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Governo só há um

Pedro Correia, alguém que participa em dois blogues colectivos (pelo menos), descreveu o Aspirina B como o mais fervoroso blogue pró-governamental. Contudo, não o nomeou, nem sequer ao autor de quem aproveitou um texto para escrever o seu. Foi uma deselegância nascida do acinte, claro, a qual atinge os meus actuais colegas, José do Carmo Francisco e Confúcio Costa, subitamente transformados em apoiantes de quem nunca apoiaram (e que até, provavelmente, repudiam).

Pedro Correia sabe o que é um blogue colectivo, e seria o primeiro a defender a independência de todos os autores com quem partilha os blogues, aposto, mas esse respeito mínimo por terceiros em condições iguais não está reservado para os inimigos. Se lhe cheira a Sócrates, vê assessores, anónimos, bando. É ele que define quem são os livres e os inteligentes – por coincidência os seus amigos e preferidos, ui, ui.

Acontece que o homem está certo, desde que seja mais zeloso na atribuição. Eu sou pró-governamental, com um fervor que transcende a cor política. Caso os Verdes façam uma coligação eleitoral com o que ainda restar do MIRN, e ganhem, continuarei a minha gloriosa campanha a favor do Governo. A ideia de ser contra um Governo democraticamente eleito, e que respeite o Estado de direito, é um luxo que não posso pagar. A minha segurança, bem-estar e realização cívica estão dependentes da governação, o bacanal anarquista pode esperar mais uns séculos.

Resta só acrescentar que ser pró-governamental implica ser pró-oposição; isto é, também desejar a melhor oposição possível. Um Governo com uma oposição que se limite ao boicote, que não seja alternativa, que calunie de forma maníaca, terá uma governação necessariamente inferior visto as condições políticas serem disfuncionais. Já o inverso não acontece, pois quando a oposição é superior ao Governo o resultado é benéfico: os opositores ganham as eleições seguintes e substituem quem não deu conta do recado.

Isto é simples, Pedro. Talvez seja é demasiado simples para ti.

Apita o combóio

Em 1880 a imprensa de Lisboa voltou a insistir no tema batido – exploração turística da orla marítima entre a capital e Cascais, à semelhança do que se fazia em França em tôrno de Nice. A ideia já calava fundo no ânimo de muita gente. Não tardou a fundar-se a «Companhia do Monte Estoril», famosa e arrojada iniciativa de meia dúzia de capitalistas viajados, mas antipática aos mercadores da rua dos Fanqueiros. Dispunha a Companhia dum capital de 225 contos, e propunha-se a ousadas emprêsas de urbanismo.

Enfim, depois de muitas hesitações, de discussões acaloradas na imprensa e no parlamento, de dúvidas quanto ao futuro de região tão nua e estéril, a pressão dos modernistas, que o Rei D. Luiz protegia e encorajava, conseguiu dum ministério favorável a concessão do caminho de ferro para Cascais. A Real Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses considerou a linha como coisa de somenos. Chamou-lhe «Ramal de Cascais», e tão mesquinha era a região servida por êle que ninguém reclamou contra a designação.

[…]

Feita a linha, começaram a multiplicar-se as moradias de veraneantes em tôdas as povoações do percurso, ergueram-se altos muros de quintas em tôrno das casas apalaçadas que iam surgindo, plantaram-se cedros, olmos, ciprestes, castanheiros da Índia, faias, buxos decorativos, exóticos tamarindos, enfim, enquadrou-se em verdura o recorte doirado das praias e esmaltou-se o chão de jardins. Até Lisboa alterara o seu aspecto por via da linha, atulhando o córgo onde o caneiro corria na baixa do Atêrro e encaminhando-se as suas águas para o rio num conduto subterrâneo – modernismo que deixava boquiabertos, mas não mudos, todos os Velhos do Restelo disseminados pela capital.

