Mais um génio das finanças

Se querem ter um álbum de fotografias artísticas emolduráveis dos 25 mais ricos de Portugal, não se esqueçam de comprar a Exame de Agosto, que o tio Balsemão quase vos oferece pelo preço de meia dúzia de bicas. Como brinde terão, entre outras coisas, uma entrevista com Pedro Trigo Pereira, sizudo professor de Finanças Públicas, que explica a sua já conhecida tese de que a dívida pública portuguesa é o resultado do défice democrático em que vivemos… desde 1974! Abdicando de outros € 3.15, podem também adquirir, da pena do mesmo génio, o último livrinho editado pela Fundação Pingo Doce (cotada pelo governo 5 pontos acima da Gulbenkian), obra intitulada precisamente Dívida Pública e Défice Democrático. Caso os tostões lhes façam falta, podem ver na net a apresentação do livro em causa pelo seu autor. É grátis e o ganho é o mesmo, se não for maior. A cassette debitada por Trigo Pereira pouco varia, mas há coisas curiosas que saltam boca fora ao improviso de uma apresentação oral. Por exemplo esta tirada, proferida com ar soturno de quem te avisa, a rematar a conversa no lançamento do seu livro: “Os partidos políticos têm que mudar e, se não mudarem, se calhar tem que surgir alguma coisa que os faça mudar.” Heil!

Nas suas três prestações públicas, o professor do ISEG acusa a democracia existente, a política, os políticos (em geral), os partidos (todos), o parlamento, etc. Fá-lo porém – e nisto se distingue de um vulgar saudoso do salazarismo – afiançando que é para melhorar todas essas coisas que as acusa. O “défice democrático” afinal não é um animal que mora na Madeira, como supunham os ingénuos. O bicho é muito maior. Segundo Trigo Pereira, ocupa Portugal e é o grande responsável pela sistemática produção de défices das contas públicas em cada um dos últimos 37 anos, sem excepção, e pelo consequente acumular de dívida. Chega a afirmar que o buraco da Madeira é culpa dos políticos do Continente, por terem dado cada vez mais autonomia à região. Tudo decorrente do tal “défice democrático” que apareceu na paisagem portuguesa por morte do Estado Novo.

Trigo Pereira não é nenhum estúpido, diga-se. Mas às vezes parece. A tese de que o monstro da dívida pública é produto de uma desadequação do sistema político até poderia ter pernas para andar, se o professor tivesse alguma coisa inteligente para dizer. Mas ao situar o início do “défice democrático” no momento em que Portugal passou de um regime autoritário puro e duro para um regime democrático (com as asneiras iniciais de um regime nascente, convenhamos), Trigo Pereira enreda-se numa teia de paradoxos de que nunca mais consegue libertar-se. Falta de democracia, défice democrático em estado puro, era o que havia em Portugal antes de 1974. Não se produziam então défices orçamentais sistemáticos, pelo contrário. No paraíso de Ceaucescu também não, e a dívida externa da Roménia foi reduzida praticamente a zero pelo ditador.

As medidas que Trigo Pereira sugere para “reformar o Estado” e melhorar a democracia portuguesa são um catálogo de maravilhas que não vou aqui analisar. Há de tudo, desde conselhos estafados e patetas (“não é preciso inventar nada, basta copiar o que se faz em Inglaterra”), até chinesices que só podiam sair da cabeça de um professor de Finanças Públicas desfasado da realidade, ignorante do que é um partido e até, em geral, do que é a política. Como aquela sua proposta de reforma do financiamento dos partidos, no sentido de os obrigar a destinar uma parcela do dinheiro recebido do Estado ao financiamento de “grupos de estudos” no interior dos aparelhos partidários, em detrimento dos inúteis gastos com campanhas eleitorais, carne assada e outdoors. Estudos é o que a maralha dos partidos precisa, porque a grande falha da democracia portuguesa é não ter frequentado as aulas de Trigo Pereira.

5 thoughts on “Mais um génio das finanças”

  1. Só se fôr «alguma coisa» que diga «Sei o que quero e para onde vou!». Algo como o «botas»…

  2. hum , não sei . mas acho que esse senhor percebeu perfeitamente o que são partidos políticos e por isso fala em défice democrático : os partidos não deveriam ser agências de emprego de nulidades que uma vez nos cargos afogam o país em dívidas , pois não ? mas são. correlação perfeita a dele , então.

  3. Nem é preciso ser professor para saber onde está o nosso mal português.

    Tambem ser deputado não é garantia de sabedoria e democracia.

    Qualquer dos velhos doutores tugas com cinco (5) anos de curso, 5 porque era repetente na 4ª classe, sabe onde está o nosso mal.

    É o mal da “manha”, somos uns manhosos! e contra a manha não há remédio, se não já não existíamos como país.

    A manha é que nos mantem há 800 anos.

  4. O problema é que Trigo Pereira até tem razão.
    Isto de ter deputados, “camaradas” dos partidos e “irmãos” das lojas, a “fiscalizarem-se” uns aos outros, é óptimo, para esse pessoal. O problema é que não dá para todos.

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