Já estou farta de esperar que Cavaco se pronuncie sobre a farsa das escutas. Cavaco não dirá uma palavra sobre o mais torpe ataque ao Governo dirigido por quem deve ser um árbitro, uma referência suprapartidária, um moderador que ajude na busca de soluções para crises.Uma vez que Cavaco tem demonstrado ser o mestre da cooperação estratégica com o PSD, contra o Governo, não espero, não espero mais que o homem confirme o crime cometido. Cavaco foi o agente de uma “publicidade e calúnia”, se quiserem, com a agravante de ter usado meios de comunicação social para o efeito. É caso para se pensar em condenar o homem com pena de prisão até dois anos. Mas enfim, Cavaco não vai confirmar o crime, vai continuar a ser Cavaco.
Tenho visto aqui e ali os candidatos em campanha e, tendo uma opinião sobre cada um, tenho uma certeza sobre Cavaco: estou perante um vazio de pessoa, alguém sem consistência ideológica, sendo enganador o que possa dizer nesse sentido, porque é tudo espuma; estou perante uma pessoa que quando fala espontaneamente, sem um papelito de apoio, revela o pior de si, melhor, revela-se; cai o pano e lá está o deserto, o homem que não entende nada de nada, apenas palavras, falem-lhe de pobreza, com olhar de pobre, e Cavaco faz-se ao pobre dizendo da pensão da “mulher” (vamos esquecer os anos de serviço da senhora), uma quantia tão pequena que “ela depende de mim”, diz, “sou eu que a sustento”, afirma, “mas como ela anda ao meu lado e não atrás de mim, merece que eu a ajude”.
Este horror repete-se quando Cavaco fala no desemprego, no crescimento da economia, na estabilidade política. São palavras, sempre palavras, palavras para um homem que é um ovo.
De que fala Cavaco? De que fala esta sombra que acena de longe às pessoas? Por mais convencida que esteja de que Cavaco se dedicou a minar o Governo PS, por mais que me lembre que Cavaco, ao contrário de Sampaio, que ajudava a resolver crises, tinha o gostinho de intervir publicamente alinhado com as críticas da oposição, tenho perguntas para fazer. Cavaco fazia canalhices como audiências públicas com contestários das leis exactamente quando elas estavam em discussão e aprovação na AR.
Era esse o momento em que Sampaio sabia parar, numa postura imparcial e de magistratura de influência útil.
A difícil aprovação da lei das finanças locais, por exemplo, convivia com a audiência, nesse momento, da Associação Nacional de Municípios. Venham, venham, dizia cavaco.
Já falei de muita coisa e tendo isso em conta e o vazio que vou vendo e ouvindo em Cavaco, o que o qualifica como perigoso, gostava que alguém, se já desistente das escutas, perguntasse o seguinte a um homem que pode vir a exercer novo mandato:
– o que entende por cooperação estratégica (recordar os vetos absurdos, as mensagens de pavor ao país, etc)?;
– em que situações dissolveria o parlamento? (recordar que esse acto do PR é sancionado por nós, que estamos cá, eventualmente para lhe explicar, pelo voto, que fez mal);
– qual a lição que retira das diferentes dissoluções ocorridas no passado, em que o PR aparece como exercendo o seu poder com adequação e sendo o seu acto validado pelo voto das legislativas seguintes?
– quais entende serem os requisitos constitucionais de demissão do Governo? Sabe que esse poder só foi exercido uma vez, em 1978, antes da revisão constitucional de 1982 (Foi o Eanes que demitiu o Governo de Mário Soares PS/CDS) ? Por que será?
– concretizando melhor a pergunta anterior: para demitir o Governo o requisito é o irregular funcionamento das instituições democráticas?
– o que faria se Sócrates pedisse a demissão para ir ocupar o cargo de Presidente da Comissão Europeia e o PS apresentasse, com maioria parlamentar, uma alternativa de Governo?
– como deve garantir o regular funcionamento das instituições?
– o que entende por magistratura de influência?
– como acha que exerceu e deve exercer os poderes de veto, de fiscalização de leis, e de auscultação da sociedade?
– não podemos mesmo falar sobre as escutas? E se não gravarmos a resposta?