Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

.NL faz 20 anos

A 25 de Abril de 1986, faz hoje exactamente 20 anos, um programador holandês, Piet Beertema, teve uma ideia com futuro. O número de utentes de email (ainda não se chamava assim, a própria Internet como hoje a conhecemos estava por nascer) prometia superar os 25.000. Aí surgiriam problemas, já que o nome único de cada computador não podia exceder, no sistema, as sete letras ou algarismos. Foi quando o administrador Beertema decidiu juntar «.nl» ao nome da sua máquina. Os códigos do país estavam encontrados, e também o nosso «.pt» começava a existir. Mas ainda ninguém o sabia.

Votos crípticos

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O que acontece quando dois excelentes blogues se unem em matrimónio? Uma prole infinda de posts minimais?
Seja como for, o que nos importa, a nós leitores, é que as alegrias que hoje começam não vos roubem tempo para a blogação. E aqui fica um pequeno mas decorativo vasito, à laia de presente que gostaria de vos oferecer, se a penúria não fosse tão aflitiva.

Saudades do futuro

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O futuro: visão de conjunto (foto analógica, antiquíssima)

Todos os dias, ao sair de casa, dou de caras com o futuro. Não um futuro qualquer, abstracto, nevoento. Não, o meu futuro é tacteável, legível, inscrito na pedra.

Alguém, de perfil e gostos hoje indefinidos, mas estuante de ideias, fez, em 1977, quando os prédios foram construídos, colocar um monumento ali na relva. O aspecto é fúnebre, concedo. Mas talvez a funebridade seja conceito relativo, resvaladiço, e daqui por uns tempos aquilo adquira conotações festivas, ou íntimas, enfim, coisa que nós ali hoje não vemos. Porque ‘futuro’ é o que não falta ao monumento: quase 500 anos.

É assim. Naquelas lajes, Amsterdão de 1977 saúda (textualmente) Amsterdão de 2477. E não se fica por palavras. Guarda, sob uma laje, água do Canal dos Senhores (o Herengracht, o turista reconhecerá), sob outra, água do Amstel (o rio que dá nome à cidade, A Represa do Amstel), e terra de sítios diversos do burgo, e ainda uns sons da época, com um gravador (eles pensaram em tudo), e até filmes da época, quase de certeza em Super8. Um dos torreões abriga um projector.

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O futuro: pormenor

É de esperar que o futuro saiba simplesmente ler os dizeres, isto se o vento e a chuva – e os sapatos de quantos ali fazem picnics no Verão – não os tiverem apagado. Sim, porque entretanto a fita gravada e o Super8 ter-se-ão pulverizado. Se o gravador e o projector sobreviverem, o futuro nem saberá para que serviam, como o índio do Amazonas (feliz dele) que encontra um CD com a «Mila» do Netinho. Excelente número, mas segredo nosso.

Simplesmente, as perspectivas para o sítio não são as melhores. Ele fica, como quase a cidade inteira, abaixo do nível do mar. Visto que as previsões mais simpáticas (com o degelo, o efeito-estufa, vocês sabem) dão ao Oeste da Holanda duzentos anos, e as mais sinceras cem, o monumento é, desde já, tecnicamente, um achado subaquático ainda em seco.

Mas, enquanto andamos por aqui de pés enxutos, vamos pensando nos sorrisos do futuro, imaginando o fim de tarde de 2477 em que os netos dos nossos longínquos netos irão abrir, a laser, ou por palavras mágicas, o momumento… e darão de rosto connosco.

Mas isto só nós o sabemos. E isto nos basta. Porque é essa a consistência, e a certeza, de todas as saudades do futuro.

“Compramos Sucata”

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“A Cormetal, que atua a mais de 20 anos no mercado de RECICLAGEM compra para reciclar:”
Inicia-se desta forma auspiciosa e ortograficamente inovadora um mail que por aqui recebemos “a” bem pouco tempo. Gostaria de responder a estes senhores com boas novas. Mas que sucata lhes poderemos vender? Comentadores inoxidáveis? Polémicas enferrujadas mas ainda com alguns quilómetros para dar? Bloggers a precisar de recauchutagem, como este vosso criado?

