Todos os artigos de Penélope

Euro “à la carte”

Esta sugestão do Deutsche Bank de se criar uma nova moeda para a Grécia, o Geuro, além de engraçada (ou gira), original e altamente exequível como tantas outras ultimamente, tem alguns inconvenientes tendo em conta o futuro: implica, por exemplo, que, se um país como Portugal se vir em situação semelhante à da Grécia, dificilmente aceitará partilhar aquela moeda, cuja letra G apenas se aplica à Grécia. Além disso, cria-se confusão a nível internacional. Teria, pois, de se inventar tantas moedas novas como países em falência, o que daria para Portugal o Peuro, para a Espanha o Espeuro, para a Itália o Iteuro, para a Irlanda o Irleuro e para a França o … difícil a designação. Sugiro o Frère, preferível a Freuro, com a vantagem de realçar bem o espírito solidário que anima a Europa.
Geuro tem também o inconveniente de a letra G não constar da palavra grega Ellada (designação dada pelos gregos ao seu país), o que configura desde já uma inaceitável ingerência linguística, para já não falar de todas as outras, de uma potência estrangeira.

Condicionar a imprensa é condicionar a imprensa

Ouvido agora na SIC-N: Luís Delgado defende Miguel Relvas com o argumento de que, se fosse mesmo grave, o jornal Público teria posto imediatamente em parangonas na primeira página a tentativa de condicionamento do trabalho de uma jornalista com base em ameaças à divulgação de dados da sua vida privada. Como não foi isso que fez, conclui Delgado, que se disse amigo de Relvas e anunciou que o ministro vai amanhã a uma cadeia de televisão explicar-se, logo não deve ter havido nada. Irrelevantes, para ele, o comunicado da direção do jornal e o próprio pedido de desculpas do ministro à diretora. E porque será que o jornal não fez o que Luís Delgado entende que deveria ter feito?
Pedro Adão e Silva chamou a atenção para a situação difícil em que vivem os órgãos de comunicação social. Para bom entendedor…
Uma tentativa que tem todo o ar de ter sido bem sucedida, portanto.

Mais, pergunta Luís Delgado “a que propósito, e como, saberia Miguel Relvas da vida da jornalista”? Pergunta idiota. Para que servem os espiões?

Alto e para o baile: afinal precisamos de um Plano Marshall

Quando pensávamos que a receita da austeridade em dose concentrada estava a produzir tão bons resultados, era a acertada, a imprescindível, a redentora, a inquestionável, enfim a única, o PSD vem agora deixar-nos abasurdidos com a ultrapassagem pela direita e pela esquerda, por cima e por baixo, da adenda para o crescimento proposta pelos socialistas (que deve complementar o novo Tratado europeu que consagra a máxima “a austeridade ou as galés”), passando a grande velocidade a caminho de um plano Marshall! O que terá corrido mal?

«O coordenador da Comissão Política do PSD defende a necessidade de a Europa encontrar uma “solução que complemente o tratado europeu” e “um mecanismo que promova o crescimento e emprego”. Uma agenda que “deve avançar o mais rápido e tão ambiciosa quanto possível como no pós-guerra com o Plano Marshall”, acrescenta. O número dois do PSD rejeita, porém, a possibilidade da maioria viabilizar a proposta dos socialistas para um protocolo adicional ao Pacto Orçamental com o argumento de que “pedir uma adenda é olhar para trás e desvirtua o tratado que tem como objectivo a disciplina orçamental”

E tamanha é a aceleração rumo ao novo Graal que “pedir uma adenda é olhar para trás”. Fangios, estamos convosco, como não?

Questões de blocos

Parece-me que chegámos, na Europa, a uma situação muito clara que começa a ser tempo de verbalizar: o que interessa à Alemanha não interessa aos restantes países, sobretudo os da zona euro. O mal atingiu o paroxismo ao vermos os gregos, à beira da expulsão do clube, a levantaram o seu dinheiro dos bancos nacionais (só na segunda-feira foram 700 milhões) e a pô-lo a salvo alhures. E aonde? Ora, na banca alemã. Que, claro está, agradece (mas não retribui).

