Pode ser que Portugal ganhe à Alemanha. E que ganhe os dois jogos seguintes. E pode ser que o faça com exibições notáveis. Se for assim, será uma desbunda que fará bem a toda a gente lusa, onde se incluem os que não nasceram cá, nalguns casos nem falando português, mas para quem o nome Portugal traz um sopro de alegria. Porém, os sinais esotéricos apontam para a derrota. Conjuga-se a húbris do seleccionador com a mística alemã e a tragicomédia nacional activada pela traição de Scolari. Antevê-se o desaire dentro de poucas horas. Mas seja o que for que aconteça, o resultado não será mais do que a expressão do destino — ou seja, da sorte.
Todos os artigos de Valupi
Uma campanha alegre
A revista Happy Woman está há uns meses com uma excelente campanha publicitária. Encontro-a nas carruagens do Metro e consiste em anúncios para ler. Só por isso, por não se limitar à convencional fórmula da frase em cima de imagem, tem um mérito que justificaria 3 ou 4 medalhas daquelas que os presidentes da República distribuem no 10 de Junho lá por razões que só eles entendem e que ninguém perde tempo a discutir. O mais importante nas peças da campanha, todavia, é o acesso à psique feminina. Os textos são listagens de gostos relativos a um universo de temas variados e contrastantes. E será preciso pertencer ao grupo de tontos que continua a festejar o resultado do referendo na Irlanda para não dar o devido valor às informações que estão a ser generosamente veiculadas pela revista. Da peça actualmente exposta, eis as 3 revelações que mais me impressionaram:
Gosto do Freud
Gosto de pensar alto
Gosto de dizer “panóplia”
Um país sem interior
Portugal é um imenso litoral. No princípio do mês, fiz uma viagem de carro que me levou de Lisboa a Miranda do Douro, passando por Portalegre, Castelo Branco, Belmonte, Foz Côa e tudo o mais que pude apanhar pelo meio. Missão secundária: chegar a Mirandela e fazer de comboio a linha do Tua. Missão principal: pegar no mapa, abrir os olhos, e ir para onde me desse na real gana.
A gana, se real, leva-nos longe. Foi assim que descobri um castelo a ser recuperado no Alegrete, um parque aquático em Mosteiros, uma casa de sonho na Esperança e um caminho mágico entre Rabaça e S. Julião. Tudo isto ainda na Serra de S. Mamede, estava no começo da viagem. No dia a seguir, Castelo Branco, iria para uma das regiões mais desertas no mapa. Malpica do Tejo, Soalheiras e Rosmaninhal, uma finisterra encostada à fronteira, uma fronteira de terra sem fim.
A gana, a minha, leva sempre para fora do alcatrão. Foi assim na travessia da Serra da Malcata, onde os pneus do meu bólide pertenciam agora à espécie mais ameaçada de extinção no território. Percorri veredas que deixariam tractores grandalhões com miúfa de lá poisar os rodados. E valeu a pena? Ora, tudo vale a pena quando se contempla a barragem da Meimoa. Ou a da Póvoa. Ou a do Maranhão. Ou a próxima.
A gana, afinal, aproxima. No Escarigo, ali mesmo ao pé de Almofala e da Vermiosa, ’tás a ver?, fica um dos locais mais belos da Galáxia. E eu tive o ranço de o apanhar aberto, sem saber ao que ia, incauto ao entrar, tendo lá parado num acaso. Duas senhoras faziam a limpeza e contaram-me histórias, falaram-me do tecto, levaram-me à sacristia. Disseram-me que a capital é Lisboa e não Escarigo só por causa de um grão de trigo — e como isso é tão delirantemente verdadeiro se escutado naquela igreja.
Passei por aldeias, estradas sem nome, montes e cabeços em parques naturais, vias terciárias, caminhos perdidos onde apetece procurar o destino. E concluí duas coisas: (i) o Portugal das estradas esburacadas acabou, mesmo no cu do mundo; (ii) e já não existe interior. Já não há distância, nem tempo de viagem, nem curvas. O que há é o outro lado do litoral.
Dá ideia que não se passa nada em Marte
Tenho a explicação definitiva para a falta de animação na paisagem marciana, onde não se vê ninguém, nem sequer uma carroça lá muito ao fundo ou um cão vadio a mijar nos aparelhos da nave. É esta: faz tempo que os marcianos emigraram para a Terra. Mas ainda podem ser reconhecidos pelo uso de cartolas coloridas em desafios de futebol, senhores, e calças de ganga cortada pela meia-canela, ou pouco abaixo do joelho, com botas de salto a dar pelo tornozelo, senhoras.
