A que ministro aludia Marcelo com aquela do “moscatel quente”?
Tudo mentira à partida. Para quê o relatório e para quê a CPI?
Tendo o PS conquistado uma maioria absoluta, automaticamente se formou o coro da oposição conluiada, que entoa vigorosos cânticos de indignação partilhada a cada medida tomada pelo Governo, a cada resposta a reivindicações, muitas vezes provocatórias, de sinal partidário e intenções disfarçadas, a cada conclusão de comissão de inquérito (CPI), aberta por tudo e por nada. O coro conta com os poderosos megafones da comunicação social e comentadores amigos.
Saiu o relatório preliminar da CPI à TAP. À TAP, repito. À alegada interferência política na administração da TAP, a propósito da indemnização paga a Alexandra Reis pela sua saída. “Relatório fofinho”, ouvi eu hoje na rádio Radar, que citava o Expresso. Estava dado o mote para a indignação do dia. O relatório era uma vigarice.
Segundo a oposição, o que se devia ter apurado na dita comissão? Ora, que foi o Governo, na figura de Pedro Nuno Santos, que deu ordem não só para o pagamento da indemnização considerada escandalosa, como até pelo despedimento da senhora (de quem durante meses a mesma oposição – amplificada por jornalistas e comentadores amigos – disse cobras e lagartos, troçando das suas competências, aparência e guarda-roupa). Como não se apurou nada disso e quer Alexandra Reis, quer Pedro Nuno, quer o seu secretário de Estado Hugo Mendes se mostraram à altura e responderam dignamente e com verdade às perguntas dos deputados, deixando-os vazios de acusações, mas cheios de tristes figuras, agora o relatório é uma lástima, foi ditado pelo Governo e não passa de uma ficção. Esta oposição está mesmo onde devia estar: na oposição. A continuar assim, é onde vai estar por muitos anos.
Que interessa todos termos ouvido a ex-CEO da TAP declarar que foi sua a decisão de despedir Alexandra Reis e que foi a equipa de advogados convocada de acordo com as regras que chegou àquele valor? Nada, não interessa nada. E que não agradou ao ministro a saída da engenheira? E que interessa que o secretário de Estado tenha dito que, ao ter conhecimento do elevado montante, comunicou ao ministro ter sido impossível baixá-lo (inicialmente seria muito mais elevado)? Nada, não interessa nada, até porque, para a oposição, tudo era já mentira antes de ter sido dito por qualquer dos inquiridos, excepto Frederico Pinheiro. O relatório, escrito por eles, dispensava a comissão de inquérito! A ex-CEO ter sido despedida passar de exigência das oposições a decisão reprovável do Governo também diz muito dos nós em que se metem as oposições e que ficam visíveis nas CPI. Um circo, foi a ideia que ficou.
Muito rasteira anda também a comunicação social pelo facto de o episódio do roubo numa situação inédita, e da recuperação posterior do computador de Frederico Pinheiro, assessor de Galamba, não ter sido mencionado no relatório. Esquecem, mas sem surpresa, porque é intencional, as razões por que não o foi: o caso, como todos sabem, está a ser objecto de investigação pela Procuradoria, além de que não tem nada que ver com o objecto do inquérito. Mas, meu deus, como tolerará a oposição que o ministro Galamba não tenha sido enxovalhado no relatório, como não o foi na CPI? Como tolerará o Bloco de Esquerda que o seu camarada Frederico não tenha sido descrito como um herói, na pior das hipóteses como uma vítima? Não tenha sequer sido mencionada a importância do seu acto?
Da próxima vez, os senhores deputados da oposição podem dispensar-se de ouvir seja quem for do Governo. Reúnem-se e elaboram o relatório das suas teorias e conclusões. E o Governo demite-se. Então não era?