O artista secundário

Publica-se, aqui, retocado. Definitivo.

O ARTISTA SECUNDÁRIO

Estava ele tranquilo, teclando.
A coisa até se pusera a sair bem,
Com Dvorčak passeando pelos cantos.
Abaixo da vidraça, a toda a largura,
Como nos filmes, Nova Iorque apressava-se.
Era aquilo um poema? Os outros diriam.
Saga? Também servia. E, a insistirem,
Prontos tá bem, um romance. Contentes?

E, de repente, aquilo. O ecrã a negro,
Silenciados ‘O Novo Mundo’ mais o ar condicionado.
Fizera o ‘save’? Fizera? Não fizera.
Isto é um sonho. Mas desta vez não havia sorte.
Ai a minha vida. Cita-se, também literalmente.
Vá, depressa, refazer, enquanto…
Mas oh, ali no papel perdera a graça.
Ai a minha vida. Já nem se comenta.

Pois era, perdera-se tudo. Apagara-se
O grande texto fundador do século,
Como diriam, alvoroçados, os críticos do costume.
E dirão, por Zeus. Dirão. Mas de outro.
Que, nesse dia, enlouquecerá de feliz.
Ele, o artista secundário.
Gandulos. Acabam sempre por encontrá-lo.

fv

Sttau

Faria agora 80 anos. Passou por cá escrevendo teatro («Felizmente há luar!»), romance («Angústia para o jantar»), crónica («A Guidinha»). Nunca pertenceu ao inner circle da cultura, menos ainda da literária. Nunca relia nada, nem provas. Não ia a estreias das peças. «Sou isolado dos escritores. Isolado dos críticos. Isolado dos literatos», disse a Mário Ventura, para o DN, em 1981. Vivia do trabalho, tendo a mãe uma fortuna. Mas disse-se que vivia à custa dela. «Convinha à direita, e à esquerda resolvia complexos. Como é que o gajo, que goza, que bebe e que brinca, tem dinheiro? E então a explicação era a minha mãe. Esquecendo-se que eu às oito da manhã estava a trabalhar em agências de publicidade, vinha para casa escrever, marrava que nem um cão».

Diz-se, também, que a peça «Felizmente há luar!», de 1961, só foi representada depois da Revolução. Há um grupo de pessoas que sabem que não foi. Elas representaram-na em 1964, algures no País, para uma pequena multidão. Um dos actores, dos principais, era este vosso servo. Mas é a pequeníssima história. Uma página da Guidinha vale mais.

para os meus amigos publicitários

Preto no branco, ainda

Faça-se subir aqui a discussão que, nos cafundós do blogue, se vem desenrolando. Os dois intervenientes o desculpem, se era a discrição o que procuravam.

Nuno Ramos de Almeida | abril 19, 2006 11:32 PM

Valupi,
Ao contrário de ti e do professor Cavaco que estão convencidos que pessoas com informação igual chegam às mesmas conclusões, há no mundo gente que pensa que é possível ter ideias diferentes sobre a realidade. A função do Bloco, e dos outros partidos políticos, é defender um conjunto de ideias que acham importantes para melhorar a sociedade. Por muito que te custe entender, o Bloco defende propostas diferentes para imigração do que CDS/PP. As iniciativas como o Colóquio Internacional, para ti “sem contexto”, a exemplo do relatório aprovado no Parlamento Europeu ou das propostas legislativas sobre a imigração e a nacionalidade, servem para fazer este caminho.
Nesta matéria, ao contrário de outras áreas, o Bloco e os seus activistas têm muita actividade e, de alguma maneira, as suas ideias que só há integração com cidadania, têm-se tornado presentes na discussão democrática e na formação de novas maiorias sociais.
Tu não mostras realidade nenhuma, apenas teimas em remendar um post com uma perna de pau e outra amputada.
Eu acho que toda a gente percebeu que apesar das más companhias do Aspirina, tu não és, nunca foste, e nunca serás do Bloco ou de Esquerda. Mas não teria sido mais fácil publicar um anúncio no Diário de Notícias a garantir ao Sr. Prior que nada tinhas a ver com gente pecadora?