A circularidade do quadrado
Na última edição da Quadratura do Círculo o grande tema foi a crise dos transportadores. Foi uma edição onde se riu muito, um riso de alívio. Lobo Xavier, figura que devia ser substituída por nada acrescentar que valha a pena conhecer, e Pacheco Pereira, reduzido à má-fé da superficialidade e enviesamento, foram de uma previsibilidade bovina: só falaram da suposta falta de autoridade do Estado. António Costa não precisou de suar a camisola e ficou no registo pachola. Carlos Andrade estava com uma curiosidade infantil, deslumbrado com a solução pacifista e querendo saber se ela se iria repetir nos próximos conflitos. Nenhum se lembrou de citar Tucídides.
Colhe juntar-se a edição de As Escolhas de Marcelo deste domingo. Marcelo foi pelo mesmo caminho: atacou Sócrates fenomenologicamente, falando de efeitos e não de causas. E pior, imitou o bufão Portas na expressão do desejo de futuras, e ainda mais graves, perturbações da ordem. À sua frente, Maria Flor Pedroso deu uma lição magistral de controlo e domínio do subtexto a partir da escolha das perguntas e, acima de tudo, dos enfáticos silêncios. De tal maneira que Marcelo se foi abaixo em segundos, acabando com a voz esganiçada, agastado.
Pacheco e Marcelo são duas putas velhas que vivem da política como espectáculo, pejadinhos dos vícios que consistem em tentar que nada se altere de fundamental na política portuguesa. Ficaram banzos com a gestão e desenlace da crise dos transportadores. Nunca tal tinham visto cá na terrinha, sabendo perfeitamente que eles próprios não saberiam lidar com a situação — e não amam Portugal o suficiente para reconhecerem que o Governo assumiu profissionalmente uma situação que era nova e imprevisível. Os que nada perceberam e gritaram por cargas policiais, os que anseiam por novas perturbações sociais descontroladas para tirar dividendos do caos, e até aqueles que ficaram e estão calados como se a política não lhes dissesse respeito, são iguais a este par de jarras. Uns trastes que já esgotaram o prazo de validade, e que só pretendem continuar a circular sem terem de pensar fora do quadrado.
Enorme peta
Está em Marte uma nave a esburacar solo à procura de bichinhos, ou cheiro deles. Entretanto, uma das áreas onde se vai mais longe no conhecimento é a dos supercomputadores. As capacidades de cálculo já alcançadas são decisivas para a sobrevivência da Humanidade, seja no plano científico ou militar. A última novidade vem da IBM, o Roadrunner, o primeiro supercomputador a atingir os mil biliões de operações por segundo: se cada uma das 6 mil milhões de pessoas na Terra pegasse numa calculadora e trabalhasse em conjunto num cálculo 24 horas por dia, 365 dias por ano, demoraria 46 anos para conseguir fazer o que o Roadrunner faz num dia. Segundo a IBM, o Roadrunner é o primeiro supercomputador híbrido do mundo, incluindo 12.960 processadores que são versões modificadas do Cell que equipa a PlayStation 3, que trabalharão em conjunto com 6.948 processadores AMD Opteron. O poder de processamento do IBM Roadrunner é equivalente ao de 100.000 computadores portáteis e é mais de duas vezes superior ao do antigo detentor do título de computador mais rápido do mundo, o IBM BLueGene/L, afirma a empresa.
Scolari, vai-te embora – III
Dentro dos prejuízos já causados pelo anúncio da saída do seleccionador nacional a meio do Europeu — como sejam as sucessivas e contraditórias informações sobre o processo, os conflitos entre futebolistas e jornalistas, os boatos que cruzam negócios de transferências com o comportamento de responsáveis federativos, a geral perplexidade e desconsolo dos adeptos portugueses e até as declarações escocesas de Eusébio em que se vira ao pontapé contra os avançados pátrios —, o pior é a repetição do anglicismo timing. Parece que jornalistas e comentadores perderam o tempo de aproveitar a oportunidade de estar à altura da ocasião nesse momento.