Diz que o PS não sei quê
Parece que já foi há mais de dois anos mas foi apenas há dois meses e tal. O excelente Ricardo Paes Mamede fez um excelente artigo de desagravo a Hugo Mendes — Em defesa de Hugo Mendes — bem antes deste ter sido ouvido e questionado na comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão da TAP. Na audição em causa, Hugo Mendes confirmou todos os elogios recebidos do Ricardo; para boa surpresa de uns tantos e azia de muitos mais. A imagem de tontinho, que os impérios da comunicação social nas mãos da direita espalharam e exploraram, deu lugar à realidade de ser um quadro político com que Portugal pode e deve contar, e de que nos devemos orgulhar como representante da comunidade na cidadania.
Se volto a 17 de Abril de 2023 é para ilustrar como até na melhor racionalidade cai o sectarismo e o tribalismo. Por causa desta passagem: «Mais desconcertante ainda é o modo como o PS participa no ataque a Hugo Mendes, por acção ou omissão, na esperança de que a personalização dos erros num só indivíduo permita ao governo e ao partido que o suporta saírem incólumes da polémica que envolve a TAP.» Ai sim, Ricky?
A teoria da conspiração assim vertida não prima pela originalidade nem pela sofisticação. Ora, após as prestações de Hugo Mendes e Pedro Nuno Santos na referida comissão de inquérito temos informação que não estava disponível para o autor da passagem. Essa informação é factual quanto à lisura e competência com que ambos os ex-governantes justificaram os seus actos. Consequentemente, o banzé mediático e a caudalosa chicana evanesceram-se, expondo a fétida encenação que a oposição (com a honrosa excepção do PCP) andou meses a montar.
O Ricardo não revela a que se refere na acusação ao PS. A fórmula “por acção ou omissão” serve-lhe para cobrir a plenitude dos actos de qualquer protagonista correlacionado com o PS sem ter de indicar seja o que for ou quem. A ideia de que haveria um plano sofregamente partilhado entre as entidades “governo” e “partido” para “atacar Hugo Mendes” é pura diabolização. E a alegada motivação do “saírem incólumes” é cinismo infantilóide, primarismo de comentadeiro.
Na verdade, o que é estranho num académico intelectualmente prendado como Ricardo Paes Mamede é o esquecimento de que, assim como ele tinha ficado a conhecer muito bem Hugo Mendes, outros, seus colegas no Governo e no partido, poderiam conhecê-lo tão bem ou até melhor. E, por isso e por dominarem a matéria em causa, saberem que a sua ida à comissão de inquérito para finalmente poder contar a sua versão era mais do que suficiente para estilhaçar a pulharia.
A inteligência é um instrumento. Convinha que começasse a ser usada não para a estupidificação de tratar o PS como um monstro, antes para desenvolver propostas que nos fizessem ter interesse em votar nos partidos com ideias melhores do que as dos socialistas.
Eclesiastes 3, 1-8
«A explicação dos megaprocessos não pretende esclarecer nada, mas esconder tudo. Esconder a violência cometida contra um inocente. Esconder a detenção televisionada no aeroporto e a invocação de perigo de fuga quando vinha a entrar, não a sair do país. Esconder a prisão para investigar. Esconder a violação sistemática do segredo de justiça e os prazos de inquérito sucessivamente adiados como se estes não constituíssem direitos subjetivos, direitos individuais que não estão à disposição do Estado. Bem vistas as coisas, a desculpa dos megaprocessos pretende normalizar — normalizar a campanha de difamação, normalizar as acusações absurdas, normalizar a viciação do processo de escolha do juiz. E normalizar o silêncio que se seguiu.»
Este não é o tempo para avaliar a inocência de Sócrates. Este é o tempo para alinhar com os pulhas, aqueles que trocaram a presunção de inocência pelo linchamento e pelo auto-de-fé. Ou então para subir às muralhas do Estado de direito em defesa da civilização onde queremos viver. Terceira alternativa excluída. Porque não há quem admita publicamente que a Justiça pode ser usada para condenar inocentes.
Mas há quem tente usar, e quem realmente usa, a Justiça para condenar inocentes, ou para os destruir socialmente mesmo que não se chegue à condenação. Esses, inclusive quando manipulam e pervertem a Justiça para apanhar veros criminosos, são sempre infinitamente piores do que os seus alvos.
