Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

Preto no branco, ainda

Faça-se subir aqui a discussão que, nos cafundós do blogue, se vem desenrolando. Os dois intervenientes o desculpem, se era a discrição o que procuravam.

Nuno Ramos de Almeida | abril 19, 2006 11:32 PM

Valupi,
Ao contrário de ti e do professor Cavaco que estão convencidos que pessoas com informação igual chegam às mesmas conclusões, há no mundo gente que pensa que é possível ter ideias diferentes sobre a realidade. A função do Bloco, e dos outros partidos políticos, é defender um conjunto de ideias que acham importantes para melhorar a sociedade. Por muito que te custe entender, o Bloco defende propostas diferentes para imigração do que CDS/PP. As iniciativas como o Colóquio Internacional, para ti “sem contexto”, a exemplo do relatório aprovado no Parlamento Europeu ou das propostas legislativas sobre a imigração e a nacionalidade, servem para fazer este caminho.
Nesta matéria, ao contrário de outras áreas, o Bloco e os seus activistas têm muita actividade e, de alguma maneira, as suas ideias que só há integração com cidadania, têm-se tornado presentes na discussão democrática e na formação de novas maiorias sociais.
Tu não mostras realidade nenhuma, apenas teimas em remendar um post com uma perna de pau e outra amputada.
Eu acho que toda a gente percebeu que apesar das más companhias do Aspirina, tu não és, nunca foste, e nunca serás do Bloco ou de Esquerda. Mas não teria sido mais fácil publicar um anúncio no Diário de Notícias a garantir ao Sr. Prior que nada tinhas a ver com gente pecadora?

Nota: eu que não tenho nada que ver com organizações de imigração, já estive em reuniões com associações, iniciativas e diálogos com a população no Vale da Amoreira, na Azinhaga dos Bezouros, na Arrentela, na Cova da Moura, no Bairro do Fim do Mundo, para além da Bela Vista… vê lá tu, a quantidade de trabalho que militantes do Bloco que participam, por exemplo, na Solidariedade Imigrante e em outras organizações já fizeram…

Valupi | abril 20, 2006 03:47 AM

Nuno
Não estás de boa-fé nesta conversa (coisa que não me preocupa, esclareço, mas também não me diverte) e por isso estás a perder tempo. Se preferes fazer alusões ao Cavaco, ao CDS, ao Aspirina ou à Virgem Maria, em vez de apresentares factos e informações relativos ao assunto, não pagas mais por isso. Há fantasmas de estimação, compreende-se.

Nunca pensei que a prestação de um trio de luxo — tu, o Daniel e o “James” — se ficasse pela inanidade de reagirem emocionalmente num campo onde detêm tanta informação. O Daniel foi buscar a produção legislativa, tu puxaste da biografia e o “James” disse-me para contratar um detective. Mas nenhum foi capaz de indicar um qualquer meio para aferir, constatar, avaliar, ponderar, simplesmente conhecer o plano de actividades (já nem falo dos objectivos) do Bloco nas áreas em causa. Esse silêncio começa a ganhar estatuto de mistério.

Onde vocês se mostram muito descontraídos é na hermenêutica de posts e consequentes comentários. Pelos vistos, estão preocupados com a integridade do texto, não admitem qualquer desvio. Fica-vos bem esse cuidado e ofereço-me para vos ajudar.

Reparem que o parágrafo em causa começa com uma tese genérica: os partidos são os maiores responsáveis pelo marasmo social no que respeita à relação que temos com os nossos imigrantes. É uma tese não académica, confirmo. Mas permitiu dar dois exemplos: PCP e Bloco. O que eu fiz, todos o podem fazer; e daí tirar conclusões. Se os sites não são actualizados por causa de qualquer situação anómala ou porque nem sequer é um canal que mereça atenção, é problema que não me diz respeito. Fica que, como cidadão, não encontro em lado algum (nem nos veículos informativos oficiais!) a informação que procuro. Acham questão de somenos? Acham que é preguiça? Essas magníficas respostas, aqui em cima gravadas, dizem muito do autismo partidário.

