Todos os artigos de susana

Conclusões de fim-de-semana

A minha sobrinha é a princesa mais linda de todas as princesas juntas e partilha com as tias um gosto exemplar por sapatos vermelhos.
Sou a pessoa mais cerebral entre todas as conhecidas de alguém que me conhece. Só não sei muito bem o que isso significa.
Em cada esquina, heterónimos.
O fervor empregue por todas as mulheres concentradas numa pista de dança na execução vocal de I will survive, na versão original ou na dos Cake, sugere um soltar da franga pontuado por gritos do Ipiranga que só pode ter significado sociológico.
Nas estações de serviço vendem pão fresco, cedo, pelas 7 horas. Guardado no peito, dentro do casaco, chega a casa quente. Com lâminas de manteiga gelada é o acepipe perfeito para uma ceia matinal.
Não cai mal dar as boas noites à portageira numa gloriosa manhã de domingo. Nem mesmo numa manhã tão manhã como a de ontem.

joaninha voadora

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Uma rotina que já faz parte dos ciclos aspirínicos é convidarmos a Ana para nossa colaboradora, convite que ela tem sempre tido a elegância de não declinar. Mas é com alegria que o presente anúncio ainda não é o do novo reforço contra o excesso de testosterona no blog. Trago, praticamente em primeira mão, a novidade: a partir de dia 24 vão poder adquirir um novo exemplar de literatura para a infância escrito em bom português. Da Ana Cristina Leonardo.

um deus para todo o serviço

Há dias recebi um telefonema. O Isaías é empreteiro e imigrante em Portugal. Fez umas pequenas obras em minha casa há uns anos e criou-se uma relação especial. Ele aceitava a minha sopinha e conversávamos sobre a vida, a religião, a ética e as pessoas. Quando lhe paguei disse-me que era o primeiro dinheiro do qual poderia dispor, mandando uma parcela para a sua mãe, e que iria poder declarar, facilitando a sua legalização laboral. No Natal seguinte enviei-lhe uma mensagem de conforto e encorajamento e ligou-me para dizer que tinha sido a única recebida dentre os portugueses que conhecia. Entre a gratidão e o reconhecimento de estar diante duma pessoa boa e correcta, ficámos a gostar um do outro. Ao longo dos anos tivemos contactos esporádicos e dentro do mesmo registo.
Quando atendi o telefone pensei que me ligava por motivos de trabalho. Não era. Quis falar comigo porque era dia 8 de Março, o dia internacional da mulher, e se tinha lembrado de mim. Queria dizer-me que me admirava, como mulher, mãe e pessoa. E ainda informar-me que Deus tem um plano para mim. Tivesse eu fé, pois o perdão não tem que ser uma amnésia e o caminho está em aberto. Sensibilizou-me e enterneceu-me. Fiquei-lhe, eu, grata.
Sou daquelas pessoas que se lembram de Deus para lhe agradecer a sorte, sempre que ela parece desmedida em relação ao merecimento. Também lhe peço atenção perante um grande temor relativo àqueles que amo. Mas, de modo geral, não acredito nele. No entanto, no fim-de-semana passado, um amigo que trabalha por conta própria contou que a rapariga das limpezas lhe faz rezas no escritório. Aparece, então, mais trabalho e os clientes em dívida começam a pagar em massa. Outra pessoa tem-me contado que nas vindas a minha casa, onde é difícil estacionar, sempre que se lembra de pedir a deus arranja lugar.
Compreendo o deus que une uma comunidade em torno de um ritual, mesmo que apenas se amem uns aos outros nessa duração. Compreendo o deus que se alberga num lugar de culto e de quem sinto uma presença empática se ali procuro recolhimento. Mas tenho uma enorme dificuldade em compreender este deus cobrador de fraque ou aqueloutro deus nosso senhor arrumador.

no país dos brinquedos

A minha irmã estava a instalar o filho de três anos na cadeirinha do carro.

Temos que pôr o cinto, se não o senhor polícia pode aparecer e ficar zangado…

Ó mãe o marido da B. é polícia, não é?

Sim, o marido da B. é polícia.

Ó mãe eu quero ir a casa da B.! Podemos ir a casa dela ver o senhor polícia? O marido da B. é o Sr. Lei, não é mãe?

