Arquivo da Categoria: Valupi

Barreto saloio

portugal-west-coast.jpg

António Barreto dignifica-me como cidadão. Portugal é melhor, muito melhor, com ele do que sem ele. Os portugueses devem-lhe 30 anos, ou mais, de intervenção pública marcada por uma ética republicana e democrática exigente, rara; o que o levou para um trilho independente. Nesse lugar faz-se boa crítica e crítica da boa. Ele é um dos senadores guerreiros, daqueles que velam pela nossa liberdade, com actividade académica de mérito e actividade mediática de relevo. Sou seu leitor e admirador. É por isso que sei que ele está acabado.

Continuar a lerBarreto saloio

Luiz Pacheco, obrigado por teres nascido em Portugal

Voltando à minha missão nesta tribuna: cai-me nas mãos um livro novo ou uma reedição para crítica. Conhecendo o autor e as actividades dele em vinte anos, posso eu (devo) constranger-me a uma imparcialidade impossível por falsa? Dito por outros termos: posso (devo) fazer tábua-rasa da sua conduta, naquilo que nos opusemos e opomos se as atitudes que os vi tomar forçosamente abandalharam as suas obras? reduziram-nas a uma mercadoria congeminada na mentira e na má-consciência? Vos arrenego que tal não farei. DIZE-ME QUEM ÉS E COMO AGES, DIR-TE-EI O QUE ESCREVES. De caras e cara-a-cara. Logo, loguinho. Antes de abrir-vos o livro aposto comigo (se é tipo meu conhecido) e depois vou ver. Lá está! Queriam (convinha-lhes, não era?), então, que ficasse calado? fizesse friamente a dissecação retórica e inútil da polivalência significante, da linearidade de expressão, da libertação metafórica, do gosto pelo conceptual, do esquema rítmico, da intencionalidade fundamental, do teor poético, oh meu Deus! Ná!… Tiro-lhes antes o retrato à la minuta (mas com uma, a minha, memória de elefante) e já ‘stá!… Saiu fotomaton? paciência. Foi do meu mau-humor do momento. Ou da caricatura em que se tornaram. Caricatura de homens, de escribas. A culpa não é minha se o retrato ficou parecido e tresanda a malfeitor procurado pela polícia. A isto chamo crítica de identificação.

__
Colhido, ao calhas, em LITERATURA COMESTÍVEL, Editorial Estampa, 1972, p.126

É só saúde

correia-de-campos.jpg

Correia de Campos é o meu ministro favorito. Porque é o que tem a tarefa mais ingrata, aparecer como carrasco. Independentemente do que cada um pense das medidas com a sua assinatura, é óbvio que algo de nunca visto em Portugal tem estado a acontecer na pasta que lhe foi confiada. E aqui faço a confissão: nenhum membro deste Governo, nem qualquer dos seus familiares e amigos, me telefonou para explicar o racional da gestão em curso. Será mais um acto vil de Sócrates, esse de me deixar na ignorância, mas obriga-me a pensar. E penso que não haverá meio mais rápido para perder popularidade e votos do que privar as populações de serviços de saúde. Pior só se o Governo decretasse redução nos salários ou despedimentos compulsivos. Como se viu no caso da morte de uma idosa nas urgências do Hospital de Aveiro, até a Ordem dos Médicos aproveita qualquer pretexto para a canalhice. Não é de esperar nenhum tipo de responsabilidade da populaça raivosa, de autarcas mentirosos e de um Menezes bronco, os quais irão ladrar sem olhar ao porquê nem ao para quê.

Teremos um Governo cheio de pressa para matar os portugueses, sendo essa a única urgência que querem ver a funcionar? Cada um que descubra por si. Entretanto, aplaudo a candura, e autêntica ética democrática, com que as críticas do Presidente foram recebidas. Também essa atitude me aparece como novidade; antinomia absoluta com a cultura do soarismo e, especialmente, do cavaquismo. Ver um governante a reconhecer que se engana, que pode fazer melhor, não é sinal de fraqueza, desenganem-se os tolos. É só possível quando se está pujante de saúde.

O ponto a que Menezes chegou

menezes_psd.jpg

Consta que Menezes disse uma coisa qualquer sobre o Estado, não sei quê dos meses, e desmatava ou desmatava-se ou desperdiçava ou despedia ou despia-se ou qualquer coisa começada por des e terminada em 6 meses ou meio ano ou coisa assim. E isso teve, no País que lê, impacto igual ao de uma melga a marrar de cornos no farolim de um camião TIR a caminho de Badajoz às 4 da manhã e com o motorista afagando os bigodes enquanto se recordava de um memorável chispe de porco com feijão.