A União Europeia, ou a então CEE, foi criada para, de certa forma, além de pacificar o continente desavindo, opor resistência ao bloco soviético, de regime comunista, que chegava às fronteiras alemãs.
Para resumir quase à velocidade da luz, desfeito o dito bloco, uma boa parte da cola que nos unia perdeu a manutenção, a consistência e a eficácia. A criação da moeda única foi, passe o pleonasmo, a moeda de troca para o alargamento da Alemanha. A arquitetura do euro foi mal concebida, pois nem se criou um governo comum nem um banco central com poder de emitir moeda e equilibrar os fluxos. A Alemanha aproveitou e bem a zona euro e o abandono do marco forte para fortalecer as suas empresas e a sua economia, para além de ser a principal beneficiária do alargamento da UE a leste. Continuando à velocidade da luz, a crise desencadeada pelas trafulhices da banca americana produziu enormes ondas de choque na banca europeia e nas economias, desequilibradas, da zona euro. A especulação com os juros da dívida começou pelos mais débeis e sem grande capacidade produtiva como garantia (já entretanto destruída com a ajuda dos alemães), mas prossegue em direção a outros. A “solução” imposta pela Alemanha, que viu os seus bancos fortemente atingidos pela crise internacional, condena os países que são primeiras vítimas ao infinito degredo e as suas populações a um recuo civilizacional de décadas (o qual não tem equivalente algum no corte (insignificante) de regalias às populações dos países do norte, por muito contidos que tenham passado a ser os seus orçamentos). Uma situação dessas, que ameaça estender-se à Espanha e à Itália, não pode manter-se por muito tempo sem suscitar indignação e revolta (ver Grécia).

Em França, foi eleito um presidente que se propôs desafiar a visão alemã. Não sei o que poderá acontecer. Mas uma coisa me parece certa: se Hollande defraudar as expectativas de quem nele votou ou de quem, no estrangeiro, mas dentro das grades do euro, apostou nele todas as fichas, está condenado, a começar a nível interno, e com ele todos nós. Se ostensivamente desafiar Merkel, pode criar um conflito franco-germânico, que depressa ganhará dimensão europeia. Convém-lhe, por isso, ir arranjando aliados. Ao que tudo indica, Merkel não cede.

Tal como a UE pretendia fazer face à ameaça soviética de uma forma unida, assim também me parece lógico que se crie neste momento, na Europa, um bloco de interesses, de preferência com moeda única e banco central, que faça frente à Alemanha, cujos interesses há muito se autonomizaram do interesse geral europeu, e isto caso mantenha a inflexibilidade e a arrogância injustificada para com outros países. Proponho, pois, a criação de um bloco que empurre a Alemanha para fora do euro.
Aposto que, por esta altura, já os americanos devem estar a pensar com os seus botões que alguma razão forte terá havido para duas guerras contra a Alemanha.

A experiência mística

Frequentei durante cinco anos, entre os 10 e os 15, um colégio de freiras. Não porque os meus pais fossem muito religiosos, nada disso, o meu pai e ambos os avôs (republicanos) eram até ateus, mas por questões práticas: a alternativa era um colégio local de má qualidade ou a frequência do liceu na cidade mais próxima, o que implicava o aluguer de um quarto em casa de estranhos (10 aninhos ainda incompletos).

Com o background familiar já referido, pouco liguei de início às ladainhas e rituais das freiras, objeto, aliás, de grande gozo; gostava era das brincadeiras nos dormitórios, orgulhando-me dos castigos. Mas a doutrina ia-se infiltrando e o proselitismo era poderoso (não que já não tivesse passado, ainda mais cedo, pela fase do catecismo e da personalização do demónio – grandes pesadelos – e das comunhões). A partir dos 12 anos, faziam-se “retiros” – períodos de 3 dias no ano em que não havia aulas e as atividades se resumiam à leitura de livros religiosos e ao visionamento de filmes tenebrosos sobre leprosos em ilhas longínquas, à frequência mais prolongada do que o habitual da capela e à “meditação” – que eram autênticas lavagens ao cérebro para gente tenrinha. Normalmente, no fim dos três dias, uma freira indagava junto de algumas de nós, mais ou menos diretamente, se teríamos sentido algum chamamento, o despertar de uma hipotética “vocação” (para mim, novas angústias, pois apaixonara-me por um príncipe encantado cá fora (tínhamos férias e fins-de-semana)). Um sistema bem montado, portanto. Valia que, para o objetivo parental da minha passagem por ali, o ensino era exigente.

