Todos os artigos de Penélope

Proença apanhado pelo ar do tempo, sob o efeito do equinócio

«Para o secretário-geral da UGT, refere, “um regime democrático não é só legitimado com o voto a cada quatro anos… Temos a democracia mas, de facto, nos últimos tempos, sentimos uma democracia musculada e isso é negativo.” Daí ver que entre Passos e Sócrates há cada vez mais semelhanças: “Eu diria que por vezes, numa fuga ao diálogo social, se estão a aproximar perigosamente um do outro. José Sócrates era um homem para o desenvolvimento económico-social e avançou com medidas que se revelaram negativas. Teve pela frente uma grande crise económica, na qual a União Europeia implementou medidas e ele implementou outras que combateram parcialmente a crise de 2008. Mas, na prática, avançou por um clima de sobre investimentos e perdeu a noção de que era fundamental dialogar no quadro da Assembleia da República e no quadro do diálogo social. Este Governo está a ir um pouco pelo mesmo caminho. E aquela que foi uma das questões centrais em termos do combate à crise, que era o diálogo político e o diálogo social, está em causa. Como se vê, há um problema relativamente ao consenso político em torno da discussão do memorando e, em termos de consenso social, também.»

João Proença sente-se talvez inchado com a importância que lhe tem sido atribuída na garantia da paz social. Sem total razão, porque a CGTP ajudou. Ora, tão súbito inchaço, a juntar a outros, só pode causar perturbações e desorientação. Podendo parar para pensar e desinchar, não, permite que tal estado o leve a dizer asneiras entremeadas de ambiguidades. Cada vez mais semelhanças entre Passos e Sócrates, ó Proença? Queres dizer que Passos era até agora um amor (no que andarás de braço dado com Mário Nogueira), mas que se está a aproximar perigosamente do “grande satã”? Já desconfiávamos. Alguém, e uma grande mixórdia de votantes, deve ter içado os estarolas ao pote.

João Proença faria melhor em ser claro naquilo que afirma. A que está a referir-se quando fala na “fuga ao diálogo social” de José Sócrates? Que me lembre, sempre as medidas de caráter laboral e social foram discutidas e negociadas antes de qualquer decisão, sendo que há sempre uma decisão de quem governa. Conhecerá Proença algum caso de decisão à má fila do governo anterior, daquelas que nem a Conselho de Ministros vão, quanto mais à concertação social? Se conhece, vomite, não se contenha.

Depois diz que Sócrates “era um homem para o desenvolvimento económico-social e avançou com medidas que se revelaram negativas”. Mas quais exatamente, João Proença? E qual a sua relação com as que estão a ser tomadas agora? Logo a seguir diz que Sócrates “teve pela frente uma grande crise económica”. Então em que ficamos, a crise rebentou-lhe em cima, o homem reagiu como pôde e, concertado com a UE, procurou atenuar-lhe os efeitos. Se não tivesse reagido, nomeadamente com investimento, teríamos Proença a dizer que teria sido preciso investimento para a economia não morrer e o desemprego não aumentar, que é eventualmente o que diz acerca do atual governo. Ou não? E a partir de uma certa altura, houve ou não que conter os gastos? De todos os ângulos me parece que sim e que sim às duas perguntas. Mas eu não uso óculos. João Proença devia passar um paninho pelos seus de vez em quando.

E finalmente João Proença revela ter memória curta. Com as primeiras chuvas, varreu-se-lhe completamente da cachimónia o quadro de permanente conluio anti-governo vigente na Assembleia da República. Como se dialoga com quem espreita, calcula e conspira para derrubar um governo minoritário em tempo de grande crise económica e, na verdade, quer lá saber do diálogo? Estavam noutra, João Proença!

Gaspar chumbou duas vezes, mas passa de ano

Depois do chumbo nas televisões, nos jornais e finalmente na rua, não houve Power Point que valesse a Gaspar frente aos senadores. O seu extraordinário plano para o aumento do emprego foi rejeitado/reprovado e seguramente por unanimidade. Temporariamente esquecida ficou a nota miserável que obteve nas frequências – a consolidação orçamental (matéria que promete voltar a sair brevemente em exame).