Nota: eu que não tenho nada que ver com organizações de imigração, já estive em reuniões com associações, iniciativas e diálogos com a população no Vale da Amoreira, na Azinhaga dos Bezouros, na Arrentela, na Cova da Moura, no Bairro do Fim do Mundo, para além da Bela Vista… vê lá tu, a quantidade de trabalho que militantes do Bloco que participam, por exemplo, na Solidariedade Imigrante e em outras organizações já fizeram…

Valupi | abril 20, 2006 03:47 AM

Nuno
Não estás de boa-fé nesta conversa (coisa que não me preocupa, esclareço, mas também não me diverte) e por isso estás a perder tempo. Se preferes fazer alusões ao Cavaco, ao CDS, ao Aspirina ou à Virgem Maria, em vez de apresentares factos e informações relativos ao assunto, não pagas mais por isso. Há fantasmas de estimação, compreende-se.

Nunca pensei que a prestação de um trio de luxo — tu, o Daniel e o “James” — se ficasse pela inanidade de reagirem emocionalmente num campo onde detêm tanta informação. O Daniel foi buscar a produção legislativa, tu puxaste da biografia e o “James” disse-me para contratar um detective. Mas nenhum foi capaz de indicar um qualquer meio para aferir, constatar, avaliar, ponderar, simplesmente conhecer o plano de actividades (já nem falo dos objectivos) do Bloco nas áreas em causa. Esse silêncio começa a ganhar estatuto de mistério.

Onde vocês se mostram muito descontraídos é na hermenêutica de posts e consequentes comentários. Pelos vistos, estão preocupados com a integridade do texto, não admitem qualquer desvio. Fica-vos bem esse cuidado e ofereço-me para vos ajudar.

Reparem que o parágrafo em causa começa com uma tese genérica: os partidos são os maiores responsáveis pelo marasmo social no que respeita à relação que temos com os nossos imigrantes. É uma tese não académica, confirmo. Mas permitiu dar dois exemplos: PCP e Bloco. O que eu fiz, todos o podem fazer; e daí tirar conclusões. Se os sites não são actualizados por causa de qualquer situação anómala ou porque nem sequer é um canal que mereça atenção, é problema que não me diz respeito. Fica que, como cidadão, não encontro em lado algum (nem nos veículos informativos oficiais!) a informação que procuro. Acham questão de somenos? Acham que é preguiça? Essas magníficas respostas, aqui em cima gravadas, dizem muito do autismo partidário.

Mas porquê dar como exemplo o PCP e o Bloco? Para o Daniel, eu não poderia ter escolhido pior; e não é que o homem acertou?… Realmente, algo de muito mau se passa em Portugal quando as duas forças políticas com maior protagonismo na defesa dos imigrantes são, ao mesmo tempo, exemplos de desleixo e inércia. Desleixo na comunicação e inércia no pensamento, eis o que está à vista no que apresentam e no que escondem. Porque se a actividade parlamentar e mediática, o trabalho com associações e populações, é uma constante, também constante é a tibieza desses resultados. De resto, seria inconcebível que organizações partidárias profissionalizadas, com orçamentos para gastos vários, pagando salários, tendo voluntários à disposição, não ocupassem as temáticas e tecidos sociais onde viabilizam a sua existência. Não há surpresa nenhuma, nem sequer merece frouxo aplauso, o facto de o Bloco e o PCP terem militantes e apaniguados seus metidos nas associações disto e daquilo, produzirem documentos ou organizarem colóquios. O que se discute é a eficácia dessas intervenções.

Para quem participa na vossa vida partidária, a revolução está de saúde. Há coisas a acontecer. Há papéis para mostrar. Há sítios para visitar. Há reuniões para comparecer. Há textos para escrever. Há fotos para mostrar. Há tempos de antena para preencher. Há eventos para encenar. Há pessoas com quem falar. A existência faz sentido, é uma questão de tempo até todos se convencerem das vossas verdades.

