As suaves declarações de cavaco

Já gastei do meu latim anteriormente a explicar por que razão o actual PR representa tudo aquilo que jamais terá o meu voto.

Não vale a pena repetir-me, mas vale a pena dar com as declarações de Cavaco, numa entrevista, onde ele acha por bem caracterizar o seu mandato como o de quem tem uma visão moderada dos poderes do PR, atirando areia para os olhos de qualquer leitor desavisado com a mágica demonstração da sua moderação e do seu brilho a “segurança” que é a não dissolução da AR.

Numa palavra, Cavaco diz uma série de disparates sobre o seu mandato, caracterizando-o como entende que ele deve ser visto, como dá jeito ao voto, até porque todos temos memória curta, e, para alcançar o seu objectivo, lembra que não houve bomba atómica.

É como se pudéssemos dizer, de acordo com esta nova doutrina, que um PR é uma pessoa moderada, equilibrada e referencial de segurança se não dissolve a AR.

Acontece que o critério demagogicamente apresentado é de uma pobreza avassaladora, quando pensamos em todos os poderes presidenciais e na forma como um PR se propõe a exercê-los ou na forma como efectivamente os exerce.

Esta triste – e geradora de equívocos – leitura de um mandato presidencial não é um acidente; é sim uma estratégia pensada, a estratégia de um homem que é tudo menos ingénuo e, pelos vistos, se não estivesse esclarecida a dúvida após o episódio das escutas, um faz-de-conta.

Se Cavaco bateu com a cabeça e, nos últimos tempos, deu em tentar em corresponder ao que se espera de um PR, nomeadamente ter uma intervenção moderadora (o tal referencial de segurança), uma intervenção que não favoreça Partidos, isso aconteceu apenas porque a partir de certa altura passou a estar em vista uma recandidatura. Mas, antes desse período, Cavaco não fez outra coisa que não desdizer com os seus actos qualquer ficção de homem moderador e suprapartidário.

Desde o início do seu mandato (2006), observamos uma vertigem entre o proclamado e o praticado, entre o verbo e a acção. Cavaco era o homem da cooperação estratégica, essa coisa esquisita que ele inventou e que não serve para nada, que envenena, quando o que queremos é uma mão a garantir como possa o regular funcionamento das instituições, ou do sistema, tanto faz.

Cavaco não surpreende, porque é o mesmo de sempre, o que sempre teve o Parlamento como uma câmara que não deve ser maçadora, que deve, antes, chegar, não a maiorias, mas a consensos.

Cavaco Silva, quando a democracia faz aprovar o que não lhe agrada, estranha que uma maioria simples, uma maioria absoluta ou mesmo uma maioria qualificada não desista do seu desígnio cedendo à minoria derrotada.

Concretizando, e lendo umas páginas de um livro inteiro a não perder de Jorge Reis Novais, o nosso PR, o tal que não lançou mão da bomba atómica, como se isso chegasse para o qualificar, dedicou-se a fazer malabarismos, com mensagens sofridas na promulgação.

Talvez haja gente que não se recorde da lei da paridade, ou da lei da procriação medicamente assistida, ou, pior, da lei eleitoral para os Açores, a tal que foi aprovada por uma maioria de 2/3, um consenso parlamentar raro, mas que Cavaco repudia em mensagem porque há a desagradável circunstância de o PSD não estar nos insatisfatórios 2/3. Foi em 2006. Uma pessoa esquece.

Devemos sempre e mais uma vez voltar ao episódio das escutas, em 2008, já com Manuela Ferreira Leite à frente do PSD, num cenário maravilhoso para a tal da cooperação estratégica…com a oposição.

Estando uma campanha a decorrer, não admito que Cavaco não seja escrutinado acerca deste episódio memorável, não entendo como é que não se faz o homem explicar a coisa. Como foi possível Belém tentar lançar a suspeita de que o Governo andava a “escutar” a PR, pedindo-se confidencialmente a ajuda do “Público”? Como foi possível isto acontecer ou como é possível ter acontecido e Cavaco apresentar-se a eleições com palavras de moderador prometido e cumprido? Não sei.

Como já escrevi noutro texto, Cavaco, usando poderes estranhos à garantia do funcionamento do sistema, continuou uma ofensiva à sua oposição, com o mais sofisticado e inadmissível processo de arrastamento de uma crise fictícia de que tenho memória, esse dilema nacional, o Estatuto dos Açores, que parou o dia de todos em Julho de 2008, uma tragédia que se abateu sobre a Pátria infinitamente.

Mensagens, vetos usados contra a natureza dos mesmos, tudo para que o drama, o horror, continuasse, a metáfora encontrada para um alegado atentado aos poderes presidenciais. Seria delírio se não fosse estratégia.

