Quando a referência é a violência

O conceito de “imprensa de referência”, ao remeter para o cumprimento integral (ou quase, o que já seria excelente) do código deontológico do jornalista, liga-se ao modo como a democracia, a liberdade e o próprio Estado de direito se concretizam e cumprem. Daí ser tão importante, mesmo fundamental, para a salubridade democrática a existência de uma imprensa livre, independente, objectiva, rigorosa, crítica e pluralista.

Quem concordar com o parágrafo anterior igualmente concorda com esta declaração: não existe imprensa de referência em Portugal. Temos tabloidismo, chungaria e indústria da calúnia, em variadas tipologias e diferentes graus. Por consequência, a nossa democracia está menorizada e intoxicada, sujeita a um permanente processo de estupidificação ao serviço das agendas dos poderes fácticos. Claro, há jornalistas que individualmente ressaltam por darem provas de profissionalismo paradigmático mas, mesmo estes, não conseguem escapar aos ecossistemas editoriais onde são peças da engrenagem.

O melhor exemplo ilustrativo desta realidade, tal o deboche a que se chegou, é o de José Sócrates. À partida, a gravidade das suspeitas que (com toda a legitimidade judicial) recaem sobre ele justifica a obsessão da imprensa no relato, análise e reflexão sobre factos indiciadores de ilícitos. Não carece de explicação a relevância política, social e até histórica do que está em causa. Nenhum mal viria daí se a imprensa se limitasse a noticiar e a opinar dentro do quadro constitucional — portanto, respeitando os direitos de defesa do arguido, depois acusado, e ainda não julgado. Ora, muito antes de se ter iniciado a Operação Marquês já a imprensa acolhia, lançava e expandia campanhas negras contra a personalidade em causa. A ocorrência da detenção, e subsequente prisão, fez crescer desvairadamente a práxis editorial de construção da percepção de culpabilidade de Sócrates. E o modo mais insidioso, portanto mais eficaz, em que tal se inscreve nas audiências ocorre quando os jornalistas se apresentam como jornalistas para emitirem opiniões estritamente jornalísticas, distintas estatutariamente da “opinião”, e acabam a anunciar que mesmo sem ter sido julgado Sócrates é culpado de tudo e de mais alguma coisa. Agem como parceiros do Ministério Público, como xerifes demasiado impacientes para esperar pelo juiz.

Oiça-se o 2014: o ano da queda dos Donos Disto Tudo, onde a nulidade Paulo Baldaia segue o código da classe de não fazer questões que permitam a Sócrates argumentar em sua defesa, procurando apenas sacar bocas sobre política que se possam explorar com sensacionalismo. Na mesma peça, surgem três jornalistas apresentados como jornalistas para dizerem coisas jornalísticas. Tinham eles algo a dizer acerca das irregularidades, abusos e violências sobre os arguidos na Operação Marquês ou sobre o trabalho de Ivo Rosa ao desmontar a farsa da acusação? Zerinho. Foi evidente no que disseram e insinuaram que consideram Sócrates culpado de corrupção, apesar de em momento algum terem explicado onde a corrupção ocorreu e como? Sim, completamente evidente.

Se for nossa escolha que mais vale um culpado ilibado do que um inocente condenado, princípio fundador do edifício da Justiça, concluímos que a imprensa portuguesa exerce quotidianamente o projecto de substituir a democracia do bem comum por uma democracia de claques — sectária e persecutória, decadente, violentadora.

9 thoughts on “Quando a referência é a violência”

  1. mas por as coisas serem como são na imprensa, por conta de as coisas serem como são no julgamento público de Sócrates, é que tem de ser ele a lançar-se na vida política como independente para aniquilar as claques e fazer efectivas e objectivas demonstrações de democracia. esperar que seja uma imprensa de referência a fazê-lo é tara perdida. porque as pessoas, na sua grande maioria, não prestam.

  2. A nulidade do Baldaia.
    Tal e qual, sempre que aparece lembro-me de Zeca Afonso, a cantar:”era um redondo vocábulo, numa soma agreste”.

  3. É elucidativo a sua preocupação em inocentar e encobrir, em detrimento do incentivo à investigação, apuramento da verdade e encaminhamento à justiça, de gajos e tipos, que toda a gente considera culpados de actos altamente danosos para a democracia. Não olha a meios para perseguir toda e qualquer tentativa para apanhar e punir culpados pelo descalabro a que este País chegou, e chega mesmo, com o inocencio coitadinho, a meter, sem mencionar o nome, um patife que lesou um banco, e que agora, depois de propor “um negócio” com a justiça, que consistia em pagar algo em dinheiro, pelo não “levamento” a julgamento do cliente, bagatela do género, “olhe, vocês dizem que o meu cliente deve 8, ele acha que só deve 5, paga 4 já, e não vai a julgamento”, coisa que claro, nao pegou, tentou apelar contra a desumanidade da justiça, alegando incontinência e alzeimer do cliente, que não estaria em condições de responder em tribunal, por falta de memória, quando diz-se, para ditar as memorias a um cabeça de aluguer que lhe estará a escrever a biografia, isso tem, assim como para passar férias na neve, em Cauchevel, acompanhados de outros reles figuroes e actores da área, que dizem que ninguém pode ser punido por conduzir negócios que corram mal, tenha vergonha na cara e borre-a com bosta, pode ser que tenha algum efeito !

  4. Ioda-e, eu nem sequer falei no chega, falei, isso sim, ontem, e foi a única vez, para enfatizar que a desastrosa política do governo no poder, está a causar um mal-estar generalizado no indigenato e que são precisamente essas más práticas governamentais que, inexoravelmente, lançam mais e mais descontentes nos braços do Chaga, e vem vossemecê acusar-me da falar muito do Chega …???
    Comportamento típico de faccionismo fanático, o seu, que pelo que tenho visto, pertence à claque, que aqui, aplaude, e tenta introduzir algo que aumente ainda mais a fogueira…

  5. violência à séria
    a demoníaca blackrock compra senadores a 10 mil dólares ( a razão dos americanos espalharem a democracia á paulada pelo mundo , os políticos da democracia partidária são bué baratos)

    Blackrock is also apparently loving the war in Ukraine, which Varley described as “real fuckin’ good for business.”

    Ukraine is good for business, you know that right? Russia blows up Ukraine’s grain silos and the price of wheat is going to go mad up. The Ukrainian economy is the wheat market. The price of bread goes up, this is fantastic if you’re trading. Volatility creates opportunity for profit…

    https://zerohedge.com/political/blackrock-recruiter-claims-senators-can-be-bought-10k-war-good-business-okeefe

  6. O edifício da câmara de Vila Real de Santo António e o parque de campismo foram penhorados pelo BCP. Eram garantias reais dadas por créditos não pagos, no tempo da gestão do deputado social-democrata Luís Gomes. O ex-autarca pedia os empréstimos via empresa municipal, mas não os pagava: renegociava a dívida sucessivamente. Agora, é uma das câmaras mais endividadas do país, em risco de ficar sem património.

    In Expresso

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