado Novo havia um locutor de notícias da RTP que era negro. Dir-se-á que era propaganda conveniente no tempo da guerra colonial, mas depois do 25 de Abril os locutores negros simplesmente desapareceram da televisão. Interessante efeito da descolonização!

Tudo isto e muito mais é exposto numa tese de mestrado apresentada há dez meses no ISCTE por Helena Patrícia Vicente, “Presença e percepções dos profissionais negros nos programas de informação e entretenimento na televisão portuguesa”, baseada numa investigação que abrange o período 1992-2017 e que se pode ler aqui. Faz o diagnóstico e apresenta propostas e estratégias para uma mudança. Não me lembro, na minha inocência, de a autora ter sido entrevistada por nenhum canal da televisão portuguesa sobre o tema da sua tese…

Portugal a liderar no número de testes ao covid-19

Portugal lidera, a nível mundial, no número de testes ao covid-19 realizados por milhão de habitantes. 

Exceptuam-se os micro-estados como San Marino, Luxemburgo, Malta, Islândia, etc., etc.

Ver lista mais completa aqui, onde só a Estónia (1,3 milhões de habitantes), aparece um pouco à nossa frente.

Sobre isto não tenho visto nem ouvido nenhum comentário nos nossos merdia. De facto, isto não serve para por na primeira página do Expresso ou do Público, pois não?