Quanto à avaliação que cada um dos conselheiros de Estado fez da articulação do seus circuitos neuronais com a realidade e, a estar tudo em ordem, das teorias que defende, nunca a saberemos. Sabemos apenas que Mário Soares se considerou elucidado ao cabo de duas horas. E, no entanto, a avis rara vai continuar em funções. Possivelmente intensificando as deslocações a Bruxelas e Berlim, que tanto amparo e elogios lhe granjeiam e onde tem sede o verdadeiro grande júri que o levará a aceder ao (patamar) superior. Já falta pouco, parece-me. Entretanto, a turma residente é fraca. Muito fraca. Das piores que já se viram. Não só não sabem nada, como também se apresentam com “muita escola”. Da outra. Mas vão penar.

Washington ali tão perto. O grau zero do jornalismo

Segundo noticia o Expresso em linha, Mário Crespo termina todas as noites o seu Jornal das 9 com uma campanha de difamação da estação pública, para a qual já trabalhou como correspondente em Washington. Assim, por volta das 22h00, Crespo lança para o ar que: “Passou mais um dia e a RTP custou mais um milhão de euros”. Li e quase não acreditei.

Os Relvas e Crespos que tomaram o poder já nem se dão ao cuidado de disfarçar coisa nenhuma, em especial agora, que entornaram o pote. Para este escarro de jornalista, vale tudo, até e sobretudo mentiras em horário nobre.

Vítor Gonçalves não quis saber tantas coisas nem tão depressa na quinta

O António José Seguro deu ontem uma entrevista, sabiam? Fartou-se de ser afirmativo e de fazer oposição. O pessoal cá por casa desconfia da energia inesperada deste despertar, continua a temer a lentidão das reações, a que Seguro chamou ponderação, sobretudo na borrasca em que já estamos, pelo que, da minha parte, gostaria de o alertar para o que aí vem de “austeridade” para ele próprio: a hipótese de ir para o poder pode cair-lhe no regaço mais cedo do que poderia jamais pensar, o que lhe vai dar muita maçada e o pode fazer perder o sossego e uns quilos; a recusa psicológica em falar do (e assumir/defender o) trabalho e herança do seu antecessor, como fez ontem (a propósito das PPP), só lhe trará dissabores e dificuldades dentro do partido e tornará inviável, se alguma vez chegar a PM, a colaboração das pessoas provavelmente mais competentes, indispensáveis para endireitar o país; parece-me tarde para mudar, mas se e enquanto mantiver essa postura e não desmascarar as mentiras propagadas todos os dias e noites pela direita, esta não abandonará o filão populista de «a culpa da bancarrota é do Sócrates», o que dá margem a que a maioria de portugueses que são leitores e subleitores do Correio da Manhã (os que só leem as gordas e os que não leem nada nas ouvem dizer a quem passou pelo café) estendam a acusação a todo o PS, independentemente do seu líder, que, encolhendo-se, fica à mercê das flechas; finalmente, tem de se ralar a arranjar uma estratégia de oposição caso o Governo recue na TSU, ou não recue na TSU, ou caso o Gaspar se demita, ou caso o Governo seja remodelado, enfim caso continue a ser o líder da oposição mais uns tempos. Quem diz que a dureza da vida não chega a todos?

História mal contada

Portas quer fazer-nos crer que (i) estava a par de toda a nova roubalheira montada pela dupla Passos/Gaspar, (ii) que dela discordou, (iii) que apresentou alternativas, mas (iv) que a subscreveu para não pôr em risco as negociações com a Troika.

Ora, há aqui elementos que não jogam. Em primeiro lugar, se as coisas estiveram nesse pé de discordância, por que razão não estavam os deputados nem a comissão política do seu partido a par do que passava, sendo inegável que foram apanhados de surpresa? Em segundo lugar, de acordo com os jornais e as declarações de Passos, a Troika não sugeriu nem muito menos impôs a descida da TSU, ainda menos assente na transferência de rendimentos dos trabalhadores privados para os patrões. Como pode agora Portas afirmar que assentiu porque não quis prejudicar as negociações? Como permitiu sequer que tal ideia macavenca, que tanto desacordo lhe suscitava, chegasse às negociações? Se é verdade o que diz pensar, não devia ele próprio ter “prejudicado” e muito as ditas negociações, de preferência antes de começarem? A medida da descida da TSU é absurda, além de ofensiva e provocatória, e, para cúmulo, não visa reduzir o défice.