Apesar de não ter sido difícil, com o ambiente em que vivia e com o evoluir da situação política e social do país, libertar-me depressa de terrores e preconceitos e dedicar-me ao que interessava, durante anos senti um ligeiro calafrio sempre que “blasfemava”. Passou, o que prova o poder, muitas vezes subaproveitado, dos neurónios.

Ao olhar hoje, dia 13 de maio, para estas deslocações em massa ao santuário de Fátima, não posso deixar de achar piada ao fenómeno, agora visto com outros olhos (as idas a Meca ou a outros locais “de culto” por esse mundo fora em nada diferem). Por um lado, trata-se de um Goldman Sachs da igreja católica. Quantos fundos ali não se angariam, quanta publicidade à causa? Por outro, enfim, muitas pessoas buscam experiências “místicas”, experiências do “além”, uma dimensão extraterrestre, a ideia de uma harmonia celestial, a maior parte delas sabendo que nenhum do suporte real de tudo aquilo faz o mínimo sentido (mas sempre é uma viagem, cuja recompensa, quem sabe, um dia chegará) e outras esforçando-se por lhe dar um sentido, mas acabando por aterrar na planície etérea da fé para poder dormir descansadas. Para o caso, evidentemente, pouco interessa onde tudo começou e porquê. No fundo, é uma festa.

Pois nada contra, desde que nenhum dos promotores e organizadores destes eventos pelo mundo fora me imponha a sua alucinação. Sem desdenhar do papel disciplinador, de quase código penal, e do papel também higiénico das religiões no passado, ir a um concerto, visitar locais bonitos da Terra ou viver um amor perfeito também podem ser experiências místicas. Provavelmente mais compensadoras. Têm a vantagem de, neste estádio de evolução da humanidade, não imporem condutas nem adormecerem a inteligência.

Adenda: Não posso aqui deixar de recomendar um livro que adquiri recentemente na Feira do Livro e que, já sendo de 2009, me tinha escapado. Chama-se “Você está aqui” (Editora Casa das Letras) e é um autêntico mapa, sem imagens, para nos orientarmos no universo, quer ao nível macro (dos nossos pés até aos superaglomerados de galáxias), quer ao nível micro e nano (até ao mundo das partículas). Muito bem escrito (às vezes não totalmente bem traduzido), e com humor, por um inglês que é dono da editora 4th Estate, cursou matemáticas e fez um mestrado em História e Filosofia da Ciência, situa-nos, de facto, no mundo e recorda-nos ou dá-nos informações sempre preciosas e curiosas, como a de que o teorema de Pitágoras afinal não é de Pitágoras ou sobre a origem das palavras ou ainda sobre o critério, que se pretendeu universal (ou seja, válido para todo o universo), para a definição de metro. Boa leitura, abaixo a cova da Iria (não resisto).

PS vai mal

Já sabemos que Seguro, por sua vontade, não protesta, não se opõe e não entra em conflito com o Governo. Tinha uma estratégia matreira, sim, mas era em relação ao seu antecessor socialista. Aparentemente a meta era a liderança do PS e, de estratégia mais pensada, aquela era a única que tinha. Içado a líder por um processo coletivo de cegueira e um exercício do absurdo, cultiva a elegância, ou seja, o apagamento, e espera que o Governo caia de desgaste, sem que para isso contribua com o mais pequeno gesto e denotando uma capacidade extremamente limitada para avaliar as poderosas técnicas dos partidos seus adversários. Sabemos também que, se pressionado, lança frases formalmente determinadas e agressivas, que levam alguns otimistas a acreditar que “agora é que é”. Também vamos sabendo que não é.

Se a atual direção do PS pensa, e deve pensar porque o diz, que este Governo já foi e continua a ir muito para além do acordado no Memorando, agravando com isso ainda mais a situação do país e a espiral recessiva, num propósito que mais não é do que a implantação de um modelo ideológico de sociedade (para o que, diga-se, tem toda a legitimidade eleitoral) do qual o partido socialista discorda, devia agir em conformidade e demarcar-se a cada passo mais largo dado pelo Governo. E já são muitos, o que aumentou a distância em relação ao acordado em Abril de 2011 para um ponto escandaloso de não retorno. Não é isso que faz esta direção. Arranja um sarilho interno por causa da votação do orçamento, por causa disto e por causa daquilo, nomeadamente a disciplina de voto, outro sarilho por causa do Pacto/Tratado orçamental europeu, deixa que chamem socráticos aos que lhe exigem postura de oposição e acaba a dizer que o Governo deve ir sozinho pelo caminho escolhido. Mas agora, afinal, o memorando está a ser muito bem cumprido e o partido não vai rompê-lo. Pois é, medo e uns ziguezagues e incoerências que não dignificam nenhum dos protagonistas, nomeadamente Zorrinho, que, vá-se lá saber porquê, dá o peito às balas por tão fraco líder, e que confirmam, se dúvidas ainda houvesse, a total inépcia desta direção, que só envergonha.