A inocência de Sócrates não é matéria de convicção, é de princípio. Outro tempo virá em que será de demonstração ou persuasão. Não é este, não é sequer o que mais importa.
O crítico de cinema do Público que vá dar uma curva
Ao contrário do senhor Luís Miguel Oliveira, eu adorei o último filme da série Indiana Jones. Tem acção, pancadaria, emoção, cor, movimento, variedade, substância, imaginação, história, humor, sentimento e um elenco maravilhoso. O espectador não se aborrece um segundo naquelas duas horas e meia de aventuras. O Harrison Ford está perfeito no papel despudoradamente assumido do velho e já cansado, algo amargurado e sofrido professor aventureiro, que ainda assim mantém a antiga chama. A Phoebe Waller-Bridge muito viva, arguta, excelente, cinco estrelas para ela. Perfeita naquele papel. O miúdo que a acompanha, uma bela surpresa. O Banderas muito bom, apesar do (infelizmente) reduzido papel. O Mads Mikkelsen não desilude no seu estereótipo. Depois, todos os “brinquedos”, a maquinaria: os automóveis, os aviões, os comboios, as motas, as lanças, os artefactos, tudo impecável e na medida certa para um filme deste género. É muita coisa? É. Mas, tratando-se do último filme da série (com o Harrison Ford como protagonista, pelo menos, porque conhecemos Hollywood), digamos que uma despedida apoteótica, expressionista, se justifica inteiramente. Um adeus à guisa de homenagem e muito merecido para o actor. Não esteve o Spielberg na realização, mas James Mangold provou ser um substituto mais do que à altura da responsabilidade.
Posto isto, então não é que aquela alminha do Público lhe atribuiu uma estrelinha apenas? O que quereria ou esperaria ele para um filme deste género, quatro décadas depois? Que não tivesse sido feito? Eu acho que a tarefa era arriscada à partida, claro, eu própria duvidei do interesse da minha deslocação, mas os argumentistas foram extremamente felizes nos equilíbrios e no cozinhado que obtiveram, bem como no tratamento do protagonista. O declínio dos heróis tende a descambar em tragédia e angústia. Mas não há tragédia aqui. Puro divertimento. E ainda bem.
Revolution through evolution
When Majority Men Respect Minority Women, Groups Communicate Better: A Neurological Exploration
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Reading for pleasure early in childhood linked to better cognitive performance and mental wellbeing in adolescence
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Fighting loneliness by finding purpose
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Laughter really is the best medicine research finds
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Investing in nature improves equity, boosts economy
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Toxic ideas online are spreading and growing through the use of irony, analysis shows
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No simple answer for why people believe in conspiracy theories
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Dominguice
Se o projecto fosse o de explicar porque é que a minha vizinha do 4º andar parou no meio do passeio e depois continuou a caminhar, qualquer vizinha do 4º andar, que se teria de fazer? De imediato, teríamos de reclamar tempo e meios para estudar o caso. Quanto tempo, quais meios? O tempo suficiente para investigar todos os meios disponíveis e a informação respectiva. Claro, começaríamos logo por interrogar a vizinha, por ouvir e registar a sua justificação para ter parado no meio do passeio. Mas se acreditássemos nessa resposta, calhando haver uma, sem a tentar confirmar, o inquérito não teria sido levado até ao fim. Na verdade, nem sequer se teria iniciado o processo de averiguação. Ficaria como um veículo da propaganda, ou da arbitrariedade irracional, da minha vizinha do 4º andar.
Se isto é assim para simpáticas e pacíficas senhoras que nunca deram problemas à vizinhança nem ao condomínio, talvez a questão seja ainda um pouquinho mais complexa para tiranos criminosos, mafiosos e assassinos montados em cima de arsenais nucleares.