Não faz sentido vir agora dizer de forma oportunista perante a opinião pública, face à onda de indignação, e de forma esfarrapada perante o seu partido, que até nem concordava, mas, desculpem lá, a estabilidade e tal.

E se a verdade for que Portas desconhecia mesmo a totalidade das medidas, mas, apesar de “traído” ou simplesmente ignorado, não quis simplesmente provocar uma crise política que acabaria com a coligação e o forçaria a abandonar o governo? Tudo aquilo a que assistimos a seguir aos silêncios, já de si estranhos, não terá sido, então, mais do que o resultado de intensas negociações com Passos para resolverem a embrulhada.

Ou seja, a moeda de troca para aceitar ter sido ignorado na coligação e para não pôr a parte PSD em cheque pode bem ter sido o apresentar-se agora perante a opinião pública como o bonzinho que até discordou da medida, mas que em nome do patriotismo anuiu. Vem tarde e não cola. Se não sabia de nada, saía imediatamente da coligação, se sabia e subscreveu não se compreende porque não esclareceu mais cedo a sua bondosa posição e não se apresentou ao lado do PM na comunicação das medidas. Estar mas não estar na coligação não é estatuto que possa durar muito.

Perguntas maldosas

Tendo em conta que o malabarismo com a TSU não se destina a reduzir o défice e que, se fosse (for?) esse o destino das receitas obtidas pelo Estado, estar-se-ia a arrasar os fundos da Segurança Social,

Tendo em conta que nos é dito com o à-vontade de quem domina o absurdo que vão ser necessárias medidas “temporárias” em vez de “extraordinárias” para corrigir a derrapagem orçamental colossal do corrente ano, apesar do confisco violento, desumano, inconstitucional, desnecessário e contraproducente de salários que visava precisamente equilibrar as finanças públicas,

Tendo em conta que o principal, se não único, autor de tais medidas classifica de “intensificação do diálogo democrático” a onda nacional de indignação e contestação que ele mesmo provocou e que pode bem culminar no seu afastamento do cargo que ocupa sem que, aparentemente, perceba porquê,

Pergunta-se:

A presença de Vítor Gaspar no próximo Conselho de Estado terá por objetivo avaliar se o paciente “articula um discurso coerente e com adesão à realidade”?

E o presidente do coletivo estará em boas condições para ajuizar?

Será esta a instância mais adequada para a avaliação?

Esquizofrenia? Veja se gosta destas.

O ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, afirmou hoje que a política em Portugal vive em alguns aspetos uma “situação que raia a esquizofrenia”, com alguns responsáveis pelas dificuldades financeiras a “explicar como se deve governar”.

Para começo de conversa, vocês estão ou não fartos de provar que não sabem governar? A desorientação é total.

E, de facto, na questão da esquizofrenia, é de arrepiar que a crise financeira internacional, de que nós fomos das primeiras vítimas do lado de cá do Atlântico devido às amarras da moeda única, à inação e deficiências das instituições europeias e à sede de poder de um bando de indígenas tão gananciosos quanto mal preparados, e que teve origem nos jogos de casino de Wall Street, tenha as suas consequências agora “combatidas” com as receitas defendidas pelos próprios “gamblers” já recompostos e regressados às lides, e que, na Europa, encontraram aliados tão improváveis quanto interesseiros como os países do norte da zona euro. Esta é a esquizofrenia primeira.

A segunda, mais local e regional, está no facto de o Governo enaltecer perante cada microfone que lhe ofereçam o sucesso de Portugal no cumprimento do programa de ajuda externa quando afunda o país num novo buraco de 5000 milhões de euros (sem Jardins nem BPNs) e falha todas as previsões, aproveitando o ensejo e a maioria para ameaçar os portugueses com nova sangria nos ordenados, sem fim à vista. O coro de esquizofrénicos tamanhos estende-se também às Lagardes e Junckers deste mundo e aos porta-vozes da Comissão que, em grande conluio, veem (e apregoam) sucesso onde os principais interessados apenas veem desastre.