Mas porquê dar como exemplo o PCP e o Bloco? Para o Daniel, eu não poderia ter escolhido pior; e não é que o homem acertou?… Realmente, algo de muito mau se passa em Portugal quando as duas forças políticas com maior protagonismo na defesa dos imigrantes são, ao mesmo tempo, exemplos de desleixo e inércia. Desleixo na comunicação e inércia no pensamento, eis o que está à vista no que apresentam e no que escondem. Porque se a actividade parlamentar e mediática, o trabalho com associações e populações, é uma constante, também constante é a tibieza desses resultados. De resto, seria inconcebível que organizações partidárias profissionalizadas, com orçamentos para gastos vários, pagando salários, tendo voluntários à disposição, não ocupassem as temáticas e tecidos sociais onde viabilizam a sua existência. Não há surpresa nenhuma, nem sequer merece frouxo aplauso, o facto de o Bloco e o PCP terem militantes e apaniguados seus metidos nas associações disto e daquilo, produzirem documentos ou organizarem colóquios. O que se discute é a eficácia dessas intervenções.

Para quem participa na vossa vida partidária, a revolução está de saúde. Há coisas a acontecer. Há papéis para mostrar. Há sítios para visitar. Há reuniões para comparecer. Há textos para escrever. Há fotos para mostrar. Há tempos de antena para preencher. Há eventos para encenar. Há pessoas com quem falar. A existência faz sentido, é uma questão de tempo até todos se convencerem das vossas verdades.

Entretanto, no mundo dos que apenas trabalham e vão para casa dormir, os dias passam sem se tropeçar nos partidos. A imigração cresce e as pessoas acomodam-se, mas não se aproveita a diversidade cultural para com ela fazer cultura. Esta a tese de todo o post, que abre com uma experiência no campo das ciências sociais. Por razões várias, Portugal poderia ser uma escola de solidariedade entre povos diferentes. Temos bagagem e lastro para tal, apenas nos falta a cabecinha. Dá-se é o caso dos partidos apenas se fazerem mediaticamente ouvir nessas matérias em períodos eleitorais. Mas ainda muito pior: os partidos não apresentam ideias do foro cultural, limitam-se a utilizar a temática para efeitos de combate político circunstancial. Os partidos não pensam, nem fazem pensar — são conúbios narcísicos.

Aborrece repetir o que já se repetiu: as propostas de lei, as participações em acções, a veiculação informativa (como no “Esquerda”, por exemplo) não estão em causa no post enquanto actividades formalmente meritórias. Para vocês, é o bastante. Para mim, não chega. Porque o modelo que reproduzem é o de uma organização fechada, cópia de associações de cariz religioso onde há um contentamento bovino com as virtudes próprias e uma acusação viperina na ponta da língua para exorcizar suspeitas alheias.

Que a coisa marchava assim, já o sabia. Depois desta discussão, fico assustado.

Portugal: queremos ‘isto’?

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Portugal integrado na Espanha seria mais desenvolvido, mais produtivo, mais habitável? Qualquer inquérito aleatório – de rua, em site de jornal ou a dois taxistas – diria que sim. Suponho mesmo que qualquer inquérito bem estruturado o diria.

Ora o anti-intuitivo veio ontem expresso num artigo de Paulo de Pitta e Cunha, no Público. Intitulava-se «A união ibérica e a União Europeia: refutando a tese iberista» e continha este passo: «Não precisamos da integração política ibérica para nos desenvolvermos mais depressa, antes ela poderia levar a que se perpetuasse o nosso relativo atraso». E expunha-nos isto: que a tese iberista – ainda recentemente reformulada, com entusiasmo, por Saramago – contraria a actual deriva exactamente desagregacionista na Europa: os casos da Jugoslávia, da Checoslováquia, as tentações activas na Itália e na própria Espanha.

Faltou lembrar algo mais nítido ainda: que ‘ser Espanha’, e sê-lo de há séculos, não leva a grande desenvolvimento. Aí está a Galiza a mostrá-lo. Não se duvide: também nós, uma vez integrados, perderíamos (sucedeu aos galegos) os instrumentos para gerirmos os nossos recursos, os humanos incluídos. A Espanha não dorme em serviço. Nunca dormiu.

Mas não é a Espanha um magnífico país, dinâmico e boémio em dose invejável? Claro, entra pelos olhos. Mas isso não é razão para nos perdermos nele. A única boa razão para fazê-lo será a definitiva descrença em nós, o termos decidido que ‘isto’ já não nos interessa.

Ainda não chegámos lá. É até provável que nunca cheguemos. Esta coisa é certa: enquanto os iberistas não produzirem doutrina mais sólida, resta-nos rirmo-nos na cara deles. E irmos ao trabalho, senhores.