Fatalismo: a Rússia tem que ser ditatorial, imperialista e religiosa e os ucranianos que se lixem
Afinal o que tem o Ocidente de bom? “Nada”, diriam os Monty Python, a não ser democracia, ciclos eleitorais pacíficos, liberdade de expressão e de associação, liberdade religiosa, incluindo liberdade de não professar qualquer religião, separação de Igreja e Estado, liberdade de mercado, acesso universal à educação, a serviços de saúde maioritariamente gratuitos, respeito pelos direitos das minorias, independência da Justiça, direitos laborais, liberdade de imprensa, etc. “Nada”, portanto. Resta-nos, pobres de nós, gozar a sorte do nada de bom que temos, mas que levou tempo, dor e muito trabalho a conseguir. Por muito sob stress que estas características da nossa sociedade possam estar permanentemente (candidatos a ditadores e arruaceiros haverá sempre), duvido que a esmagadora maioria das pessoas as queiram deitar pelo cano e prefiram a mordaça das autocracias.
Pois bem, o Miguel Sousa Tavares (in Estátua de Sal) que também as prefere, ultimamente anda desorientado com o sucedido para lá do Dniestre. Declarando ter sempre topado perfeitamente o Putin, acha por bem troçar do facto de muitos dirigentes ocidentais terem expressado no passado o desejo e a esperança de que a Rússia se “ocidentalizasse”, mais concretamente, penso eu, que deixasse a violência e as práticas imperialistas e permitisse o jogo democrático a nível interno. E depois terem-se sentido enganados. Haverá algo de errado nisto? A Rússia já não fez (e de certo modo ainda faz) parte do universo cultural europeu? Escritores, compositores, artistas, filósofos, cientistas dos últimos séculos eram tão europeus como quaisquer outros. As respectivas cortes interligavam-se. Alturas houve em que a violência reinava em todos os lados e as monarquias imperavam. É certo que, após a revolução russa, os caminhos divergiram (por cá, no sentido das democracias) e que o domínio soviético, que levou ainda mais longe os requintes de malvadez dos czares, a par de um soturno e radical nivelamento social, deixou marcas profundas naquela sociedade. E hábitos de alheamento político que perduram. Mas a Rússia não deixou de ser uma parte da Europa! Isso, sim, é uma fatalidade.
Diz ele:
«Putin sabe que a democracia e as liberdades, tal como as conhecemos no Ocidente, são coisas alheias aos russos: não lhes fazem falta. Não obstante o heroísmo de resistentes como Navalny, o poder autocrático de Putin não é uma forma de governo estranha aos russos. »
«…desde tempos imemoriais, há três coisas em que assenta o poder na Rússia: a noção de pátria, a religião e o autocrata. Durante a monarquia, a noção de pátria estava na “Mãe Rússia”, o território sagrado pelo qual cada russo daria a vida contra as ameaças dos inimigos; a religião era a Santa Igreja Ortodoxa; e o autocrata era o Czar, investido de poder divino. A partir de 1917, com a Revolução e a paz de Brest-Litovsk, Lenine cedeu território em troca de ganhar os soldados massacrados do Czar para a Revolução, substituiu a religião da Igreja pela do comunismo e a autocracia do Imperador pela do Partido.»
Isto é mau? Não muito, para o Miguel.
Mas, curiosamente, o termo “ocidentalizar”, significa para ele deixar o Ocidente controlar as grandes empresas russas. E por isso dá vivas a Putin por ter revertido essa afronta.
«A diferença entre os seus oligarcas e os do seu antecessor é que os seus passaram a ser controlados a partir do Kremlin e não do Texas. Depois, daí em diante, foi uma cascata: ele passou a “enganá-los” a todos. Ao contrário do esperado, não se deixou “ocidentalizar”.»
Não é bem isso, Miguel, mas enfim. As democracias liberais também estão abertas a capitais estrangeiros. Além disso, é mais justo fazer comércio em igualdade de circunstâncias (pensar nas nossas relações com a China, um problema).
«A barbárie dos russos e dos eslavos, em geral, é lendária. Todavia, a história das décadas da Guerra Fria está carregada de episódios semelhantes do nosso lado, uns conhecidos, outros não, e dificilmente se poderá sustentar que, em matéria de métodos de actuação, de invasões, de golpes de Estado, de massacres, de Guantánamos, nós fomos predominantemente os bons e eles os maus. A História é uma lavandaria onde todos entram sujos e só sai limpo o último a fechar a porta.»