Cavaco, o fiasco

O discurso de Ano Novo do Presidente da República é um logro. 7200 caracteres, fora os espaços, gastos para o boneco. A única ideia que se demarca é a inverosímil admoestação contra os salários dos altos dirigentes de empresas. Que é isto? De que empresas está a falar? De que nível de rendimentos? Estará Cavaco a falar de Jardim Gonçalves, entrando assim na corrida eleitoral em curso no BCP? Está a falar de alguma empresa de curtumes na Beira? Ou estará a falar dos empresários que enriqueceram por terem sido favorecidos no cavaquismo, ganhando tanto que até dava para financiarem o PSD com os trocos? Acima de tudo, que adjectivação merece um discurso que tem uma nulidade de mensagem como prato principal? Esta: bela merda. Não sei quem lhe escreve os textos, mas está a precisar de ajuda.

Na mesma senda, a referência à sinistralidade rodoviária é caricata, tendo em conta a sua irrelevância no contexto do discurso. E a pérola críptica do que foi dito consiste nesta afirmação:

Perante as dificuldades de crescimento da nossa economia, perante a angústia daqueles que não têm emprego e a subsistência de bolsas de pobreza, devemos concentrar-nos no que é essencial para o nosso futuro comum, e não trazer para o debate aquilo que divide a sociedade portuguesa.

Não desviemos as atenções do que é verdadeiramente importante.

Se alguém conseguir decifrar este passo, ou tão-só a quem se destina, é favor partilhar. Receio que esteja em curso uma sampaízação da Presidência.

Sexo em grupo — Participa e convida a família

Portugal é um país sexualmente doente, como qualquer sociedade de herança cultural católica tem de o ser. É um país onde os pais se demitem da educação sexual dos filhos, onde a Escola não sabe o que ensinar no âmbito da sexualidade, onde a enorme maioria de homens e mulheres consente em sexo desprotegido com estranhos, onde a prostituição é um hábito arreigado de Norte a Sul e tanto para os pobretanas como para os ricalhaços, um país onde a mulher é alvo de violência familiar logo desde a infância, continuando a ser violentada na adolescência e depois em adulta, seja sexual, emocional, afectiva, intelectual, social, económica, profissional, política ou fisicamente. Precisamos de nos curar. E pessoas como a Patrícia Pascoal vão ajudar. E tu, não a queres ajudar?

Pero te vas a arrepentir

Encontrar paralelismos entre Benazir Bhutto e Sergio Gómez não é para qualquer um. Aposto que sou o único, dos 6 mil milhões de cérebros humanos em aparente actividade, a alcançar tal feito. E é altamente provável que venha a ser, em simultâneo, o primeiro e o último. Mas acontece terem sido os dois assassinados em Dezembro. E acontece terem vivido os dois do espectáculo e das multidões, ela na política e ele na música. E aconteceu-lhes terem sido avisados de que podiam ser assassinados se fossem a certos locais, locais esses onde eles foram. É só aqui que a coisa se torna interessante, separando-se as águas para deixar passar a inteligência a caminho da verdade prometida. A reacção normal é lamentar a morte destas pessoas, cuja inocência se institui no contraste com o crime de que foram vítimas, deixando as emoções estragarem a oportunidade de aprender. Mas de reacções normais, e de emoções, está a violência cheia. Para os assassinos, houve uma sequência normal de decisões que concretizaram a intenção de os destruir. Para os que estejam interessados em diminuir ou anular os crimes (sempre pouca gente, muito pouca), é necessário desenvolver reacções anormais. Uma delas consiste em olhar para o lado. Desviar os olhos dos efeitos, da hipnose. E constatar: Sergio foi apenas um de 2.500 episódios anuais de execuções ligadas ao narcotráfico, no México; a chegada de Benazir ao Paquistão já tinha dado azo a um ataque bombista onde morreram mais de 140 pessoas, não havendo qualquer forma de evitar outro eventual, e por todos antecipado, massacre.

Eles sabiam ao que iam. E foram. E se num caso só se perdeu um estúpido, no outro uma estúpida fez perder muitos, e muito. A estupidez é a causa primeira de todas as violências.