¿Qué miran los poetas portugueses?

«José», de que ignoramos tudo excepto a acuidade dos seus comentários no Aspirina, envia-nos um texto, inicialmente destinado ao seu (temporariamente inacessível) blogue, segunda surpresa nossa. Havíamo-lo convidado a desenvolver certa, e curiosa, visão da blogosfera, e esperamos que venha a fazê-lo. De momento, vai este texto (permitimo-nos um ‘editing’), que abre pela «Balada para los poetas andaluces de hoy», poema de Rafael Alberti, cantado pelos Aguaviva.

Qué miran los poetas?

¿Qué cantan los poetas andaluces de ahora?
¿qué miran los poetas andaluces de ahora?
¿qué sienten los poetas andaluces de ahora?

Cantan con voz de hombre
pero, ¿dónde los hombres?
Con ojos de hombre miran
pero, ¿dónde los hombres?
Con pecho de hombre sienten
pero, ¿dónde los hombres?

Cantan, y cuando cantan parece que están solos
Miran, y cuando miran parece que están solos
Sienten, y cuando sienten parece que están solos.

No suplemento do DN , «6ª», publicado na sexta-feira passada, numa página de recensão de livros, podia ler-se um pequeno texto de apreciação a um livro de Charles Baudelaire, Conselhos aos Jovens Literatos. O texto assinado por JMS ( presumindo-se José Mário Silva), em pouco mais de uma dúzia de linhas, cita o tradutor- Jorge Melícias- para lhe dizer que traduziu «com pouco esmero» e com «alguns erros de palmatória» e refere uma particularidade do texto traduzido que seria «menor e quase juvenil», quando o autor das Flores do Mal andava pelos 25 anos. Depois, centra-se na pessoa do tradutor:

Ao desmascarar o “escritor maldito” que se revela um “burguês usurário e sem escrúpulos, alguém que confunde literatura literatura com licitação, poesia com juros», Melícias pretende apenas atingir, por interposta figura tutelar, a corrente estética da poesia portuguesa contemporânea oposta à sua. Raras vezes li ataque tão insidioso, tão desonesto e tão cobarde.

A seguir a este escrito, o visado Jorge Melícias, não perdeu tempo e no blog Da Literatura, logo no próprio dia, respondeu em letra de forma.

Não conheço o livro em causa, o qual, porém, admito folhear. Não sei quais são as correntes estéticas da poesia portuguesa de modo a poder alvitrar palpites sobre a justeza da crítica e da crítica ao crítico. De resto, nem leio poesia por aí além e este além, não passa daqueles livrinhos de recolha dela, editados por Assírio & Alvim, mas apenas nos momentos em que estou em livrarias. Estou por isso, muito desqualificado para comentar esta trica. Mas trinquei os dois textos o suficiente, para dizer algo de diferente.

Em primeiro lugar, o texto assinado por JMS ficaria num seguro olvido do não lido, não fora o reparo lido a propósito do ataque ad hominem. Em segundo lugar, deu-me para pensar que o universo da literatura em Portugal, escrita ou traduzida em português e particularmente da “poesia”, foi definitivamente apanhada numa onda onde emergem alforrecas e se afogam couves, para o caldo de cultura que está a parecer mais uma sopa de pedra: os últimos condimentos já são demasiado pesados para o estômago frágil do leitor acidental.

Cá por mim, este indivíduo pode ter razão, ao escrever sobre as…amizades na escrita. A qual implica uma outra face que tal como em Janus, a acompanha. As inimizades literárias podem bem descambar em menções pessoalizadas pelo meio restrito em que se movimentam.

Quantas pessoas, em Portugal, sabem que existem duas correntes estéticas (pelo menos), na poesia que se escreve e publica? Talvez as que frequentam as faculdades de letras… Então, pode muito bem perguntar-se: é para esse público que se escreve, publica e critica a poesia? Então, estão muito bem acantonados nos blogs! Deixem-se estar, nesses lugares tranquilos de reserva de caça às palavras escritas!

Porém, apetece repetir o título do postal: Qué miran los poetas… portugueses de ahora?!