Sim, pois, o Sr. Lei…

Ó mãe e em casa da B. também há Sonso e Mafarrico?

além mar

A fama do Aspirina B no mundo da indústria farmacêutica continua a aumentar. A atestá-la, a quantidade de correspondência com publicidade a medicamentos que as nossas caixas de comentários recebem todos os dias.

idiossincrasias hereditárias

Um arroto mínimo recordou-me a ocorrência. Um discreto e elegante arroto, não se pense numa coisa sonora de boca escancarada à amigo do Homer Simpson, que eu sou uma senhora. Todos tinham acabado de almoçar quando cheguei. O meu pai depositou-me um copo de vinho na mão, tinha que provar aquele, um bordeaux de Graves de 97. Depois publicitou o empadão, uma delícia, que a minha mãe tinha improvisado a partir de uns restos de carnes várias, caída toda a família lá em casa.
Fui aquecer o prato no micro-ondas. Ao abrir a porta encontrei uma taça de cenouras baby salteadas em azeite e alho, das quais acabei por ser a única a disfrutar. Estou certa de isto me trazer a razão de, na manhã do mesmo dia, ao abrir o micro-ondas de minha casa para aquecer o café com leite, ter encontrado a caneca da beberagem matinal da véspera. A genética explica quase tudo, mas a minha mãe não arrota. Talvez por ser muito mais senhora do que eu.

querias um post?

Escrevo o que quero e quando quero: é para isso que me serve um blog.
O post que publiquei ontem acumulava diferentes intenções, falhando redondamente no seu propósito. Havia a oportunidade de assinalar a derrota do Sporting, mas essa era a camada superficial. Na primeira versão tinha uma diferença que eu esperei fosse assinalada por alguém, o dedo acusatório. Rebuscado, sim, numa estratégia sofisticada de atirar o barro à parede. Esperava poder tergiversar a partir daí, mas tal não aconteceu. Razão de ser do presente.
Quando vi a peça televisiva na sexta à noite, fragmento de passagem, não pensei escrever sobre o assunto. Pensei nas questões intrínsecas e depois fui levada por diferentes linhas de reflexão. Havia, então, essas primeiras, as que vêm afloradas de modo literal no texto: a autoridade e a educação, a miséria de um povo, a esperança de redenção. Sobretudo a criatividade como forma de luta – na história do Pedrito e também nas evasivas do cantor sénior, tentativas de explicar que restringia o seu esforço de construção a uma mensagem, veiculada pela música e por uma actuação como representante de Angola.
Quando Bonga escapa às críticas directas procuradas pela entrevistadora, comenta que ainda há cinco meses lá esteve. Visita o seu país regularmente, conhece a realidade actual e compara-a com as outras, anteriores, e um possível futuro. Neste ponto eu penso claro, ele vai lá, não pode correr o risco de criticar abertamente. Também eu não o faria, está quieto ó preto. O pensamento levou-me para um salto: as expressões de origem racista que já perderam para nós esse contexto, mas pedem um cuidado no uso quando se cruzam com a possibilidade da temática, como aqui. Era esta expressão (uma sua variante, está quieto ó Bonga) que constava da primeira versão, no lugar de «só pelo contorno». Não servia, é óbvio, o meu propósito, mas recorri à piada íntima e esperei, debalde, que alguém tivesse dado por ela, repondo a fórmula inicial uma hora e tal após a publicação.
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a persistência talvez compense

Anteontem, num zaping lento, detive-me a ouvir um pequeno cantor angolano de grande sucesso. Pedrito do Bié era um menino pobre. Por ser franzino para a lavoura, partiu para Luanda à procura de trabalho. Mal teve contacto com uma guitarra de três cordas tornou-se músico. Passa agora uma mensagem positiva para as crianças do seu país, em espectáculos que canta com alegria e convicção.
Na conversa que se seguiu, Sofia Pinto Coelho convidava Bonga para comentar o fenómeno. Entre generalidades sobre a música angolana e os ritmos mais característicos, a entrevistadora procurou, repetidamente, obter do cantor declarações sobre o futuro do país e, sobretudo, o estado da nação e situação actuais. Bonga ia respondendo. O futuro teria que unir todas as facções que se tinham guerreado, o presente era a ponte entre o passado e o que se desejava para o país, falava da sua música e projectos próximos. Responder às perguntas, só pelo contorno.
Sobre a comparação da sua experiência com a dos meninos a crescer nas ruas do seu país retive este fragmento: Eu tive os velhos do meu tempo, da minha educação da rua. Que não precisavam de ser da família, para nos ensinarem os nossos provérbios, a nossa tradição, e também para nos repreenderem. Frisou a importância desta autoridade perdida.