O Governo tem maioria absoluta. Não precisa do apoio do PS para governar. Precisa dele, sim, mas para peão da sua estratégia. O discurso que se ouve por essas televisões, segundo o qual é muito importante que o PS apoie as medidas do Governo em nome da estabilidade e que Portugal é diferente deste e daquele país por ter os principais partidos do arco governativo vinculados a um programa externo é o discurso conveniente para domar e anular o principal partido da oposição que, convém lembrar, perdeu recentemente o melhor líder que alguma vez teve e do qual se devia orgulhar. Seguro engole sem minimamente se engasgar essa medicação oral que lhe enfiam todos os dias pela goela abaixo. E amolece. Mais: dá-a a beber a outros, que amolecem também.

Nem sempre concordei com Mário Soares. Entre outras coisas, as opiniões elogiosas de Passos que emitia há um ano foram incompreensíveis. Muitas vezes deixa-se levar por ódios pessoais a nível partidário. Não impede que tenha sido um grande homem e que mantenha uma capacidade de intervenção admirável. Tendo a dar-lhe razão nestas esporadas que decidiu dar recentemente ao PS. Perante a situação internacional, fazer coro com os idiotas que nos governam é um grande erro estratégico e político.

Quimera é uma palavra grega, assim como crise e caos

Ainda não vimos tudo nesta crise. Enquanto, em Portugal, Gaspar vai impondo, devagarinho e acusando a toda a hora o bandido, um modelo neoliberal, com o silêncio conivente da oposição, estando a deixar o país de pantanas mas incompreensivelmente conformado, na Grécia, o partido equivalente ao nosso Bloco de Esquerda prepara-se para experimentar um outro modelo qualquer, e totalmente oposto, cuja primeira etapa consiste na declaração de nulidade do memorando da Troika; a segunda, já anunciada, na nacionalização dos bancos e a terceira, presumo, em assistir em grande estado de ansiedade ao fecho da torneira dos fundos externos. A quarta logo se vê. Há, pois, margem para experiências várias.

No entanto, a malta do protesto por cá, que lacrimeja de orgulho ao olhar para Tsipras, deve arrefecer um bocado o entusiasmo. Neste momento, o tal partido, Syriza, com 52 lugares no Parlamento, só pode constituir maioria para governar se formar uma coligação com a Esquerda Democrática, dissidentes do PASOK (19 lugares), os Gregos Independentes (33 lugares), o PASOK (41 lugares) e os comunistas (26 lugares). Sem o PASOK não há maioria e sem o KKE (comunistas) também não. Estes dois fatores irão frustrar-lhes, acho que para bem deles, os planos.
Mas é pena. Eu, que nunca assisti em direto à implantação de um regime radical de “esquerda”, nem que fosse por quinze dias, não escondo a minha curiosidade. Seria agora ou nunca, caramba.

Dito isto, 1) há fortes probabilidades de a Grécia ir à falência e sair do euro, a menos que os militares tomem o poder com a “ajuda desinteressada” da Alemanha; 2) se isso acontecer (saída), não vamos safar-nos, o que vai provar que ser aluno de quadro de honra ou de fila dos burros é a mesma coisa para efeitos de desfecho; 3) a paz podre que se vive na Europa atualmente algum dia tem que acabar e o mês de maio de 2012 é tão bom como qualquer outro; 4) a Alemanha não costuma acabar bem, segundo os compêndios de história.

Contributo para o negócio das bebidas e restauração

AMIGOS DESAVINDOS? SÓCRATES RESOLVE.

Uma mulher que apelida José Sócrates de “delinquente político” e adora ouvir Marcelo aos domingos à noite enquanto come um croissant acompanhado com vodka e um homem que diz do mesmo José Sócrates, enquanto beberica whisky, “Sempre detestei aquele senhor. É um analfabeto, oportunista e demagogo. É um homem detestável. Execrável.”

têm ou não têm suficientes pontos em comum e um motivo de peso para retomarem os almoços das quartas-feiras (“Almoçava todas as quartas-feiras com ele. Até que publiquei as minhas memórias.“)?