Finalmente, e como os “responsáveis pelas dificuldades financeiras”, na boca de Miguel Macedo, são e serão para todo o sempre Sócrates e os seus ministros, o que é de facto de esquizofrénicos é terem deitado abaixo um governo comprometido e empenhado num plano de austeridade gradual e menos doloroso para os portugueses, com a rejeição de um PEC apoiado pelas instituições europeias, alegando excesso de austeridade, para chamarem e abraçarem uma Troika implacável, mistura explosiva de nórdicos moralistas e FMI historicamente desastroso, que apenas está a causar miséria e nem a dívida dos países consegue reduzir. Mais: experimentam fórmulas jamais testadas em países pertencentes a uma união monetária especial e nem isto têm em conta. Esquizofrenia é mostrarem-vos onde conduzem os excessos e vocês não só repetirem-nos como agravarem-nos.

Um esquizofrénico, de facto, tem um desígnio que desafia a realidade e que é sempre infrutífero desmontar. Pobre de quem está à volta e ignorância de quem lhe entrega o poder.

Um primeiro-ministro pegado com cuspo

Graças aos “bons resultados da execução do programa de ajustamento” e à “recuperação da nossa credibilidade internacional”, o Governo pode ter os dias contados. Tudo depende da resposta às seguintes perguntas:

– A provocatória transferência de uma parte dos salários dos trabalhadores do privado para a tesouraria das empresas vai mesmo figurar no orçamento e passar no Parlamento?

– Portas sabia de todas as medidas, incluindo a redução da TSU nestes moldes? E os seus deputados, sabiam? Impossível não ver que o homem anda feliz a viajar e que não lhe apetece nada, é que mesmo nada, largar o lugar depois de anos de demagogias e sujeiras várias para lá chegar. Mas são sairá bem desta fotografia. Se sabia, porque lhe deu assentimento (é uma subida brutal de impostos) e não informou o partido? Se não sabia, como manter a coligação? E se sabia e assinou a medida por lhe ter sido apresentada como imposição da Troika (uma mentira, portanto)? Pior, não?
Como continuar, pois, a visitar o mundo?

– O que vão fazer os deputados do PSD? E os do CDS?

– Vai o Governo recuar? Se a incompetência, imaturidade e insensibilidade já estão à vista de todos, um recuo seria a confirmação fatal (embora permitisse acalmar os ânimos no imediato).

– O que vai fazer Cavaco? Ousará correr com eles, depois de os lá ter posto (convencido de que interviria ativamente na governação)? Solicita ao menos a fiscalização preventiva do TC?

– E o Tribunal Constitucional? Foi desrespeitado e desafiado. Vai ter de se pronunciar.

Não sei se um ano e meio deu tempo ao Relvas para fazer todos os negócios que tinha previsto. Parece-me que já não vai ter muito mais.

Não estamos na época do tomate?

Este homem arrisca-se a engolir a “intensificação do debate democrático” da pior maneira.

Primeiro abre um buraco orçamental gigantesco, por sua própria responsabilidade, quando era suposto começar pelo menos a equilibrar as contas, depois responde a uma tríade de olhos esbugalhados, que, com o ar do tempo, mostra maior razoabilidade, que não precisa de mais dinheiro, apenas de meio ponto percentual de flexibilização da meta do défice (enquanto esconde do pagode o valor real do mesmo), de seguida, em vez de aliviar, agrava as medidas de austeridade de um modo jamais visto, a mais importante das quais, a descida da TSU, uma autêntica provocação a quem trabalha e vê o seu salário reduzido, e, ainda não satisfeito, responsabiliza agora os que se lhe opõem pelos “riscos catastróficos” da instabilidade política causada pelo não acatamento dos seus alucinados ditames. É obra.

“Aqueles que tornarem cumprimento do programa mais difícil estão a trabalhar para que estes mecanismo [ajuda que pode ser dada pelo BCE e apoio parceiros europeus] não protejam a economia e sociedade de risco potencialmente catastrófico”.

E continou: “quebras na unidade estão a enfraquecer a posição Portugal e aumentar probabilidade dos riscos catastróficos. Concluímos o quinto exame e o debate democrático itensificou-se”.

“Que se lixem as eleições”?