MEMÓRIAS DA LINHA DE CASCAIS, Branca de Gonta Colaço e Maria Archer, 1943, Edição Fac-similada 1999, pp. 30-32

A moral não suporta a ética

Ricardo Rodrigues prejudicou-se a si mesmo, e prejudicou o PS e o Governo, ao se ter passado da corneta na entrevista à Sábado. Entrou para o anedotário da política nacional e não mais se livrará dos ecos gozões do burlesco que o seu descontrolo emocional produziu. E acabam aqui os danos. Para os jornalistas envolvidos, para a Sábado, para a oposição e para uma legião de hipócritas, decadentes e moralistas, foi a sorte grande.

Teria sido muito fácil deixá-lo cair. Era politicamente correcto abandoná-lo qual leproso. Felizmente, tal não aconteceu – e espero que não venha a acontecer. Ao aceitar os prejuízos e dificuldades da manutenção do Ricardo no grupo parlamentar, expondo o corpo à continuação dos ataques por causa do episódio, o PS dá um grande exemplo do que é a famigerada ética. Eticamente, há que fazer justiça, tomar o acontecimento pelo que ele é, não pelo que terceiros dizem que foi. A prova da bondade desta postura está no custo que ela implica, tão mais alto quanto o deputado não é propriamente a figura mais charmosa e discreta dos socialistas.

É sempre triste quando aparecem rufias armados em fortes com os fracos. Ricardo Rodrigues é o fraco na história, mal deve aguentar o peso do arrependimento pela estupidez de que se fez vítima. Contudo, preferia estar no seu lugar a ser um dos que o perseguem. A impiedade é alarve e solitária.

Inconstâncios

Aqueles que culparam Constâncio pelas golpadas no BCP, BPN e BPP, estão agora a citá-lo por causa das obras públicas. Estes cata-ventos, contudo, não estão ligados à rede energética nacional. Se estivessem, as importações de petróleo cairiam para metade.

Desce e sobe

Tirando os especialistas, mesmo que autodidactas, e os que detém informação privilegiada, mesmo que adquirida livremente, o resto da população está destinada a enlouquecer se gastar emoções com o que se passa na economia. Pura e simplesmente, a complexidade do fenómeno, para quem está a olhar para o palácio, torna inútil ter a mínima pretensão acerca do que os acontecimentos significam.

O exemplo mais simples é o da bolsa. A bolsa sobe e desce, precisamente o que é suposto que aconteça: subir e descer por ciclos e devido a factores aleatórios. Descer é mau? Os catastrofistas da actualidade reagem como os hipocondríacos, vêem nas descidas o prenúncio do fim da civilização ocidental. Porquê? Porque estão apavorados e querem consolo, uns, porque qualquer pretexto serve para acirrar a irracionalidade das massas, outros. Se acalmassem, tomariam como ideia lunática esse cenário em que os países preferissem o caos ou não fossem capazes de se organizar em modelos de subsistência e crescimento. É que sempre assim aconteceu, apesar de horrendas catástrofes, e com crescente sucesso. Que mariquice é esta com o Euro?…

Quando a bolsa cai, pode ser altura para comprar. Ou para esperar que desça ainda mais, de modo a pagar ainda menos e aumentar o lucro futuro. Quem fala da bolsa, fala da lógica de qualquer outro investimento, onde as conjunturas negativas podem ser propícias se aproveitadas com coragem. Se o plano for o de manter o capitalismo, o sistema inventa formas de crescer – por isso afasta o caos e alimenta a liberdade.

Como ensinava Heraclito, o caminho por onde se desce é o caminho por onde se sobe.

Crespopatia

O que se passa no Jornal das Nove não se vê em mais lado nenhum da televisão portuguesa. A coberto de um formato noticioso, Crespo dá tempo de antena a todo o refugo cavaquista e demais grémios ressabiados anti-Sócrates. Medina Carreira conseguiu lá ir 1689 vezes, só no último ano, apesar desta dupla ter palco semanal garantido. Para além dos convidados, as peças que abrem o pseudo-noticiário são panfletos que tentam emular a Noite da Má Língua, mas reduzidos a um único alvo.

