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O amigo americano

A Alemanha, membro da NATO e “aliada” dos EUA – que ainda lá têm 50.000 soldados estacionados – é considerada pela National Security Agency (NSA) americana como um “partner de terceira classe”, juntamente com outros “alvos” como a China, a Arábia Saudita e o Iraque. Como tal, a Alemanha constitui um dos alvos prioritários do programa Prism de espionagem planetária levada a cabo pela NSA, recentemente denunciado por aquele rapaz que mora na área internacional do aeroporto de Moscovo. Segundo revelou, só na Alemanha a NSA intercepta em dias normais 20 milhões de telefonemas e 10 milhões de ligações de internet, chegando contudo a interceptar um total de 60 milhões de ligações por dia.

Já em França só são interceptadas diariamente 2 milhões (!) de ligações pela NSA. Isto em nome da segurança dos EUA e da luta contra o terrorismo. Em cada ano o programa Prism grava e armazena o conteúdo de muitas centenas de milhões de ligações interceptadas em todo o mundo. Ainda mais grave, os países da União Europeia são também alvo de espionagem em Washington, onde as suas representações diplomáticas são alvo de escutas, intercepções e ciberataques.

Não sei que classificação é atribuída a Portugal pela NSA, mas não estamos no grupo dos países de “primeira classe”, reservado aos amigos Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, que alegadamente são poupados ao permanente vasculhanço americano. Por sinal, o Reino Unido tem um programa de espionagem semelhante ao americano, designado Tempora. Como Portugal não tem grande importância económica, política ou outra, devemos estar no grupo dos amigos de segunda classe, mas isso quer dizer que também os nossos telefones, ligações de internet e computadores são espiados pela NSA, embora não tão sistematicamente como os alemães.

Que a espionagem americana há muito vasculha a blogosfera portuguesa, não é novidade. Sei de casos que o provam sem margem para dúvida. Não duvido, por isso, que muitos blogues portugueses, incluindo este em que escrevo, sejam filtrados pelo programa Prism e que este meu post, em que falo disso, vá ser indexado e talvez guardado pelos nossos amigos americanos. Mas uma coisa é varrer a blogosfera à cata de informação que é pública, outra coisa é interceptar maciçamente telefones, emails ou chats privados e pescar informações nos nossos computadores. Em Portugal, aquilo que o programa Prism faz maciçamente por todo o planeta é considerado crime punível com multas e penas de prisão (artigos 190.º a 199.º do Código Penal).

Os alemães já reagiram às informações de Snowden. O próprio presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, exigiu hoje em termos bastante vivos uma explicação do governo americano, que acusou de tratar os países da União Europeia como inimigos. Os governantes de Portugal, especialmente os ministros dos Negócios Estrangeiros, têm uma inclinação doentia para faxinas dos americanos. Ainda assim, se eu fosse jornalista, era capaz de fazer umas perguntas sobre este assunto ao Portas, se o apanhasse a jeito. Só para me rir com as respostas, claro…

A falta que faz o Millôr

O senado brasileiro, sensível às manifestações de rua dos últimos dias e às declarações de Dilma, acaba de aprovar um projecto de lei que qualifica a corrupção de “crime hediondo”, equiparando-a ao genocídio, ao homicídio voluntário, ao latrocínio (roubo com homicídio), à extorsão com homicídio ou sequestro, à violação, à epidemia intencional com resultado mortal e à falsificação ou adulteração de medicamentos. Note-se que no Brasil a tortura, o tráfico de droga e o terrorismo não são considerados “crimes hediondos” pela lei, sendo apenas “equiparados a hediondos” em certas consequências penais. Mas a corrupção, a partir de agora, é-o, com consequências sobre a pena (a mínima passa para o dobro, quatro anos) e a possibilidade de libertação sob caução, que será negada.

