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Paula Rego prá rua!

O governo quer acabar com a Fundação Paula Rego em Cascais, dizem hoje os jornais. Ora aí está uma medida que se impunha. De facto, para que serve aquela coisada, que sugou ao Estado 1 milhão em três anos? Uma maluca anónima qualquer chamada Paula Rego, que deve ser de esquerda, se não mesmo socialista, doou à Fundação umas bonecadas mal pintadas que estão expostas na “Casa das Histórias” (raio de nome) e decerto ninguém vai visitar. Por isso é que a Fundação digitalizou as obras dela e as quer expor online, para nos obrigar a conhecê-las. Só à força, realmente! Não haverá por aí artistas melhores, jovens talentos a despontar que nas suas obras retratem o imparável desenvolvimento do país desde que Passos chegou ao leme?

Excelente é a Fundação Social Democrata da Madeira, instituída por benfeitores anónimos (ocultar a mão que dá é uma alta virtude moral) e cujo património aumentou de 50 mil euros em 1992 para 13 milhões hoje em dia. Não recebe nem nunca recebeu um tostão de apoios públicos (tirando a isenção de IMI relativa a um património de 3,8 milhões de euros) porque não precisa. O seu presidente é o honesto Alberto João, que não deve nada a ninguém. A sede da fundação foi quase de borla, por ser para ele. A FSDM em 2007 deu cabazes alimentares a carenciados e em 2010 atribuiu dezenas de bolsas de estudo que só ainda não foram pagas aos estudantes beneficiados porque a filantrópica instituição tinha de momento outras prioridades, como a aquisição da Herdade do Chão de Lagoa onde se realizam as festas de Alberto João. O dinamismo da fundação revela-se bem na cooperação contabilística que mantém com uma empresa sediada no mesmo local da Fundação, a Sermaquipa SA, que esse aldrabão do José Manuel Coelho diz que se destina a facturação paralela e financiamento de campanhas eleitorais, bem como a lavar dinheiro e a receber donativos dos emigrantes e das empresas de construção, nomeadamente através dos off-shores. É tudo mentira. A Fundação só quer é criar um museu na casa onde Alberto João nasceu e viveu até aos 30 anos, para ali se recriar o ambiente em que decorreu a infância e juventude daquele que é o querido líder desde 1978 e para ali ficar exposta toda a grande colecção de magníficas medalhas comemorativas, quer nacionais, quer estrangeiras, que lhe foram sendo oferecidas durante mais de trinta anos de sacrifício pessoal pelo bem da sua pátria.

Aceitam-se sugestões

A cobertura pelos media do julgamento do grupo de rock Pussy Riot em Moscovo tem-me dado que pensar. No noticiário em inglês, a causa das raparigas é notoriamente prejudicada pelo nome da banda. A seriedade da sua luta em prol da democracia vai pelo cano abaixo quando o nome da banda aparece em jogo. As agências noticiosas anglófonas, geralmente hostis a Putin e simpáticas para com o grupo rockeiro feminista, redobram de cuidados quando têm de redigir qualquer frase sobre as Pussy Riot que não tenha duplos sentidos ou ressonâncias esquisitas.

Após busca na net, constato que fora do espaço anglófono é raríssimo traduzir-se a expressão Pussy Riot. Com muito trabalho, descubro um site brasileiro onde corajosamente se traduz por Motim das Bucetas. Eu preferiria Revolta das Conas, mas não sei se isto soa muito bem em português. Alguém sugere melhor?

