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Mais do que bom senso, é preciso ter estômago para negociar com este Governo

Os técnicos da troika vêm cá em representação dos nossos credores com o objectivo de negociarem as condições que exigem para continuarem a financiar o País. Entretanto, é do conhecimento de todos que a ministra das Finanças mentiu repetida e descaradamente no Parlamento. Ou seja, o País põe à frente dos credores uma ministra em cuja palavra não se pode confiar, que não tem credibilidade nenhuma e que descredibiliza ainda mais o Governo. E o Presidente da República, um dos principais responsáveis por este descalabro, pede bom senso é à troika?

Imagine-se que os senhores suspendiam as negociações com o Governo, alegando que não podem continuar a negociar com uma ministra das Finanças cuja palavra não vale absolutamente nada, será que alguém os poderia acusar de insensatez?

O que vale é que este ministro não é nada sinistro

Todos temos conhecimento dos cortes que estão a ser levados a cabo nas escolas públicas. Sabemos que o Ministério cortou no número de professores, levando à criação de turmas cada vez maiores. Sabemos que em muitas escolas faltam funcionários. Enfim, há uma série de coisas que, infelizmente, não nos surpreendem no início do ano lectivo. Mas este ano fui surpreendida com um corte que não esperava. A escola que o meu filho frequenta decidiu cortar nos intervalos e no tempo do período de almoço. As crianças passam a ter apenas um intervalo em todo o período da manhã, quando antes tinham um segundo intervalo que, embora mais curto, lhes permitia, entre outras coisas, fazer mais um pequeno lanche. Acabou e, sendo assim, os pais foram aconselhados a mandar umas bolachinhas para as crianças trincarem enquanto mudam de sala. Quanto ao período de almoço passou de sessenta para cinquenta minutos. Ou seja, as crianças têm menos tempo de almoço do que os adultos que ainda mantêm o emprego. Estou a falar de uma escola com centenas de alunos, o que se traduz em filas intermináveis no refeitório e tempo quase nenhum para almoçar. Os que conseguirem vencer as filas têm de engolir o almoço, isso de mastigar a comida é um luxo que o País neste momento não lhes pode permitir. Além disso, há lá coisa mais eficaz para melhorar o desempenho dos alunos do que fazê-los passar o tempo todo com um ratinho no estômago? Já para não dizer que os alunos com muito apetite têm sempre alternativa, pedem o cheque-ensino ao ministro e optam pelo ensino privado.

Demorámos 900 anos, mas o País está finalmente acabado

Temos visto de tudo nesta campanha para as autárquicas, menos o que era habitual vermos no passado. E o habitual noutras campanhas era vermos os candidatos a inaugurarem a obra feita e a prometerem mais obra para o futuro. Isso acabou. Nenhum candidato se atreve a fazer promessas e muito menos promessas que envolvam obras. Obras daquelas que precisam de cimento e tijolo para ficarem de pé. Conclui-se que os candidatos de todos os partidos alinham no discurso da direita quando diz que não há dinheiro para nada e que todo o dinheiro investido no País, de Norte a Sul, nos últimos anos, foi dinheiro mal gasto. Os partidos da oposição tinham aqui uma boa oportunidade para mostrarem que pensam de facto de forma diferente do Governo, que os seus candidatos têm ideias e projectos para dinamizarem a economia do País. Mas não. Parece que os candidatos que se recandidatam têm vergonha do que fizeram antes e os novos não querem ser confundidos com os seus antecessores. O resultado é uma campanha vazia de ideias, de tal forma que, aposto, muitos candidatos devem ter sentido um enorme alívio com a decisão das televisões de não fazerem a cobertura da campanha. Na verdade, tirando as tricas entre candidatos, não há nada para cobrir. Ou isso, ou o País está acabado, está prontinho, não é preciso mexer mais.