No conceito de corrupção são enumerados: o peculato (quando o funcionário público se apropria de dinheiro ou o desvia no exercício do seu cargo), o peculato qualificado (quando praticado por agente político e funcionário com cargo efectivo de carreira), concussão (exigir vantagem indevida) e o excesso de exacção (quando o funcionário exige tributo indevido). Não foram estabelecidos patamares ou limiares quantitativos de hediondez, razão pela qual é tão hediondo o crime do polícia que abicha uns reais para não multar um automobilista, como o do autarca que desvia uns milhares para o clube de futebol da terra, como o indivíduo que recebe luvas de milhões como “facilitador” de aquisições do Estado, como no caso dos submarinos em Portugal. Além disso, um banqueiro brasileiro que crie empresas-fantasmas em paraísos fiscais e faça toda a espécie de traficâncias para lesar o Estado e o público em milhares de milhões, como no caso BPN em Portugal, continua a não ser considerado um “criminoso hediondo”.

Leio, porém, que naquela terra tropical não basta cometer um crime perfeitamente tipificado como hediondo, como agora a corrupção, para a “moldura” correspondente ser aplicada pelo juiz. Este vai examinar o caso concreto e confirma ou não a hediondez do crime. Vai ser bom para entupir o Supremo. Mas vai dar de ganhar a muitos advogados e, por fora, talvez a alguns juízes.

Não deixará de haver também em Portugal quem louve este ataque histerico-legislativo à corrupção. A mim parece-me sumamente estúpido, ultrademagógico e ineficaz. O grande Millôr Fernandes, se fosse vivo, encontraria a frase assassina para o qualificar.

Propaganda 7/7, 24/24

O governo decidiu promover reuniões informais diárias com jornalistas e criar um novo site para explicar as medidas-chave, “com o apoio de infografias e números”. Com Maduro, o governo começa enfim a ver claro. Como todos sabem, o que até agora corria mal era a comunicação, mas o ministro da Propaganda tem grande fé na melhoria do martelanço. Ainda me lembro quando estes gajos e os seus spin doctors refilavam contra o governo de Sócrates por ter “poderosas agências de intoxicação a que chama de comunicação”, para “impedir que se pense de modo diferente”. Agora o Maduro, doutor em narrativas, virou a coisa do avesso.

Mas eu quero contribuir patrioticamente para o esforço do ministro, por isso sugiro que nas tais reuniões, para assegurar verdadeira informalidade, os governantes se apresentem de chinelos de praia e barba de dois dias e as governantas de négligé e socas. Para atrair jornalistas, ponham uns miúdos e umas miúdas a servir tapas e caldo verde. Duvido, embora, que isso possa substituir os velhos almoços com patrões dos media ou os telefonemas para os avençados do saco azul. Quanto ao site, francamente não sei se será boa ideia, mas há que puxar pela imaginação. Perante o fiasco dos governantes no facebook, não recomendo interactividade, que logo faz descambar a coisa em mural de lamentações. Em dois anos, o Coelho actualizou o facebook meia dúzia de vezes, a última no Natal passado, com uma mensagem do mais depressivo que há. O Portas não vai ao seu (dele) desde 2011, deve ter tido uma péssima experiência.

Todos os governos do mundo têm um site gov, incluindo Portugal. São coisas que ninguém visita, a não ser uns patetas que querem saber a idade ou o signo de um secretário de Estado. O que é que poderá fazer a diferença e pôr a maralha toda a tuitar os posts do novo site do Maduro? No género “infografia” estou cá a imaginar umas coisas catitas, mas a net está cheia disso. Quanto a “números”, recomendaria muito cuidado: nada sobre desempregados, despedimentos, PIB, cortes nas pensões, salários e subsídios, aumentos de horários, reduções de férias, cumprimento de objectivos orçamentais e outras coisas deprimentes. O melhor era dar os números do euro-milhões, que na próxima terça-feira vai ter um jackpot no montante de um empréstimo do BCE. Mas aí ficava todo o mundo a saber, ora porra.

Compre o que é nosso

Depois das lasanhas com carne de cavalo da Roménia, das alheiras de caça com frango de aviário e de mais mil coisas travestidas, com ou sem bactérias e metais pesados, agora andávamos a comer um “bacalhau com natas” feito de peixe-caracol, uma porcaria que vem da China, a que se chama snailfish (peixe-caracol) ou, para enganar, bacalhau azul (blue codfish), e cujo nome latino é Liparis tanakae. O peixe-caracol pescado no Pacífico, depois de salgado e seco, é vendido a 3.000 euros a tonelada por companhias chinesas e é transformado por firmas portuguesas do ramo alimentar em pratos congelados de “bacalhau”, que até há pouco eram vendidos nas nossas cadeias de supermercados trazendo “Compre o que é nosso” escrito no rótulo. De que alimárias serão feitos os hamburgers e os patés aux fines herbes que nos oferecem por aí? Nem digo, para não perturbar o vosso almoço.