Entretanto, no mundo dos que apenas trabalham e vão para casa dormir, os dias passam sem se tropeçar nos partidos. A imigração cresce e as pessoas acomodam-se, mas não se aproveita a diversidade cultural para com ela fazer cultura. Esta a tese de todo o post, que abre com uma experiência no campo das ciências sociais. Por razões várias, Portugal poderia ser uma escola de solidariedade entre povos diferentes. Temos bagagem e lastro para tal, apenas nos falta a cabecinha. Dá-se é o caso dos partidos apenas se fazerem mediaticamente ouvir nessas matérias em períodos eleitorais. Mas ainda muito pior: os partidos não apresentam ideias do foro cultural, limitam-se a utilizar a temática para efeitos de combate político circunstancial. Os partidos não pensam, nem fazem pensar — são conúbios narcísicos.

Aborrece repetir o que já se repetiu: as propostas de lei, as participações em acções, a veiculação informativa (como no “Esquerda”, por exemplo) não estão em causa no post enquanto actividades formalmente meritórias. Para vocês, é o bastante. Para mim, não chega. Porque o modelo que reproduzem é o de uma organização fechada, cópia de associações de cariz religioso onde há um contentamento bovino com as virtudes próprias e uma acusação viperina na ponta da língua para exorcizar suspeitas alheias.

Que a coisa marchava assim, já o sabia. Depois desta discussão, fico assustado.

Portugal: queremos ‘isto’?

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Portugal integrado na Espanha seria mais desenvolvido, mais produtivo, mais habitável? Qualquer inquérito aleatório – de rua, em site de jornal ou a dois taxistas – diria que sim. Suponho mesmo que qualquer inquérito bem estruturado o diria.

Ora o anti-intuitivo veio ontem expresso num artigo de Paulo de Pitta e Cunha, no Público. Intitulava-se «A união ibérica e a União Europeia: refutando a tese iberista» e continha este passo: «Não precisamos da integração política ibérica para nos desenvolvermos mais depressa, antes ela poderia levar a que se perpetuasse o nosso relativo atraso». E expunha-nos isto: que a tese iberista – ainda recentemente reformulada, com entusiasmo, por Saramago – contraria a actual deriva exactamente desagregacionista na Europa: os casos da Jugoslávia, da Checoslováquia, as tentações activas na Itália e na própria Espanha.

Faltou lembrar algo mais nítido ainda: que ‘ser Espanha’, e sê-lo de há séculos, não leva a grande desenvolvimento. Aí está a Galiza a mostrá-lo. Não se duvide: também nós, uma vez integrados, perderíamos (sucedeu aos galegos) os instrumentos para gerirmos os nossos recursos, os humanos incluídos. A Espanha não dorme em serviço. Nunca dormiu.

Mas não é a Espanha um magnífico país, dinâmico e boémio em dose invejável? Claro, entra pelos olhos. Mas isso não é razão para nos perdermos nele. A única boa razão para fazê-lo será a definitiva descrença em nós, o termos decidido que ‘isto’ já não nos interessa.

Ainda não chegámos lá. É até provável que nunca cheguemos. Esta coisa é certa: enquanto os iberistas não produzirem doutrina mais sólida, resta-nos rirmo-nos na cara deles. E irmos ao trabalho, senhores.

¿Qué miran los poetas portugueses?

«José», de que ignoramos tudo excepto a acuidade dos seus comentários no Aspirina, envia-nos um texto, inicialmente destinado ao seu (temporariamente inacessível) blogue, segunda surpresa nossa. Havíamo-lo convidado a desenvolver certa, e curiosa, visão da blogosfera, e esperamos que venha a fazê-lo. De momento, vai este texto (permitimo-nos um ‘editing’), que abre pela «Balada para los poetas andaluces de hoy», poema de Rafael Alberti, cantado pelos Aguaviva.

Qué miran los poetas?

¿Qué cantan los poetas andaluces de ahora?
¿qué miran los poetas andaluces de ahora?
¿qué sienten los poetas andaluces de ahora?

