O MP não teve outra solução senão pedir a absolvição do ex-ministro Azeredo Lopes no caso de Tancos, depois de ter, durante anos, manchado a sua reputação com acusações sem provas, plasmadas com máxima violência no despacho de pronúncia do gajo do costume, que o Valupi já aqui transcreveu.
O procurador Ferrão, impotente para provar qualquer ilegalidade do ex-ministro, não se calou simplesmente, eventualmente reconhecendo o seu erro e até lamentando ter xingado o ex-ministro da Defesa. Não senhor. Lançou, sim, mais uma suspeita sobre Azeredo Lopes, desta vez em nome da ética. Segundo fez saber, “perante o que foi demonstrado em julgamento podia, no limite, haver violação de deveres éticos e deontológicos e não criminais”, noticiou o Observador. Não é atenuante a forma condicional usada: “podia, no limite”. É sempre uma suspeita lançada a alguém, ainda por cima partilhada com a comunicação social.
O acaciano comentadeiro laranjinha, Marques Mendes, veio há dias à SIC exibir, fingindo isenção, uma falsa indignação pelo mal feito a Azeredo Lopes pela acusação sem provas – falta em que ele próprio, M.M., confessadamente também incorreu –, mas não se coibiu de condenar o ex-ministro por motivos ditos éticos, desta vez sem recurso ao condicional. Uma coisa, segundo disse, é não haver provas (ou “faltarem provas”, mais sacana) para condenar uma pessoa por um crime, outra coisa é essa pessoa ter cometido actos eticamente reprováveis. No caso em apreço, o comentadeiro M.M. deu como provados os actos eticamente reprováveis do ex-ministro, mas não explicou porquê.
Na argumentação de M.M., além das manhas e patranhas habituais, há dois atentados à verdade e à justiça. Primeiro, se não há provas para condenar alguém, não se pode insinuar que, nesse caso, há crime, mas que não se conseguiu provar. Se determinado crime de certa pessoa não for provado, esse crime não existe. Segundo, se a justiça é obrigada a provar as ilegalidades cometidas pelo acusado, quem pronuncia acusações de imoralidade ou falta de ética também não está isento da obrigação de apresentar provas do que diz. A acusação de imoralidade, tal como a acusação de ilegalidade, tem de ser provada com matéria de facto. A imoralidade não é uma ilegalidade que a justiça não conseguiu provar. “Imoralidade” não é um conceito vago ou ideológico de que qualquer um se pode apropriar ou usar a seu bel-prazer, sem mais deveres ou explicações. Como se diz em português, a moral não é da Joana.
No caso em apreço, foi considerado “imoral” o facto de Azeredo Lopes não ter evidenciado em todos os seus actos e omissões uma total diligência e uma absoluta conformidade com a estratégia imposta pela procuradora-geral Joana Vidal, a qual tinha resolvido – por razões que só ela, se quisesse, poderia um dia revelar – pôr duas polícias judiciárias, a civil e a militar, em guerra uma contra a outra. A Joana e o seu MP definiram, pois, conceitos particulares de moralidade e imoralidade em função da conformidade ou não conformidade à dita estratégia de guerra entre a PJ e a PJM – estratégia que só pode ser qualificada, à luz de uma moral mais universal, como altamente contestável, controversa e até suspeita.
“Imoral” terá sido, pois, segundo o MP e o comentadeiro residente da SIC, o ministro da Defesa Azeredo Lopes não se ter submetido 24 horas por dia à estratégia da Joana, não ter curvado a cerviz à sua ética particular, não ter acorrido prestimosamente em seu auxílio, não ter tentado adivinhar-lhe os desejos mais íntimos, em suma, não lhe ter servido de criado, agente e, possivelmente, chibo.