«Claro que, para quem teve a sorte de nascer e ser educado com os valores daquilo a que chamamos “democracias liberais”, só por masoquismo experimental ou obstinação ideológica trocaríamos o nosso modo de vida pelo do país de Vladimir Putin. E, se pudéssemos, decretaríamos o mesmo, a liberdade, para todos os povos e nações do mundo. A liberdade e também a prosperidade. E também a paz — também a paz. »
Os nós dessa cabeça, ó Miguel.
Os últimos parágrafos, sobretudo, são os que revelam o maior transtorno. O Putin é sanguinário, é ex-KGB, é isto e aquilo, mas devemos querer é a paz e deixá-los lá como são. Os russos.
Miguel, não há pachorra para as pazadas de História que atiras para cima dos ocidentais só para escamotear e desculpar o simples facto de ter havido uma invasão violenta de um país soberano, aqui tão perto de nós e tão semelhante a nós, com aspirações a ser um de nós, sem incubadoras de terroristas que gritam “morte ao ocidente” enquanto brandem o Corão, apenas com intuitos imperialistas, e isto no século XXI.
Os ucranianos nesta história do Miguel são completamente irrelevantes. Se calhar, acha que são nazis e merecem perder a sua terra e morrer.
É fodido, pá
É fodido, pá. Isto do Galamba. Aí está ele a governar, armado em ministro. Levado ao colo pelo primeiro-ministro. Recordando, pelo simples facto de aparecer aqui e ali, mesmo que não abra a boca, que o Presidente da República é um chantagista. E que os impérios da comunicação social, todos sem excepção na mão da direita, são um antro de sectários e decadentes, bacanal de comentadores e jornalistas ferrabrases que trabalham para a estupidificação colectiva.
Fodido, pá. Ser-se tão merdoso.
Daniel Oliveira, um zoilo bloqueado
Daniel Oliveira saiu do Bloco mas o Bloco não saiu do Daniel Oliveira. Longe disso, até porque. Oiça-se, ou leia-se, este António Costa já tem um plano B?. É o enésimo exercício de um processo de intenções que começou a seguir às eleições legislativas de 2019 — após o PS não ter cedido ao BE, levando este a chumbar os Orçamentos do novo Governo — onde a sua energia comentadeira se concentra em pintar Costa como um “ambicioso” que não descansa até papar um “cargo europeu” para se encher de dinheiro à tripa-forra e passear-se frente às câmaras com o peito coberto de medalhas. A sórdida campanha atingiu o auge nas legislativas de 2022, onde este amanuense do Balsemão garantia que Costa tinha decidido acabar com o acordo que ligou PS, PCP e BE de 2015 a 2019 só para ficar livre e fugir “para a Europa”. São duas insolências embrulhadas numa infâmia: achar que se pode substituir aos pensamentos e vontade de alguém, denegrir quem aceite responsabilidades políticas de topo na União Europeia.
Por causa dos méritos genéricos que a sua prestação como comentador tem para a qualidade democrática do espaço público, Daniel Oliveira não é um pulha. Ele é um bom divulgador de opções políticas à esquerda do PS, mesmo que do que diz seja impossível elaborar um projecto de País. Mas esta pulhice do assassinato de carácter obsessivo contra Costa, nascido da raiva tribal e da soberba de comentadeiro, faz dele um zoilo. Um zoilo muito bem pago que se permite despachar cagadas odientas.
Nas muralhas da cidade
Goucha, telelixo e palmatória
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NOTA
PCP e BE são partidos populistas, no sentido em que o populismo também corresponde a uma qualquer forma de suspeita sistémica em relação ao poder democrático e ao Estado de direito. No caso dos comunistas, o seu populismo está ostensivamente presente na retórica veterotestamentária e na diabolização do capitalismo, do liberalismo político e dos americanos. No caso dos bloquistas, a retórica é moralista e a pulsão agónica desemboca no assassinato de carácter folhetinesco. Mas em nenhum destes casos se apela ao derrube das instituições pela rua nem à violência física sobre os adversários ou contra alvos sociológicos. O PCP até evoluiu para ser um dos melhores amigos do patronato, e o BE adoraria tomar de assalto Bruxelas por dentro, usufruindo de todas as benesses e prebendas inerentes pelo caminho.