Não foi há muito tempo que Passos nos procurou seduzir com tal desprendimento. Asneira dupla, pouco surpreendente vinda de quem vem. Não só as eleições são uma ocasião para aproximar as políticas dos desejos das populações, pelo que não lhes atribuir importância é governar potencialmente contra o país, como também o facto de a frase ser proferida por alguém que chegou ao poder através de eleições encerra em si uma contradição. Na realidade, o homem está a lixar-se para tudo menos para as eleições. Este violento pacote de austeridade, segundo o DN superior em seis vezes ao que é necessário para cumprir a nova meta do défice, mais não é do que uma tentativa desesperada de “despachar depressa este assunto do empobrecimento” para em 2015 haver margem para a propaganda. Pena que a burrice não pague imposto. Não só tudo isto está a ser um escândalo com consequências imprevisíveis, como também o resultado em termos de finanças públicas e de economia vai ser ainda pior do que o alcançado este ano com medidas, apesar de tudo, menos gravosas. Esta gente deve ser corrida quanto antes. Quanto foi afinal o défice deste ano? Não será que a Troika está a dar cobertura a uma fraude?

As comunicações do Governo seguem a agenda futebolística?

Depois da conferência de imprensa de Vítor Gaspar, cada vez mais o cavaleiro de triste figura, e perante o coro de protestos e críticas, Jorge Moreira da Silva montou no seu burro e saiu em defesa de D. Quixote. E fê-lo da maneira mais delirante, ao jeito do seu cavaleiro. Que lhe ocorreu dizer? Que esta foi a quinta avaliação da Troika, a mais importante, aquela em que, lembram-se?, na Grécia, o programa foi considerado ter falhado. Ora, em Portugal não! Com grande orgulho o disse, em Portugal a Troika considerou a aplicação do programa um sucesso. Só isso já era um importantíssimo sinal de confiança. E porque não falhámos nós? Segundo se depreende das palavras do ministro horas antes, porque a derrapagem orçamental foi de 5000 M€, não se cumpriu a meta do défice, aumentou-se a dívida, empobreceram-se os portugueses, agravou-se a recessão, destruíram-se empresas, desagregaram-se famílias e os sacrifícios de nada serviram. Simples, portanto, não falhámos! Um autêntico sucesso. Falhanço, falhanço seria ter de anunciar um novo pacote de agravamento fiscal do mais violento e incompreensível de que há memória.

“A Comissão política nacional do PSD congratula-se com a quinta avaliação da troika. Foi precisamente na quinta avaliação da troika que a Grécia falhou. Por isso é uma boa notícia”, sublinhou o vice-presidente do PSD, acrescentando: “gostava que as pessoas soubessem que se assim não fosse teria acontecido a Portugal o que aconteceu à Grécia”.

Jorge, homem, o que é que aconteceu à Grécia? Uma bem-vinda reestruração da dívida e um reforço das medidas de austeridade uma e outra e outra vez… Nada a ver.

O estranho caso do parque de campismo

Recomendo por variadíssimos motivos, entre os quais a ousadia, o estoicismo e, apesar de tudo, o bom humor do jornalista Paulo Moura, a leitura desta reportagem publicada na revista do Público há mais de um mês e agora disponibilizada online. O jornalista foi desvendar os mistérios – a organização, as pessoas, as tendas, o aluguer dos espaços, os esquemas, as regras e tudo o resto – que se escondem por trás das grades do parque de campismo da Costa da Caparica, um espaço enorme e em local privilegiado, cuja frequência e acesso, falta de privacidade visível a olho nu, degradação e estranha perenidade sempre me intrigaram, a mim e tenho a certeza que a muitos lisboetas e turistas que por ali passam a caminho de outras praias, agora finalmente trazidos à luz do dia graças a este trabalho. Curiosidade satisfeita, obrigada ao jornalista pela belíssima reportagem.

Tudo isto é propositado e muito errado

Esqueçamos o ar pesado com que Passos Coelho se apresentou ao país. Um ator domina a técnica. Como o próprio já nos confessou, não considera uma cruz a aplicação do programa da Troika. E o programa é o que está à vista. Nele estão inclusivamente previstas comunicações ao país com ar compungido. Passos, pois, não só concorda com o programa, esperava até por ele, como o aplica com a máxima convicção, coisa que tem afirmado e continua a afirmar. Dispensamos, portanto, os ares de chefe de governo responsável (até porque Relvas continua lá) e as suas declarações de pesar no Facebook pela ingratidão do papel que lhe cabe. É tudo farsa. O programa da Troika, e assumidamente do governo, consiste exclusivamente no empobrecimento da grande maioria da população, alegadamente para tornar o país competitivo. Competitivo em relação a quem, não nos é dito e era importante sabermos para podermos avaliar e discutir a lógica desta ideia. Ora, este objetivo parece tanto mais exclusivo quanto não se ouve nem da parte do governo nem da Comissão nem dos restantes credores qualquer palavra de frustração ou de censura quanto ao incumprimento das metas acordadas para o défice. Isto pode ter duas explicações: (1) não é importante, pois o objetivo principal é outro, ou (2) a receita falhou (e não era suposto falhar), mas Portugal tem de ser à viva força um caso de sucesso, logo monta-se o circo de que tudo está a correr bem e que o país está no bom caminho, abafando-se o mais possível a derrapagem orçamental e, embora mais difícil, o aumento do desemprego. Duvido desta segunda explicação. Impossível que esta gente não saiba o que está a fazer e o que quer.