Sim, Balsemão que faça o que quiser com o seu dinheiro, que ninguém é obrigado a suportar a porqueira. Porém, contudo, todavia, há um enigma a crescer: que leva as vítimas da sua sanha a não só se prestarem ao espectáculo como a manifestaram uma deferência para com a criatura que nada – absolutamente nada! – justifica? Crespo é sabujo para com os aliados e sujo com os adversários. Não apresenta questões, faz libelos em forma de perguntas que depois contradita dramaticamente quando não correspondem ao seu guião. Especialmente avacalhante é o subtexto decadente que promove sem descanso, onde expressa um soberbo desprezo pela classe política e instituições da República. E tudo isto feito em nome de uma putativa superioridade moral que varre qualquer discurso que lhe apareça à frente para o grande esgoto da sua megalomania.

Durante muito tempo frustrei-me sem entender o que levava o aparentemente urbano e estimável António José Teixeira a permitir o continuado desaforo lesa qualidade da democracia no lugar onde se devia apresentar jornalismo. Depois, na campanha para o PSD, ficou claro que o director da SIC-N apoiava o Rangel. Assim, já a coisa fazia pleno sentido. A fome tinha-se juntado à vontade de comer.

V9

Com os meus contactos na assembleia, tive acesso às perguntas a que o Primeiro-ministro terá que responder, e que vão finalmente esclarecer cabalmente toda esta situação. Aqui vão:

1 – O Sr. primeiro-ministro ordenou a compra da TVI pela PT com o intuito de afastar Manuela Moura Guedes?
2- Tem a certeza?
3- Absoluta?
4 – Só pode estar a brincar. Isto é um caso muito sério. Acha que alguém acredita nisso?
5 – Não quer pensar melhor, e mudar as respostas 1-4?
6 – Você é teimoso, caramba. Acha que essa sua teimosia influenciou a sua resposta às perguntas acima?
7 – Que credibilidade tem então o Sr. primeiro-ministro, tendo em conta que mente descaradamente nas respostas anteriores?
8 – Mais uma vez, você não está claramente a perceber a gravidade do caso. É ou não verdade que tentou comprar a TVI para afastar o casal Moniz?
9 – Ah! Não tentou afastar o casal Moniz. Então, sendo assim, admite que o objectivo era apenas afastar Manuela Moura Guedes?
10 – Mas se não tinha intenção de afastar Manuela Moura Guedes, porque é que mandou comprar a TVI? Não vê a contradição?

42 – Estamos cansados das suas mentiras, e fartos de lhe dizer que isto é um caso sério. Reveja por favor as respostas 1-41. Não as quer alterar?
43 – Porque é que insiste em mentir a esta comissão?

66 – No pequeno almoço com Figo, quem é que pagou a conta dos galões e torradas?
67 – Se foi o Sr. primeiro-ministro, não acha que é um abuso dos recursos do estado?
68 – Se foi Figo, acha que é adequado receber benesses de particulares? Conhece a expressão “não há pequenos-almoços grátis”?

74 – Se fosse homenzinho, tinha vindo a esta comissão pessoalmente responder. Há algum problema com a sua masculinidade?

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Oferta do nosso amigo Vega9000

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Quando à ida de Silva Pereira ao tribunal da santa aliança, ler o Miguel

Transparências

Não é possível a nenhum político ser mais transparente do que o foi Ricardo Rodrigues: estando na Assembleia da República, e a ser filmado, apropriou-se de material que pertencia aos jornalistas que o entrevistavam.

Depois disto, ver naquela cabeça a frieza para cometer crimes que a Justiça não consegue detectar é temerário. Quem o ataca com essas suspeições também se mostra transparente.