Foi dele que hoje me lembrei, porque a derrota também se dança. Com uma lágrima no canto do olho.

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Fernando (pois, este tinha que começar com maiúscula), seguramente inspiras-me, mas eu vou pelo menos ter a decência de colocar este texto no devido lugar, ou seja, a reboque do teu, e ai meu deus que isto está a ficar muito parecido com a soca, até já há encadeamento de posts

Cá em casa, quando éramos dois, reinava o Sporting. Como quase todas as escolhas jovens de clube desportivo ou de partido político, a minha provinha de factores aleatórios que nada tinham a ver com a apreciação das virtudes de uma equipa. Na família era-se da Académica de Coimbra, razões de geografia. Mas precisava de um clube perto de mim e, já agora, de um clube relevante, para os saudáveis antagonismos clubísticos. Houve, então, uma escolha mista. Primeiro, a escolha da cor, o verde mais apreciado do que o vermelho; por discrição, ausência de grito e de espalhafato, mas também esperança, futuro. Depois a simpatia; era possível uma estatística entre os meus conhecidos em que havia um índice maior de apreço (meu) entre os adeptos do Sporting do que entre os do Benfica. Finalmente, e mais importante, a defesa dos fracos; seria fácil e interesseiro fazer-me simpatizante do clube que ganhava por sistema. Já a equipa de Coimbra, ao chegar-me por parentesco, sempre assumiu a forma de um clube tio.
Quando se passou à prole (a minha), com um pai também sportinguista (este por motivos de peso e de força maior), todos vibravam com o Sporting e os jogos, vistos na televisão, imitavam uma espécie de harmonia familiar. Foi então que um Édipo em calções* deixou o Sporting pelo benfica, num acto de súbita confrontação e espelho de uma cisão familiar. Já o mais novo tem ido pela cor. O mano mostrou-lhe os cromos da bola e ele dividiu os afectos, de início, entre o Beira-mar e o Santa-Clara. Como todo o gosto se educa, o amarelo perdeu a preferência e foi substituído pelo vermelho. E eu acho muito bem, pois adoro quando se veste dessa cor desde as cuecas ao blusão. Como não tem cornichos, é um doce diabrete.

*O Édipo em calções do Fernando foi a causa do texto.

e porque não à Portugália?

Hoje acordei com vontade de comer um bife à Trindade. Não me intrigou a alteração do meu delicado paladar matinal, assim à primeira. Querer um bife a nadar em molho, ovo a cavalo, pratada de batatas fritas. Estranhei foi o preciosismo da cozinha. Nenhuma memória acorre do que andei a sonhar, nem uma suspeita.
Se isto fosse a Soca, tal trivialidade daria um post. Mas, por aqui, nem pensar.

doente saudável

Sempre achei que havia um lado delicioso nos estados gripais, não fosse a falta de saúde propriamente dita. A preguiça terapêutica. Ficar na cama indefinidamente, leituras avulsas, falar com quem e quando apetece. Sopas, torradas e líquidos quentes intercalados com nada fazer e sonos curtíssimos. Abluções lentas pelo meio da tarde para a seguir nos enfiarmos num pijama lavado. Pensar no que dá na gana e não no que tem de ser, porque, convenhamos, não se está em condições de apelar à responsabilidade. O tabuleiro com comidinhas ideais trazido à cama é mordomia que só em casa parental, mas sempre compensa não ter perdido o apetite. Falta-me a febre soporífera, restam-me os delírios febris. Tem sido um dia magnífico.