Portugal falha como falha a Grécia e como vai falhar a Espanha. Por absurdo que pareça, a receita não está concebida para ajudar os países a reduzirem a dívida nem a dinamizarem a economia para que a possam pagar. O que se constata é que a dívida aumenta e que a recessão se instala, num círculo vicioso que torna impossível a recuperação económica. O que se pretende é apenas o empobrecimento ou, na linguagem desta gente, uma “desvalorização interna”.

E onde é que isto nos leva? Os alemães iniciaram há vários anos uma política de contenção salarial. Com a grande afluência de emigrantes turcos e da Europa de Leste, onde se ganhava 1/20 do que ganhavam os alemães, era praticamente impossível os salários não baixarem, para grande benefício das empresas e da economia. Mas uma coisa é ganhar 2000 euros e deixar de ter aumentos salariais num país grande e central da Europa (que aboliu o salário mínimo), outra bem diferente é, dentro de uma mesma zona monetária em que a moeda tem igual valor, ganhar 500 euros e passar a ganhar 380 ou menos num país distante do chamado “motor” económico da Europa. Não tenhamos ilusões: nem os alemães, nem os restantes países do Norte vêm investir em Portugal devido à mão de obra barata. Na Polónia, na Rep. Checa, na Eslováquia, na Bulgária, etc., os salários são ainda mais baixos e a proximidade geográfica (e cada vez mais as qualificações) não tem comparação. Mais: não precisam sequer de ir para o estrangeiro. No próprio país já pagam salários baixíssimos aos emigrantes. Os baixos custos salariais também não serão, por razões óbvias, motivo para que chineses ou indianos ou brasileiros aqui venham investir. Somos, por conseguinte, periféricos em relação à Europa e caros (e insignificantes) para os países emergentes. Continuar a lerTudo isto é propositado e muito errado

Podemos espreitar o resto da bandeja?

Estas medidas de austeridade não são, em princípio, tudo o que há na bandeja*. Estas são as que repõem nos cofres do Estado as verbas ameaçadas pela decisão do Tribunal Constitucional, mais uns pozinhos de 400 milhões de euros correspondentes à diferença entre a descida da TSU para os patrões e o aumento da contribuição para os trabalhadores. Ora, função pública à parte, sabemos que o buraco orçamental deste ano se cifra em cerca de 3000 milhões de euros. Nada nos foi dito sobre a obrigatoriedade e o modo de o tapar.

Logo, será de esperar que tal seja anunciado depois de terminada a avaliação da Troika. Se assim for, e não se conhecendo cortes em “gorduras do Estado”, estaremos a assistir ao anúncio em duas etapas de mais medidas de austeridade, o que parece estranho para um governo que elegeu como princípio a concentração e rapidez dos sacrifícios, logo, por maioria de razão, o seu anúncio.

No entanto, pode dar-se o caso de a Troika já ter concordado em flexibilizar as metas do défice para este ano e para o próximo (afinal, a Irlanda atingirá um défice de 8,3% este ano e apenas está obrigada a atingir a meta de 1% em 2015). Nesse caso, este primeiro anúncio de medidas seriam as más notícias que se dão em primeiro lugar (miseravelmente justificadas por mentiras sobre a decisão do TC), e imediatamente antes de um jogo de futebol da seleção nacional, para daqui a uns dias ou semanas se anunciarem as boas – que não nos é exigido o cumprimento dos 4,5% para este ano, nem os 3% para o ano que vem. Será? Pelo que têm dito algumas das luminárias laranjas mais radicais, com Passos à cabeça, esse seria um facilitismo totalmente de rejeitar. Mas dificilmente se compreende que se divida o anúncio de mais medidas de austeridade em duas partes, uma má e a outra… péssima. Seria mais uma originalidade, mas do género que não incorpora inovação, pois o “mercado” não vai “comprar”. Também é certo que a inteligência e o planeamento não abundam hoje em dia para os lados de São Bento.