“Compre o que é nosso” fez-me lembrar os pins com a bandeira de Portugal que os gajos do governo Coelho puseram nas lapelas. Acho que a ASAE deveria ocupar-se da fraude e mandar retirar do mercado este governo-caracol.

Relembrando outro Gaspar

O governo de coligação PS-PSD de 1983-85 (Bloco Central), chefiado por Mário Soares, também teve o seu Gaspar, um adepto fervoroso do tratamento de choque eléctrico sem olhar às consequências sociais ou económicas. Tratamento que aplicou sem dó nem piedade ao país, provocando fome e perto de meio milhão de trabalhadores com salários em atraso. Chamava-se Ernâni Lopes, era independente, fumava cachimbo e não sei se era do Benfica. Como o Gaspar, tinha também vivido longe daqui, muito enfarinhado no FMI e no clube dos ricos de Bruxelas entre 1979 e 1983. Ainda vivo em 2010, Ernâni declarou que o governo de Sócrates tinha que cortar de imediato 20% a 30% nos salários da função pública.

Em 1983-85 Soares apoiou sempre Ernâni, multiplicando-se em declarações em que dizia que vivíamos acima das nossas possibilidades e que só tínhamos uma solução: apertar o garrote, perdão, o cinto. Havia então, é certo, uma inflação que em 1984 ultrapassou os 30%, que tinha que ser drasticamente reduzida, até para podermos entrar na Comunidade Europeia, para a qual Soares nos queria á viva força levar. Não éramos ainda membros plenos, o que também fazia uma grande diferença em relação a hoje. Mesmo assim, quando hoje ouço certas tiradas de Mário Soares contra a austeridade, fico pensativo, a rememorar as suas declarações de 1984, que por vezes ostentavam uma falta de sensibilidade idêntica à de que agora acusa o governo.

Depois de Soares e do Ernâni, em fins de 1985, com a inflação já controlada, veio o boliquímico, que saltou oportunamente para o poder e recolheu os louros imerecidos de uma recuperação económica muito dolorosa para que não contribuiu, da entrada maciça dos fundos europeus, da queda para metade do preço do petróleo, da desvalorização do dólar em mais de 10%, bem como da queda substancial do juro da mesma moeda (a nossa dívida externa era toda em dólares). Tudo do melhor, ao mesmo tempo, para ele poder fazer figura de mago financeiro. Dá raiva só de pensar nisso.

Relvas já se foi, Coelho ainda aí anda

O comissário europeu responsável pelo Fundo Social Europeu disse á deputada Ana Gomes que o Gabinete de Luta Antifraude da União Europeia está desde finais do ano passado a investigar os indícios de fraudes revelados pelo jornalista Cerejo no Público, relativos ao financiamento da empresa Tecnoforma e da ONG que dava pelo nome de Centro Português para a Cooperação, entidades que, como se sabe, eram dirigidas por Passos Coelho. Quando o caso veio à tona, o primeiro-ministro sacudiu a poeira do capote e o ministro Relvas (secretário de Estado da Administração Local no governo da época em causa), metido no assunto até às orelhas, continuou mais uns meses no governo do Coelho a fingir que não era nada com ele.

Relembra agora Cerejo, entre outras coisas, que foram gastos mais de 300.000 € para formar zero (0) técnicos de aeroportos:

Um dos projectos mais caros aprovados no quadro do Foral em todo o país foi então apresentado pela Tecnoforma na região centro e contemplava 1063 formandos que deveriam tornar-se técnicos de aeródromos e heliportos municipais. O total do financiamento aprovado, com [o secretário de Estado] Miguel Relvas a patrocinar directamente o projecto, ultrapassava 1,2 milhões de euros. Na região centro existiam à época nove aeródromos municipais, mas só três tinham actividade, ainda que residual, e uma dezena de trabalhadores. No final, a Tecnoforma recebeu apenas um quarto do subsídio aprovado, mas nenhum dos inscritos conseguiu ver a sua formação certificada.»