Sabedoria da vizinha

A comissão de inquérito vai enviar a Sócrates 74 perguntas, fala-se em prolongar os trabalhos para além do prazo acordado, o Taguspark é o novo alvo, esperam-se transcrições de escutas e o PSD ameaça levar o Procurador-Geral a tribunal para conseguir sacar o máximo de informações obtidas com a espionagem política feita em Aveiro. Esta comissão investiga um negócio legítimo entre privados que não chegou a ser feito por pressão pública da oposição e do Presidente da República.

Quando Oliveira e Costa foi à comissão de inquérito ao BPN, depois de se ter recusado a falar, trataram-no como uma rock star. Avisou ter ficado muito mais para contar, pelo que tivessem juizinho com ele, e quase que saía em ombros com aclamação geral. A comissão lidava com um calote que poderá chegar aos 10 mil milhões de euros. Ao contrário de todos os casos que permitem criar suspeições contra Sócrates, o BPN é alérgico às violações do segredo de Justiça, as capas dos jornais têm azar com esta rapaziada.

É como diz a minha vizinha do 4º andar, não há duas comissões de inquérito iguais.

Fraternidade

A Palmira é uma das subscritoras da petição Cidadãos pela Laicidade, a qual talvez te interesse conhecer e assinar.

Eu não a assinarei – por a considerar falaciosa, confusa, sectária e irrelevante – mas o pleonasmo é inatacável: ser cidadão implica a assunção da laicidade.

Cavaquismo apocalíptico

O Eduardo antecipou-se e já fez a pergunta:

Não seria mais consentâneo com os seus pergaminhos formarem um partido de salvação nacional e irem a votos na primeira oportunidade?

Mas isso eles não querem, a democracia dá muito trabalho. Quem passou uma vida nas canseiras da opulência merece o remanso do Palácio de Belém, onde os graves assuntos de Estado se decidem entre chazinhos e torradinhas.

Grands seigneurs

A exclusão de Passos Coelho e Miguel Relvas do Parlamento levou a que Miguel Macedo tivesse sido escolhido para liderar a bancada. Acontece que esta é uma opção medíocre, pese a simpatia que a sua figura cavalheiresca possa suscitar. Macedo é limitado nos recursos oratórios e vago na argumentação. Acima de tudo, não representa com fidelidade o presidente do partido, é uma solução de recurso.

Ferreira Leite e Pacheco quiseram vingar-se de Passos e não se importaram nadinha de nada com as consequências; fosse na imagem do partido para as eleições ou na qualidade do grupo parlamentar. Importava era o castigo, humilhar quem tinha ousado fazer-lhes frente, quem se entregou à disputa do poder interno. O facto de Passos ter concorrido um ano antes para presidente não contava, ter sido indicado pela distrital de Vila Real também não. É este o código de conduta dos grands seigneurs: matam sem misericórdia os fidalgotes que os ameaçam. O vale tudo não é um espasmo de desespero, antes um automatismo cultivado com deleite – desde as promessas de vingança do Pacheco contra os anónimos dos blogues que ousavam ser críticos do PSD até à manipulação do Parlamento e da Justiça para fazer assassinatos de carácter. São muitos séculos de soberba terratenente, uma crença debochada na impunidade.

A ira persecutória deste PSD decadente acabou por nos prejudicar a todos, visto não termos o líder do maior partido da oposição na linha da frente do combate. Isso, curiosamente, acaba por o proteger, pois não está sujeito ao confronto com Sócrates. Passos tem a ganhar estando em silêncio, tal e qual o que Ângelo Correia queria que Menezes tivesse feito. Como sabemos, o visionário de Gaia fez tudo menos estar calado, com os esplendorosos resultados que rapidamente apareceram para exasperação do Ângelo. Passos não tem apenas o patrono, tem também um problema similar ao de Menezes, uma característica que se descreve com três letrinhas apenas: oco. Assim, a sua estratégia vai ser a de só começar a expor-se quando se moer Sócrates para lá da recuperação – fenómeno que não é garantido, porém, dependendo do que acontecer em duas frentes imprevistas, economia e Justiça.