Um orador estimulante, um político e patriota brilhante

“A Europa soube construir-se em torno de valores fundamentais admirados, respeitados e invejados em todo o planeta. Não vejo, portanto, como impossível que saibamos, com visão, coragem, bom senso, solidariedade e, evidentemente, disciplina, encontrar uma solução comum para as atuais dificuldades que nos mantenha a todos, do Norte ao Sul do continente, na primeira linha do bem-estar social, da produção de qualidade, da diversidade artística e cultural e sobretudo da liberdade, da tolerância, da democracia e da paz. Lutarei para que não sejam criadas, no sul da Europa, pequenas Chinas laborais e…”

Peço desculpa. Houve aqui um engano.

Agora sim:

«De novo, recorreu ao exemplo externo. Assinalou o sucesso dos países emergentes. Destacou a China, a Índia e o Brasil, para fazer um novo contraponto. “Quando olhamos para a Europa vemos que a crise vem criando uma angústia muito grande e que muitos estão iludidos de que a Europa permanecerá rica, com sistemas sociais financiados para sempre”, alertou. E para que não restassem dúvidas de que o declínio não é impossível, lembrou alguns casos: “Países que eram muito ricos hoje debatem-se com grandes dificuldades, como a Argentina”.» (Como a Argentina?)

O Valupi é que tem razão. Precisamos de ajuda interna. E de emergência!

A facilidade com que se limpam as grandes jogatanas financeiras

Sintetizemos o discurso corrente deste governo em vários fóruns, internacionais e nacionais, ultimamente pela voz de Vítor Gaspar, o grande didata da distorção:

A pobreza em que caímos (a outra, claro (mas qual?)) deve-se exclusivamente ao Sócrates e à sua política económica “expansionista”, decidida porque ele simplesmente gostava de gastar o dinheiro que não tinha nem fazia por ter, dinamizando a economia nacional. Um autêntico desvario. Pensava que a crise era de curta duração. Bom, e ele, lá no BCE, ou Merkel, em Berlim, pensavam o quê? Alguém, aliás, pensava ou pensa alguma coisa de seguro sobre o desfecho da crise? Mais: a nível das empresas, parece dizer-nos o Governo, quem pensa o povo que é para ambicionar um salário razoável e uma vida decente? Ora, assim não se cresce. Assim empobrece-se. Para crescermos, temos, portanto, de inverter a tendência de empobrecimento e … empobrecer ainda mais, deixar a economia em ruínas com a quebra do consumo e aumentar o número de desempregados para um nível tal que muita gente aceite trabalhar por uma tigela de sopa e uns trocados para tabaco e para pagar a luz à EDP. Este é, em suma, o modelo económico do Governo. Todos já percebemos que é perfeito, exatamente o que nos vinha a calhar para sermos felizes e ricos, o que tarda, é certo, mas é normal. Tão normal como ir ao Pingo Doce.
Para Gaspar, a crise portuguesa, contada a papalvos, é tão simples quanto isto.