É assunto que parece ter entrado por um ouvido aí do pessoal do costume e saiu pelo outro, sem mais consequências. O DIAP de Coimbra está a olhar para os indícios há longos meses e o DCIAP de Lisboa também. Lá para 2019 devem conseguir espremer qualquer coisa dali. Até agora, que se saiba, ninguém investigou porra nenhuma, a não ser o jornalista.

Cordeiro, bode ou ovelha?

O ex-bastonário dos advogados Rogério Alves e actual defensor de Duarte Lima disse no julgamento que está a decorrer que o seu cliente é um “cordeiro oferecido para sacrifício” e que “está a fazer a expiação do antagonismo que se criou entre o cidadão e a classe política”.

Note-se bem: um cordeirinho imolado, a expiar as culpas dos políticos. Só lhe faltou citar os nomes dos políticos culpados, como um em que eu estou cá a pensar.

Em relação ao filho de Duarte Lima, o mesmo advogado afirmou em tribunal que “Pedro Lima está aqui apenas na qualidade de filho do bode expiatório do país”.

Cordeiro e bode, portanto. E a gente a pensar que Duarte Lima era mais tipo ovelha. Negra.

Comunicado do Sindicato dos Palhaços

O Sindicato Nacional dos Palhaços, Histriões, Jograis, Bobos, Profissionais de Stand-up Comedy e Afins do Sul e Ilhas divulgou hoje um comunicado, que abaixo reproduzimos com a devida vénia e cambalhota:

O SNPHJBPSCASI, reunido de emergência este sábado para apreciar várias notícias que nos últimos dias têm sido divulgadas sobre as declarações do sr. Sousa Tavares acerca do sr. Cavaco Silva e sobre a abertura de um inquérito às mesmas pela Procuradoria-Geral da República, vem tornar público o seu mais veemente repúdio pelas palavras do sr. Sousa Tavares, que considera altamente ofensivas e baixamente lesivas do bom nome da classe que este sindicato representa, dada a comparação degradante que essas palavras estabelecem entre os genuínos profissionais da indústria espirituosa e o referido sr. Cavaco Silva, que não é nem nunca foi palhaço, não é membro do sindicato, não tem carteira profissional nem consta que jamais tenha feito alguém esboçar o mais leve sorriso.

Como é do conhecimento geral, o sr. Cavaco Silva é um indivíduo que desconhece totalmente o que seja humor, graça ou espírito, razão pela qual carece em absoluto de habilitações para poder trabalhar na nossa indústria. Trata-se de uma pessoa carrancuda, mesquinha, bisonha, tristonha e enfadonha, logo completamente desqualificada e imprópria para consumo do público. Chamar palhaço ao sr. Cavaco Silva é tentar descaradamente fazer passar gato por lebre e, como tal, um atentado à saúde mental pública, facto para o qual o nosso sindicato não deixará de chamar a atenção da ASAE.

O SNPHJBPSCASI aplaude as diligências encetadas pelo Ministério Público, na esperança de que esta grave ofensa à imagem, reputação e goodwill da nobre actividade histriónica dê origem a um processo contra o sr. Sousa Tavares, tanto mais que este senhor, em lugar de se retractar devidamente e apresentar um claro pedido de desculpas à nossa classe, apenas se desculpou pifiamente, ao declarar que foi “excessivo” chamar palhaço ao sr. Cavaco Silva. Ora o ambíguo e eufemístico termo “excessivo” fica muito aquém da justiça que nos é publicamente devida, pois o sr. Sousa Tavares deveria ter reconhecido que foi não “excessivamente”, mas sim tremenda e escandalosamente benevolente ao conceder o cobiçado título de palhaço ao deprimente, desinteressante e enfadonho sr. Cavaco Silva.

Eh, Valente!

Cavaco está completamente isolado, a presidência faliu e, por consequência, o regime deixou de existir. Isto segundo Vasco Pulido Valente, ontem no Público, não se precipitem os caros leitores.

Disparando atestados de incompetência a tudo o que mexe em Portugal e deplorando que ninguém tenha ainda percebido a urgência de uma “reforma radical do Estado”, VPV apontou generosamente o meio de salvar a pátria do caos:

um governo francamente presidencial, escolhido pelo povo e que, da administração local à economia, arrume a casa”.