Mais um génio das finanças

Se querem ter um álbum de fotografias artísticas emolduráveis dos 25 mais ricos de Portugal, não se esqueçam de comprar a Exame de Agosto, que o tio Balsemão quase vos oferece pelo preço de meia dúzia de bicas. Como brinde terão, entre outras coisas, uma entrevista com Pedro Trigo Pereira, sizudo professor de Finanças Públicas, que explica a sua já conhecida tese de que a dívida pública portuguesa é o resultado do défice democrático em que vivemos… desde 1974! Abdicando de outros € 3.15, podem também adquirir, da pena do mesmo génio, o último livrinho editado pela Fundação Pingo Doce (cotada pelo governo 5 pontos acima da Gulbenkian), obra intitulada precisamente Dívida Pública e Défice Democrático. Caso os tostões lhes façam falta, podem ver na net a apresentação do livro em causa pelo seu autor. É grátis e o ganho é o mesmo, se não for maior. A cassette debitada por Trigo Pereira pouco varia, mas há coisas curiosas que saltam boca fora ao improviso de uma apresentação oral. Por exemplo esta tirada, proferida com ar soturno de quem te avisa, a rematar a conversa no lançamento do seu livro: “Os partidos políticos têm que mudar e, se não mudarem, se calhar tem que surgir alguma coisa que os faça mudar.” Heil!

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Incompetência e manipulação

 

O relatório do governo sobre as fundações é um aborto. Pelas reacções dos reitores da Universidade do Porto e da Universidade de Lisboa à pontuação obtida pelas respectivas fundações, pode constatar-se o baixíssimo nível de qualidade da “avaliação” a que foram submetidas e os evidentes propósitos que presidiram a esta operação política do governo. Só nestes dois casos, há dúzias de erros grosseiros e de falhas incompreensíveis. A pontuação medíocre da Fundação Gulbenkian é um caso caricato de imbecilidade e analfabetismo governamental (os avaliadores nem sequer sabiam que era uma fundação privada, já tiveram que corrigir o relatório). Nem falo dos casos em que o sectarismo ou o preconceito ideológico foram o principal critério de avaliação.

Como um computador marado, o grupo de trabalho governamental distribuiu aleatoriamente às fundações universitárias mãos-cheias de pontuações ZERO incompreensíveis e anedóticas. Em carta aberta a Passos Coelho, o reitor da UL Sampaio da Nóvoa enumera os inúmeros dislates. Será que o novo presidente da Fundação Gulbenkian, Santos Silva, irá também reagir à “avaliação” que lhe cuspiram em cima, defendendo a imagem da sua casa, ou perdoará a inacreditável argolada a eventuais amigos do governo?

Como única atenuante, podemos imaginar que o grupo de trabalho do governo simplesmente não sabia o que estava a fazer. Estaria preparado, quando muito, para avaliar a subsidiodependência de um conjunto homogéneo de empresas, por exemplo do ramo agrícola, nunca para abordar uma realidade tão heteróclita como o universo das fundações. O relatório confunde, por exemplo, apoios ou subsídios financeiros do Estado às fundações universitárias com os valores referentes a projectos de investigação a que essas universidades se candidataram (e que ganharam) junto de entidades nacionais e estrangeiras. Pura ignorância, talvez, mas agravada pelo preconceito ideológico e pelo factor premeditação, pois o Crato já disse que quer acabar com as fundações universitárias. É o típico casamento da incompetência com a manipulação.

A histeria anti-fundações pariu um rato

Seria realmente bom saber quantas fundações existem em Portugal, se são públicas, privadas ou público-privadas, para que fins existem, que apoios financeiros e benefícios fiscais, legítimos ou ilegítimos, recebem do Estado, quantas pessoas servem ou beneficiam, com que eficácia laboram em vista dos benefícios da sua acção, quantas e quais é que foram criadas para fins de evasão fiscal, etc. O estudo agora publicado pelo governo não só não responde a muitas dessas questões, como lança poeira nos olhos e mistura alhos com bugalhos.

Pelo barulho histérico que os partidos actualmente no poder fizeram em torno desta questão quando estavam na oposição, era natural que o governo tivesse que prestar contas. Durante anos, essa gente lançou sobre as fundações, todas no mesmo saco, as maiores suspeitas, pondo o público influenciável pelos Mários e Marias Crespos a pensar que as fundações eram quadrilhas que existiam para chular o erário e fugir ao fisco. Com isso, os actuais governantes ficaram obrigados a estudar a realidade e a publicar os resultados da investigação. Aí estão eles, pendurados no Portal do Governo.