JOSÉ

Os fantasmas ausentes

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Não sou um admirador da ficcionista Clara Ferreira Alves e conforta-me saber que o apreço é recíproco. Como este não é um blogue confessional, apresso-me a dizer que existe, de tão amável avaliação por parte da senhora, documentação impressa. Não sou, todavia, dos que fazem vida de apontar os fracos à cronista. Tenho pelo género ‘crónica’ a maior das estimas e considerei o trabalho de CFA assinalável o suficiente (e mais do que isso) para incluí-lo em antologia.

Tudo isto não teria a mínima importância, não fosse o caso de a cronista me ter, agora, desapontado. No Expresso da passada sexta, CFA escreveu sobre «A morte do romance» uma crónica assustadora, onde afirma, a dado momento:

«Dos romancistas franceses, italianos, alemães, americanos, ingleses, russos, austríacos, checos, irlandeses, latino-americanos, que assombraram e iluminaram a adolescência e o princípio da idade adulta de várias gerações, sobram uns quantos nomes, clássicos de clássicos, enunciados com a indiferença do que se ouviu falar e não se conhece ou já não se conhece.»

«Este é o tempo imperial de Dan Brown e de Paulo Coelho»

Não é questão de lembrar que isto é a ordem natural das coisas. Daqui a 30 anos, desses «uns quantos nomes» restarão bem menos ainda. Não é sequer questão de sublinhar que outros fantasmas estrangeiros assombram e iluminam hoje as mentes. Ou que é pelo menos desdenhoso dá-los, a todos, como Paulos Coelhos (no que faço a CFA a fineza de supor que ela não fala do Dan Brown do estimável «Código Da Vinci»).

Não. Do que se trata é de termos de espantar-nos da ausência, entre os numerosos nomes aduzidos, de fantasmas brasileiros na mente de Clara. Para quem carrega fantasmas dessa procedência, é um assombro que alguém não os tenha. E sente a «morte do romance» segundo CFA como uma tese manca. Tão manca que constrange e mete um dó. E que ninguém corra em socorro da cronista, lembrando que ela referiu os «latino-americanos». É que pretender diluir neles os brasileiros ainda faz pior.

E mais importante ainda: cem assombrados por Machado de Assis, ou por Mário de Andrade, ou por Guimarães Rosa, compensam bem as dezenas de milhares de parvos que compram Paulo Coelho. Mas terá Clara alguma noção disso?

Alegria pascal

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A 13 de Fevereiro comemorou-se com alguma pompa o centenário do nascimento de Agostinho da Silva. Um mês antes, o Luis Rainha teve a supina amabilidade de me oferecer uma agenda da Imprensa Nacional – Casa da Moeda dedicada ao George de Barca de Alva. Graciosa dádiva? Digamos que fui o providencial salvador dessa peça, de outra forma destinada a um funesto porvir nas mãos de um perigoso esquerdista. É que a Esquerda é alérgica ao Império do Espírito Santo, anticapitalismo oblige. [para os que tiverem dificuldade em detectar ironias, é favor introduzirem ponto e vírgula e parêntese direito no final do parágrafo]

Agostinho da Silva é um daqueles casos onde há de tudo para todos. Começa por não ter doutrina alguma, resultado de uma mescla delas. Quando apareceu como estrela mediática, em finais dos anos 80, o parolismo jornalístico tentou cunhar-lhe o epíteto de “Filósofo”. Seria filósofo porque dizia umas coisas assim a modos de coisa nenhuma, e os jornalistas têm a pragmática clarividência de reconhecer na filosofia a sua intrínseca inutilidade. Por outro lado, com a inflação de romancistas e poetas lusos, o nicho da filosofia pátria estava carente de reforços; até porque Eduardo Lourenço é complexo e taciturno demais para o gasto diário e José Gil ainda não tinha aparecido com um livro que se entendesse à primeira leitura. Com o velhote das barbas brancas era um regalo, toda a gente ficava com a sensação de ter percebido alguma coisa. Finalmente, tínhamos um filósofo para a faixa dos 7 aos 77 anos, fórmula que sempre vendeu bem.

A minha primeira reacção foi de enfado. Considerava a atenção mediática prova suficiente de logro, pois algo de errado tinha de existir para explicar a crescente popularidade. Sim, o povo não se costuma enganar, preferindo invariavelmente a má cópia ao original no que diz respeito ao pensamento. O que ia conhecendo dele, entretanto, só confirmava a intuição: aquilo não era filosofia, era literatura; e bera. Até que calhou ouvi-lo pela rádio e a sua voz deixou-me ver o que as palavras ofuscavam. Isto da voz, já agora, tem muito pouco que se lhe diga — é apenas a parte do corpo onde estamos mais nus.

