Arquivo da Categoria: Valupi

Cineterapia

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SICILIA!_Danièle Huillet & Jean-Marie Straub

Agosto de 2007, meados, é a melhor altura para ir à Sicilia!. Chegar de barco, viajar de comboio, visitar a mãe e andar a pé. A paisagem é toda a branco e preto, cinzenta, mas cheia de Sol. Até as sombras são imitações da luz. E cada pessoa fala com a confiança de quem se sabe escutada até ao silêncio diafragmático, aquele entre cada cigarra. Aquele, por onde passa a alma ou o comboio. Fala-se sereno, tão calmo, mesmo no brado, que ainda se dispõe de tempo para cantar. Cantam-se as palavras ditas. Canta-se a palavra pensada. Cantar é a única forma de transmitir a verdade, o ritmo da vida, a verdade.

Este é um dos mais amorosos filmes na História da arte, garanto-o eu que não sei o que digo. Os realizadores amam o texto, amam a luz, amam o cenário, amam os actores, amam o cinema e amam-se a si próprios, feliz casal, também como espectadores. Tenho vergonha de enaltecer este ou aquele aspecto, adivinhando-me desastrado e inconveniente, bruto na carícia da filigrana. Prefiro retirar-me para o Oeste, lembrando aos papalvos que Cassavetes se filiava em Capra e Huillet&Straub em Ford. Porque isto, do cinema no cinema, é mesmo como aparece.

Esses lupanares chamados fnac, em conluio com esses chulos chamados ATALANTA FILMES, reuniram as suas pérfidas intenções para nos proporcionar momentos do mais exaltado gozo, no segredo dos nossos pardieiros estéticos, e apenas em troca de vil papel-moeda ou moeda-cartonada. É fartar, por Baco!

100 Torga com Torga

Pátria

Serra!
E qualquer coisa dentro de mim se acalma…
Qualquer coisa profunda e dolorida,
Traída,
Feita de terra
E alma

Uma paz de falcão na sua altura
A medir as fronteiras:
– Sob a garra dos pés a fraga dura,
E o bico a picar estrelas verdadeiras…

Vindo de um cultor do iberismo cultural (o único iberismo legítimo e inteligente, mesmo que usualmente demasiado lírico para dar fruto — e só lírico, quando precisa igualmente de ser filosófico), pode ser poema útil para os infelizes a quem nunca explicaram o que a palavra pátria pode querer dizer. Já agora, recorde-se um comentário sharkíssimo.

Iberismo soviético

Ligando com o saboroso diálogo abaixo, de Daniel de Sá, e ao arrepio da silly people que não leva a sério a ameaça iberista, colhe recordar um dito de Fernando Lopes Graça, contando 75 anos (muito boa idade para ter juízo; ou falta dele, é conforme), em 1982 (já com História mais do que suficiente no bucho para merecer um valente puxão de orelhas):

Porque a separação de Portugal de Espanha foi um erro histórico, sem querer com isso dizer que deixássemos de ser portugueses. A própria Galiza não se considera espanhola; a Andaluzia e a Catalunha também não. Há o problema grave dos bascos… Penso que deveria haver uma federação, tal como a federação dos povos soviéticos, cada um com a sua personalidade, mas com um projecto social, político e económico comum. Continuo a defender essa ideia, sem a absorção de qualquer parte por outra.

Como se vê, Saramago pertence a esta funesta linhagem dos que viveram em negação da liberdade. Malhas que o Império tece.

euGoogle

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A popularidade do Google nasceu da relevância dos resultados, da simplicidade de utilização e de um ambiente visual minimalista. Por comparação com as páginas dos motores de busca da época (2000, o ano da vitória no boca-a-boca), pesquisar na caixa do Google era uma experiência de respeito absoluto pelo utilizador. Só a nossa pesquisa e os nossos resultados interessavam, não nos mandavam palha para cima dos cornos.

Hoje, Google é uma marca fornecedora dos mais variados e originais serviços. Um deles está nos antípodas da experiência inicial, embora mantenha o mesmo princípio: respeito absoluto pelo utilizador. Refiro-me ao iGoogle, o serviço de gadgets para personalização da página Google. A imagem supra mostra menos de metade dos meus. Eis um potencial problema: não conseguir parar com os acrescentos. Mas as vantagens são óbvias e demasiado importantes para abdicarmos do serviço.