Dando uma primeira olhadela no Relatório, que vem acoplado de numerosos anexos e centenas de fichas em pdf, a primeira constatação é desoladora. O censo não foi exaustivo, confessam os inquiridores. Jornais insuspeitos constatam: “A avaliação não permitiu ainda saber quantas fundações existem em Portugal ou quanto gasta o Estado com todas elas e quanto deixa de receber devido a isenções fiscais”. De um universo de 831 fundações conhecidas do Instituto Nacional de Registos, apenas 401 fundações foram avaliadas pelo grupo de trabalho coordenado pela Inspecção Geral de Finanças. Ou seja, metade do universo.

Conhecedor dos costumes deste governo, pensei que o estudo tinha sido encomendado a uma empresa amiga do Relvas. Afinal parece que foi a um grupo de trabalho governamental. Mas não se sabe quem compôs o tal grupo de trabalho nem quanto custou o estudo, o que não é natural num governo com a obsessão do custo/benefício da actividade alheia.

Das 430 fundações que não foram avaliadas, 100 são da Igreja. O secretário de Estado da Administração Pública, na fila para uma canonização, excluiu-as do âmbito do inquérito, sob o pretexto de que teriam sido criadas ao abrigo da Concordata. É sobrenatural! Não importa se as fundações da Igreja recebem ou não apoio financeiro ou benefícios fiscais do Estado, nem quanto recebem. São da Igreja, logo foram excluídas do inquérito, ponto final. O que é da Igreja é fixe, o que não é da Igreja é suspeito. A agnóstica Fundação Mário Soares e a duvidosa Pro Dignitate, dirigida pela notória Maria Barroso, essas sim, estão na mira do governo.

Eu esperava, ao menos, encontrar no relatório do governo uma lista das fundações agrupadas por ordem dos apoios estatais usufruídos de 2008 a 2010, para ficar a conhecer as principais “quadrilhas” que andam a roubar o zé pagante e a ludibriar o fisco. Pois nada feito! Teremos de abrir centenas de pdf e trabalhar largas horas para lá chegar. Tal lista seria um fiasco para as intenções da propaganda do governo, por isso não a mostram. Na verdade, o inquérito apurou que as principais receptoras de apoios financeiros do governo são, além da fundação do Magalhães, velho alvo da sanha laranja, as fundações das universidades estatais – com as quais o Estado vai continuar a gastar o mesmo que gasta hoje, seja qual for a sua forma jurídica. Como são criação do tempo do Sócrates, são para lançar lama.

Com esta operação de manipulação, o governo pretende também dizer que os beneficiários dos computadores Magalhães não são as crianças que os receberam, mas sim uma fundação, sinónimo de quadrilha. Fica provado o “crime” do Magalhães!

Ficámos também a saber que a petrolífera Fundação Gulbenkian teve 13 milhões de apoios estatais no triénio em causa. Como o relatório não dá qualquer explicação para o caso, fica a suspeita de que a dita fundação anda a sugar indevidamente o Estado. Ora se há instituição privada que durante décadas tem beneficiado Portugal e o Estado português, investindo milhares de milhões em arte, educação, ciência e beneficência, substituindo durante muito tempo um inexistente ministério da cultura, ela é a Fundação Gulbenkian. O relatório do governo, omisso quanto ao destino de tais apoios, deixando pairar suspeitas de gastos injustificados, revela imbecilidade e uma grosseiríssima atitude de ingratidão. Espera-se uma reacção da Gulbenkian, que levou uma nota sofrível, abaixo de dezenas de outras fundações. Parece incrível, mas é verdade.

A sensação que fica, numa primeira análise do relatório governamental, é que a montanha pariu uma ratazana esquálida, reumática e com mau hálito. Se calhar, continuaremos a não saber quem é que tem realmente explorado indevidamente o estatuto jurídico das fundações. Por exemplo: que fundações foram criadas para fugir ao fisco? A demagogia laranja produziu mais um aborto. O governo diz que o estudo e as medidas que se seguirão irão talvez permitir poupar 150 milhões ao Estado. Estamos aqui para ver. Se lhes cortarem a mesma percentagem que cortaram aos funcionários públicos, talvez. Mas para isso não era preciso fazer esta porcaria deste estudo.

