Dupla tarefa para João Araújo

Quer-me parecer que, para além da libertação imediata do seu cliente e da sua defesa contra o tipo de acusações de que é alvo, o advogado de José Sócrates tem ainda a difícil tarefa de dar a oportunidade ao juiz Carlos Alexandre e ao procurador Rosário Teixeira de saírem de uma maneira minimamente airosa da embrulhada em que se meteram ao prenderem um ex-primeiro-ministro com base em conjeturas (ler, a este propósito, este post, publicado no blogue «Tesouros à Tonelada», aqui trazido por Lucas Galuxo, comentador do Aspirina B).

Juiz e magistrado poderão ter interesse nos serviços de João Araújo, por irónico que pareça. Não sei se negociar estará fora de questão.

Nota: Sem surpresa, ouvi agora que os magistrados proibiram a entrevista a Sócrates.

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A corrupção e os corruptores

Os artigos que José António Cerejo assina hoje no PúblicoA ascensão do amigo de Sócrates, desde Teixoso aos milhões investigados pela polícia e O homem de bastidores que nem fotografias deixa no seu rasto – são escritos por um jornalista “sério” num jornal “de referência” e baseiam-se numa “investigação jornalística”. Deles não se pode dizer que façam parte de uma campanha de ódio nem sequer que tenham propósito sensacionalista. Os factos abundam e a prosa embrulha-os em pormenores pitorescos e laterais.

Ao mesmo tempo, o jornalista é óbvio quanto à opinião que tem do objecto investigado: Sócrates é culpado. Se cometeu ou não o que os indícios que constarão do processo judicial sugerem, tal é irrelevante. Para o olhar do Cerejo, o que já está à vista chega e sobra para a inevitável conclusão de estarmos perante um caso de imoralidade empresarial e política. É essa a ideia que guia a narrativa dos dois textos, a lógica do seu registo exterior sem carência de recolha de explicações dos responsáveis para a sucessão de criação de empresas, falências, circulação de dinheiro, ligações pessoais e compra de bens.

Estas peças permitem-nos antecipar o que seria uma eventual absolvição de Sócrates calhando ir a julgamento ou mesmo o desfecho de nem sequer vir a ser acusado e o caso ser encerrado por ausência de provas incriminatórias. Quanto à carreira política, estava acabado. E quanto ao espaço público, ficaria como o tal corrupto que a Justiça expôs o suficiente para que até os Cerejos do jornalismo “responsável” o tratassem como um bandido.

Independentemente de como este episódio gravíssimo da nossa História vai acabar, aconteça o que acontecer, no final continuarão a existir aqueles, não sei quantos, que abominam a prática de um jornalismo corruptor sob a desculpa de se estar a combater a corrupção. Esse terrorismo cívico perverte a comunidade tanto ou mais do que as ilegalidades pretensamente denunciadas.

Perguntas à Autoridade Tributária

Dois trabalhadores da Autoridade Tributária estão a ser investigados por, alegadamente, terem consultado os dados fiscais do Coelho e, por isso, podem vir a ser alvo de processos disciplinares – disseram há pouco as notícias.

Acontece que esses dados não são tão confidenciais como os dos outros contribuintes, pois todos os políticos com assento parlamentar ou com funções públicas têm de divulgar atempada e publicamente as suas declarações de rendimentos e de património.

Pergunto agora à Autoridade Tributária:

1 – Quantas vezes aconteceu no passado que trabalhadores da Autoridade Tributária consultaram dados fiscais de contribuintes sem motivo pertinente ou atendível?

2 – Se a Autoridade Tributária não sabe responder à primeira pergunta, porque é que agora soube, e como é que soube, das consultas aos dados fiscais do Coelho?

3 – Será que a consulta dos dados fiscais do Coelho está a ser alvo de uma vigilância especial por parte da Autoridade Tributária?

4 – Se sim, porquê? Se não, voltar à primeira pergunta.

5 – Os dados fiscais de José Sócrates nunca foram consultados por funcionários dos impostos?

6 – Se a Autoridade Tributária não sabe responder à pergunta anterior, porque é que não sabe?

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P. S.:  ontem, as primeiras notícias sobre este caso apenas mencionavam a consulta de dados fiscais de Passos Coelho. Mais tarde, juntaram o nome de Sócrates: também ele teria tido os seus dados fiscais vasculhados. Muito conveniente, para disfarçar que o que chateou a Autoridade Tributária foram as consultas indevidas dos dados de Passos Coelho. Algum dia a Autoridade Tributária teria, por sua iniciativa, investigado fosse o que fosse, se o contribuinte com dados devassados fosse só Sócrates ou qualquer Zé pagante? Querem fazer de nós parvos!

Novas notícias dão hoje (12 de Dezembro) mais pormenores. Afinal não foram só dois funcionários, mas 100 (cem), embora só dois estejam a ser alvo de investigações. Presume a Autoridade que os outros 98 foram movidos apenas por “curiosidade” e não andaram a divulgar os dados. Eu presumo que foram os tais dois que forem espreitar o Coelho. As questões que aqui deixei continuam oportunas, excepto a 5.ª e a 6.ª, que são substituídas por esta:

– Desde quando é que os dados fiscais de José Sócrates são devassados por funcionários da Autoridade Tributária?

CDS ultrapassa o PCP por baixo

CDS de Portas, o tal partido que retirou o retrato de Freitas do Amaral da parede e o enviou para a sede do PS em 2005 por não tolerar que um ex-militante tivesse actividade política livre. CDS de Portas, o tal partido do Jacinto Capelo Rego que liderou a investida contra Vítor Constâncio para assim esconder a responsabilidade política da elite da direita nos crimes do BPN. CDS de Portas, o tal partido que se vendeu como sendo o defensor-mor dos contribuintes e dos velhinhos só para vir a assinar de cruz o maior aumento de impostos de que há memória e a maior degradação das condições de vida para os mais pobres e a classe média desde o 25 de Abril.

É este partido que está contra a atribuição da Chave de Honra de Lisboa a Mário Soares invocando o seu “radicalismo”. É que nem o PCP chegou a tanto no seu ódio à liberdade, tendo os comunas optado pela abstenção na votação camarária.

Cavaco, um criado ao serviço do Governo

Aquando do diploma da convergência das pensões, Cavaco sabia das suas inconstitucionalidades. Em vez de vetar o diploma juridicamente enviando-o para o TC, vetou-o politicamente com fundamento na violação da CRP.

Por quê?

Porque sendo formalmente um veto político (uma “devolução”, como agora se diz) a maioria arruma o assuto com uma votação de maioria simples. Já perante uma pronúncia do TC,  azar, só uma maioria de 2/3,  jamais utilizada na nossa história.

Agora, Cavaco, o criado, volta a violar a CRP no sentido que a mesma dá ao veto. O PR vê problemas de constitucionalidade no diploma dos suplementos e “devolve” porque gosta de “cooperar”.

Já nós  …  gostamos de pessoas normais.

Acaba por ser simples o resumo da negociação com fanáticos

O IRS tem uma natureza progressiva sendo um instrumento de promoção da equidade na distribuição do rendimento.

O Governo apresentou um conjunto de propostas de alteração que subvertem este princípio, dando a este imposto uma natureza regressiva.

A maioria não admitiu ouvir uma única entidade.

Não há qualquer reforma fiscal; mantém-se a lógica introduzida e arrependida por Vítor Gaspar, isto é, encurtamento de escalões e aumento da tributação.

Na especialidade, retomando as deduções já existentes (por exemplo), o certo é que mantiveram a proposta do “Quociente Familiar”, cujo efeito regressivo nas famílias com descendentes ou ascendentes a cargo prejudicam aquelas cujos rendimentos tributáveis são inferiores.

Mantiveram uma visão moral sobre a família em vez de uma proteção da criança independentemente da situação dos seus progenitores (casados, unidos de facto, separados, solteiros, gays ou lésbicas).

Mantiveram ainda o benefício fiscal aos vales-educação, proposta que o PS quis eliminar por se considerar que esta corresponde a uma remuneração acessória, cuja aplicação potencia a redução do rendimento bruto na justa medida do montante do vale, conduzindo igualmente à diminuição das contribuições para a Segurança Social e indo ao encontro do tão propagado cheque ensino.

O Partido Socialista apresentou proposta no sentido de salvaguardar a natureza redistributiva deste imposto, nomeadamente através do aumento do valor da dedução fixa à coleta em 54% por descendente e 67% por ascendente face à proposta apresentada, correspondendo, na prática, a uma dedução no montante de 500€ por cada dependente e por cada ascendente.

Por outro lado, pese embora o Partido Socialista não se opor à possibilidade da tributação ser feita em separado, considera que o facto de na PPL esta tributação separada assumir natureza geral pode gerar um conflito de interesses entre cônjuges, não obstante, em última instância, presumir-se o proveito comum do bem pelo casal em casa de irregularidades na declaração de rendimentos. Para debelar esta situação, o Partido Socialista propôs a necessidade do consentimento de ambos os cônjuges/unidos de facto para se proceder à tributação em separado.

A única proposta do PS aceite pela maioria foi aquela que passa a permitir a inclusão no agregado familiar, de todos os filhos, adotados, enteados e sujeitos a tutela, maiores, que sejam inaptos para o trabalho e para angariar meios de subsistência, independentemente dos rendimentos que aufiram uma vez que estes são, em regra, provenientes de prestações sociais atribuídas pela sua condição de inadaptabilidade para o trabalho.

Foi isto.

Continua o enorme aumento de impostos. 

 

Quem diria

Que depois das colossais mentiras eleitorais, do além-Troika, do falhanço de todas as metas do Memorando, da perda de Vítor Gaspar e do dr. Relvas, da coligação disfuncional com o CDS, da técnica e da forma das despesas de representação e de uma táctica de obsessiva diabolização primária do mesmo e dos mesmos, chegaríamos a menos de um ano das eleições a contemplar um país derrotado e um Pedro cada vez mais sorridente.

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Os sofismas de VPV

“Sócrates decidiu transformar um processo puramente jurídico num processo público e político” – escreve hoje Vasco Pulido Valente no jornal do costume.

Três afirmações ardilosas e improvadas numa única frase. O resto da crónica afina pelo mesmo diapasão.

Começa VPV por proclamar sem discussão, apelando à fé dos seus leitores, que o processo de Sócrates é puramente jurídico – quando é precisamente sobre isso que muita gente, Sócrates incluído, legitimamente se pode questionar. VPV parte, portanto, da conclusão para as premissas.

Declara em seguida, mentindo sem vergonha, que foi Sócrates quem tornou público o seu processo, quando todo o país sabe e viu que foram fugas criminosas de informação para a comunicação social, admitidas já pela PGR, que trouxeram esse processo para a praça pública. O facto de Sócrates contestar acusações concretas que circulam livremente no espaço público – em virtude da prévia violação do segredo de justiça – é interpretado por este e outros sofistas a soldo da direita como… uma violação do segredo de justiça!

Sustenta, por fim, VPV que foi Sócrates quem politizou o seu processo, quando até um débil mental entenderia, se estivesse para aí virado, que um processo contra um político que sectores da direita e da extrema-esquerda vingativas há muito defendem que deveria estar preso, nunca poderia deixar de ser um processo judicial suspeito de politização. As sistemáticas violações do segredo de justiça em relação a Sócrates , desde sempre, são um fortíssimo indício disso mesmo. Depois da sua detenção, a politização do processo passou a facto do foro público: aí estão, para quem os quiser interpretar, os aleluias de felicidade incontinente tweetados pela militância laranja quando da prisão de Sócrates, a manifestação de regozijo de nazis no Campus da Justiça, o direito à “presunção da culpabilidade” de Sócrates sustentado, sem vergonha na cara, por um seu velho e confesso inimigo político. Poderia alongar muito a lista. Não vale a pena.

O que o ex-intelectual VPV diz ou deixa de dizer há muito que perdeu qualquer relevância. É um facto. Mas as teses que ele defende não são dele. Visivelmente esclerosado, ele já só vai conseguindo repetir o que Rebelo de Sousa, Marques Mendes e outros comentadores da mesma laia e grau de isenção têm sustentado. Trata-se de acusações sofísticas, que invertem deliberadamente a realidade e se destinam a criar no público o sentimento de que Sócrates não pode nem deve defender-se. Querem calá-lo, para melhor o poderem condenar. Querem, de facto, julgar Sócrates na praça pública, com o argumento pérfido, hipócrita e canalha de que foi ele quem trouxe indevidamente o seu caso para a praça pública.

Anatomia de um caluniador

No DN de sexta-feira, Ferreira Fernandes chamou-me “pedaço de asno”, a propósito da minha última crónica sobre José Sócrates.

Como observou – e bem – um amigo meu, isso não é necessariamente um insulto: dependendo do pedaço do asno de que estamos a falar, pode até ser lisonjeiro.

Um caluniador

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Qual será o pedaço do asno que, aos olhos do caluniador, transformará o insulto numa lisonja? O caluniador não o identifica. Apenas ficamos a saber que até os caluniadores têm amigos com poder de observação. Será o focinho? Será a pelagem? Serão os cascos? Seja lá o que for, é do agrado do caluniador. Algo cujo valor, ou benefícios, ele conhece bem. Algo que o deixaria envaidecido ao se imaginar o feliz proprietário dessa parte cripticamente elogiada do asno. Este enigma leva-nos para a intrincada questão da anatomia de um caluniador.

O caluniador, este caluniador, respondeu primeiro ao Ferreira Fernandes e só ontem ao Óscar Mascarenhas. A explicação para a diferença de tratamento é do foro anatómico. Com o Ferreira Fernandes, o caluniador sente-se à vontade para ser ele próprio. Primeiro, começou por lhe dar um coice. Disse que esse tal de Ferreira Fernandes foi incapaz de encontrar utilidade nos “infindáveis indícios” que substituíam na perfeição inexistentes provas, antes preferindo o surrealismo socrático e sendo conivente com o “sufoco evidente do poder judicial às mãos do poder político“. Convenhamos, não é coisa pouca. Como o Ferreira Fernandes teve a ousadia de se sentir, o caluniador resolveu voltar a encher de bosta uma página do Público. Isto não é mais do que a Natureza a reger-se pelas leis naturais.

Óscar Mascarenhas gastou 7306 caracteres para dizer aos seus leitores que o caluniador, na sua provedoral opinião, se comportava como um pulha – Eis que chega a mais patusca teoria da irresponsabilidade dos colunistas. Como é que um caluniador consegue responder a isto? Há aqui óbvias limitações anatómicas. Não por acaso, nunca ninguém viu uma prova de saltos com asnos. Com burros, sim. Já se viu e vê. Burros em cima de cavalos. Mas asnos a saltar barreiras, isso não. Ora, para lidar com a desanda oferecida carinhosamente pelo Óscar Mascarenhas, o caluniador teve de ganhar muito balanço em ordem a tentar essa avaria do salto asnático. Resultado: meteu as patas pelas patas e acabou estatelado no chão com a cabeça enfiada entre as nádegas. Um exemplo de justiça poética.

Talvez a comparação com outro animal, posto que é de alimárias que estamos a falar, ajude. 1953 é o ano em que The Sun Shines Bright iluminou os ecrãs deste mundo. Ford conta uma história passada no Sul dos Estados Unidos por volta do princípio do século XX. Entre outras peripécias que vão todas dar ao mesmo, o ponto central do filme trata de uma acusação a um rapaz preto. Acusado de ter violado uma miúda branca. Quem o acusou? Cães. Ele estava nas imediações da plantação para onde tinha ido em busca de trabalho e os cães do grupo que procurava o violador começaram a persegui-lo. Ao ver os cães a vir na sua direcção, o rapaz desatou a fugir. Pouco depois era apanhado pelo grupo. O xerife conseguiu chegar a tempo de evitar o linchamento e entregou o suspeito ao juiz. Este mandou-o para a prisão local com vista a ser levado a julgamento em breve. No dia seguinte, o pai da rapariga e um grupo armado avançam pela cidade com a intenção de enforcarem o rapaz sem esperarem pelo julgamento. Ao ver a multidão a chegar, o xerife abandona o local. O único que se interpõe entre os linchadores e o rapaz, à porta da cadeia, é um velho juiz. Um veterano da Guerra Civil, onde combateu pelos Confederados. Last but not least, a cidade estava em período eleitoral e este juiz concorria para mais um mandato na comarca.

O que se passou a seguir pode ser visto graças ao Al Gore, o inventor da Internet, agora mesmo, mais tarde ou nunca: filme integral. Para o que aqui nos distrai, apenas quero elaborar um bocadinho à volta da raça do animal, Cão de Santo Humberto. Os preferidos dos caçadores ingleses e que continuaram essa fortuna farejadora na América. Mas já desde a Idade Média eram usados nas perseguições a fugitivos. Pelas faculdades olfactivas, temos uma canina aproximação à psicologia de um caluniador. O bloodhound é um dos mais apurados especialistas em infindáveis indícios. Contudo, tal como se pode ouvir no filme, esse afunilamento numa só competência deixa-os com défices noutras áreas. Assim, têm também a fama de serem cães estúpidos e não há quem os use para a guarda dos seus bens. Onde eles não falham é como máquinas de captar indícios infindáveis. E que ninguém duvide, no que toca à temática dos indícios desse ponto de vista de um cão que não serve para mais nada, estamos mesmo a lidar com o infinito. Será que algo relacionado com a sua anatomia nos ajudará a desvendar o enigma nascido em relação ao pedaço do asno com que o caluniador se identifica lisongeiramente? Vejamos o bicho.

Bloodhound

Atente-se na testa. Não dá para enganar, é a vincada e sofrida manifestação de quem se sente sozinho a contemplar o sufoco evidente do poder judicial às mãos do poder político. Atente-se nas bochechas. Quais cortinas de cena a esconder uma boca destinada à proclamação da verdade. Atente-se na papada. Um cachecol de gordura a servir de agasalho para a friagem vinda de uma sociedade repleta de socráticos corruptos. E atente-se nas orelhas. Grandes, enormes, magníficas, superlativas. Umas orelhas de parar o trânsito e levantar um estádio. Orelhas “John Holmes”, o sonho de qualquer caluniador que se preze e se faça cobrar. Qual destes elementos conterá a chave da afinidade caluniador-asno? Há que proceder a uma comparação anatómica.

Questão resolvida: o único atributo em comum entre este tipo de cão que nos poupa à chatice dos julgamentos humanos e o asno invocado pelo Ferreira Fernandes em bate-boca com o caluniador são as orelhas. Era das orelhas que o caluniador e o amigo observador estavam a falar. Quão maiores se disser que são, maior a lisonja sentida pelo caluniador, este caluniador, que se passeia livre e jactante na via pública agitando para quem passa as suas pujantes orelhas de burro.

Sócrates e o catedrático

Enquanto não conseguem calá-lo de vez, vão-nos chegando da prisão os desabafos de José Sócrates sobre aquilo que descreve como um complô de cobardia, cinismo cúmplice e indiferença, de que está a ser alvo por parte de “políticos, alguns jornalistas, professores de Direito” ‒ sem esquecer as “pessoas decentes” que olham para o lado, porque confiam cegamente no funcionamento da Justiça e põem as mãos no fogo pelos magníficos magistrados que aí pululam.

Quando Sócrates, no texto que o Diário de Notícias hoje publica, fala do cinismo de certos professores de Direito, ocorre logo aquela frase cínica, de extremo mau gosto, do catedrático Marcelo Rebelo de Sousa, incomodado com o facto de o preso protestar publicamente contra a sua prisão: “Sócrates só morto é que se cala”. A refinada filha-da-putice dessa boca ambígua e assassina, impensável num catedrático de Direito, é bem o retrato moral de quem a proferiu – essa figura híbrida de jurisconsulto, professor, comentador, criador de factos políticos, intriguista e putativo candidato à presidência da República, esse ilusionista que dominicalmente “educa” um milhão de portugueses que o escutam ou veneram.

O contexto em que tal frase foi dita não deixa dúvidas. Segundo Rebelo de Sousa, o abusador Sócrates “está a usar a praça pública para se defender”, quando deveria permanecer muito caladinho. E o catedrático carregou as tintas, retratando Sócrates como um anti-social, um egoísta torpe: “Só pensa nele, sempre pensou só nele”. Daí o não ter ficado em resignado silêncio, como devia, quando o enfiaram no xilindró. Porque, presume-se, as pessoas de bem, quando são presas, ficam muito caladinhas, à espera que as lixem ou as julguem na praça pública ‒ como Marcelo Rebelo de Sousa também fez a Sócrates.

Acredito mais na inocência de Sócrates do que na idoneidade moral e na isenção política dos magistrados e polícias que o investigaram e prenderam. Alguém em Portugal terá hoje dúvidas de que polícias e magistrados pouco idóneos e politicamente motivados podem querer tramar alguém como o ex-primeiro-ministro? Eu não tenho nenhumas dúvidas disso, recordado que estou das calúnias que foram lançadas sobre Sócrates (e outros) em sucessivas histórias anteriores, através de fugas insidiosas de informação e outros passes clandestinos  ‒ uma longa campanha negra que preparou e “legitimou” a prisão de Sócrates. Por isso, e porque é um direito que a todos assiste, acho natural e legítimo que Sócrates se defenda, proteste, se indigne e se debata na praça pública, que é o lugar onde desde sempre tem sido atacado, e dos modos mais soezes. A escumalha fascizante que há muito o quer amordaçar ‒ e que há muito mais o quer ver preso e condenado ‒ vai ter que pacientar. Sócrates tem o direito de falar e espero que continue a fazê-lo, porque isso provará que ainda vivemos em liberdade.

Toda a verdade sobre o caso Sócrates

Sócrates, entre 2005 e 2011, foi o maior corrupto da História de Portugal e um dos maiores corruptos da Europa (é contar o número de chefes de Governo que foram acusados e condenados por corrupção desde sempre). Mas já antes tinha sido corrupto, logo em 2002. E até antes, basta olhar para umas casas não sei onde e tal. Depois de sair do Governo, começou desenfreadamente a gastar o dinheiro que ganhou na corrupção da forma mais discreta que conseguiu encontrar: indo viver no luxo parisiense e dando-se ao luxo de voltar a estudar. Em 2014, Julho, sai uma notícia onde se diz que a sua corrupção foi descoberta e que a prisão estava iminente. Sócrates foi à TV exibir-se indignado, dando assim sinal de que tinha lido a notícia. Nos meses seguintes a prisão de Sócrates passa a ser tema corrente no bas-fond político-jornalístico. Semanas antes da sua detenção, já são muitos os jornalistas que estão preparados para o acontecimento que pode ocorrer em qualquer altura. Sócrates continuou como se nada se passasse ou, a passar, não fosse nada com ele. Todos os domingos, tinha local e hora marcada para aparecer. E andava muito de avião, parecendo perceber o essencial da logística relativa à compra de bilhetes e ao arrumo das malas de viagem.

Nisto, a 20 de Novembro, Sócrates toma conhecimento de que é desta, estão à espera dele no aeroporto da Portela. É então que lhe ocorre que poderá ter sido escutado durante meses e meses, que a sua única conta bancária terá sido devassada pelas autoridades judiciais e que o melhor seria conseguir ver-se livre de um certo computador cheio de provas da sua vida corrupta que estava no edifício Heron Castilho para lhe fazer companhia ao regressar. Entra logo em contacto com a sua empregada doméstica e esta consegue iludir a vigilância policial e safa mesmo o engenheiro de perigos maiores. De seguida, a leal senhora prepara-se para ser interrogada e torturada caso seja necessário em ordem a defender o seu amo até à morte.

A Sócrates só resta uma última coisa para fazer. Comprar um bilhete para o Rio de Janeiro e passar por Lisboa para se despedir dos amigos.