Leituras para 2008

imperfect-knowledge-economics.gif

Em 2008 quero que todos os portugueses, maiores de 12 anos (a idade da razão, como é do conhecimento geral), adquiram este livro supra anunciado e o enviem para o político que consideram mais competente. Nos casos em que o político favorito seja o Cristiano Ronaldo, o Ricardo Araújo Pereira ou algum participante nos Morangos Com Açúcar (e contando a partir da primeira série), não se inquietem. Peçam ao papá o nome do político que ele mais detesta e mandem à confiança. À mamã não vale a pena perguntar porque ela não percebe nada de política, nem quer perceber, e ainda fica irritada com o assunto. Cuidado: se o papá indicar Pinto da Costa ou Luís Filipe Vieira, repitam a operação as vezes necessárias até se cansar e mudar de resposta.

Livros de economia não são de digestão fácil para um português. O português típico pensa com a barriga, só alinha em filosofias da ginginha (a fruta da época) ou anda preocupado com o que se passa no seu romance de cabeceira. Assim, não irá ler este livro. Mas dava-nos um jeitaço do caralho que os nossos políticos e empresários o lessem. Porque aumentaria a probabilidade de ficarem mais inteligentes ou, nalguns casos, quase inteligentes. A tese é relativa ao funcionamento dos mercados e às teorias económicas que sempre ambicionaram explicá-los nos fundamentos e desenvolvimentos. Os autores dizem o óbvio para quem pertence ao século XXI, que nenhuma teoria se aguenta nas canetas que a criaram. A realidade é, invariavelmente, mais complexa e imprevisível do que as suas reduções abstractas. Coisa tramada para quem depende do acerto das previsões para acumular riqueza ou não a perder. Que falha, uma e outra vez? A natureza humana. O comportamento dos indivíduos supera as capacidades analíticas dos modelos de lógica mecânica. É necessária uma outra matemática, já não da quantidade, do resultado, mas da qualidade, da tendência.

E pensemos — o que é a economia? É a sobrevivência. Vem antes do sexo, continua depois dele e aumenta as possibilidades da sua ocorrência, para o próprio e para a prole. A economia é tudo o que se relaciona com a obtenção de comida, abrigo, roupa, saúde, educação, segurança, transportes, divertimento. Ou seja, tudo o que molda o sentido da vida, pois claro. Claro. E claro que uma nova visão da economia se relaciona com uma nova visão antropológica, um olhar mais apurado do que seja o humano nisso de o descobrir vário, errante e súbito. Quando a própria ciência económica, que tem vivido agarrada à matemática como um macaquinho às costas da mãe, aceita a incerteza como operador, há lições que se podem transportar para as relações pessoais. Podemos deixar de ver os outros mecanicamente, como temos feito na neurose comum, e aceitá-los imprevisíveis. Tal como nós nos sabemos, nem que seja sonhados. Como nós nos queremos, mesmo que ainda não o saibamos ou já o tenhamos esquecido.

Sim, é isso. A economia é o governo da casa.

Garoto sem disciplina

O nosso amigo Rui Vasco Neto brindou-nos com um garboso texto a embrulhar uma justíssima reflexão. Oportunidade para um itálico que nos honra. A sua escrita tem aqui um lugar de abundância, humor e atenção ao que mais importa.

Garoto sem disciplina é um sério candidato ao disparate. Não se lhes pode dar corda a mais nem corda a menos, o velho princípio do sabonete, se apertamos de menos ele cai, se apertamos de mais ele salta-nos da mão. É por isso que a educação é uma tarefa tão complicada, contrariando a sabedoria popular que diz que tudo se cria, de uma maneira ou de outra.

Continuar a lerGaroto sem disciplina

Assassinos do Sócrates Atacam a Eito (ASAE)

filestreaming.jpg

Ler o que o povo escreve nos jornais é redentor. Salva-nos de eventuais ilusões relativas ao poder da racionalidade. No Público de hoje, alguém escolheu para as Cartas ao Director uma que ataca a acção da ASAE repetindo clichés paranóicos, e que termina assim:

Na Serra de Monchique uma brigada da ASAE sentou-se à mesa de um pequeno comerciante local, bebeu do seu medronho caseiro e depois multou-o. Dias depois o homem suicidou-se.

Que gente é esta?