100.000 € sonegados a Cavaco

 

 

Dizem hoje os jornais que, de Novembro de 2003 a Agosto de 2005, Oliveira e Costa comprou 7,8 milhões de acções da SLN a 1 € e vendeu-as a 2,8 €, com um ganho de 1,8 € por acção, obtendo assim mais-valias superiores a 14,1 milhões, de acordo com dados dos autos do caso BPN. Como se sabe, era o próprio Oliveira e Costa a fixar o preço de compra e venda das acções. Era como jogar o Monopólio sozinho, com a banca à disposição. Detendo as acções por 12 meses antes de as vender, as mais-valias não eram sequer sujeitas a tributação, ao abrigo da legislação então em vigor (revogada em Julho de 2010).

Ora o negócio que Oliveira e Costa por essa época proporcionou a Cavaco e família foi a compra de 250.000 acções a 1€ cada e a venda das mesmas, dois anos depois, a 2,4 €, com um ganho por acção de escassos 1,4 € e um mísero lucro total de 350.000 €  – livres de imposto, pela razão indicada. Como o preço de compra e venda das acções foi estabelecido arbitrariamente por Oliveira e Costa, fora da bolsa, podemos concluir que Cavaco foi discriminado e prejudicado pelo amigo em 40 cêntimos por acção, o que na transacção em causa representa a bonita soma de 100.000 €.

Este tratamento de segunda a que Cavaco e família foram submetidos é muito condenável, sobretudo conhecendo-se hoje os apertos financeiros do homem de Belém. Sugiro daqui a Cavaco que mova um processo contra Oliveira e Costa e a SLN, para reaver os 100.000 € de mais-valias que lhe foram sonegados. Com um parecer dum catedrático talvez pingue qualquer coisa…

O que nos Vale é o Azevedo

 

Vale e Azevedo disse à Lusa que em 2004 esteve à beira do suicídio em Portugal, quando ficou “14 segundos em liberdade”. Apesar das ideias suicidas, não largava o cronómetro… E como é que um tipo se mata em 14 segundos?

Mas o que é mais de reter das declarações do ex-presidente do Benfica, que vive há 5 anos “exilado” num condomínio de luxo em Knightsbridge, Londres, é aquela frase segundo a qual não esquece. Não esquece quem lhas fez. Referia-se ao juiz Ricardo Cardoso (o do laço vermelho, lembram-se?) que o teria lixado – desculpem-me o plebeísmo coelhino. E querem saber porque é que o desembargador o teria lixado? Porque Ricardo Cardoso pertencia ao grupo dos “notáveis do Benfica da oposição”. O que a gente vai aprendendo sobre a justiça portuguesa e sobre o Benfica… E eu a pensar que os juízes safavam os notáveis dos seus clubes… Sou mesmo ingénuo. O que nos Vale é o Azevedo.

Mensagens subliminares

contidas na famosa boca do Coelho “Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal”:

– Que se lixem as eleições autárquicas, o que interessa é o governo.

– Que se lixe o PEC IV, o que interessou foi saltar para o poleiro.

– Que se lixe Portugal, o que interessa é S. Bento.

– Que se lixe a Constituição, o que interessa é esmifrar a saloiada.

– Que se lixe a recessão, o que interessa é a troika.

– Que se lixe o desemprego, o que interessa é cumprir as metas do déficit.

– Que se lixe o déficit, o que interessa é o Ângelo Correia.

– Que se lixe a jornalista ameaçada, o que interessa é o Relvas.

– Que se lixe a licenciatura do Relvas, o que interessa é o Relvas.

E à noite, em Massamá:

– Que se lixem as eleições, Portugal, a Constituição, os funcionários públicos, o desemprego, o déficit, a troika, os jornalistas, o Relvas e o camandro, o que interessa é que sou o primeiro ministro desta merda.

Goodbye Kitty

A arma de assalto usada ontem pelo psicopata do Colorado para matar 12 pessoas e ferir 58 na estreia do último Batman é uma AR-15, comprada semanas antes na loja da esquina, juntamente com 3000 munições. Essa arma é usada pelo exército americano, mas na grande maioria dos states é considerada legal.