Que pena Cavaco não reagir sempre assim às críticas

A tragédia continua e hoje morreu mais um bombeiro. Com toda a certeza Cavaco vai enviar condolências à família e amigos e, tal como o vimos fazer ainda ontem a propósito da morte de um outro bombeiro, é muito provável que torne público o seu pesar. É o que tem acontecido depois da chuva de críticas que recebeu aquando da morte de António Borges. O que prova que Cavaco, ao contrário do que nos quer fazer crer muitas vezes, não fica indiferente às críticas que lhe dirigem. Quando lhe convém, tenta corrigir a mão. Mas é pena que em tantas outras situações não tenha sido assim. Só para dar um exemplo, a Inventona das Escutas, talvez o incidente mais grave da nossa democracia, continua até hoje por explicar. De nada valeu o mar de críticas e de pedidos de esclarecimento, como se o País só merecesse silêncio e desprezo como resposta. Faz, pois, muito bem em não esquecer os mortos, mas fazia ainda melhor se de caminho também se lembrasse dos vivos.

A virgem ofendida e o tontinho

O Governo anda há meses a adiar a apresentação daquilo a que chama reforma do Estado e que na prática se traduz em mais um pacote de austeridade que inclui cortes no valor de vários milhares de milhões de euros. Ainda há dias Passos voltou a delegar em Portas essa missão, o que confirma que continuamos à espera. Então como é que classificamos o diálogo que Seguro e Marco António Costa mantiveram ontem através da comunicação social?

Seguro, que deveria ter sido logo claro, e acusado o Governo de adiar o corte de 4700 milhões de euros para depois das eleições, ficou-se pelo aviso de que estariam a preparar cortes às escondidas. Em resposta, e com ar muito ofendido, aparece Marco António Costa a garantir que o Governo “não tem nenhum tipo de medida na manga”, e lá nisso deve ter razão, para que coubessem medidas no valor de 4700 milhões, Portas teria de ter uma manga mesmo muito comprida. Acusou ainda o PS de querer lançar o medo nos cidadãos e de com isso obter benefícios eleitorais. E nem assim o tontinho do Seguro responde à altura, perguntando, por exemplo, se Portas vai apresentar as tais medidas antes das eleições, preferindo dizer umas banalidades acerca do que o PSD diz antes e faz depois das eleições. De facto, Seguro assusta um bocado, mas não me parece que obtenha com isso qualquer benefício eleitoral.

Não há instituições acima do escrutínio de todos? Ai isso é que há!

Sem surpresa, lá vieram alguns ministros em defesa do primeiro-ministro, defendendo que aquela espécie de discurso não foi um ataque ao Tribunal Constitucional uma vez que não há instituições nem decisões acima do escrutínio de todos. Não é verdade. A troika é composta por três instituições e nunca, mas mesmo nunca vimos este Governo pôr em causa qualquer decisão que nos tivesse sido por eles imposta. Lembrar que nem mesmo quando o FMI e a Comissão Europeia assumiram publicamente que a dose de austeridade que têm imposto aos países intervencionados talvez seja excessiva vimos o Governo português questionar o que quer que fosse. Vítor Gaspar, que seguiu religiosamente as ordens da troika e até foi mais além, assumiu na carta de demissão que falhou, que é o mesmo que afirmar que o caminho que a troika nos impôs não é o correcto, falhou. Mas, graças à demissão do irrevogável, a tal carta passou sem o devido escrutínio, lá está. Não admira que tenha sido promovido dentro do Governo. E ver o primeiro-ministro, todo fanfarrão, a atacar os juízes do TC, a simular uma conversa patética com a troika, em que assume que já não sabe o que lhes dizer, sem a mínima noção de que se está a fragilizar a ele e ao País, é algo que deve deprimir até os negociadores da troika, que nunca devem ter visto, em parte alguma do Mundo, alguém a expor as suas incapacidades de forma tão imbecil.

Como a Constituição é de difícil interpretação, não há meio de uma alma caridosa se dedicar a resumi-la, ou a fazer uma versão com bonecos, coloridos de preferência, talvez seja mais fácil ao primeiro-ministro entender um ditado popular: Passos, quanto mais te baixas, mais mostras o rabo.

Novo ciclo, novo resgate

No passado mês de Julho, com a demissão de Vítor Gaspar e as piruetas de Portas, o País mergulhou numa crise que Cavaco tentou por todos os meios que não descambasse em eleições antecipadas. Não se podia juntar uma crise política à crise económica, pois as consequências podiam adivinhar-se: os mercados não perdoariam e o segundo resgate seria mais do que certo. E lá acabou por segurar o Governo, mesmo sem o consenso que tinha exigido aos partidos do Governo e ao PS. Pois bem, passado pouco mais de um mês, Cavaco tem dúvidas quanto à legalidade da chamada requalificação dos funcionários públicos e pede a fiscalização ao Tribunal Constitucional que acaba por chumbar a lei. Conhecida a decisão, o Governo não perde um segundo e imediatamente responsabiliza o Tribunal por todos os males que nos possam vir a acontecer, incluindo a possibilidade de um segundo resgate. Curiosamente, Cavaco, que foi quem questionou a legalidade da lei, fica de fora dos ataques da direita. Cavaco não é uma força de bloqueio. Percebe-se. Não se percebe é que Cavaco segure o Governo com a desculpa de não se poder agravar a crise económica e permita que o primeiro-ministro já esteja novamente a ameaçar com um segundo resgate. Até porque, em princípio, Cavaco terá avisado o Governo da sua intenção de enviar o diploma para o TC. Ou não? Uma coisa sabemos: apesar de tanto o exigirem aos outros, aparentemente, não houve consenso entre ambos.

Enfim, longe vão os tempos em que as relações entre um certo primeiro-ministro e o Presidente da República eram analisadas à lupa. Tempos em que o primeiro-ministro era obrigado a ouvir e a acatar todos os ensinamentos que Sua Excelência lhe transmitia nas reuniões semanais em Belém sob pena de ser acusado, por toda a oposição e por um verdadeiro exército de comentadores, de ter tiques totalitários, de ser arrogante e de não ouvir ninguém…

Qual é a pressa?!

Marcelo Rebelo de Sousa, há pouco, naquele encontro a que chamam universidade de Verão do PSD, informava os pupilos que as autárquicas, que há umas semanas pareciam esmagadoramente perdidas para o PS, afinal, e, sobretudo, graças à mobilização dos social-democratas, ainda não estão perdidas. Tem razão, nos últimos dias, nomeadamente, no tal encontro, o empenho em atacar o PS, quer os governos anteriores, quer a actual direcção, mostram bem que por ali ninguém se está lixando para as eleições. Normal. O que não é normal é que esses ataques corram livremente e praticamente sem oposição, e que o líder do PS, apesar de tudo o que tem acontecido neste Verão e, ainda por cima, em vésperas de eleições, se dê ao luxo de ser o último a reaparecer depois das férias. Se calhar faz bem, mal por mal, é melhor estar calado. Mas se o resultado das eleições confirmar as boas expectativas de Marcelo, aí sim, vou querer ouvir Seguro com toda a atenção.

Espero que não gastem as balas todas no António Borges

Confesso que tenho visto com algum espanto a onda de indignação que se gerou com a morte de António Borges. Não por pensar que as suas ideias não merecem indignação, merecem e muito, mas por esta onda de indignação ter surgido em força só agora no momento da sua morte. E espanto por esta onda de indignação não se estender ao Governo que o contratou e que tem posto em prática as suas ideias. Até parece que o homem obrigou Passos Coelho a seguir os seus conselhos e que é o único responsável pela política de empobrecimento e de cortes que o Governo tem levado a cabo. Se calhar alguns dir-me-ão que sim, que António Borges era a voz dos grandes interesses económicos e que o Governo tinha mesmo de o ouvir. Então por que razão nunca se gerou uma onda de indignação pelo facto de termos um Governo de fantoches totalmente manipulados por pessoas como o António Borges? Em vez disso, o que se tem visto é uma onda de apatia, que se estende, inclusive, aos partidos da oposição. Mas, pronto, podemos sempre esperar tranquilamente que morram todos e no fim fazemos uma grande festa.

São tramadas as inconsistências

Diz o Lomba que há “inconsistências problemáticas” nesta história da tentativa de venda de swaps ao Governo anterior pelo secretário de Estado Pais Jorge. Pois há, tudo isto é muito inconsistente e não faz sentido nenhum. O que faria sentido, e seria consistente com o discurso da direita, seria Sócrates ter aceitado comprar aqueles swaps e ainda ter implorado para que lhe vendessem mais. Não se percebe como é que o primeiro-ministro que mais se esforçou por dar cabo das contas do País recusou uma proposta destas. E como é que, mesmo sem esta ajuda preciosa, conseguiu baixar o défice? Lá está, isto é muito inconsistente.

Mas ainda há esperança. Foi-nos prometido que até ao fim do dia tudo será esclarecido. Não é muito tempo, mas talvez chegue para que o secretário de Estado, puxando bastante pela memória, se lembre que, afinal, foi Sócrates que o obrigou a ir a São Bento e lhe fez uma proposta de compra destes contratos manhosos, que só não se concretizou porque, sério como é, e pondo sempre o interesse do País à frente do interesse pessoal, se recusou a vendê-los. Isto, sim, seria consistente.

Passos aprende com o Mestre

Mesmo tendo em conta a incompetência mais do que demonstrada nestes dois últimos anos, é impossível pensar que Passos Coelho não podia prever o que aconteceria caso levasse para o Governo pessoas ligadas ao BPN ou aos contratos swap. Sabia perfeitamente que aconteceria exactamente o que está a acontecer, que estariam debaixo de fogo. Então por que razão os levou para o Governo? Parece-me que anda a aprender umas coisas com Cavaco. Este Governo faz-me lembrar os Governos do tempo de Sua Excelência, que eram constituídos por um núcleo duro de ministros tão fiéis que ainda hoje o são, mas onde nunca faltavam umas figuras que, pela sua incompetência, trapalhice e estupidez natural, apenas serviam para que a comunicação social fizesse tiro ao alvo. Enquanto se apontavam baterias a esses ministros, Cavaco e os seus fiéis discípulos iam passando por entre os pingos da chuva. Quando a coisa se tornava insustentável, Cavaco descartava-os iniciando assim novos ciclos sempre iguaizinhos uns aos outros. A estratégia resultou durante dez longos anos de governos cavaquistas. Não admira, portanto, que Passos siga o exemplo de quem sabe. E até tem a preciosa ajuda de alguns velhos especialistas nessa estratégia, como Marques Mendes, fiel discípulo de Cavaco, que ontem veio pôr mais achas na fogueira pedindo a demissão do secretário de Estado do Tesouro, quando na realidade está é a trabalhar para que Passos e o seu Mestre passem as férias descansados.

Cavaco, por lapso, discursou à frente da bandeira portuguesa

Se percebi bem, Cavaco não confia em Passos e Portas para governarem sozinhos, mas passa a confiar se tiverem a companhia de Seguro. Parece estranho, mas não é. Cavaco sabe perfeitamente que Passos e Portas, e ele próprio, estariam debaixo de fogo permanente caso desse luz verde à proposta de Governo que lhe apresentaram. Também sabe que, em caso de eleições antecipadas, o seu PSD sofreria uma derrota colossal. E sabe mais, sabe que muito provavelmente nem a Senhora de Fátima nos salvará de um segundo resgate. Vai daí teve a brilhante ideia de meter o PS ao barulho. Se Seguro aceitar participar nesta palhaçada, cai-lhe tudo em cima. Há meses que pede eleições antecipadas, se mudar de ideias, enfim, vai fazer companhia a Portas, o Governo passaria a ter dois ‘revogáveis’. Se não aceitar, parece que já estou a ouvir os berros da direita a culpar o PS pela situação do País e pelo segundo resgate. Seja como for, e seja qual for a decisão de Seguro, é muito provável que em futuras eleições, sejam elas quando forem, o PS também seja penalizado, aliviando assim a derrota mais do que certa da direita.

Digam lá, quem é o verdadeiro presidente do PSD?

Há tanta coisa intolerável

Seguro considera a crise no Governo “intolerável” e não se tem cansado de exigir eleições antecipadas. Mas que explicação terá para o facto de os portugueses não manifestarem uma vontade clara de o acompanharem nessa exigência? Aparentemente, nem o caos que se instalou no País nos últimos dias convenceu a maioria das pessoas de que com ele a governar ficaríamos melhor. É caso para perguntar que desgraça terá ainda de nos acontecer para que este infeliz líder socialista perceba que, longe de ser visto como parte de uma solução credível, é parte do problema. Se calhar o melhor é pedir mais uma audiência a Sua Excelência o Presidente da República para fazer queixinhas dos portugueses que, intoleravelmente, se recusam a vê-lo como alternativa.

Afinal, o Maduro tem muito para comunicar diariamente

Confesso que quando o ministro Maduro anunciou que a partir de agora passará a reunir diariamente com os jornalistas não percebi como tal seria possível. Como é que um Governo paralisado, que nem sabe o que é governar, que se limita a cumprir atabalhoadamente o que a troika exige, que nem às quintas-feiras após os conselhos de ministros tem tido nada que se aproveite para nos comunicar vai passar a ter matéria para o fazer todos os dias? A resposta pareceu-me clara no final do último conselho de ministros em Alcobaça quando o ministro falou aos jornalistas. A tal reunião parece que tinha como objectivo fazer o balanço dos dois anos de governação e traçar as linhas gerais para os próximos dois, e o que comunicou o ministro? Informou-nos que o Governo não está a negociar o limite do défice para 2014 e que ainda não tem as medidas que anda a anunciar há meses. Ora aqui está a pista que faltava, o ministro vai fazer uma lista diária de tudo o que o Governo não fez naquele dia. Não vai faltar matéria. Todos os dias se exigem medidas concretas ao Governo para ultrapassar a crise, e todos os dias a resposta é a mesma: não há medidas. E se pensarmos a coisa ministério a ministério, e tendo em conta o tempo que passa sem ouvirmos o anúncio de uma medida, uma única, da boca da maioria dos ministros, diria que o melhor é o ministro passar a reunir com os jornalistas, não uma, mas duas vezes por dia.

Carneiro mal morto

No debate quinzenal de hoje, o primeiro-ministro mostrou-se agastado com as perguntas da oposição. Diz ele que os deputados desperdiçam os debates com perguntas acerca de assuntos que são mais do que conhecidos e que estão mais do que esclarecidos e até os acusou de quererem assustar as pessoas com as questões que levam a debate como, por exemplo, a do pagamento do subsídio de férias, algo que só não percebe quem não quer ser esclarecido. E é verdade. Estamos mais do que esclarecidos quanto à incompetência deste Governo. E isso pode ver-se em todos os números que contrariam as “melhorias contínuas” referidas pelo primeiro-ministro. Pode confirmar-se pela total incapacidade de este Governo produzir uma ideia que seja que convença os portugueses e que os faça acreditar em qualquer coisa que não seja mais desemprego e mais empobrecimento. E até se pode ver pela forma como os debates quinzenais são conduzidos.

Devo ser mais uma que não quer ser esclarecida, lá está. Mas tenho desculpa, é que, ao contrário de muito boa gente, não gosto da voz do primeiro-ministro, soa-me sempre a voz de carneiro mal morto. É um facto que isso me distrai e muito provavelmente é o que me impede de ver a “luz ao fundo do túnel” que ele e os deputados da maioria vêem. Ainda não decidi se o problema tem mais a ver com a voz ou com o cérebro, mas carneiro mal morto é de certeza.

O presidente de todos os social-democratas

Cavaco, o presidente que recusa ser um actor político, decidiu atacar o FMI e, antes de partir, deixou ordens a Passos para fazer o mesmo. Passos, obediente, encheu-se de coragem e criticou o “espectáculo público” que a troika está a dar por causa das “divergências internas”. Percebe-se, por um lado, para espectáculos desses está cá ele e o Portas. E, por outro, há de facto uma diferença monumental entre o FMI e a Comissão Europeia: a senhora Lagarde não é do PSD, e não é ela que Cavaco está ver a suceder-lhe em Belém. E isso é que interessa. Não interessa nada a opinião dos que se espantaram com este ataque e que defendem que o FMI é o menos duro dos elementos da troika. Menos ainda interessa o facto de Durão Barroso ser um dos principais responsáveis pelo arrastar da crise europeia e de ter feito pouco ou nada para evitar a entrada do FMI em Portugal. Aliás, quando o PSD chumbou o PEC IV quem se enfureceu foi a Merkel, que, diga-se, tem o poder que tem na Europa muito à custa da mediocridade deste ex-ministro de Cavaco, que na altura assobiou para o lado. Afinal, era esta a forma de os seus companheiros de partido chegarem ao pote. Portanto, nada de novo, protegem-se uns aos outros, e quem se mete com eles, estejam onde estiverem, leva com o Cavaco.

Só pode ser humor negro

Se os membros deste Governo fossem tão criativos a arranjar soluções para resolver os problemas do País como são para arranjar desculpas esfarrapadas para o desastre das suas políticas, o PIB disparava. A última, e candidata a ser a desculpa mais disparatada de sempre, foi a do ministro das Finanças que culpou a chuva pela queda do investimento nos primeiros meses do ano. Teve o desplante de afirmar em pleno Parlamento que a chuva terá prejudicado o sector da construção. E logo o sector da construção, um dos mais afectados desde o início da crise de 2008, bem antes da chuva deste Inverno. O programa de recuperação das escolas, levado a cabo pelo Governo de Sócrates, e tão odiado pela direita, já teve como objectivo minorar os efeitos da crise neste sector. Odiaram esse programa e nestes dois anos de Governo, com chuva ou com sol, nada fizeram pelo sector, pelo contrário, diabolizam-no, já que o acusam de ser responsável pelo endividamento público e privado.

Foi pena ninguém lhe ter perguntado o que teria acontecido se não tivesse chovido no Inverno. Será que o Governo teria investido em obras públicas? Bem, para resolver a falta de investimento, e fazer com que as suas contas batessem certo, teriam de ser obras muito, mas mesmo muito, faraónicas. Ou será que o ministro estava a pensar no investimento privado? Vai na volta, se o Sol tivesse brilhado, e apesar da austeridade, do desemprego e da falta de crédito, os portugueses não teriam resistido a comprar casa nova ou, pelo menos, a fazer umas obras na casa velha.

Das duas uma, ou disse-o para ser levado a sério, o que é grave e revela que o ministro não está bem. Ou estava a gozar com a nossa cara, ou seja, a gozar com a tragédia dos outros e devia ser demitido. Afinal, contar uma anedota ou fazer uns corninhos talvez não seja tão grave e já deu direito a demissões.

E também somos muito lavadinhos

Louvado seja Deus. Finalmente, somos vistos como um povo honrado e trabalhador. Bastaram apenas dois aninhos a Passos Coelho para pôr fim à preguiça e gandulagem que já durava vai para novecentos anos. E é extraordinário, logo agora que o desemprego atingiu valores nunca vistos, que há tantos portugueses sem trabalho e que por causa disso não conseguem cumprir os seus compromissos é que nos vêem como muito trabalhadores e honrados. Talvez um dia este destemido primeiro-ministro nos possa explicar isto. E, já agora, quando tiver um bocadinho, que nos diga quem foram os governantes que nos deram fama de caloteiros por esse mundo fora, e quando é que o País deixou de pagar o que devia. Nós sabemos quem são, mas é melhor ser ele a confirmar. Entretanto, em vez de o massacrarem com sondagens e eleições autárquicas, ele não liga patavina a essas coisas, façam-lhe mas é uma estátua e espalhem painéis com a sua fotografia. É o mínimo que se pode fazer para agradecer tudo o que tem feito por nós e pelo País.

Lágrimas de crocodilo

O Gaspar está em sofrimento, coitadinho. E apelou ontem à simpatia de quem o ouvia porque as últimas semanas têm sido muito difíceis para um benfiquista como ele. Diz ele que “perder sucessivamente por 2-1 em alguns casos depois do tempo regulamentar é de facto uma grande provação”. Esquece que graças ao seu Governo e ao seu fanatismo, os benfiquistas, os sportinguistas, os portistas e restantes adeptos e não adeptos estão em sofrimento, e não é desde as últimas semanas, a provação já leva dois anos.

E fez este apelo no mesmo dia em que, no Parlamento, desvalorizou as previsões da OCDE, revistas em baixa, argumentando que há uma “discrepância de algumas décimas”, coisa sem importância. Pois é, mas bastam umas décimas a mais na recessão para que mais uns largos milhares de portugueses, incluindo muitos benfiquistas, percam, não um título ou uma taça, mas o emprego e a esperança no futuro. O que vale é que no fim podem sempre contar com a simpatia do ministro.

Afinal, estiveram a discutir o pós-Governo

Passadas sete horas, ficámos a saber que os senhores conselheiros querem ‘equilíbrio entre disciplina financeira, solidariedade e estímulo à economia’. Mas fiquei na dúvida. Tendo em conta a ordem de trabalhos da reunião, querem isso para já, ou pode esperar até a troika ir embora? E o conselho é para o Presidente, consta que estas reuniões servem para o aconselhar, ou é para o Governo? Se for para o Presidente, é estranho que precise de reunir o Conselho de Estado para ouvir o que já tanta gente disse. Se o conselho é para o Governo, não deve ser para este. Ninguém usaria as palavras ‘equilíbrio, solidariedade e estímulo’ estando a pensar em Passos, Gaspar e Portas.