P.S. No futebol cada vez mais os epílogos têm maior interesse do que a acção. Os jogadores são filósofos. Acabei de ouvir um jogador do Marítimo comentar a derrota por dois a um. Com a tranquilidade reflexiva com que Paulo Bento relata factos prosaicos acrescentou, o jogador, que o resultado poderia ter sido diferente. É profundo.
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Isabel no Aspirina B

Eles queriam gajas, mais gajas, para acabar com a ribaldaria que aqui reinava. Desde que soube que esta palavra, ribaldaria, se escreve com «i», estava mortinha por usá-la. Sorte a minha, tive logo a oportunidade de o fazer duas vezes. Convenhamos que ribaldaria, com fonema agudo, fica uma ribaldaria muito mais feminina e composta.
É tempo de remodelações e este blog não anda em desgoverno. Sendo eu uma enviada do Engenheiro José para a promoção da equidade e boicote à misoginia, venho anunciar uma das novas contratações que tornarão este espaço ainda maior.
Foi difícil convencê-la, pois trata-se da Isabel (R., na Soca), que é muito, muito boa e tem mais que fazer do que gastar-se em blogs. Mas ela, finalmente, concedeu-nos essa graça. Isabel, desculpa este texto manhoso de apresentação, mas a verdadeira, e boa, deixo-a para ti. Aliás, és tão boa, que és também pontual e até te antecipaste ao meu texto de apresentação. Haja por aqui alguém a representar condignamente as virtudes femininas.

site involuntário

Há dias o Valupi assinalou a afluência assídua a alguns posts do Aspirina que vão ficando lá para baixo. Num deles, abrir o livro, vão gotejando comentários, a uma cadência regular, de pessoas ligadas ao meio do hoquei em patins. A natureza especializada e a extensão dos mesmos indiciam uma presença cada vez mais estável de adeptos da modalidade nesta caixa. Uma ocupação espontânea e bem-vinda, num espaço obscuro, relativamente anónimo, mas onde parecem sentir-se em casa. Que todas as moradas desportivas fossem como esta, fácil, barata e ao agrado de todos.

passagens

O que o temperamento arisco da adolescência faz em nós. Chega a casa, abre os braços e fecha-os à volta dos meus ombros, sem apertar. Fica assim alguns segundos, aconchegado. Filho, aconteceu alguma coisa? Nada, mãe, vinha só com vontade de te abraçar. Dá-me um beijo, escolhe um livro e deita-se no quarto, a ler. Precisamente, e pelo contrário, está muito bem.

I got the power

Um privilégio de se comentar em blog próprio é poder editar os nossos comentários. Ando tão contente com a sensação de omnipotência que até comento menos em blog alheio, onde não posso fazê-lo. Não sendo prática de vida possível, nas caixas de comentários do Aspirina saboreio o poder de alterar o passado.

Não pretendo imitar o talento do João Pedro para títulos mas cada um faz o que pode

A desarrumação é a primeira das minhas qualidades. Recordo-me de a conhecer ainda antes da desorganização e dos lapsos de memória (quase uma afasia) relativos às obrigações mais chatas. Sem dúvida terá sido uma das principais motivações de diálogo entre a minha mãe e eu. Conversas que desenvolveram uma capacidade argumentativa redutora, nos outros, da paciência para me aturarem.
Mas, dizia eu, sou desarrumada, dizem. Por isso, quando carrego a bateria do meu telemóvel, prefiro deixar o carregador no seu lugar apropriado: ligado à ficha. Vendo bem, até sou arrumada, pois faço questão de o deixar sempre no sítio. O certo.
Aí ficou, em casa dos meus pais, na última ocasião em que o carreguei. Por um mistério ainda por resolver, o carregador desapareceu. Para mim o enigma há-de esconder alguma nefasta arrumação: com essa mania de arrumar depois nunca sabem onde puseram as coisas.
Reduzida à dependência do isqueiro do meu bólide, desloco-me amiúde à rua. Pareço um marido adúltero, a fazer telefonemas do carro, por vezes depois da meia-noite. Já imaginei a imaginação de algum indiscreto observador de janela. Bem sei que a conexão é arrevesada, mas vinha a pensar nisto, ontem, quando fui do carro à pastelaria comer um folhado misto. Foi lá que encontrei o vídeo que mostro abaixo. Não porque me preocupe a vigilância policial (alguém investiria na seca de me espiolhar?), mas porque a animação é gira.