Há tempos outro psicopata americano adorador de armas ofereceu uma AR-15 à querida esposa, com decoração Hello Kitty especialmente encomendada. Ver o objecto aqui e aqui. O imbecil explicou que era para fazer troça da proibição de armas de assalto na Califórnia. Muitos cretinos como ele fartaram-se de rir com a piada. Um comentador do seu site fetichista de armas deu-lhe um conselho: “Faz um favor à humanidade e mata-te com isso”.

 

Dom Januário

Este bispo Januário – que em jovem esteve ao lado de outro bispo que foi perseguido e exilado pelo ditador Salazar – não tem papas na língua. Algumas das suas ideias não são lá muito bem articuladas e denota dificuldade em dominar a emoção. Às vezes até parece que está na blogosfera a mandar umas postas de pescada com espinhas. Mas ouço-o frequentemente com gosto e proveito. Este, pelo menos, é um dos que não renegaram a doutrina que apregoam. É um dos que têm saído em defesa dos fracos, dos pobres, dos velhos, dos indefesos, dos sem trabalho, dos imigrantes sem papéis, etc. E até já defendeu, contra o papa, o uso do preservativo e a pecaminosa homossexualidade.

Januário saiu-se anteontem com umas novidades sobre o actual governo, que qualificou de “profundamente corrupto” e achou composto por “diabos”. Comparados com eles, os do governo Sócrates eram uns “anjos”. Uma evidência, dir-se-á, mas vinda de um bispo soa a novo. Saltaram-lhe logo ao caminho chusmas de pêpêdolas indignados. Que o bispo estaria a fazer política e não devia. Que insultou gente honrada e esforçada pelo bem da nação. Que tem que escolher entre o pastoreio das almas e o comentário político. O inolvidável Aguiar Branco estigmatizou a atitude “política” do bispo. Um tal Almeida, do partido democrata-cristão, afirmou mesmo que Januário não prima pelo bom senso, insinuando que o que dali vem está contaminado por demência. Alguma vez ouviram esse almeida comentar os afrontosos dislates regularmente proferidos pelo tiranete da Madeira, que nem sequer é do partido dele?

Estes indignados de borra fizeram-me lembrar os que há meio século se indignaram com o bispo do Porto, que em 1958 desafiou Salazar e pagou com a sua expulsão do país até 1969. Disseram que ele era um bispo “político” e “imprudente”. Afiançaram que era “vermelho” e que estava feito com os comunistas. Insinuaram repetidamente que era chalado. O grande homem, de seu nome António Ferreira Gomes, apenas tinha desalinhado dos seus colegas do episcopado, um bando de fervorosos salazaristas falsamente apolíticos, chefiados por um tal Cerejeira que tinha vivido em união de mesa e pucarinho com o futuro ditador, numa república a dois, em Coimbra, abençoados pelo papa. Os bispos de antanho apoiaram o Estado Novo desde a fundação e viveram tristemente à sua sombra até ao fim, sem independência, sem carácter e sem dignidade para darem um murro na mesa ou exigirem sequer coisas tão simples como a oficialização do ensino católico ou a criação da Universidade Católica – sempre denegadas pelo ditador e só concedidas pela democracia. Os padres que “faziam política”, isto é, que não eram salazaristas, eram castigados, presos pela PIDE, exilados e, obviamente, ostracizados pela própria Igreja.

Por isso vejo com muito bons olhos todas as imprudências deste bispo, que não esqueceu o seu mestre – e ainda bem que não esqueceu. No fundo, a Igreja Católica devia-lhe agradecer, pois ele é apenas um contrapeso à linha política de um episcopado que (já não se lembram?) fez toda a espécie de críticas, ataques e chantagens ao governo anterior e agora está muito caladinho. Por contraste, Januário permite-lhes continuar dizer que “não fazem política”.