Passo a explicitar o que VPV não detalhou nesta bocarra, certamente por falta de tempo

Cavaco acorda às 3h da manhã no meio de uma visão apocalíptica: está completamente isolado, até a Maria se pirou. Depois de beber uma água das pedras e fazer chichi, Cavaco decide dar de imediato posse a um governo francamente presidencial, sem sequer avisar o Coelho. Convoca de urgência VPV a Belém, nomeia-o chefe da Casa Arrumada e pede-lhe nomes para o elenco messiânico, que Cavaco quer chefiado pela Ferreira Leite. VPV concorda com a escolha francamente presidencial e sugere-lhe dez nomes para subsecretários. Assentam os dois em que não haverá ministros nem secretários de Estado, para impor mais respeito ao executivo. Haverá também dois lugares de subcomissários do povo, a preencher pelo PCP, se estiver nessa. Constança Cunha e Sá não responde a dezoito chamadas do telemóvel, mas Cavaco indigita-a mesmo assim para a propaganda nacional. VPV aceita com a condição de ele próprio ficar com o pelouro da contra-propaganda. O governo toma posse secretamente às 6h 37, depois de plebiscitado pelo pessoal de serviço ao palácio, em pijama, simbolizando o povo soberano a acordar de um profundo sono de décadas. Para comemorar, Cavaco e VPV vão acabar a noitada no bar Good Ol’Days, em Cascais, de onde são evacuados por uma ambulância às 8h45, que os deposita na secção de intoxicados de S. Francisco Xavier.

Demite-te, filho

O pai de Passos Coelho, fazendo eco da reclamação da oposição, aconselha o filho a demitir-se. A razão paternalmente invocada é “que isto não tem conserto”. Não é de agora, “há muitos anos” que isto não tem conserto ‒ esclarece. E revela que o filho “está morto por se ver livre disto”. Quando ele deixar o governo, o pai vai fazer uma festaça lá na terra que nem queiram saber. Mas logo desilude, garantindo que o filho não se demitirá. Por puro patriotismo. Se se fosse embora, vinha aí uma austeridade pior. A credibilidade internacional caía por terra “de um dia para o outro”. Tem pai que é cego, já dizia o Gordo.

Pide bom, pide mau

Pegou a moda, aliás justificada, de chamar “pide bom” a Paulo Portas e “pides maus” aos restantes membros do governo, com destaque para Gaspar e Coelho. Ontem, Vasco Lourenço e Jerónimo de Sousa usaram em declarações públicas essas velhas metáforas alusivas ao Estado Novo, que eram até agora expressões de uso preferencial na blogosfera e pelas mesas dos cafés.

Na sua arenga registada pela TV, Jerónimo apelidou também Portas de “Paulinho das feiras”, uma alcunha algo estafada, mas que ganha novo lustre com a sua utilização mediática pelo secretário-geral do PCP. A partir de agora, contudo, é legítimo que Portas lhe pague da mesma moeda, tratando-o por “Jojó da Ferrugem”, “Pires Coxo” e outras amabilidades que a veia democrata cristã decerto lhe inspirará.

Dadas as actuais circunstâncias nacionais, e na antevisão de um crescente surto de descontentamento verbal, penso que os políticos da oposição irão diversificar tais apodos e torná-los mais expressivos. A Bíblia, por exemplo, é uma mina de nomes sugestivos com que se poderá zurzir os responsáveis pela governança: Herodes ficaria bem a Gaspar, Pilatos é o Cavaco chapado, Caifás não destoaria em Coelho. Os debates no Parlamento muito terão a ganhar em colorido e potencial evangelizador.

Tá tudo bem no governo, a comunicação social é que alimenta umas tricas

Eu acho que há aqui uma mistificação muito grande por parte de alguma comunicação social em torno desta matéria, a posição do Governo desde o princípio tem sido a mesma, conforme foi dito quer pelo senhor primeiro-ministro, quer pelo líder do principal partido da oposição e que faz parte da coligação de Governo, doutor Paulo Portas, nas comunicações que fizeram já há uns dez dias atrás.

Marques Guedes, ministro da Presidência, hoje em Oeiras.