Entretanto, Miguel Macedo, chega aqui. Vou dar-te o grande conselho da tua vida: sê tu próprio. Sim, já o conhecias, mas dito por mim é outra loiça. Não vás para os debates armar-te ao pingarelho, por favor, porque não tens estaleca para isso. Escolhe antes a via da suavidade, da calma, da classe. Marca a diferença recusando a retórica balofa e cretina do Rangel, do Portas, do Louçã, do Jerónimo. Sê tu próprio, respira. Respira fundo, homem. Os pensamentos profundos começam no diafragma, como bem sabiam os antigos.

Os cínicos ladram

Neste texto, que se lê em 5 minutos (muito menos se não pescas nada de inglês), encontramos citações de estudos que reforçam esta ideia: desconfiamos uns dos outros porque temos medo de confiar – caso confiássemos, rapidamente confirmaríamos que há muitos à nossa volta a merecer tanta confiança como aquela que outorgamos a nós próprios (ou mais, e muito mais…).

Esta evidência, pois se trata de algo evidente em todos os lugares, lembrou-me uma das minhas passagens favoritas do Evangelho, a Parábola dos Talentos:

Acontecerá como um homem que ia viajar para o estrangeiro. Chamando os seus empregados, entregou-lhes os seus bens. A um deu cinco talentos, a outro dois, e um ao terceiro: a cada qual de acordo com a própria capacidade. Em seguida, viajou para o estrangeiro. O empregado que havia recebido cinco talentos saiu logo, trabalhou com eles e lucrou outros cinco. Do mesmo modo, o que havia recebido dois lucrou outros dois. Mas aquele que havia recebido um só, saiu, cavou um buraco na terra e escondeu o dinheiro do seu patrão.

Depois de muito tempo, o patrão voltou e foi ajustar contas com os empregados. O empregado que havia recebido cinco talentos entregou-lhe mais cinco, dizendo: “Senhor, entregaste-me cinco talentos. Aqui estão mais cinco que lucrei”. O patrão disse: “Muito bem, empregado bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu confiar-te-ei muito mais. Vem participar da minha alegria”. Chegou também o que havia recebido dois talentos e disse: “Senhor, entregaste-me dois talentos. Aqui estão mais dois que lucrei”. O patrão disse: “Muito bem, empregado bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu confiar-te-ei muito mais. Vem participar da minha alegria”. Por fim, chegou aquele que havia recebido um talento e disse: “Senhor, eu sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e recolhes onde não semeaste. Por isso, fiquei com medo e escondi o teu talento na terra. Aqui tens o que te pertence”.

O patrão respondeu-lhe: “Empregado mau e preguiçoso! Sabias que eu colho onde não plantei e que recolho onde não semeei. Então devias ter depositado o meu dinheiro no banco, para que, no meu regresso, eu recebesse com juros o que me pertence”. Em seguida o patrão ordenou: “Tirai-lhe o talento e dai-o ao que tem dez. Porque, a todo aquele que tem, será dado mais, e terá em abundância. Mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. Quanto a este empregado inútil, lançai-o lá fora, na escuridão. Ali haverá choro e ranger de dentes”.

Eis uma sabedoria milenar que não pode ser mais actual e universal. O medo de perder inibe, atrofia, mata. A confiança, ao contrário, é uma força, um movimento, uma abertura. É também da confiança que nasce a sorte, porque a sorte é o resultado matemático da multiplicação das oportunidades.

Os cínicos sempre ladraram, por medo. Em Portugal estão à direita e à esquerda, em pânico, raivosos. Mas há uma caravana a passar, e que já não vai parar.