As reacções à actividade da ASAE são a anedótica ilustração do nível de civismo e literacia da País. Os que temem ficar privados desta ou daquela iguaria tradicional são os mesmos que passaram décadas a lamentarem-se por não haver qualquer espécie de regulação do comércio alimentar. Todavia, perante a imbecilidade dos protestos, conclui-se que estavam era satisfeitos com as frequentes intoxicações alimentares, tranquilos com a ingestão das mais desvairadas substâncias cancerígenas, serenos face à possibilidade de serem cúmplices de ilegalidades lesivas do Estado, da saúde pública e dos direitos dos consumidores. Enfim, estavam de pança cheia com o regabofe.

Ver publicistas de nomeada a alinharem nisto é a chouriça no cimo do cozido. Ou melhor, é o caldo onde se coze a irresponsabilidade política. Porque não se deveria ter de justificar, fosse a quem fosse, a actividade da ASAE. Eles chegam com 30 anos de atraso. O que importa discutir são os critérios da regulação, pois sim, mas só após a primeira fase de controlo, no fim de um biénio de exigente fiscalização. Então, deixando a própria entidade reflectir sobre os seus erros e excessos, haveria condições para se respeitar os interesses da comunidade, desde os produtores aos consumidores, passando pelos comerciantes. Se os cidadãos quiserem, não faltam institutos jurídicos e organizações capazes de regular e aperfeiçoar a conduta do Estado.

Quem tem medo da política?

O melhor blogue do mundo é apenas um dos 18 melhores em Portugal

O concurso Melhor Blog Português de 2007 merece a nossa atenção. Ao Fernando acelerou-lhe a veia ditirâmbica, esta causando no Daniel uma bizarra troca de identidades (chamar Yazalde a um Purovic), e a mim suscita-me uma declaração de voto: o melhor blogue do mundo é o Abrupto. À opinião já com mais de 1 ano, acrescento uma evidência: caso o Abrupto acabasse, a blogosfera portuguesa não ficaria a mesma. Quais são os outros blogues a poder reclamar tal efeito?

A maior parte das opiniões negativas que JPP desperta são inanes ou enjoativas imbecilidades, espasmos miméticos e primários. O inevitável prémio da sua popularidade. Uma salutar excepção veio do Paulo Querido, esfregando números nas barbas do Pacheco. Eu também me irrito com a sua inépcia em ser oposição, pois nele há (há?…) condições para alimentar a inteligência da direita-centro-esquerda, a tal zona onde se ganha o Parlamento. Mas o historiador ainda não percebeu a filosofia socrática, tendo apostado no cavalo errado da denúncia da suposta malignidade mui maligna do suposto engenheiro. Também não é claro que tenha ideias para vender ao público com visão, coisa bem diferente de ser escrevinhador na Visão* ou no Público. Adiante, pois nada disto compromete o apreço — na verdade, pasmada admiração — pelo constante trabalho de criação de comunidade que no Abrupto se faz; e como em mais nenhum lugar se vê sequer parecido. Basta referir que a participação dos leitores recebe o cuidado editorial de JPP, tanto para textos como para fotografias, naquilo que é gratuito serviço público. E basta lembrar a sua regular teorização, de cariz sociológica, do estado da blogosfera portuguesa. Como o homem é uma das maiores figuras do circo opinativo, o Abrupto foi, e continua a ser, uma das mais notáveis bandeiras deste nosso meio. Registe-se, igualmente, a alegria com que explora as funcionalidades tecnológicas e conceptuais dos blogues, respeitando-se a audiência no cuidado posto na animação e renovação dos conteúdos. O gosto pela ciência, e suas aplicações quotidianas e lúdicas, o sentimento de paixão pelo mistério cósmico, explicam mais das suas opções do que a dimensão ideológica. Por fim, a perseverança. Num meio dado a tanta efemeridade, tanto ataque narcísico que aniquila ou multiplica blogues, é de aplaudir a manutenção da entidade, e respectiva identidade, Abrupto.

É, pois, grotesco ver o Abrupto em 18º lugar na categoria Melhores Blogs Portugueses em 2007. E é absolutamente lunática a 10ª posição na categoria Política & Sociedade, atrás do Aspirina B (!!). Que quer isso dizer? Que todos os concursos são exercícios de resultado irrelevante. Num sistema por voto popular, há sempre uns maluquinhos que desequilibram a amostra em favor das suas preferências, repetindo votos e arregimentando votantes. E num sistema com júri, é a lotaria das idiossincrasias reunidas a tomar decisões arbitrárias. No caso deste concurso, os dois sistemas foram utilizados. Tudo explicado.