A mais elevada densidade de imbecis por caixa de comentários em toda a Internet
Há sucessivas vagas de novos utilizadores da Internet. E alguma força estranha, negra, informe — que, para certos teóricos no campo da Física das realmente pequeninas e ridículas partículas, já tem nome: josémanuelfernandização — está a reuni-los nas caixas de comentários do Público. É um cabaz de gente constituído por putos de 11 anos na desbunda, empregados de segurança com demasiado tempo livre e mais 5 horas de cu sentado até terminar o turno, donas de casa prolixas que usam secretamente os computadores dos filhos enquanto eles estão na escola, padeiros com insónia, e as cotas do Benfica pagas, em ressaca das caixas de comentários do Record, reformados furibundos que votaram no Manuel Alegre e estão prontos para pegar em armas se ele quiser atacar o Largo do Rato, e ainda entusiásticos militantes do PNR infiltrados no PCP, onde vão ascendendo a cargos directivos com notável facilidade. As opiniões que estas entidades produzem invadem toda e qualquer notícia e dão razão aos que defendem a tese dos universos paralelos. Entra neles por tua conta e risco:
Toca na imagem para conheceres o que os teus compatriotas têm a dizer do investimento tecnológico nas escolas e da importância dos computadores — referente a esta notícia.
Toca na imagem para veres como um compatriota teu consegue relacionar um aviso relativo aos ultravioletas com o Governo, a ASAE e o TGV — referente a esta notícia.
Toca na imagem para descobrires uma compatriota revoltada com a disponibilização da obra pessoana na Internet — referente a esta notícia.
No que dá não estudar os Cátaros
Queres ganhar 100 euros? Então participa no fantástico concurso “José Gil Hoje – A coragem de interpretar”
Estou disposto a dar 100 euros do meu bolsinho à melhor interpretação da seguinte frase de José Gil, hoje destacada na edição digital do Público:
Trava-se actualmente uma luta entre a democracia e o estilhaçamento do território mental das subjectividades identitárias.
José Gil, Visão, 12-06-2008
Não faço ideia se cometo uma ilegalidade, oferecendo dinheiro a estranhos (ou a conhecidos, talvez a familiares) através da blogosfera, mas até isso será ganho de informação se for o caso. Quanto à frase, esclareço que não a considero absurda, abstrusa ou absíntica — pelo contrário, e daí a curiosidade pela tua interpretação. Quanto ao prémio, 100 euros, maravilhoso, não é? O que é que tu não farias por 100 euros, tu aí na classe média e sem dinheiro para ires de carro para o emprego perdendo horas nas bichas e gastando combustível desalmadamente só para não teres de te misturar com o povo? Tu que estás sem dinheiro para comprar roupa a mais, comida a mais, estupidez consumista a mais, o que é que não farias por 100 euritos dos meus? Até farias a hermenêutica de uma frase do José Gil, confessa lá…
Caso este concurso tenha aqui sucesso, será proposto a um dos canais televisivos. Está na hora de alguém começar a pagar para que Portugal se torne numa nação culta e intelectualizada, e eu não me importo de ser o primeiro.
Scolari, vai-te embora – II
Scolari anunciou que se vai embora no meio do exercício de funções de responsabilidade máxima: o comando da selecção num Europeu. Na prática, é um motim. Equivale a declarar que cessou o seu vínculo de responsabilização perante as autoridades que lhe têm pago o salário. A escolha da ocasião do anúncio revela perfídia, deixa ver um megalómano vingativo. E consegue, assim, atingir de soco e escarro o país que ainda representa.
A gestão da crise dos transportadores e o que ela revela da cultura política do PS
É óbvio que o Governo, e mais uma vez, está a gerir bem uma crise original. Também as crises na Saúde e no Ensino foram originais e bem resolvidas, e tudo isto começou com a crise do aeroporto na Ota e sua boa resolução. Neste caso dos bloqueios nas estradas, e das consequências materiais e psicossocias resultantes, aquilo que o oportunismo e irresponsabilidade chama de passividade é, como se está a ver, estudo. O Estado de direito, e sua autoridade, não desapareceu — pelo contrário, alargou-se e envolveu a ilegalidade; ou seja, cresceu de modo extraordinário e a prazo. Aceita-se que um grupo profissional aja como foras-da-lei porque se compreende que a lei é feita para o homem, não o homem para a lei. O homem que bloqueia está baralhado, e ainda pressionado por uma reacção social internacional que o compele à emulação. É um grupo que precisa de ajuda, justificando que se dê tempo para que ele descubra a solução possível numa situação de evolução imprevisível. Embora o tempo seja limitado e acabe a qualquer momento, seguindo-se a resolução do problema por via policial e judicial, foi quase comovente assistir a esta verdadeira, e raríssima, exibição de solidariedade por parte das mais altas autoridades institucionais.