Espionagem política – Modo de usar

Quer o juiz, quer o procurador do Ministério Público de Aveiro, João Marques Vidal, se mostraram disponíveis para enviar os documentos solicitados pela CPI. Aliás, o procurador até defendeu, tal como o DN adiantou ontem, a existência de um “interesse objectivo” no conhecimento de tais factos, por forma a que se faça uma análise mais cuidada do caso. Marques Vidal até chegou a fazer a contabilidade do número de escutas feitas a Armando Vara e Paulo Penedos que constam do processo relacionadas com o caso TVI: ao todo, das já transcritas, são 173 conversas. Destas, 144 ocorreram no mês de Junho de 2009, uma data central em todo o processo de aquisição de parte do capital da TVI pela PT. Mesmo assim, João Marques Vidal salientou aos deputados que aquele número foi o apurado pela investigação de Aveiro antes de enviar as certidões para a Procuradoria geral da República. “Não é de afastar que existam outras comunicações relevantes”, escreveu o procurador.

DN

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Conversas entre um advogado e um funcionário bancário, respeitantes a negócios entre privados e assuntos pessoais, foram gravadas sem aviso e sem autorização, permanecendo disponíveis para deputados que têm um interesse declarado em confirmar suspeitas relativas ao carácter e privacidade do Primeiro-Ministro.

Temos de louvar o pessoal de Aveiro, uma tramóia destas nunca antes tinha sido sequer tentada em Portugal. E agora que todos os magistrados e juízes sabem como se faz, e que não acarreta qualquer tipo de risco – tendo-se chegado a ameaçar fazer rolar as cabeças do Procurador-Geral e do Presidente do Supremo – imagino o alvoroço que vai por essas comarcas afora. Afinal, não consta que Manuel Godinho tenha sido o único cidadão a ter negócios com o Estado, apenas se deu o caso de ter sido muito, mas mesmo muito, bem escolhido. Foi a desculpa certa no ano eleitoral adequado.

É repetir a dose até se obter o efeito desejado.

Génio de Carvalhal

Nenhum treinador teria feito melhor do que eu, informou o genial Carvalhal após o jogo com a Naval, e essa é uma verdade incontestável num jogo onde tudo correu bem. Miguel Veloso, Yannick e Moutinho exibiram o seu indescritível talento, enquanto as bancadas aclamaram o futebol de um clube do Porto. Só faltou a vitória do Guimarães para melhor aconchegar um Sporting que não é de Braga.

O triunfo dos Silvas

A escolha de Lula da Silva como o líder mundial mais influente*, pela revista TIME, não resulta de nenhum gosto diletante pelo exótico, antes manifesta o retumbante e colossal sucesso económico e político do Brasil. E, por isso, de Portugal.

Uma parte substancial da economia portuguesa acontece em Terra de Vera Cruz; como a PT, GALP e EDP o descrevem exuberantemente nos relatórios de contas, para dar os exemplos maiores. Mas há mais: Brasília tem ideias e planos para África, e também por aí Portugal tem a ganhar. Lembremo-nos de Angola e de um ancestral triângulo a ligar três continentes.

Sim, Agostinho da Silva foi mesmo profeta.

Vulcanologia política

Uma infeliz coincidência dá a ver o problema maior da direita portuguesa. Começa aqui, onde Joana Alarcão resume o caso de Inês de Medeiros com sensibilidade e inteligência. E acaba aqui, onde Carlos Botelho recorre ao nazismo para ofender Sócrates, à mistura com outras bacoradas patéticas.

Estes dois textos ficaram juntos num acaso, mas representam mundos que não têm qualquer ponto de contacto. No primeiro, explica-se uma situação com rigor, realçando a injustiça dos ataques à Inês. No segundo, utiliza-se um elemento simbólico que convoca o maior crime alguma vez cometido na Humanidade, e contra a Humanidade, para rematar o ataque ad hominem a um político que se odeia.

Obviamente, da Joana Alarcão fica o desejo de a ler mais, pense ela o que pensar de Sócrates, do Governo e do PS. E do Carlos Botelho fica no ar uma peçonha fedorenta que causa tão mais perplexidade quanto o Cachimbo de Magritte é um dos raros blogues políticos, se não for o único, onde se celebra a cultura e religião judaicas.

E aqui temos o maior problema da direita portuguesa: as ilhas de lucidez e defesa do bem comum são constantemente devastadas pelos fluxos piroclásticos de ranho.