A hipocrisia do número dois

Em vésperas de Relvas desaparecer da cena política – há quem defenda que ele já não é ministro – tem-se falado muito dele. Quase que exclusivamente. É demasiado. O número dois do governo nunca foi ele, mas sim Paulo Portas. É este que, com o seu partido, assegura a maioria que governa o país. A dupla Coelho-Portas é que manda. O episódio do acórdão do TC veio claramente demonstrá-lo. Relvas, sem qualquer autoridade nem credibilidade, já não risca nada. Paulo Portas, tomando posição contra a decisão do TC (que hipocritamente diz acatar), veio a público mostrar que é ele o número dois.

Em hipocrisia, Paulo Portas é o número um. “Não será comigo que Portugal vai diabolizar a função pública” – disse ontem no Funchal. Para logo a seguir se desdizer: “Temos de saber e entender que, se o problema de Portugal é défice do Estado, não é justo pretender que o sector privado tem a mesma responsabilidade de ajudar (…), temos que ter a noção de que, quando comparamos os salários e pensões nos sectores privado e público, no privado a média dos salários é mais baixa, o desemprego é maior, a estabilidade do emprego é diferente”.

Para quem diz que não quer “diabolizar a função pública”, não está mal.

Diz ele que “o problema de Portugal” é o défice do Estado. Será mesmo? Segundo os dados do Eurostat, o rácio dívida pública/PIB anda actualmente em Portugal pelos 110%, o da dívida externa/PIB anda pelos 250%. Conclusão de Portas: o “problema de Portugal” é o défice do Estado. Logo, os assalariados do Estado têm mais “responsabilidade de ajudar” que os privados. Claro como água… turva.

A enorme “responsabilidade” dos privados pelo tamanho do défice público é totalmente obscurecida por Portas. O défice é a diferença de duas rubricas: a despesa e a receita. Ora a fuga aos impostos – a evasão e fraude fiscais e a fuga de capitais para offshores e paraísos fiscais – maciçamente praticada em Portugal pelos privados (estou a falar sobretudo de empresas, detentores de capital e profissionais independentes, e NÃO de assalariados), diminuem substancialmente a receita do Estado, aumentando o défice público na mesma proporção. Já nem falo dos milhares de milhões que o banco privado BPN custou ao Estado, num montante igual a vários anos de subsídios de férias e Natal da função pública. A grande mentira que Portas quer fazer passar é que o défice público resulta apenas da rubrica despesa e, em especial, dos salários, benefícios e segurança no emprego dos funcionários do Estado. Outra grande mentira (de Portas e de Coelho) é que, depois da decisão do TC, a alternativa do governo seria penalizar os ASSALARIADOS do sector privado. Nem uma palavra sobre os outros “privados” atrás citados, os que fogem sistematicamente aos impostos e que fazem de Portugal o paraíso europeu dos prevaricadores fiscais mais recalcitrantes.

Em declarações ontem à Antena 1, o presidente do TC, Rui Moura Ramos, criticou a reacção “a quente” de Passos Coelho ao acórdão do TC e, com todo o direito que lhe assiste, esclareceu o verdadeiro significado desse acórdão contra as interpretações “simplistas” postas a correr por gente do governo. Paulo Portas, notório especialista em argumentos “simplistas”, enfiou a carapuça até aos olhos e veio declarar, como se alguém lhe tivesse perguntado alguma coisa: “Não devo responder, porque acho que um membro do Governo não deve entrar em controvérsia com o Tribunal Constitucional. Chama-se a isso institucionalismo”.

Pois eu chamo a Portas um hipócrita. Um hipócrita em três actos: 1) Portas ajudou a lançar a controvérsia em torno da decisão do TC, contestando-a, chamando-lhe “preocupante” e geradora de um “problema político”, embora afirmando que a acata; 2) o presidente do TC veio a público esclarecer as questões obscurecidas por essa e outras interpretações abusivas e tendenciosas, que querem fazer crer que os assalariados privados é que terão que “pagar” o acórdão, omitindo os outros privados; 3) Portas diz agora não responder a Moura Ramos porque tem sentido de Estado e acha não dever “entrar em controvérsia” com o TC – mas, logo de seguida, responde mesmo a Moura Ramos e entra mesmo em controvérsia com o TC, tentando provar que o acórdão está errado.

Ao lado do Portas, Relvas é um menino…