É por estas e por outras que o PS se tornou no único partido onde se pensa a política. E se ter só um partido com essa capacidade é insuficiente e perigoso, não ter nenhum seria trágico.
Raçudos
Cavaco, apostado em se tornar num dos melhores piadistas nacionais, teve raro momento de profundidade e informou a Nação de ser o 10 de Junho uma celebração da raça. É muito importante ser o Presidente da República a assumir esta escandalosa verdade: os portugueses, apesar das evidências em contrário, também pertencem à raça humana.
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Já agora, um dos meus lemas de vida é: Cavalo de raça relincha sempre. Mas não contes ao Fernando Rosas, não vá ele desatar a falar do Pepe.
Manela de Ferro – 1 X Imbecis – 0
O modo como Manuela Ferreira Leite lidou com a pesporrência, ressabiamento e irresponsabilidade de Santana, no caso da marcação de eleições para a direcção parlamentar, é notável. Sem qualquer alarido, en passant, tomou conta da situação e limpou o rabo aos chavalos, obrigou-os a comer a sopa e ir para a cama logo a seguir ao telejornal. Ao mesmo tempo, mandou a moção de censura do CDS para o esgoto donde não devia ter saído. Se o que aconteceu for critério, temos homem; isto é, perdão, temos mulher.
Colhe também lembrar Maria de Lurdes Rodrigues e a sua esmagadora vitória sobre os sindicatos da educação e demais grupelhos de imbecis que lhe ladravam. Na hora do triunfo, deixou os derrotados fazer a festa. Brilhante.
Como fica inteligente a política quando feita por mulheres que conhecem os homens.
Do que tu precisas é de um problema maior
Um dos principais, e primeiros, objectivos da psicoterapia é levar o paciente a relativizar o seu problema ou rede de problemas. Só dessa forma começa a transformação cognitiva que levará a encontrar soluções e a mudar comportamentos. Mostra-se que o problema, seja ele qual for, não é o pior que se pode ter, nem é tão mau como é sentido e imaginado. Ou que, ao invés, tem uma gravidade e consequências que o paciente desconhece. A intenção terapêutica é a de alcançar maior objectividade e menor distorção neurótica. Ora, por mais difíceis e dolorosos que nos pareçam os problemas pessoais, ou os sociais e políticos, nenhum se aproxima da magnitude deste: terá o Universo um sentido?
A melhor resposta, com o truque de ter um título contraditório com a mensagem, é a de Christian de Duve. Tão boa que fui à procura do corpo donde vinham as palavras, e encontrei esta deliciosa entrevista. Ao tempo, 2005, o senhor exibe 88 aninhos cheios de saber e sabedoria. Porque à sua actividade de cientista, no campo da biologia e da química, se juntou uma original visão filosófica da existência e da realidade.
A entrevista é um hino à inteligência, à curiosidade, à longevidade e à alegria — ou seja, é uma fonte de saúde. E posto que não faz sentido viver sem problemas, pois somente os mortos é que não têm com que se preocupar, ao menos que se escolham os melhores problemas. Aqueles que só por serem vislumbrados já nos fazem crescer e partir.
Um americano em Genebra
Hilariante o que nos conta, e como nos conta, este americano a celebrar à portuguesa.
Scolari, vai-te embora
Quando Scolari anunciou publicamente estar destituído de honra, mentindo apesar das imagens e nunca assumindo a responsabilidade no caso da agressão a Dragutinovic, o mais grave não foi a conivência da Federação, patrocinadores e Governo. O mais grave é esta vitória sobre a Turquia. E as que se seguirem, eventualmente. Porque validam a lei da selva. A lição é a de que a comunidade prefere aqueles que ganham a qualquer preço, que estão acima da lei, que têm amigos poderosos. Tem vastas consequências políticas e culturais, atingindo transversalmente a sociedade e ficando a libertar o seu veneno corrosivo por tempo indeterminado.
No caso do afastamento do Porto das competições da UEFA, muitos foram os que exibiram a mesma lógica: estar o clube acusado de tentativa de corrupção era falho de consequências internas ou externas, até a própria perda de 6 pontos se tinha visto ser absurdamente inconsequente — mas ser excluído da Liga dos Campeões já aparecia como uma injustiça a merecer protesto e indignação. Neste caso, também Madaíl aparece com a única missão de agradar a Deus e ao Diabo. Não sendo um exclusivo português, vai fundo o enraizamento desta cobardia na nossa normalidade.