Cantan con voz de hombre
pero, ¿dónde los hombres?
Con ojos de hombre miran
pero, ¿dónde los hombres?
Con pecho de hombre sienten
pero, ¿dónde los hombres?

Cantan, y cuando cantan parece que están solos
Miran, y cuando miran parece que están solos
Sienten, y cuando sienten parece que están solos.

No suplemento do DN , «6ª», publicado na sexta-feira passada, numa página de recensão de livros, podia ler-se um pequeno texto de apreciação a um livro de Charles Baudelaire, Conselhos aos Jovens Literatos. O texto assinado por JMS ( presumindo-se José Mário Silva), em pouco mais de uma dúzia de linhas, cita o tradutor- Jorge Melícias- para lhe dizer que traduziu «com pouco esmero» e com «alguns erros de palmatória» e refere uma particularidade do texto traduzido que seria «menor e quase juvenil», quando o autor das Flores do Mal andava pelos 25 anos. Depois, centra-se na pessoa do tradutor:

Ao desmascarar o “escritor maldito” que se revela um “burguês usurário e sem escrúpulos, alguém que confunde literatura literatura com licitação, poesia com juros», Melícias pretende apenas atingir, por interposta figura tutelar, a corrente estética da poesia portuguesa contemporânea oposta à sua. Raras vezes li ataque tão insidioso, tão desonesto e tão cobarde.

A seguir a este escrito, o visado Jorge Melícias, não perdeu tempo e no blog Da Literatura, logo no próprio dia, respondeu em letra de forma.

Não conheço o livro em causa, o qual, porém, admito folhear. Não sei quais são as correntes estéticas da poesia portuguesa de modo a poder alvitrar palpites sobre a justeza da crítica e da crítica ao crítico. De resto, nem leio poesia por aí além e este além, não passa daqueles livrinhos de recolha dela, editados por Assírio & Alvim, mas apenas nos momentos em que estou em livrarias. Estou por isso, muito desqualificado para comentar esta trica. Mas trinquei os dois textos o suficiente, para dizer algo de diferente.

Em primeiro lugar, o texto assinado por JMS ficaria num seguro olvido do não lido, não fora o reparo lido a propósito do ataque ad hominem. Em segundo lugar, deu-me para pensar que o universo da literatura em Portugal, escrita ou traduzida em português e particularmente da “poesia”, foi definitivamente apanhada numa onda onde emergem alforrecas e se afogam couves, para o caldo de cultura que está a parecer mais uma sopa de pedra: os últimos condimentos já são demasiado pesados para o estômago frágil do leitor acidental.

Cá por mim, este indivíduo pode ter razão, ao escrever sobre as…amizades na escrita. A qual implica uma outra face que tal como em Janus, a acompanha. As inimizades literárias podem bem descambar em menções pessoalizadas pelo meio restrito em que se movimentam.

Quantas pessoas, em Portugal, sabem que existem duas correntes estéticas (pelo menos), na poesia que se escreve e publica? Talvez as que frequentam as faculdades de letras… Então, pode muito bem perguntar-se: é para esse público que se escreve, publica e critica a poesia? Então, estão muito bem acantonados nos blogs! Deixem-se estar, nesses lugares tranquilos de reserva de caça às palavras escritas!

Porém, apetece repetir o título do postal: Qué miran los poetas… portugueses de ahora?!

JOSÉ

Os fantasmas ausentes

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Não sou um admirador da ficcionista Clara Ferreira Alves e conforta-me saber que o apreço é recíproco. Como este não é um blogue confessional, apresso-me a dizer que existe, de tão amável avaliação por parte da senhora, documentação impressa. Não sou, todavia, dos que fazem vida de apontar os fracos à cronista. Tenho pelo género ‘crónica’ a maior das estimas e considerei o trabalho de CFA assinalável o suficiente (e mais do que isso) para incluí-lo em antologia.