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Goza com a tua língua

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Lisboa é grande. Mas duvido que haja, nela, mais do que um Helder Guégués. Pois bem, esse mesmo, que talvez você conheça (Lisboa é grande, mas os círculos são pequenos), tem um blogue em que, com paciente regularidade, comenta questões (sobretudo «erros» e «falhas») do nosso idioma. Chama-se Letratura e está aqui. É um prazer, um gozo, uma lição.

Pilhei o título do post de um cartaz galego, erotizante de linguístico. Pilhei a assombrosa foto no blogue de Helder Guégués. «Tudo vos será perdoado».

Há rebuliço na cave

Na caixa de comentários do post PRETO NO BRANCO, há discussão da grossa entre Nuno Ramos de Almeida e o autor do mesmo, Valupi, sobre a actuação do Bloco de Esquerda.

Está o Parlamento em férias, a agora isto!

Como se tal não bastasse, no post LIMPAR A FULIGEM, andam em grande folia Jorge Carvalheira e a nossa querida Dona Ermelinda, «senhora» que aqui vem sobressaltar-nos em outros avatares, masculinos esses.

Quem disse que este blogue era manso, pá?

BLOGOMILHO

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Galiza, Festival de Ortigueira, 2005 (foto Vieiros)

Na Galiza, a blogosfera (e quem cunhou o termo? José Mário Silva? Paulo Querido? quem, quem?) chama-se «bloguesfera». Mas também, e mais garridamente, «blogomillo».

O blogomilho galego (há-de ter-se aqui uma ideia dele) acaba de ver-se reconhecido com um prémio nacional na concreta pessoa de MARTIN PAWLEY, autor de Días Estranhos.

aqui no Aspirina se noticiou um encontro, muito proximamente, de blogueiros galegos e portugueses. Agora citem-se palavras de Pawley, entrevistado no Portal VIEIROS (Caminhos).

Como valora a evolución do blogomillo neste tempo?
«É espectacular. Se alguén nos conta hai tres anos, cando eramos vinte sendo xenerosos os que tiñamos blogs en galego, que hoxe a cifra andaría perto de dúas mil, non o creríamos. O cambio máis importante é que agora non lle tes que explicar aos amigos que é un blog antes de dicirlle que ti tes [tu tens] un.»

E sobre o comportamento blogueiro:

«A xente ás veces confía nunhas estrañas regras de “cordialidade na rede” que non comparto según as cales non hai que afastarse xamais dun comportamento case monxil [monástico] para non ofender a ninguén. Eu levo discutido no blog, e moitísimo, e sobre materias ás veces delicadas, con persoas que hoxe teño por amigos. En Internet, como na vida, dúas persoas poden levarse a matar un día, e ao seguinte son amigos da alma.»

Quarta-feira de cinzas

Acabou o carnaval em S. Bento. Segue-se a quaresma cavaquista. A maior vergonha, no episódio da falta de quórum na Assembleia da República, ainda não está à vista. Vamos ter de esperar uns dias. Virá dos chefes dos partidos centrais, Sócrates e Marques Mendes. O que eles não serão capazes de assumir fechará um ciclo. Será o apogeu da decadência partidária, a fulguração suprema da vexante cultura política portuguesa.

119 deputados, por razões diversas, tinham coisas mais importantes para fazer do que estar a votar propostas do Governo relativas a espaços marítimos e a indemnizações a vítimas da criminalidade, entre outras trivialidades. Podemos até supor que a grande maioria dos faltosos estaria tão concentrada nos espaços marítimos que se antecipou à votação e partiu para o terreno. Os políticos preferem estar no terreno, é sabido, especialmente quando ele fica situado em frente aos tais espaços marítimos. Mas a viandante decisão destes impacientes deputados também conseguiu, num golpe de génio, abarcar a temática das indemnizações às vítimas da criminalidade. É que estamos perante um caso em que as vítimas da criminalidade parlamentar atingem dez milhões de indivíduos, o que só acrescenta relevância à proposta que ficou por votar.