*O PS, com aquele discurso solene de Zorrinho, deu ar de querer gastar precipitadamente todos os cartuchos. Porque não insistiu mais na “tresleitura” da decisão do TC?

Notícias de Karlsruhe (via Le Monde)

(Baseado numa notícia do Le Monde)

Segunda-feira, 10 de setembro, o Tribunal Constitucional alemão vai finalmente apresentar o seu veredicto sobre o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), que substituirá o FEEF e será dotado de muito maior poder de fogo em defesa dos países em dificuldades (€ 700 000 milhões contra os míseros € 150 000 do FEEF) .

Caso o TC declare o mecanismo inconstitucional, será o pânico nos mercados e na zona euro e a consumação do mal-estar em grande parte da UE com a predominância dos interesses e da democracia alemães sobre todos os outros. Será a guerra política, sobretudo depois das decisões ontem anunciadas pelo BCE. Mas, dizem os especialistas, tal veredicto é pouco provável.

O mais provável é que seja favorável, mas venha acompanhado de uma série de condições, nomeadamente a consulta das instituições eleitas, como a Câmara Alta do Parlamento (“Bundesrat”), o que atrasaria todo o processo de ajuda a Espanha, ou ainda a exigência de que Berlim contribua com menos fundos para o mecanismo e que o limite fique inscrito na Constituição. Apesar de a Constituição não autorizar referendos nacionais, outra hipótese ainda será o TC exigir que, no contexto da maior integração europeia, qualquer nova transferência de soberania seja sujeita a referendo, o que implicaria alterar a Constituição. Ora, além do tempo que tal demoraria, os eleitores alemães estão cada vez mais eurocéticos…

Suspense, pois, até segunda-feira. Se o MEE não for aprovado, volta tudo à estaca zero. Não haverá dinheiro para a Espanha nem para a Itália, que, por isso mesmo, não poderão pedir um resgate, condição indispensável para beneficiarem da disponibilidade do BCE para comprar a respetiva dívida. Depois das palavras de Mario Draghi, o Tribunal Constitucional com sede em Karlsruhe não se atreveria, dizemos nós. Mas se há coisa que não falta aos seus juízes são peneiras.

Dúvida que ficou por esclarecer na conferência de imprensa de Mario Draghi

Pode o BCE comprar dívida de um Estado-Membro contra a vontade deste?

Segundo se deduz do que afirmou não há muitos meses, Passos Coelho não concorda com o novo papel assumido agora pelo BCE. Presumimos que já lho terá feito saber a esta hora e que, se o banco se oferecer para comprar dívida portuguesa para o ano, Passos responda que não quer, que não precisa.

A relatividade

No Público de hoje: «O levantamento da imunidade parlamentar da deputada do PS Ana Paula Vitorino, para ser constituída arguida num processo por difamação interposto pelo ex-ministro Mário Lino, está a gerar controvérsia. Em causa estão as declarações de Vitorino no processo Face Oculta em que a ex-secretária de Estado dos Transportes reafirmou ao tribunal que o antigo ministro das Obras Públicas lhe disse que as empresas de Manuel Godinho, principal arguido no processo, eram “amigas do PS”. (…) A posição do não levantamento da imunidade tinha o apoio do BE e do PCP, apesar de a própria Ana Paula Vitorino ter dado a indicação de que a sua imunidade poderia ser retirada. Ontem, o PSD surpreendeu a sala e defendeu o levantamento da imunidade, o que levou o CDS a pedir um adiamento da votação.(…)»

Que pequenino e imberbe tudo isto me parece hoje! A história de Ana Paula Vitorino ter dito que ouviu Mário Lino dizer que as empresas de Manuel Godinho eram «amigas do PS», motivo que levou o ex-ministro a mover-lhe um processo por difamação, terá hoje alguma importância perante as autênticas negociatas, compadrios, contratações e pagamento de favores que este governo faz às escâncaras?

É esta a renovação do Bloco?