Não existiu qualquer problema com as instituições financeiras internacionais em 2008, ninguém andou a jogar com o dinheiro das pessoas criando produtos virtuais na ganância do lucro e nada disso deu um estoiro. As sucessivas falências de instituições financeiras americanas não tiveram qualquer repercussão na banca europeia nem no crédito aos Estados, às empresas e às famílias. A União Europeia, em pânico, não se decidiu pelo desrespeito temporário dos limites dos défices dos Estados-Membros para poderem fazer face às falências de empresas e bancos e ao consequente desemprego, o que agravou necessariamente a dívida. Nada disso. Foi o Sócrates que, provocatoria e irresponsavelmente, e por opção económica, seguiu esse caminho.
Isto é muito desonesto, sobretudo tendo em conta a preocupação de redução do défice e do desequilíbrio da nossa balança comercial externa (fatura energética à cabeça) que o primeiro governo Sócrates mostrou, com excelentes resultados, até ao eclodir da crise e que Vítor Gaspar não pode desconhecer. Assim como não pode fingir desconhecer que as prioridades tiveram depois de alterar-se, obviamente. Qualquer um de boa fé o percebe. Para os aldrabões que nos governam agora, o que ele, Sócrates, deveria ter feito era simplesmente recusar-se a apoiar as empresas e os desempregados, deixar falir os bancos, recusar veementemente o plano europeu de relançamento da economia, que concedia estímulos, acabar de imediato com todo e qualquer investimento público gerador de receitas e criador de emprego (como a Parque Escolar) apoiado por fundos europeus, cortar subsídios e reformas, aumentar impostos e, no meio do caos, mandar as pessoas emigrar. Só assim estaríamos agora como a Alemanha e nem o PSD teria de tomar o poder pela via da mentira (deixem-me rir).
Mas a desonestidade vai mais longe. Vítor Gaspar, economista do BP destacado no BCE, ignora que a China existe. E que a sua entrada na OMC e abertura ao mundo vieram dinamitar a indústria ocidental ao incentivar a deslocalização de fábricas e ao inundar ao mesmo tempo a economia com produtos a custos imbatíveis. A reconversão da nossa economia, apostando na inovação, na tecnologia, em “clusters” e na qualificação para fazer face à nova realidade, não era, para Gaspar, um processo que estivesse em curso. Nem interessa para o modelo e os esquemas que preenchem a sua cabçeça. Aliás, duvido que Gaspar tenha alguma noção de economia.
Enfim, a dupla Passos/Gaspar, com todos os indicadores a agravarem-se, decidiu-se pela estratégia mais rasteira disponível no cardápio. No contexto do PSD, tal como o conhecemos, tal estratégia não destoa de outras.

Já agora que penso nisso, o que disse mesmo Seguro perante esta técnica de venda de teorias económicas a papalvos?

Concluindo e para não perder o enquadramento internacional: a crise prossegue, sobretudo aqui na Europa, sob comando alemão, e, na alta finança, tudo como dantes. Ninguém ousou ainda separar as atividades de investimento (ou especulação) das de gestão de depósitos. A Goldman Sachs, capaz de enganar impunemente os investidores para seu próprio benefício, continua a reinar, tendo colocado pessoas da sua confiança em lugares políticos chave na Europa. Mas, que interessa isso a Vítor Gaspar? Sócrates é o culpado. Right. Certo.

O debate francês e os painéis de comentadores

Vi praticamente todo o debate de ontem entre François Hollande e Nicolas Sarkozy. Sobre o que disseram e a forma como o fizeram, digo apenas que, sem a excessiva rigidez e cronometragem dos debates americanos ou britânicos equivalentes, acabaram por defender as respetivas posições, cobrindo todo o espetro de temas agendados, embora durante mais tempo do que o previsto (e porque não, se o tempo for bem repartido?). Não penso que qualquer dos dois se tenha deixado abater pelo outro e, só por isso, Hollande teve um grande ganho, dadas as expectativas iniciais. Tratou-se de um debate equilibrado. Evidentemente que Sarkozy tem a desvantagem de contexto: há dez anos que anda no poder e perdeu recentemente a primeira volta. Hollande poderá, portanto, confiar na vitória no próximo domingo. A ver vamos o que fará quanto à orientação das políticas europeias, que aliados conquistará, que influência exercerá sobre a chanceler alemã e de que forma alterará a atuação do BCE.

Vi o debate no canal francês France 2. Não houve qualquer painel de comentadores pós-debate. Aparentemente, o princípio é o de deixar a avaliação para os franceses e espectadores em geral. O programa seguinte foi até um filme. Na TF1, anunciaram apenas dois analistas políticos, nenhum deles apoiante de partido. Em Portugal, pelo contrário, e não posso deixar de registar o interesse sintomático por estas eleições revelado pela nossa televisão, vi anunciado, pelo menos num canal de cabo, um painel de comentadores e imagino que nos outros tenha sucedido o mesmo, já que constatei estarem todos a transmitir em direto o frente-a-frente. Não vi nenhum deles. Mas aproveito para deixar a minha opinião sobre esse tipo de painéis imediatos. A primeira imagem que me ocorre é a de abutres. Ainda os contendores não arrefeceram e já estão a ser esventrados. A segunda é a de condicionamento, também imediato, da opinião pública menos esclarecida. Por que razão não hão de os espectadores avaliar o que acabaram de ouvir e decidir o voto em conformidade? As pessoas serão burras? E ouvindo outros, que, sem o mínimo distanciamento, debitam impressões, ficarão menos burras?
É certo que, se não quisermos, podemos não ouvir os comentários e também é certo que, no dia seguinte, todos os jornais e blogues se pronunciarão sobre o tema; eu própria estou a fazê-lo. No entanto, o efeito não é o mesmo. Um debate entre candidatos a chefes de Estado ou de Governo não é a mesma coisa que um jogo de futebol, onde à saída os jornalistas se acotovelam por declarações e, nos estúdios, se zurze forte e feio. Nem devia ser tratado com a ligeireza de um espetáculo. Eles não estão ali para nos divertirem. Muito longe disso. Depois há quem se queixe da plasticidade dos políticos.