Em 2008, fiquei segura da má-fé de Cavaco. Era difícil explicar numa mesa que os Estatutos eram uma não-questão, tratava-se apenas de uma interpretação da Constituição num ou noutro sentido, ambos perfeitamente admissíveis. Toda uma ópera. E má.

Cavaco fez o que não lhe compete fazer: andou a praticar a sua estratégia de arruinar o Governo como fosse possível, enquanto sonhava e esperava com o PSD de Manuela Ferreira Leite. Cooperação estratégica, não é?

Já nem perco muito tempo com a promulgação da lei que permite o acesso ao casamento civil por pessoas do mesmo sexo. O PR tem o direito de discordar da mesma. Mas, quando mais uma vez se indigna perante o país porque a democracia funcionou, não sei que sinos dobram por esse homem.

17 thoughts on “As suaves declarações de cavaco”

  1. Pronto, já sei quem é a Isabel Moreira.
    Grande Val, isto é que é um reforço de Inverno. O Sporting tem muito a aprender contigo, pá!
    :)

  2. Importante texto. Conforme referi no comentário ao anterior post (FESTA), pelo que conhecia de algumas leituras da Isabel Moreira, não me desiludiu. Antes pelo contrário. Avivar a nossa memória é um exercício bem-vindo, para que não se esqueçam as teias com que alguns nos querem “apanhar”.
    Espero poder continuar a desfrutar de textos com esta categoria. Bem-haja.

  3. Concordo, “o actual PR representa tudo aquilo que jamais terá o meu voto”, no entanto o(s) Alegre(s) candidato(s) da esquerda imbecil, também não, e agora…

    Vou perder por falta de comparência… ou votar no Defensor dos Mouros do sul da Galiza.

    Triste fado, o meu.

  4. Desfrutei do texto. Um grande reforço de inverno, concordo. Mais uma causa para ficar aquí.

    O portugal dinámico e moderno de hoje não merece um PR assim.

  5. Muito bem escrito, muito bem organizado. Parece que há gente a esquecer-se da história do «mail» recomendado para fingiri que tinha origem na ilha da Madeira. Safa!

  6. Em 2008, fiquei segura da má-fé de Cavaco.Só?

    e logo hoje que o homi desculpou a maralha que dizia que tinha feito boas as más acções

    enquanto sonhava e esperava com o PSD de Manuela Ferreira Leite.

    parvoíce CAvaco só sonha e espera por cavaco

    que seja Manela ou José pouco lhe interessa

    há só Cavaco e seus descendentes

    nesse ponto é igual a Soares

    nisso e na arrogância

  7. A Isabel traz as verdades que toda a imprensa esconde. A direita protege-se bem. O que me espanta é a postura do BE e do PCP. No fundo ainda pensava que estes, ditos de esquerda, denunciassem a triste figura que está em Belém.

  8. Boa posta, bem pensada, bem escrita, com uma lógica impecável e inatacável. Grande, mas grande, contratação para o Aspirina B – aliás, quem já a conhecia não esperava outra coisa. Espero que venham com bastante regularidade.

    Mas esta é fácil de responder: 64-20. Cavaco pode não tratar bem a democracia, mas a democracia trata-o bem a ele. É assim.

  9. bom texto, durante muito tempo eu pensei que o homem era sério, e até boa pessoa, embora muito conservador. A história das escutas de Belém tirou-me as dúvidas.

    segue para X.

  10. Bem, que grande, que magnífica prenda de Natal nos deu o «Aspirina» com a admissão desta pérola da “blogosfera” (se é de facto a mesma Isabel Moreira que já nos encantava no «Jugular»)!

    Quanto a Cavaco Silva, há muito que consolidei a ideia de que a sua permanência em Belém empesta a vida cívica portuguesa. Um Presidente da República, mais ainda do que um político experiente e um Homem de Estado sábio e sensato, mas firme, deve acima de tudo ser uma fonte de luminosidade Moral que inspire e ilumine o nobre exercício da Política e da dedicação à Causa pública em geral (professorado, magistrados, servidores do Estado em geral). E Cavaco Silva, no cômputo global do seu historial de homem público, é exactamente o oposto desse paradigma moral.

    Haja, contudo, esperança e, muito a propósito, desde já um FELIZ NATAL para toda a equipa do agora ainda mais interessante e influente «Aspirina B».

  11. Dou-lhe as boas vindas minha senhora. Um muito bom texto que contempla uma das grandes fraudes cá da aldeia e um dos meus ódios de estimação. O outro, respeitando as devidas distâncias, é…o “beto Alegre”.

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