Apontamentos sobre um congresso

O maior elogio a Seguro veio ontem do respeitável Correia de Campos, embora no quadro de uma comparação de Seguro com o “panhonha sem alma” Passos Coelho. Grande elogio, sem dúvida, mas enfraquecido pelo termo da comparação.

Seguro, esse, continua a querer congregar pessoas de todos os quadrantes políticos.

Mas hoje pediu uma maioria absoluta do PS para governar.

E disse que, mesmo com essa maioria absoluta, quer governar em coligação.

Para fazer o pleno, só lhe faltou dizer que também quer estar na oposição.

Treme governo, vem aí a Alternativa

“Quero, com os portugueses, fazer uma nova aliança”, promovendo “a construção de uma alternativa” ao actual governo, afirmou ontem António José Seguro. Essa alternativa, explicou, deverá congregar “progressistas, humanistas, democratas-cristãos, social-democratas e socialistas”. Aparentemente, só ficam de fora os vegetarianos, as testemunhas de Jeová e os tipos da revolução branca.

Trocado por miúdos, Seguro quer congregar marxistas e eco-marxistas (não confundir com o PCP e o Bloco), filantropos sem rótulo, democratas-cristãos (não confundir com o CDS), sociais-democratas (não confundir com o PSD) e, para rematar com chave d’ouro, socialistas (não confundir com o PS).

A Alternativa será uma coligação apartidária ou um movimento ecuménico contra os partidos? Ó António José, o que é que tu queres, homem? Queres uma União Nacional de todas as pessoas de boa vontade? Estarás bem da pinha?

Parece que os comunistas e os bloquistas enfiaram o barrete de “progressistas”, mas ambos apareceram a dar para trás na Alternativa do Seguro.

O genial Semedo, cujas medidas cefálicas dificilmente suportam qualquer carapuça existente no mercado, veio dizer que mais importante do que “com quem se governa”, é existir um “programa comum”. Primeiro, tem que haver um programa comum (comum de quem, carago?), depois logo se vê. E insistiu, para não haver dúvidas:

“Com quem se governa, resolve-se depois de haver um programa comum, uma base de entendimento muito amplo, que, provavelmente, ultrapassará as fronteiras partidárias. Nós não defendemos um governo em que estejam apenas os partidos representados, tem de ser um governo assente num programa”.

Explica lá como é isso, camarada Semedo. Esgalha-se um “programa comum”, talvez cozinhado entre anónimos na internet, e depois adere-se a ele no facebook? Em que nuvem moras, ó Semedo?

O Jerónimo da cassete referiu-se hoje tacitamente à Alternativa do Seguro considerando-a um fingimento, uma encenação. Para ele, o PS encena ser uma força da oposição para assim “manter vivo um Governo que politicamente está moribundo”. Para ele, o PS está a pensar apenas “como pode capitalizar o mal e o sofrimento que está a ser imposto ao país”. No melhor estilo estalinista, Jerónimo pretende que quem não é comunista está feito com o governo e quer viver à pala do sofrimento do povo. Camarada Jerónimo, mais valia estares calado. Não dás uma prá caixa.

Com estes Seguros, estes Semedos e estes Jerónimos, o governo do Coelho pode dormir descansado. Já se percebeu que nunca existirá Alternativa, nem sequer alternativa.

Os silêncios de Cavaco

Passos Coelho voltou ontem a atacar o Tribunal Constitucional no conselho nacional do PSD.

Já algum jornalista perguntou ao Cavaco o que ele acha das repetidas acusações do primeiro ministro ao TC pelo chumbo de quatro artigos do OE? Cavaco tinha-se recusado a comentar o acórdão do TC e agora assiste em silêncio aos repetidos ataques do Coelho ao mesmo.

Lembro que foi Cavaco, alegando “fundadas dúvidas sobre a justiça na repartição dos sacrifícios”, quem primeiro requereu a fiscalização sucessiva da constitucionalidade do OE 2013, apesar de no OE 2012 se ter esquecido de o fazer.