É do populismo da direita que vêm os fenómenos de radicalismo revolucionário e de promoção generalizada da violência — com provas dadas no Capitólio e em Brasília. Força internacional dominadora na actualidade, dando origem a irracionalidades como o Brexit, a eleição de Trump e de Bolsonaro, e aos fenómenos de ganhos eleitorais da extrema-direita um pouco por toda a Europa. Em Portugal, muito antes do Chega, este populismo teve ensaios no próprio PSD, primeiro com Ferreira Leite e a golpada judicial em Aveiro e a Inventona de Belém, e depois com Passos a admitir abertamente que se poderiam criminalizar políticos por razões políticas, e por fim com este a ser o primeiro-ministro que alimentou a farsa do “fim da impunidade”, caldo de cultura criminosa donde nasceu a Operação Marquês nos moldes em que foi iniciada, desenvolvida e consumada. A violência nestes períodos implicou sempre ilícitos cometidos por magistrados e jornalistas, em impante e impunível cumplicidade. E foi dessa práxis que nasceu Ventura, inventado por Pedro Passos Coelho para ser exactamente o que veio a ser.
Deve-se ter tolerância zero com o Goucha, o qual usou o seu poder de influência para normalizar o ódio inerente ao populismo e à extrema-direita. Vai sem discussão. Mas, por maioria de razão, alguém também devia ter esse heroísmo de apontar aos directores e accionistas da comunicação social que querem fazer combate político usando a escória da cidade. O pior do populismo à direita nasce do editorialismo.
Quando se é muito sincero
«"Eu quero ser muito sincero: acho que havia muitos comentadores que queriam que eu dissolvesse e eu tinha a noção de que o povo não queria que eu dissolvesse, queria que eu, realmente, chamasse a atenção do Governo para dizer aquilo que disse no dia 4 [de maio]: 'olhe que, às vezes, é preciso mudar o que não está bem antes que seja, depois, muito tarde'. Foi isso que eu quis dizer, foi uma prevenção", justificou Marcelo. Marcelo disse que, nessa ocasião, o povo considerou que não ser altura para "deitar o jogo abaixo", porque "poderia ter mais custos do que vantagens".
"Eu tinha a noção do que muitos comentadores achavam: 'É agora, é aproveitar agora, se não é agora, é daqui a 15 dias, ou daqui a três semanas e tal... Deite o jogo abaixo e começa-se de novo'. E, do outro lado, diziam o seguinte: 'Não, não é só deitar o jogo abaixo, também não pode estar a chamar a atenção para aquilo que é a governação e tal'", salientou.
O Presidente da República recuou ao discurso que fez na tomada de posse do atual Governo, em março de 2022, para salientar que, na ocasião, tinha alertado que "uma maioria absoluta tem uma responsabilidade absoluta". "Por isso é mais difícil ter maioria absoluta do que não ter porque, quando não se tem maioria absoluta, há sempre várias justificações: porque o partido A não apoiou, porque o B não apoiou, porque o C não apoiou e tal... Se se tem maioria absoluta, não há essas justificações", sublinhou.
Para o chefe de Estado, quando se tem maioria absoluta, "só há uma justificação para as coisas não acontecerem: é haver problemas naqueles que exercem o poder". "Parece um presente [ter maioria absoluta], mas é um presente com muita responsabilidade. O povo, quando dá esse presente, diz 'Bom, eu agora dou-te o poder todo para fazeres o que deves fazer. Mas faz! Porque, se não fizeres, eu vou ser mais exigente do que no tempo em que tu podias dizer, 'olha, eu não pude fazer porque não me deixaram fazer'", destacou.»
