Há poucas coisas que ainda me chocam, nesta altura da minha vida. Mas, aquilo que tenho ouvido e lido, nestes últimos dias, sobre conceitos tão básicos (ou deveriam ser!) como "democracia", "república parlamentar", "Constituição", e "idoneidade", não pode deixar de me chocar.
É certo que Portugal é uma democracia jovem, com pouco mais de 40 anos. Mas, ainda assim, acalentava a esperança de que um povo que viveu 50 anos em ditadura tivesse mais afecto por ela. Mais conhecimento sobre ela, e, acima de tudo, mais fome dela.
O que vejo é um povo animado pelos Midia direitolas, que, perante o exercício legítimo da democracia, a condena e achincalha usando, para isso, ou argumentos absurdos ou (pior!) argumentos primitivos e bacocos invocados por Marcelo Caetano e toda a trupe que, em nome de "cofres cheios" (frase também apadrinhada já pelo governo Passos) deixou o país com 75% de analfabetismo, milhares de estropiados de guerra e o terror semeado em cada esquina.
A verdade, é que, esse tempo, não difere muito para o que o anterior governo fez. Em nome dos tais "cofres cheios" (que não existem nem nunca existiram), substituiu os analfabetos por desempregados, os estropiados de guerra pela emigração e o terror pela austeridade.
Vejamos: não fez comichão política aos que agora rezam por um Salazar que apareça numa manhã de nevoeiro o facto de o PSD e o CDS, coligando-se ao PCP e ao Bloco de Esquerda, chumbarem e derrubaram o último governo do PS. E menos comichão fez esse chumbo ser feito a meio de uma legislatura (com todas as consequências mais graves que acarreta), ser feito em nome de "não ao PEC, não à austeridade" e logo a seguir orgulharem-se de ser "mais troikista que a troika" e afundarem o país em mais austeridade. Não fez comichão a ninguém, os midia direitolas manipularem a opinião pública querendo fazer parecer que a Troika chegou porque o PS queria muito que isso acontecesse, ao invés de explicarem a nua e crua realidade: a Troika chegou porque o PSD e o CDS ao chumbarem o PEC que era a única forma de não pedir ajuda externa naquela altura, obrigaram o governo do PS já condenado a assinar o acordo externo.
Muito menos comichão fez quando um importante militante do PSD insinuou que a política manipula a justiça, numa confissão inequívoca da conduta muito pouco idónea das forças políticas colocadas à direita.
Nada disto fez comichão a ninguém. Tudo isto era e foi, para todos, respeitoso exercício democrático.
Mas, mal se vislumbra a possibilidade de os deputados com assento no Parlamento exercerem uma prerrogativa constante na Lei Fundamental, toda a gente se sente incomodada. Ouvem-se os maiores diaparates e insultos a uma coisa que nos levou anos a conquistar, que nos custou muito caro a conquistar: a liberdade democrática.
Eu não sei se o acordo à esquerda é bom ou mau, politicamente, o que eu sei é que é legítimo e que a direita pode espernear, pode estalar todo o verniz e mostrar a sua falta de chá democrático, que nada disso retira a legitimidade do panorama político actual.
Os meus cumprimentos,
Sofia Sobreira Calado
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