Ora os juízes do TC deram razão às dúvidas de Cavaco sobre dois dos três artigos do OE que ele apontou, relativos à suspensão do subsídio de férias dos funcionários públicos e dos reformados (art. 29 e 77). Os juízes do TC não acharam fundadas as dúvidas levantadas por Cavaco relativamente à contribuição especial sobre as reformas mais elevadas (art. 78). Pelos vistos, esta última norma até suscitou mais dúvidas a Cavaco do que ao TC. Se calhar, por causa da cacetada que a reforma dele vai levar…

Portanto, ao acusar o TC de ser irresponsável e de fazer política, Coelho está por tabela a acusar Cavaco disso mesmo, com a agravante de que, para Cavaco, “fazer política” é uma acusação a rondar o insulto.

Agora, das duas, uma.

Ou o Coelho pretende realmente atacar o TC e o Cavaco, mas este não se importa e cala-se – hipótese masoquista.

Ou o Coelho e o Cavaco combinaram a partilha dos papéis de pide mau e pide bom, para dar a impressão que o presidente afinal não está feito com o governo – hipótese politiqueira aldrabona, mais provável.

Por consequência, Cavaco ou é masoquista ou, mais provavelmente, politiqueiro aldrabão.

Brincando com o fogo

“A actividade económica baixou mais do que as estimativas e o desemprego aumentou” – confessou Gaspar em Dublin, com aquele ar de nerd perplexo com o resultado das suas experiências.

“O desemprego é o problema mais grave no meu país”- acrescentou dramaticamente, dando a impressão momentânea de que os problemas existenciais dos seus concidadãos lhe tiram o sono, como ao Relvas.

Logo a seguir Gaspar revelou que o primeiro dos sacrifícios a impor aos portugueses incidirá precisamente sobre os desempregados e também os doentes. O governo quer tirar, só este ano, 1.300 milhões de euros aos mais de meio milhão de desempregados e doentes a receber subsídios.

Não há aqui contradição alguma.

É que Gaspar acha que o desemprego “é o problema mais grave” não propriamente para os desempregados, mas para ele, ministro das Finanças.

O desemprego é um grave problema da tesouraria pública, seus estúpidos!

Escuta telefónica

Relvas telefonou ontem à noiva, todo ufano:

– Para conseguirem preencher o meu lugar tiveram que nomear dois ministros. Dois, ouviste bem? Um licenciado sem equivalências e outro doutorado pela estranja.

E a noiva, babada:

– A história já começa a fazer-te justiça.

Lusoponte ou Lusopodre?

A ponte Vasco da Gama, que até agora já foi paga duas ou três vezes, tem um anafado ex-ministro de Cavaco à frente da empresa concessionária, disposto a fazer-nos pagar o raio da ponte cinco, seis, dez ou doze vezes.

O mais cómico é que o mesmo Ferreira Amaral que contratou com a Lusoponte e que agora lhe preside diz mal das PPP:

Parcerias público-privadas “foram um desastre”, diz Ferreira do Amaral

O presidente do conselho de administração da Lusoponte, Joaquim Ferreira do Amaral, considerou que as parcerias público-privadas (PPP) “foram um desastre”, ao darem a ideia falsa de que “tudo era possível, porque não faltava dinheiro”. As declarações foram feitas quarta-feira [10 de Abril], na comissão parlamentar de inquérito às PPP. “O maior problema é que, no auge das PPP, era difícil falar mal das PPP. Deus me livre de falar contra as PPP”, afirmou, lembrando a satisfação das populações e dos autarcas com o avanço de projectos que eram impossíveis com investimento directo do Estado.
(Público online,10 de Abril de 2013).

Há aqui qualquer coisa que eu não estou a entender. O ministro que em 1995 contratou com a Lusoponte e que agora é o seu presidente diz mal das PPP?

Pois é. Já em Janeiro de 2013, de facto, Ferreira do Amaral afirmava que não considerava a Lusoponte uma parceria público-privada:

“Não percebo em que se baseiam para dizer que o contrato da Lusoponte é uma PPP”, afirmou Ferreira do Amaral, na comissão de inquérito parlamentar às PPP, quando questionado pela deputada do PS Isabel Oneto sobre “a natureza” do contrato com a Lusoponte, depois do antigo governante ter negado participação em qualquer PPP. O antigo ministro dos governos de Cavaco Silva, que, quando assumiu as Obras Públicas, chegou a acordo com a Lusoponte relativo à construção da Ponte Vasco da Gama, defendeu que “o contrato com a Lusoponte impede os malefícios das PPP”. Ferreira do Amaral realçou que, no caso da Lusoponte, o papel do Estado foi o de deixar “fazer o projeto” e estabelecer “condições que considerava imprescindíveis”, tendo a concessionária assumido o risco de financiamento. “O Estado funcionou como típico concessionário” [sic], declarou. O antigo governante sublinhou ainda que todas as compensações auferidas pela concessionária resultaram de alterações ao contrato, a pedido do Estado. “Já estamos no 10.º ou no 11.º contrato. Por razões políticas, o Estado decidiu fazer alterações ao contrato e a concessionária teve direito a compensações”, explicou.
(ionline, 23 de Janeiro de 2013).

Em que ficamos: o contrato da Lusoponte é uma PPP ou não é?

E se não é, será melhor?

Vejamos o que dizia o DN em Janeiro de 2011:

Lusoponte: assinada em 1995, foi a primeira parceria público-privada em Portugal. A concessão Lusoponte tinha como objectivo a construção da Ponte Vasco da Gama e a exploração da Ponte 25 de Abril. O contrato inicial fixava o prazo em 33 anos, com a possibilidade de o seu termo ser antecipado caso se verificassem duas condições: o pagamento dos empréstimos contraídos pela Lusoponte e a passagem nas duas pontes de 2250 milhões de veículos. No entanto, nada disto se verificou: concluiu-se que o volume de tráfego calculado não era o correcto, e a onda de contestação contra o aumento das portagens na Ponte 25 de Abril – o famoso buzinão – obrigou o Governo a rever sucessivamente todo o contrato. Ao todo, dezasseis anos após a sua assinatura, o contrato com a Lusoponte já sofreu sete alterações. Mudanças que custaram aos contribuintes 160 milhões de euros em reequilíbrios financeiros, mais compensações directas de quase 250 milhões de euros. Isto significa que esta PPP já custou mais 410 milhões de euros do que inicialmente tinha sido previsto.
(DN, 12 de Janeiro de 2011).

Contrato mal parido, portanto.

E promete ser pior para o bolso do Zé pagante do que qualquer outra PPP.

Entretanto a Lusoponte vai enchendo a mula à pala do Estado e dos contribuintes:

O Estado dava uma indemnização compensatória à Lusoponte por não haver cobrança de portagem na ponte 25 de Abril durante o mês de Agosto. Em 2011 passou a haver cobrança e a Lusoponte arrecadou o dinheiro, apesar disso o Governo mandou dar 4,4 milhões de euros, como se tivesse havido isenção de portagem, à empresa presidida por Joaquim Ferreira do Amaral, ex-ministro de Cavaco Silva.
A empresa presidida por Joaquim Ferreira do Amaral […] exigiu que a Estradas de Portugal lhe desse os 4,4 milhões de euros.
A 21 de Novembro de 2011, o secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Silva Monteiro, decidiu dar os 4,4 milhões à Lusoponte e ordenou à empresa pública Estradas de Portugal “que proceda, de imediato, à liquidação em falta”. Assim, a Lusoponte ficou com o dinheiro da cobrança das portagens no mês de Agosto de 2011 e recebeu de bónus o montante que o Governo decidiu dar à empresa como se não tivesse havido cobrança.
(Esquerda.net 2 de Março de 2012).

Quase que apetece dizer, Lusoputa que a pariu!

A dama de ferro e a contrafacção

Tony Blair relembrou Thatcher como “gentil e generosa”. Ora aí está algo que José Sócrates nunca poderá dizer da azeda e rancorosa contrafacção portuguesa da Iron Lady.

Ferreira Leite tem andado muito caladinha, ao contrário dos tempos em que esperneava e espumava contra a “asfixia democrática”. Há seis meses bem medidos lá saiu a terreiro para repetir o que a oposição diz, para cascar no Gaspar e opinar que “não é possível cumprir a consolidação acordada com a troika neste prazo”. E que “esta consolidação poderia ser menos onerosa e menos pesada para as pessoas”. E até isto: “O que é que interessa Portugal não entrar em falência, se no fim vamos estar todos mortos?”

Dentro em pouco, a dama ferrugenta vai estrear-se como comentadora política da TVI. Que irá sair dali? Segura-te Tozé, que ela quer liderar a oposição.