Presidente da República, 9 de Junho de 2023
Estas notáveis — e inacreditáveis — declarações não geraram qualquer escândalo, sequer faladura no comentariado, muito menos no Parlamento. Ajudou terem sido feitas na véspera do 10 de Junho, mas a principal razão para o silenciamento é a conivência de toda a imprensa e sistema político para abafar a perda de capacidades políticas (ou morais, ou cognitivas, é escolher) de Marcelo. No registo oral, parte presente na notícia, a percepção de destrambelhamento é ainda mais impressiva. E o mais grave nelas não é serem excepcionais, no sentido de raras ou únicas. É o de serem ordinárias, no sentido de frequentes, vulgares, grosseiras e demagógicas.
Nunca antes, a qualquer anterior Presidente da República, tinha ocorrido a decadente ideia de equiparar um grupo de umas duas dezenas de indivíduos (se tanto) que enchem os bolsos na calhandrice e no sectarismo, a que Marcelo chamou “comentadores”, com a entidade comunitária e constitucional a que chamou “povo”. Pois aconteceu. Como se pode ler e ouvir (e ver, é procurar), o actual Presidente da República admite que os “comentadores” influenciam as suas decisões presidenciais mais importantes, sendo que quase nenhuma das que tem ao dispor é tão poderosa como a de dissolver a Assembleia. A forma como se refere aos tais “comentadores” expõe de forma obscena o seu entusiasmo com a própria gíria da irresponsabilidade suprema de que desfrutam, para quem abrir uma crise política e afundar o País nas consequências de um caos abstruso não passa de “deitar o jogo abaixo”, arbítrio enfadado ou raivoso de quem não está a gostar dos resultados do corrente “jogo”.
Foi o “povo” que conseguiu deter a força dos “comentadores”, explica com detalhe Marcelo. Como? Bom, através da divina capacidade do ex-comentador (ou nem tanto) para saber o que o “povo” quer e não quer, pensa e sente. Tendo acesso à psique colectiva da Grei, o actual inquilino de Belém fica à-vontadex para fazer e dizer o que lhe der na real gana, transformando a sua função de representante do voto popular sujeito à Constituição numa versão manhosa de um rei iluminado que pode obrigar os Governos a fazerem o que ele achar que deve ser feito. Ele “Marcelo”? Não, pá, ele o “povo”, pois apregoa estarmos perante uma hipóstase ambulante (com sérias dificuldades em ficar calada).
O apotegma “só há uma justificação para as coisas não acontecerem: é haver problemas naqueles que exercem o poder” justifica um tratado. E também tratamento contra crises agudas de populismo.
Prémio Nobel da hipocrisia
«O terceiro pressuposto é que o Ministério Público continuará a actuar como faz hoje, noticiando com grande celeridade que abriu um inquérito sobre determinada pessoa ou acção, mesmo quando sabe que não tem qualquer fundamento legal para a penalizar. No momento em que o publicita, está a lançar uma sombra de suspeição e ilegalidade sobre coisas que nunca chegam ao tribunal e que, passado o efeito pretendido, são arquivadas. Igualmente se pressupõe que o Ministério Público, sabendo que as matérias que lhe serviram de pretexto para ouvir telefonemas, controlar mensagens, fazer escutas e vigilância não chegam como prova num tribunal, continue a passar o conteúdo de inquéritos sob segredo de justiça para os programas justiceiros da comunicação social, para que haja condenação na opinião pública de comportamentos que podem ser reprováveis, mas não são ilegais. E também para vir depois dizer que não foi mais longe por “falta de meios”.»
Não só este parágrafo mas todo o texto, um hino à dissonância cognitiva
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Pergunta retórica (ou não) sobre o golpe interrompido na Rússia
Dominguice
O fanatismo é uma forma de imbecilidade. Os recursos cognitivos do fanático esgotam-se na confirmação das suas crenças e na repetição obsessiva da sua lengalenga. O fanático, porque imbecil, abomina a dúvida, foge da incerteza e é incapaz de sentir curiosidade. A sua capacidade racional não lhe serve para a construção de argumentos, só para a selecção de narrativas. Havendo quem lhe sirva as historietas que protegem a sua identidade de fanático, o imbecil alimenta-se delas vorazmente.