Confronte-se

Vamos partir das declarações de ontem de Jean Claude Juncker, o presidente do Eurogrupo, que decidiu abandonar o cargo em Julho, farto da dupla Merkel/Sarkozy: “Eles actuam como se fossem os únicos membros do grupo“. Mas já em Dezembro afirmara: “Às vezes acho curioso que a Alemanha se sinta como se estivesse rodeada de pecadores da estabilidade. Nos últimos três anos, houve sempre entre nove e 11 países que tinham dívidas públicas menores que a Alemanha“.

Temos então que se confirma, por ser evidente, que, tivesse a Alemanha e o seu cachorro Sarko agido em prol da Europa e sem moralismos deslocados e abusivos (Sarko buscando protagonismo e Merkel o apoio do eleitorado alemão) quando a crise atacou a Europa por via da especulação, até porque o rigor orçamental já estava a ser exigido e vigiado há muito, muitos dos dramas a que hoje assistimos poderiam ter sido evitados. Refira-se o desemprego maciço, o fecho de pequenas e médias empresas, a quebra acentuada de receitas, o confisco de salários, a emigração forçada, a fuga de quadros (muitos deles para a Alemanha), a degradação dos setores da saúde e da educação, a insegurança, enfim um governo chefiado por Passos. Num país com os salários mais baixos da zona euro, note-se.

Justiça seja feita, porém, à Europa: o modelo de desenvolvimento que estava a ser seguido por Portugal antes de a crise eclodir, e mesmo depois, apesar das forças adversas, era compreendido e merecia a aprovação dos nossos pares europeus, Alemanha à cabeça. Só que o Governo, após campanhas e mentiras miseráveis da oposição, caiu. Com facilidade imaginamos, depois da queda de Sócrates, Angela Merkel a ter um sobressalto que lhe abanou as bochechas, ao olhar incrédula para o novo e surpreendente cahorrinho que se lhe apresentava, se lhe colava às saias e lhe suplicava: “Meine liebe Frau, chame-nos irresponsáveis, bitte! E gastadores e pouco produtivos e preguiçosos, bitte!” “Gut. Prrrecisamos de engenheiros”, respondeu ela, pensando “Mas quem é este idiota?”.
Se a Europa enveredar entretanto por um novo rumo, Passos e Gaspar que dirão e que farão? Há uma semana, em comentário ao resultado das eleições francesas, ouvi João Duque, essa curiosidade, afirmar que seria uma pena Hollande ganhar, porque se perderia a oportunidade de provar o que vale o modelo que está a ser seguido (referindo-se à austeridade geral, total e concentrada). Como se a prova não estivesse à vista.

Depois desta lamentável e infeliz perda de tempo, ouvimos agora, lá de fora, que tem que haver uma política de crescimento e estímulos à economia, sob pena de todos os países se afundarem e com eles a Europa (ainda mais), enquanto, cá dentro, Cavaco tem a distinta lata de dizer, um ano depois, que a nossa economia não pode assentar nos salários baixos e elogia as apostas do governo anterior. Os idiotas que subiram ao poder, por sua vez, não podem deixar de dar continuidade a políticas recentes e recebem os louros das exportações e da diversificação dos mercados, outras das grandes apostas de Sócrates, tudo indica conseguida, a única coisa até que parece correr bem.

O pedido de empréstimo à Troika foi efetiva e objetivamente prejudicial ao país, como sabemos que alguém sabia. Não iremos nunca competir com a China e não podemos deixar de qualificar as pessoas nem de mudar o nosso tecido produtivo. A breve trecho, eles nem vão sequer poder recusar grandes obras públicas, como se verá.