Tudo isto não teria a mínima importância, não fosse o caso de a cronista me ter, agora, desapontado. No Expresso da passada sexta, CFA escreveu sobre «A morte do romance» uma crónica assustadora, onde afirma, a dado momento:

«Dos romancistas franceses, italianos, alemães, americanos, ingleses, russos, austríacos, checos, irlandeses, latino-americanos, que assombraram e iluminaram a adolescência e o princípio da idade adulta de várias gerações, sobram uns quantos nomes, clássicos de clássicos, enunciados com a indiferença do que se ouviu falar e não se conhece ou já não se conhece.»

«Este é o tempo imperial de Dan Brown e de Paulo Coelho»

Não é questão de lembrar que isto é a ordem natural das coisas. Daqui a 30 anos, desses «uns quantos nomes» restarão bem menos ainda. Não é sequer questão de sublinhar que outros fantasmas estrangeiros assombram e iluminam hoje as mentes. Ou que é pelo menos desdenhoso dá-los, a todos, como Paulos Coelhos (no que faço a CFA a fineza de supor que ela não fala do Dan Brown do estimável «Código Da Vinci»).

Não. Do que se trata é de termos de espantar-nos da ausência, entre os numerosos nomes aduzidos, de fantasmas brasileiros na mente de Clara. Para quem carrega fantasmas dessa procedência, é um assombro que alguém não os tenha. E sente a «morte do romance» segundo CFA como uma tese manca. Tão manca que constrange e mete um dó. E que ninguém corra em socorro da cronista, lembrando que ela referiu os «latino-americanos». É que pretender diluir neles os brasileiros ainda faz pior.

E mais importante ainda: cem assombrados por Machado de Assis, ou por Mário de Andrade, ou por Guimarães Rosa, compensam bem as dezenas de milhares de parvos que compram Paulo Coelho. Mas terá Clara alguma noção disso?

Alegria pascal

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A 13 de Fevereiro comemorou-se com alguma pompa o centenário do nascimento de Agostinho da Silva. Um mês antes, o Luis Rainha teve a supina amabilidade de me oferecer uma agenda da Imprensa Nacional – Casa da Moeda dedicada ao George de Barca de Alva. Graciosa dádiva? Digamos que fui o providencial salvador dessa peça, de outra forma destinada a um funesto porvir nas mãos de um perigoso esquerdista. É que a Esquerda é alérgica ao Império do Espírito Santo, anticapitalismo oblige. [para os que tiverem dificuldade em detectar ironias, é favor introduzirem ponto e vírgula e parêntese direito no final do parágrafo]

Agostinho da Silva é um daqueles casos onde há de tudo para todos. Começa por não ter doutrina alguma, resultado de uma mescla delas. Quando apareceu como estrela mediática, em finais dos anos 80, o parolismo jornalístico tentou cunhar-lhe o epíteto de “Filósofo”. Seria filósofo porque dizia umas coisas assim a modos de coisa nenhuma, e os jornalistas têm a pragmática clarividência de reconhecer na filosofia a sua intrínseca inutilidade. Por outro lado, com a inflação de romancistas e poetas lusos, o nicho da filosofia pátria estava carente de reforços; até porque Eduardo Lourenço é complexo e taciturno demais para o gasto diário e José Gil ainda não tinha aparecido com um livro que se entendesse à primeira leitura. Com o velhote das barbas brancas era um regalo, toda a gente ficava com a sensação de ter percebido alguma coisa. Finalmente, tínhamos um filósofo para a faixa dos 7 aos 77 anos, fórmula que sempre vendeu bem.

A minha primeira reacção foi de enfado. Considerava a atenção mediática prova suficiente de logro, pois algo de errado tinha de existir para explicar a crescente popularidade. Sim, o povo não se costuma enganar, preferindo invariavelmente a má cópia ao original no que diz respeito ao pensamento. O que ia conhecendo dele, entretanto, só confirmava a intuição: aquilo não era filosofia, era literatura; e bera. Até que calhou ouvi-lo pela rádio e a sua voz deixou-me ver o que as palavras ofuscavam. Isto da voz, já agora, tem muito pouco que se lhe diga — é apenas a parte do corpo onde estamos mais nus.

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