Espero, porém, que a iniciativa perdure. Pois permite descobertas. E o talento nunca é demais. Como o Abrupto prova à saciedade.

__
* Como avisa o Fernando, JPP escreve na Sábado. Pormenor que não consegue molestar o meu notável trocadilho.

Cavaco, quero que tenhas mais cuidado com o que dizes

Cavaco disse que a actual presidência europeia, concluída por Portugal neste Dezembro, tinha sido um indiscutível sucesso. Tendo sido eleito em Janeiro de 2006 para súbdito do Presidente Cavaco Silva, é ponto de honra cumprir esse mandato o melhor que possa. Assim, tenho a obrigação de ajudar o meu Presidente — neste caso, rogando-lhe que pense antes de falar. Afinal, que coisa estrambólica é essa do indiscutível sucesso?

Quanto a indiscutível, não há qualquer discussão: estamos todos de acordo em não discutir o que é indiscutível. Mas quem de nós saberá, mesmo que no modo tímido-inefável de Santo Agostinho, o que seja o sucesso? Os romanos, claro, que consta terem sido especialistas em latim. Na sua engenharia linguística, empurraram o prefixo suc para junto do pospositivo cessus, criando mais uma ponte para o pensamento: successus. Tradução: o que acontece\cessus\cede, move-se a seguir\suc\próximo, depois. Em português corrente: sucesso é aquilo que acontece depois de alguma outra coisa, com ele relacionada pelo vector movimento, ter acontecido. Explicitando: há um acontecimento que, no seu desenvolvimento, gera outro acontecimento. É o que fica claro no conceito de sucessor: sucede como sucessor aquele que estiver relacionado, de alguma forma particular ou circunstancial, com o sucedido.

Ora, iluminados pela lição etimológica, descodificação telepática do pensamento profundo do orador, e crentes na intencionalidade política do Presidente, que raio quis o homem dizer? Isto: que não devemos discutir o facto de Portugal ter exercido a presidência da União Europeia no ano de 2007. E se bem o disse, melhor o cumpriu, nada acrescentando que permita atribuir-lhe opinião ou, tão-só, dizer-se que foi visto a passar perto de uma. E não custa compreender o porquê deste apelo ao silêncio: o Governo alcançou uma extraordinária vitória, deu corpo ao que se entende por excelência. Chega até a ser incomodativo nada haver a apontar como falhanço nesta presidência. Tal como perturba, ao ponto de causar enjoo, contemplar a logística diplomática e organizativa necessária para realizar todas as complexas tarefas na agenda. É um feito político nunca visto em Portugal desde há séculos, uma prova de virtude, de virilidade. E que, ao arrepio da mensagem do Presidente, devia abrir imediato espaço de questionamento: se isto foi possível, que mais poderemos fazer por Portugal, fazer uns pelo outros, aqui e agora, no presente para o futuro e apoiados no vitorioso passado?

Na visita à Guarda, neste Novembro, Cavaco foi interpelado por um popular que lhe pedia soluções para a crise económica e social na região. Às rádios, o Presidente daquele português confessou não saber o que lhe dizer. Ou melhor, não ter nada para lhe dizer. Dias depois (26 de Novembro), Santana, na TSF, louvava o passeio à Guarda e maldizia o investimento do Governo em estradas no e para o Interior. Terminava a rábula, o biltre que estaria a aplaudir as mesmíssimas estradas fossem elas obra do PSD ou sua, ligando novas vias em regiões desfavorecidas com decadência nacional. E, na sua voz de quem quer cagar e não consegue, anunciava revolta a sério.

Estou disposto a deixar passar a vergonha de não ter sabido o que dizer ao meu patrício, com a condição de se arrepender, mas não admito que o meu Presidente deixe em silêncio uma declaração asquerosa como a de Santana — ameaçando, cobardemente, a democracia com revoltas de difuso contorno. Porque um Presidente não tem de governar, nem de interferir na governação. Governar é amoral, cínico, calculista. Ao Presidente exige-se, antes, que seja um probo, um sage e um bravo. E isso obriga a dar açoites aos meninos-pantomineiros.

Portanto, Cavaco, tem cuidado com o que dizes. Mas tem mais cuidado com o que não dizes.