A Assembleia esconde um laboratório para a investigação da esquizofrenia. O seu Regulamento impõe ao deputado a participação nas votações; já de si, este um dever patológico quando aplicado a pessoas que foram eleitas, e são pagas, para isso mesmo. Porém, o Estatuto dos Deputados considera que toda e qualquer razão é válida para faltar às votações. Nuno Melo, líder parlamentar do CDS-PP, deu-nos um exemplo paradigmático: a propósito de dois dos seus cinco deputados desaparecidos em combate, disse que se ausentaram para actividades que ele, Nuno Melo, considerou importantes. E assim arrumou a questão com um argumento que alia a beleza da simplicidade com o delírio de grandeza.

A dimensão veramente fascinante na ocorrência é do foro manual. Mãos esquerdas e direitas assinaram folhas de presença. Concluído o exercício caligráfico, enfiaram-se nos bolsos ou pegaram em sacos com toalhas de praia, e ala que se faz tarde. Os nomes inscritos foram deixados ao abandono, privados da dignidade que só as cabeças lhes poderiam garantir. A questão que agora temos de resolver é a seguinte: que fazer com esses nomes que levaram com os pés? Como já não representam os seus outrora legítimos proprietários, entretanto rebaptizados na igreja das Sinecuras e Prebendas, tornaram-se nomes inúteis. Devem ser apagados.

Alentejanidades

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O Valupi lembra-me a minha ascendência berbere. O Filipe Moura lembra-me que sou alentejano. A minha irmã, Maria Antónia Venâncio, que é lisboeta, lembra-me – com esta sua foto – que, se mais razões faltassem para o orgulho meridional, as flores do campo já serviam.

Ao longe, espreita a serra de Alcaria Ruiva. Mais 10 quilómetros, e estamos em Mértola. O centro do mundo, claro.

Limpar a fuligem

Também eu, a la Fernando e sem lhe pedir autorização, destaco parte de um comentário de Jorge Carvalheira adentro de um post que já era dele. É um texto delicioso, e bombástico… De caminho, recupero a tradição dos itálicos, de tão boa memória no BdE.

