Importa é se és optimista ou pessimista. Porque ninguém sabe o que é ser de esquerda ou direita. Nem os políticos profissionais, nem os opinadores amadores – nem Marx, cuja ciência da História era tão jeitosa que lhe passou ao lado a vitória do sector terciário, o desenvolvimento tecnológico que iria fortalecer a democracia e ainda as transformações culturais que tornaram irrelevantes as suas noções materialistas de trabalho e riqueza. Claro que não falta quem tenha os bolsos cheios de explicações para te dar, e que fique irritado com a conversa. Se puxares por eles, repetem vacuidades ou disparam argumentos de autoridade: celebridades, títulos de livros, trechos, frases, eventos. Quão mais irritados, maior a certeza de que apenas tentam salvar a sua religião horizontal ou a sua tribo colorida.
Os pessimistas são imbecis. Todos os pessimistas são imbecis. Porque todos desistem de resolver os problemas. Mais cedo do que mais tarde, desistem. Alguns desistem antes de começar. O que é lógico, pois o pessimismo acredita ser inútil qualquer esforço de construção, resolução, melhoria. Para quê o esforço, se a vida é este vale de lágrimas onde apenas a morte liberta? A luciferina crença leva ao paradoxo: o do pessimista que continua a querer viver. Vive, mas apenas para atacar o optimismo. Perseguir e tentar converter optimistas passa a ser o único sentido para a vil existência dos pessimistas. Reduzem a sua atenção ao mínimo – seja o que for que falhe ou demore à sua volta – e dão a esse mínimo o máximo de importância. O pessimista não admite erros, porque atrofiou a inteligência a tal ponto que não consegue aceitar que é errando, e na errância, que se aprende. Quando detecta um erro, regozija-se e celebra, reconforta-se. E se não apanhar algum, angustia-se, suspeita de tenebrosas maquinações para o enganar. Ele pode não estar a dar por ela, mas as coisas vão de mal a pior, isso é certinho. Portanto, o pessimista, para além de grande imbecil, é também um cínico hiperactivo.
Os optimistas são geniais. E humildes. Claro, ser humilde e genial é ainda mais genial. O optimista só sabe que nada sabe, eis a sua humildade. Desconhecendo o poder que tem e o que poderá alcançar, nunca desiste de procurar o bem. O bem pode até não passar da diminuição do mal em causa, mas chega para realizar o optimismo – porque o ser é sempre preferível ao nada. O optimismo gosta dos que tentam, dos que arriscam, dos corajosos. Acreditar que somos parte do mistério, portanto que o mistério é parte de nós, eis a genialidade que alegra o optimista.
Dois pessimistas de esquerda, ou direita, nunca se irão unir, sequer entender. Não podem, pois não confiam um no outro. Sabem de ginjeira que tão-só o fracasso se deve esperar da natureza humana, patético erro cósmico. Longe desse inferno, dois optimistas, um de direita e outro de esquerda, reconhecem-se à légua, nasceram na mesma família. Seja qual for a divergência, descobrem como a conciliar, ou descobrem como a ultrapassar; ou descobrem como a proteger e alimentar, colhendo os frutos. São ingénuos, mas no sentido em que a ingenuidade é uma qualidade dos criadores e dos que são livres. Um espaço de pureza, uma simplicidade potente. Querer ser ingénuo é o antídoto mais poderoso contra o cinismo.