Sairia para a rua de bandeira na mão, aos pulos, se amanhã Scolari pedisse a demissão e abandonasse de imediato a equipa, sem esperar pelo fim do Europeu. Sei bem que mais facilmente a água dos rios correria para a nascente, mas identificar-me com um bando de cínicos é que não.
A tarde em que me apaixonei pela Maria Valupi
[toca na imagem se te queres apaixonar]
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Como não guardei, posso escolher. Escolho Junho. Foi em Junho, então. E princípios dos anos 90, isso garanto. Universidade Católica, Lisboa, biblioteca ainda a cheirar a edifício novo, ainda sem o outro edifício novo ao lado, construído no que foi um gigantesco relvado. A biblioteca da Católica é o melhor local do mundo, descubro por comparação. Enquanto na Biblioteca Nacional, ou na Faculdade de Letras, os livros estão cativos em armazéns, protegidos por esterilizante burocracia que obriga ao preenchimento de requerimento para cada leitura, ali esperam por nós nas prateleiras. Passamos, paramos, agarramos, lemos de pé, nas mesas ou aceitamos o teimoso convite da gravidade e descemos à alcatifa. Lemos o que queremos, o que procuramos, o que nos vem parar aos olhos, o que salta para as mãos, o que encontramos na gana de conhecer e mesmo que não tenha relação alguma com estudos, cadeiras, exames. A vida no edifício da biblioteca é helénica, com bar em baixo, gabinetes em cima, corações juvenis em ebulição, o futuro quieto a ver-nos passar.
O acaso levou-me gentilmente à revista Colóquio/Letras, n.º 41, Janeiro de 1978, página 62. A leitura do último poema é um nascimento, epifania de uma mulher que me conhece sem poder saber da minha existência. Acordo para o sonho e estou nessa praia onde o amor passou por entre um piscar de olhos. Eu era aquela espera, e aquela desatenção, mas também aquele mar e o que nele passa uno com a espuma. Um brilho, uma onda, talvez um certo reflexo do céu, e que não volta mais, mas que esteve à minha frente.
Que Maria Valupi foi um enigma esquecido por todos, mesmo dos especialistas de literatura, era para mim uma graça que aumentava a magia do encontro. A Internet até 2006 quase nada tinha de obra ou biografia. Isso permitiu-me questionar alfarrabistas, e animais exóticos que crescem nesses meios, só para tropeçar em ignorâncias e histórias fantásticas que começavam invariavelmente por Não tenho a certeza, mas acho que ela era/foi/estava… Só ganhou notoriedade nestes últimos dois anos, culminando com a edição da Antologia Poética em 2007. E agora apeteceu contar esta história para celebrar a lançamento na Internet do arquivo da Colóquio/Letras, aberto a todos os utilizadores e sem necessidade de qualquer registo. É o acontecimento cultural do ano, digo eu que sou um apaixonado.
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Nota: já aqui no blogue foi assinalado o lançamento do arquivo, pelo José do Carmo Francisco.
O DN está um nojo
A edição do DN do dia 1 de Junho, ontem, apresenta na página 2 uma fotografia de Manuela Ferreira Leite onde o seu rosto exibe uma contorção que a leva a ter um olho fechado e a sorrir sem mostrar os dentes, mas vendo-se a gengiva. A legenda diz Manuela Ferreira Leite estava visivelmente satisfeita com a vitória.
A escolha desta imagem é intencional na procura de um efeito de repulsa e a legenda é o seu reforço primário. Lembra o pior do Correio da Manhã, no auge do cavaquismo. Ou talvez ultrapasse o pior do CM. É nojento o que se faz no DN actualmente.
Os 10 vencedores das eleições no PSD — e o único derrotado
O PSD é o melhor partido português. Porque nunca perdeu tempo com a sua definição ideológica nem se preocupa com teorias, concentrando-se no pathos e ethos políticos. É um partido de gajos, de negociantes e vendilhões, de funcionários e lavradores. Até as mulheres são gajos neste partido, pensando e falando como eles. O PSD é a escolha daqueles que desconfiam da democracia e que gostam de sentir a rédea curta. Cavaco representou na perfeição este ideal, era um senhor que apenas tinha de parecer sério para ser levado a sério. Por estarem tão bem desenhadas as balizas, dá gosto fazer umas jogatanas neste campo, e os congressos do PSD foram sempre espectáculos romanos onde a oralidade, a retórica e a traição elevaram-se a níveis superiores de forma e força, como em mais nenhum espaço público cá no burgo. Agora, escolhido o novo presidente, o PSD inicia um velho ciclo. E quase todos saem a ganhar:
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