Anónimo, ou Dona E., ou lá o que é:
Assim de chofre V. assustou-me, nessa silhueta altiva de embuçado. A escura capa, o chapéu sobre os olhos, a protestar, ao Fernando, contra um vilão qualquer… Quase o confundi, oculto e misterioso, com umas figuras que antigamente havia, elas também secretas, também de chapéu e capa cintada… Mas depois vi que não. O seu estilo, bem lido, é mais do homem da Sandeman. Ou assim.
Eu só tinha ido ali visitar o blogue, “de viseira aberta” e coração nas mãos, não vi que o quarteirão era seu, desculpe lá!
Mas vamos ver se é possível meter algum rossio nesta acanhada betesga, um par de coisas há-de lá caber.
A primeira é o que V. chama, por erro crasso, choramingueira. Saiba que é raiva. É ira. É fúria, algumas vezes. É frustração e desespero, muitas. V. pode intuir as razões, mas eu vou alinhavar-lhas.
Eu não chamei a terreiro a educação daqueles largos tempos da nossa longa vida colectiva, em que três quartos do país trabalhava de sol a sol sem direito a uns sapatos, a uma camisa, a uma escola (lembra-se deles?), para o quarto restante viver à tripa forra. Para esses tempos nefastos há escusas avulsas, a pedido, foi ele a ditadura, a atribulada república, foram os desleixos da monarquia antiga, a economia fraca, a miséria geral…
Eu falei apenas dos últimos trinta anos, em que tivemos todos liberdade como nunca, de escolher, e de optar, e de decidir da nossa vida. Nunca houve na história de Portugal tanta escola, nem tantos alunos, nem tantos professores, nem tantos livros, nem tanto dinheiro, nem tanta iliteracia, nem tanto analfabeto funcional, nem tão crassa ignorância, nem tamanha ausência de educação. Então qual é agora a desculpa, perguntei eu, numa lógica honesta. E sugeri (sustento) que, não sendo nós piores que outros (salvo o que de nós disse um certo romano, há muito tempo), o busílis poderá estar, entre outros, na história que foi a nossa, e na vida que andámos 500 anos a fazer. Sugeri que não chegaremos à modernidade, nem apresentaremos cara lavada, antes de nos limparmos da fuligem.
É isto uma heresia, bem o sei, para consciências delicadas. Mas o mundo, que não fui eu que fiz, anda aí cheio delas. Senão vá V. perguntá-lo à história, à nossa em particular. Vá com cuidado, não bata a qualquer porta! Não gaste muito tempo com histórias de encartados, os das grandes roupagens oficiais, pelos riscos de conto do vigário. Essas histórias têm por trás a carreira, sabe como é, uma cátedra, a pública consideraçãozinha, o mais certo é adoçarem-lhe esta pílula mais amarga, ou aquela verdade menos cómoda, segundo a antiga ciência do sobreviver. Por isso experimente V. ir à literatura, excelente lugar para refugiados. Puseram-lhe sempre famas de falsa e de fingida, na bem fundada esperança de que o povo não venha a lê-la. Troque-lhes V. as voltas. Esqueça as alamedas épicas e vá por certos becos do Camões, anda por lá muita verdade ostracizada. Bata à porta do Sá de Miranda, que fazia sonetos como quem calceta ruas, ele explica por que se foi ao Minho e mandou os da corte bugiar. Em podendo, passe no Diogo do Couto, não perca por nada o Bernardo Gomes de Brito, espraie-se no Fernão Mendes Pinto, divirta-se com as entrelinhas do Gil Vicente, e vá perguntar ao Buchanan e ao Clenardo de Lovaina, eles lhe dirão o que a Índia, em três tempos, fez de nós.
E se ainda me segue, Dona E., procure outros que eu aqui não citei, que eu nem conheço, mas que andam por aí à sua espera, eles sabem muito bem que só é cego aquele que não quer ver. Havendo empenho seu, eles lhe mostrarão de que maneiras, para sossego do trono e do altar, os poderosos trucidaram sempre os mais sabedores de nós todos, os mais insubmissos e os mais lúcidos, os Damiões de Góis e os Teives humanistas, os Vieiras e os Cavaleiros de Oliveira, os Verneys e os Ribeiros Sanches, mesmo os duros Pombais, quando existiram, os estrangeirados iluministas, os liberais malhados, os republicanos maçons, os socialistas utópicos, os Jesus Caraça e os Azevedos Gomes, os Rodrigues Lapa e os Pulidos Valente, as Marias Lamas e os Jorges de Sena e os Luíses Gomes, que mais sei eu, nem um célebre bispo do Porto escapou.
E se ainda lhe sobrar algum fôlego, perca-o no Saramago dos anos 80, esfalfe-o no Lobo Antunes que já houve, antes de haver um génio. Mas não perca algum Quental, escabiche um bocado no Eça, e no fim vá ler a história alegre do Pinheiro Chagas, que era aquilo que o seu povo merecia. Vá, e indigne-se!
Não sei o que lhe diga sobre as criancinhas da Europa, que há cem anos andavam a trabalhar nas minas. Deus me livre de pensar que na Europa nunca houve exploração do trabalho! O que apenas poderá preocupar-me são aquelas criancinhas que na minha terra ainda hoje o fazem.
Por fim, onde viu apelos à resignação, V. tresleu. Mas não desanime, homem! Vê-se por aí muito pior! E não se ponha assim por baixo das rachas do meu texto, maré de levar para casa o embaraço duma pinga de lirismo, a comprometer-lhe o fato.

Jorge Carvalheira

O Abrupto, a ameaça e a ficção

Às vezes, a gente lê o que quer ler. Sucede sempre aos outros, claro. Mas uma vez tinha que ser a minha. Conduzido por uma informação com certo picante, impedi-me de fazer o óbvio: ir verificar se de facto JPP tinha refeito o texto. Não tinha. Supu-lo cedendo a uma pressão. A ameaça era real, está documentada. Só não sei se foi exercida. Se o foi, saiu frustrada.

Tenho a pedir desculpa ao autor do Abrupto por imaginá-lo cedendo a correcções políticas. E aos leitores deste blogue por não ter feito o trabalho de casa. Quis fazer História. Mas fi-la romanceada. Se não foi simplesmente ficção o que fiz.

O Abrupto cede à correcção política?

Através de um «newsgroup» de galegos e portugueses, sou alertado de que o autor do Abrupto ofendeu a unidade da língua portuguesa. Se o meu revoltado co-foreiro reportou bem, José Pacheco Pereira terá anotado no seu blogue: «À minha volta fala-se brasileiro, língua dos empregados de restaurante em Portugal, produto da globalização».

Vou verificar. É um facto: JPP actualizou o post das 11.54 de ontem. Concretamente, terá eliminado essa passagem e algumas outras, tão inócuas como ela.