O melhor da civilização não foi invenção dos fanáticos imbecis. Daí os imbecis fanáticos não se identificarem com o melhor da civilização.
Lapidar
Vamos lá a saber
Faz sentido comparar o interesse por cinco pessoas de quem se conhece a biografia, as quais se presume estarem vivas e prestes a morrer se não forem encontradas e salvas, com o interesse por um naufrágio no Mediterrâneo que terá causado centenas de mortos, não identificados, em contexto de migração ilegal?
Quando a referência é a violência
O conceito de “imprensa de referência”, ao remeter para o cumprimento integral (ou quase, o que já seria excelente) do código deontológico do jornalista, liga-se ao modo como a democracia, a liberdade e o próprio Estado de direito se concretizam e cumprem. Daí ser tão importante, mesmo fundamental, para a salubridade democrática a existência de uma imprensa livre, independente, objectiva, rigorosa, crítica e pluralista.
Quem concordar com o parágrafo anterior igualmente concorda com esta declaração: não existe imprensa de referência em Portugal. Temos tabloidismo, chungaria e indústria da calúnia, em variadas tipologias e diferentes graus. Por consequência, a nossa democracia está menorizada e intoxicada, sujeita a um permanente processo de estupidificação ao serviço das agendas dos poderes fácticos. Claro, há jornalistas que individualmente ressaltam por darem provas de profissionalismo paradigmático mas, mesmo estes, não conseguem escapar aos ecossistemas editoriais onde são peças da engrenagem.
O melhor exemplo ilustrativo desta realidade, tal o deboche a que se chegou, é o de José Sócrates. À partida, a gravidade das suspeitas que (com toda a legitimidade judicial) recaem sobre ele justifica a obsessão da imprensa no relato, análise e reflexão sobre factos indiciadores de ilícitos. Não carece de explicação a relevância política, social e até histórica do que está em causa. Nenhum mal viria daí se a imprensa se limitasse a noticiar e a opinar dentro do quadro constitucional — portanto, respeitando os direitos de defesa do arguido, depois acusado, e ainda não julgado. Ora, muito antes de se ter iniciado a Operação Marquês já a imprensa acolhia, lançava e expandia campanhas negras contra a personalidade em causa. A ocorrência da detenção, e subsequente prisão, fez crescer desvairadamente a práxis editorial de construção da percepção de culpabilidade de Sócrates. E o modo mais insidioso, portanto mais eficaz, em que tal se inscreve nas audiências ocorre quando os jornalistas se apresentam como jornalistas para emitirem opiniões estritamente jornalísticas, distintas estatutariamente da “opinião”, e acabam a anunciar que mesmo sem ter sido julgado Sócrates é culpado de tudo e de mais alguma coisa. Agem como parceiros do Ministério Público, como xerifes demasiado impacientes para esperar pelo juiz.
Oiça-se o 2014: o ano da queda dos Donos Disto Tudo, onde a nulidade Paulo Baldaia segue o código da classe de não fazer questões que permitam a Sócrates argumentar em sua defesa, procurando apenas sacar bocas sobre política que se possam explorar com sensacionalismo. Na mesma peça, surgem três jornalistas apresentados como jornalistas para dizerem coisas jornalísticas. Tinham eles algo a dizer acerca das irregularidades, abusos e violências sobre os arguidos na Operação Marquês ou sobre o trabalho de Ivo Rosa ao desmontar a farsa da acusação? Zerinho. Foi evidente no que disseram e insinuaram que consideram Sócrates culpado de corrupção, apesar de em momento algum terem explicado onde a corrupção ocorreu e como? Sim, completamente evidente.
Se for nossa escolha que mais vale um culpado ilibado do que um inocente condenado, princípio fundador do edifício da Justiça, concluímos que a imprensa portuguesa exerce quotidianamente o projecto de substituir a democracia do bem comum por uma democracia de claques — sectária e persecutória, decadente, violentadora.