João Semedo, o futuro co-líder do Bloco de Esquerda, deu ontem uma entrevista a Paulo Magalhães, na TVI24. Foi um tanto deprimente. Em primeiro lugar, João Semedo nenhuma novidade representa. Pelo contrário. É mais um Louçã sem a sua acutilância. Durante largos minutos não consegue justificar de maneira minimamente convincente a liderança bicéfala. Responde com o modernismo e a inovação e a sintonia ideológica existente entre os dois e fica-se por aí. A insistência nas duas cabeças, que tornaria muito complicada a definição de um primeiro-ministro no caso de o partido ganhar umas eleições, deixa desde logo claro que o objetivo é a prossecução da prática habitual de protesto e denúncias, sem outra ambição, nem a que seria a ambição mínima de integrar um governo.

Transparece no seu discurso o recém-descoberto orgulho num partido irmão, grande tábua de salvação, já assumido por Louçã. Mas diga-se que, para quem pretende imitar o Syriza, a imitação é deficiente e a estratégia muito pouco ambiciosa. Ao que se sabe, Tsipras não partilha a “coordenação” com ninguém. Além disso, é por demais evidente que tentar repetir em Portugal o sucesso do Syriza, como se a realidade social e política de Portugal e da Grécia fosse idêntica, é não só pouco inteligente, porque artificial, como também sintoma de vazio e desorientação. Se por mais não fosse, o PS não se encontra de modo algum na posição do PASOK.

Depois, o radicalismo, que, francamente, não assenta nada bem a Semedo, mas que, como líder designado por Louçã, terá de assumir. Louçã caiu num caldeirão de radical-trotskismo quando tinha 14 anos e a impregnação foi profunda. Já não lhe passa. Mas Semedo? Semedo até abandonou o PCP em 2002! Diz ele que a clivagem entre a esquerda e a direita está no posicionamento em relação à Troika. Entende que (e diz isto sem se rir), quem romper com a Troika é de esquerda, quem não romper é de direita. E o mundo é simples e a vida sorri. Que um jovem Tsipras diga tais coisas e acrescente que quer manter o euro compreende-se. Que um homem da idade e com o aspeto certinho de Semedo as diga já soa algo patético. Não lhe perguntou o jornalista, e foi pena, onde iria o Bloco financiar-se para que o país sobrevivesse e onde começariam e acabariam as nacionalizações.

Muita gente do Bloco sonha ainda com a revolução, aquela em que se pega em armas e se desfraldam bandeiras ao vento para a posteridade e uma imaginária fotografia. Na realidade, o agrupamento pouca representatividade tem hoje no panorama eleitoral. A importância que é dada a estas cabeças alucinadas decorre apenas e tão só da sua utilidade para a direita, dado o objetivo declarado de cindir o PS. A oportunidade é, evidentemente, aproveitada e o tempo de antena preenchido ora com acusações a quem governa ora com um discurso justicialista, moralista e de boas intenções vagas, cujo detalhe nunca ninguém deseja aprofundar, por calculismo ou compaixão.

Desculpem a pergunta

Para que serviu todo este programa da Troika, se a conclusão a que parecem chegar agora, segundo Miguel Frasquilho, é de que “o programa seja adaptado às condições da economia e à evolução que a economia tem tido desde que o memorando foi assinado” (má, muito má mesmo)? Mas não era precisamente isso que o governo anterior pretendia ANTES de se ver obrigado a formular o pedido de empréstimo, cujas condições já adivinhava catastróficas? Que os ajustamentos e o saneamento das contas púbicas se fizessem gradualmente, tendo em conta a economia do país? Agora que se destruiu grande parte do tecido produtivo, se mandaram milhares para o desemprego devido ao fecho de empresas após a redução do poder de compra e se degradaram as condições de ensino de modo a comprometer a futura qualificação, formação e cultura dos portugueses e, além do mais, se agravou a dívida é que se vai proceder às adaptações às condições da economia? Qual economia? Não havia já economia antes de 2011?

Todo este fiasco era previsível e, mais do que previsível, era sabido de antemão. Sejam estes propósitos agora verbalizados pelo deputado do PSD verdadeiros ou mais uma aldrabice para permitir que o programa prossiga no sentido do da Grécia, estamos ou perante incompetentes ou perante hipócritas, mais provavelmente perante criminosos.