Continuar a lereuGoogle

A piscina da Soledade — recensão acrítica

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Foto enviada por anónimo perfeitamente identificado como tal, a propósito de 27ª Convenção dos Pseudónimos, Heterónimos e Homónimos de Portugal, reunião que teve lugar numa piscina de paradeiro incerto, algures no Algarve.

Já com o cognome de Swimmer’s Digest, dado por quem o sabe dar, o novíssimo blogue de Soledade Martinho Costa, minha prima, está fadado para os mergulhos de cabeça. Ou não tivesse a autora, efusiva e repetidamente, reclamado a posse de uma piscina grande, relvada, com árvores, com flores. É precisamente nessa piscina que costuma alinhavar linhas. Porquê? Porque não gosta de escrever directamente no computador. Assim, opta pela piscina, logicamente. Se tem vontade de escrever, vai até à piscina. Isto é lógico, repito. Ademais, é a sua imperial piscina um local muito calmo e aprazível, ambiente ideal para escrever indirectamente no computador. Dúvidas ou duvidas? Continuemos, então.

SARRABAL é o distinto vocábulo elegido no baptismo. Nome bonito para um blogue, informa-nos a autora. E aqui convém ilustrar os ignaros, os néscios, os decadentes, lembrando que são poucas as pessoas do Mundo que sabem serem poucas as pessoas no Mundo a dominar o significado destas 8 letras. Empáfia, dirão alguns, confrontados de supetão com estética de antanho. Por mim, apenas quero deixar um louvor a tão sofisticada e classissante tradução de blog. Mas mais: anoto o acerto lexical. Aos leitores da terceira entrada, de título AGOSTO, é servido um poema de fino e aromático recorte bucólico, logo seguido daquilo que, na falta de rigorosa definição, terá de ser chamado de sarrabulho. Isto é não só familiaridade e coerência fonética, é também estilo, donaire.

Das plurais e dilacerantes questões que o sarrabulho do Sarrabal picha nas laterais deste Agosto, ressalta uma CARTA ABERTA dirigida ao meu primo, a qual me convoca e interpela. É um texto notável, herdeiro singular do espírito bulhento de Maria Amália Vaz de Carvalho, e que ainda alcança o feito de estar pejadinho de verdades, do princípio ao fim. Todavia, desairosamente passo por cima do seu valor artístico e sociológico para me concentrar numa confissão que, se o Jorge Carvalheira autorizar, rotularei de pungente. É que a autora esclarece aparecerem algumas palavras no texto que nunca antes tinham sido usadas por si; e esta nota só ganha a sua verdadeira dimensão, o seu profundo sentido, o seu altíssimo valor, se contemplarmos essa longa, abarrotada de sucessos, carreira literária de todos sobejamente conhecida e por todos desvairadamente admirada. No parágrafo em causa, irrompem a negrito, sobre o lívido fundo da página electrónica, os vocábulos fumegam e cagalhão. Esta destrinça gráfica admite a tese de serem esses os termos virginais. E vem daí a minha perplexidade, a qual vou expressar sob a forma de repto: ó Soledade, quanto a fumegam, estamos de acordo: é agregado de caracteres que nenhum autor, se for sério, deverá sequer simular escrever no teclado de um telemóvel sem bateria — mas, Soledade, porque raio esperaste até agora para revelar o cagalhão da tua escrita?!…

Concurso

Depois da Ministra da Educação ter ido ao Parlamento prestar contas do Caso Charrua, onde despachou sem pestanejar a freguesia, e do arquivamento do Caso Sócrates pela Procuradoria, a oposição está num agudo estado de privação. Falta-lhe pretextos, meros contextos, para conseguir botar discurso, para continuar a brincar aos políticos e mandriões. O desespero já não se consegue esconder.

Aqui fica a sugestão: um concurso televisivo para se encontrar a estratégia de oposição mais imbecil. O júri seria constituído pelos actuais dirigentes da oposição com assento parlamentar. Bastaria que avaliassem as propostas com os mesmos critérios com que tomam decisões nas sedes partidárias. Seria o mais justo e objectivo júri alguma vez reunido.

Em ordem a

Em ordem a esclarecer a legitimidade do uso da expressão em ordem a, volto a um assunto que recebeu de jlm um reparo e, depois, uma tomada de posição exemplarmente inteligente. A questão até oferece o picante da polémica erudita. Ora, dá-se a fortuna de privarmos com o Fernando Venâncio, entre outros eventuais companheiros de viagem com autoridade e gosto para expressarem o seu gosto com autoridade. Mal seria não colhermos tão abundante saber.