No nosso fórum (que, evidentemente, não identifico) lia-se: «No blog de Pacheco Pereira, ao que parece o mais lido de Portugal, é feita uma referência ao português do Brasil, que mais uma vez demonstra a falta de consciência de unidade da língua, vinda da parte de alguém que é claramente um membro da nossa elite e que, por esse motivo, devia ter mais consciência e deve ser mais responsabilidade em relação àquilo que diz. […] Este é mais um exemplo da diferença de atitude das elites castelhanófonas, francófonas e anglófonas, que têm consciência e promovem a unidade das suas línguas enquanto as nossas elites não têm essas consciência e não promovem o conceito de unidade das variedades de português. É caso para repetir pela milionésima vez: com elites assim o nosso país não precisa de inimigos. Contudo o importante é agir, e o sentido desta minha mensagem é o de incitar a que escrevamos para o endereço de email do autor do blog sobre esta questão, chamando-lhe a atenção para que no futuro não repita o erro num blog que, ao que parece, é tão influente» [negrita meu].

A pressão terá, pois, tido efeito. Fico perplexo, e na realidade decepcionado. Claro que o brasileiro nos é uma riqueza e um orgulho, e não posso imaginar que JPP o sinta diferentemente. Mas tudo indica que, cedendo ao clamor da correcção política, ele repudiou uma afirmação lúdica e totalmente inofensiva.

Preto no branco

Um estudo mostrou como a variedade na pigmentação pode conduzir a decisões mais correctas em casos tão complexos como os das deliberações judiciais. A surpresa dos resultados (ou a falta dela) suscita outras reflexões que ultrapassam o contexto forense. Em particular, permite perguntar: que andamos a fazer com os povos que estão em Portugal?

Cada pessoa é um povo, e seria por aqui que tudo deveria começar. Um angolano tem mais diferenças face a um guineense do que um cabo-verdiano face a um português. Não há nesta observação nenhuma hierarquia, apenas o enfoque na estrutura cultural onde a personalidade se forma. A lupa pode mostrar mais: um angolano de Cabinda tem (ou pode ter) mais diferenças face a um angolano do Moxico do que um moçambicano face a um tanzaniano. Claro que tudo isto é discutível, e ainda bem.

O que não merece discussão é a constatação da inércia lusitana no processo de acolhimento do estrangeiro. Seja loiro ou moreno, escuro ou claro, tratamos as outras nacionalidades em figura de gente com uma desconfiança que se consuma em desprezo. Há causas antropológicas evidentes, pulsionais, que só se transformam com o poder evolutivo do pensamento; mas a nossa sociedade não está servida de um escol que queira alterar a situação. As escolas e os meios de comunicação não levam a que sejamos amorosos daquilo que no outro é diferente. Ficamo-nos pela curiosidade circense e manipuladora. A consequência trágica é que desse modo também nos impedimos de descobrir o que há no outro de semelhante — e até de nosso, por ser exactamente o mesmo em todos.

Os responsáveis principais pelo marasmo são os partidos políticos. Seja porque é aos partidos que é dada a responsabilidade da governação e legislação, seja porque os partidos — sem excepção — cultivam o oportunismo como estratégia de poder. O espectáculo das excursões aos bairros da miséria e marginalidade, em período eleitoral, é uma vergonha a pedir vaias, ovos podres e até uns sopapos. Visitem-se as montras online do PCP e do Bloco, insuspeitos defensores parlamentares dos direitos e condição de vida dos imigrantes, e leia-se o que eles têm para dizer: informação em circuito fechado para cumprir agenda editorial. Não há uma única iniciativa ou ideia relevante para com ela se fazer cultura. No caso do PCP, chega a ser escandaloso descobrir que a notícia mais recente trata de um texto de Jerónimo de Sousa datado de 21 de Dezembro de 2005, aquando de uma visita à Comissão de Moradores da Cova da Moura para tentar sacar uns votos. O Bloco é mais prudente, não datando a maior parte das suas parcas notícias, mas revelando igual falência política e cívica.

Explicar aos infantes que Portugal é uma misturada de heranças, algumas das quais ainda vivas na sua origem — e que por isso um berbere, um árabe e um judeu contemporâneos são nossos antepassados, são família — seria o começo de uma educação verdadeiramente superior.

Este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório