
Há perguntas bizarras, e facilmente irritantes. Na Holanda perguntam-me, há mais de trinta anos: «Não trouxeste casaco?» E por ‘casaco’ querem dizer muita coisa: blusão, gabardina, sobretudo, samarra, capote alentejano. Quase nunca tenho, pois não sou friorento. Ou sou só descuidado.
Em Portugal, a pergunta irritante é outra: «Como está a Holanda?». E eu digo «Fria» ou «Tranquila» ou «Na mesma». Mas, agora, descobri uma variante para ‘Na mesma’. É mais longa, faz mais conversa e pode ajudar a mudar o mundo. Eu explico.
O chefe de estado holandês é uma senhora. A profissão da senhora é ‘rainha’. Não governa, existe só. Sabe-se que tem influência política, mas tecnicamente é ‘irresponsável’: é o governo que responde por ela. Da mãe dela se sabia que era socialista, desta supõe-se que ande no centro-direita. Por coincidência (deveras, por uma mão-cheia de votos), o governo actual é, desde há uns anos, de centro-direita também. Em suma: a senhora tem as atribuições do presidente português, só está no lugar algum tempo mais. Pensando bem, ela é uma presidente e este país é uma república.
A câmara faz, agora, um travelling do palácio para a choupana.
Num bairro pobre da chique Haarlem (a holandesa, a original), vive uma jovem senhora com o rendimento mínimo garantido. Cursou direito, mas detesta o foro e as secretarias, e ficou por ali. Faz uns biscates, umas coisas. Periodicamente, tem de apresentar contas ao município dos seus parcos réditos. Para a controlarem? Longe disso. Para lhe oferecerem cursos, todos gratuitos, cada um deles mais atraente. Para lhe perguntarem se não estará precisando duma nova máquina de lavar, ou de uns agasalhos melhores para o inverno. Que eles lhe oferecem, claro. Eu soube isto há dias, e fiquei fascinado. Se isto não é socialismo, então sou eu que sou parvo.
Está visto. Daqui em diante, quando me perguntarem «Como vai a Holanda?», vou mostrar-me um melhor apóstolo do paraíso terreal, e passarei a dizer: «Qual? A república socialista? Lá se vai arrastando».