Elogio e incentivo à concorrência

Todos os que circulam pelos templos da blogosfera se deram já conta de que algo de estranho calou subitamente o Câmara Corporativa, o mais poderoso blogue do centro-esquerda, apoiante das candidaturas de José Sócrates, e plataforma de excelência de um duplo contrapoder: perante os chamados estarolas que agora nos governam e perante os meios de comunicação social em geral medíocres e/ou preguiçosos e/ou domesticados que nos informam. O CC tornara-se, há anos, um local de visita diária obrigatória. Muitas notícias só fazem sentido depois de lermos o Miguel Abrantes, o João Magalhães ou o Afonso.

Não nos é difícil imaginar o empenho e o trabalho dos seus autores para produzirem peças daquela qualidade e com aquela cadência. Nem o desgaste que tal implica. Mas se for o cansaço físico ou intelectual a razão do silêncio, possivelmente deveríamos sabê-lo. Gostamos deles.

Tudo indica que a suspensão da atividade, apenas interrompida ontem, seja por tempo indeterminado, sem que ninguém perceba porquê. Os comentários que continuam a ficar registados na caixa de correio são bem testemunho do interesse, do apoio e do carinho, quando não da dependência e da orfandade, dos leitores. É desolador e também preocupante.

Quem já estranhou terá decerto engendrado múltiplas e variadas hipóteses, algumas provavelmente delirantes, outras nem tanto, outras plausíveis mas inaceitáveis, num processo absolutamente compreensível. Se estou a dramatizar, os autores que me desculpem e, já agora, que regressem, caraças.

O 25 de abril a partir de hoje

A comemoração desta data na Assembleia da República (que não noutros lados) vai começar a ser o barómetro periódico da nossa democracia. Nunca lhe dei tanta importância como hoje. Ainda bem que alguém como Mário Soares, com 87 anos, mostrou ser dos poucos que não estão adormecidos, ainda que com um mero gesto simbólico.

Mas, se quiserem ouvir uma imbecilidade para não perdermos o ritmo, aqui vai:

Ricardo Costa, diretor do Expresso, diz que Mário Soares vai arrepender-se de faltar às comemorações oficiais do 25 de abril na Assembleia da República.

Vítor Gaspar terá visão lateral?

Ele, de facto, foca muito o olhar nos papéis. Em entrevista ao NYT, o ministro das Finanças insiste nas teorias ligeiras para americano ver. É um tanto ridícula e até revoltante a forma como escamoteia a crise de 2008 e a deficiente arquitetura do euro. Diz ele que “em 2008 foi tentada uma abordagem keynesiana, mas o resultado foi que ainda tornou as coisas piores” ou, como diz o jornal em título, “tentámos o estímulo económico, mas não resultou”.
Para ele, tudo seguia o seu ritmo normal, segundo um modelo económico “expansionista” escolhido pelo governo anterior, numa espécie de espaço sideral, sem gravidade, num contexto vazio de forças. Nem Portugal estava na União Europeia, nem a política da moeda única nos ditava regras, nem os especuladores, num contexto de grande caos financeiro internacional, nos pediam juros proibitivos, sem que nenhum mecanismo de regulação interviesse, nada. Nada disso tem importância ou existe sequer na sua cabeça. O Estado gastou demais e não devia, ponto. Agora temos de sofrer (ele não, claro). Esquece-se até que a dívida privada é muito maior que a pública e que o esforço de contenção orçamental já estava a ser feito há muito tempo (que o diga o PCP).
Pois mesmo que muitos países europeus já comecem a recusar a austeridade como meio exclusivo de resolução dos seus problemas e dos da Europa no seu conjunto e o próprio economista-chefe do FMI comece a pressionar a Alemanha para que lance gradualmente o regime de euro-obrigações, agora que o rigor orçamental foi “interiorizado”, este senhor continua a apregoar que a austeridade máxima é aquilo que nos convém.
Ridículo.

Um PM apaziguador e muito educado, além de tudo o mais

Estou habituado a que, ao longo dos anos, algumas figuras políticas queiram assumir protagonismo em datas especiais”, afirmou o primeiro-ministro.

Confrontado com o facto de se tratarem de figuras da história do País, o governante foi claro: “Todos os países têm figuras históricas. Esta data especial [25 de Abril] não pertence aos governos, pertence ao País.

Passos Coelho, referindo-se à decisão de Mário Soares e Manuel Alegre de não comparecerem na Assembleia da República para as comemorações do 25 de Abril, aliando-se assim à decisão dos “capitães de abril”.