Arquivo da Categoria: Daniel Oliveira

A despedida que antes de o ser já o era

Na verdade nunca escrevi com a regularidade que esperava no Aspirina. Por isso, acabo por partir sem nunca ter realmente chegado. Na adolescência, quando aparecemos em casa quando nos dá na bolha e saímos quando nos apetece, as nossas mãezinhas costumam dizer, num momento de irritação: «isto aqui não é uma pensão». Por isso, muito obrigado por me abrirem as portas da vossa casa que indecentemente eu tratei como uma pensão. E as minhas desculpas pela falta de assiduidade. Voltarei brevemente à blogosfera, com mais tempo e disponibilidade. Abraços a todos.

Seja maricas, preto, judeu ou comuna, eu mato quem eu quiser

Jorge Ferreira está indignado. Diz ele:

«Uma das novas ideias do Bloco de Esquerda é criminalizar o “ódio homofóbico”. (…) A ir por diante, o que já não se exclui, dado o carácter gelatinoso da maioria absoluta socialista e as ramificações do chamado “lobby gay” por todos os partidos, pergunto: até onde é que a liberdade de expressão pode ir na crítica à homossexualidade para os iluminados dirigentes do Bloco? Quem disser ou escrever por exemplo, que a homossexualidade é imoral, vai preso? Será que o Bloco quer prender, entre outros, João César das Neves? Mais uma vez não se discute o conteúdo da opinião de cada um, mas apenas a possibilidade de a expressar. Para o Bloco a liberdade é selectiva. Só se pode criticar sem risco de cadeia quem e aquilo que o Bloco, de cima do seu supremo julgamento de opinião, determinar. Cruzes canhoto!»

Das duas uma, ou Jorge Ferreira não sabe ler ou Jorge Ferreira é perigoso. Ou não leu que «o BE quer ainda ver o ódio homófobo ser incluído na moldura de homicídio qualificado, a par do ódio racial, religioso ou político» (“Público” de terça-feira) e fala do que não sabe, ou leu e está a pensar usar da sua «liberdade de expressão» à navalhada. Venha então a correcção, senhor Jorge Ferreira, antes que os homossexuais da sua rua fiquem um pouco preocupados. Bem sei que é da Nova Democracia, mas, apesar de tudo, não o tenho em tão má conta. Será pouco informado e razoavelmente demagógico, mas seguramente pacifico.

PS: Outros blogues, como de costume, seguiram o diz que diz. Para eles uma notícia: ler blogues ajuda, mas não chega.

Coerência

No início da polémica sobre os cartoons dinamarqueses disse o que pensava sobre o assunto: defendo o direito à liberdade de expressão e nem por isso me sinto obrigado a ser solidário com o seu conteúdo e com os seus objectivos. Logo passei a ser um defensor da censura. Agora, a propósito do julgamento do “historiador” de extrema-direita David Irving, reafirmo coerentemente o mesmo: defendo o direito à liberdade de expressão e nem por isso me sinto obrigado a ser solidário com o seu conteúdo e com os seus objectivos. Sendo certo que, desta vez, é de anti-semitismo que serei acusado.

Mas daqui não saio: todos os bandalhos que usam a liberdade de expressão para espalhar o ódio e a ignorância devem ser livres de o fazer. E nem por isso deixam de ser bandalhos. A negação do Holocausto não é, ao contrário do que tentam apregoar os defensores de Irving, um debate científico. É a propaganda vinda das profundezas do que de mais sinistro a Europa conhece. Mas a verdade é que esta condenação a três anos de prisão, resultado de uma lei que nasce da má consciência de um país que nem a desnazificação conseguiu fazer até ao fim, deu aos radicais muçulmanos o argumento que lhes faltava: isto da liberdade de expressão tem dias, tem pesos e tem medidas.

Estas polémicas podiam ao menos ter uma utilidade: acabar com todas as leis censórias e adoptar a tradição americana (que nos últimos anos tem sido abastardada) que, nesta matéria, é bem mais liberal do que a europeia. O desrespeito por símbolos nacionais, o discurso racista ou homofóbico, a “glorificação” do terrorismo ou da guerra ou a negação de indesmentíveis factos históricos deve ser livre e apenas combatida através de argumentos ou do isolamento político e social. De fora, apenas a difamação e o incitamento à prática de crimes. No último caso, a fronteira legislativa deve ser clara e não permitir leituras abusivas. Nesta matéria, mantenho a minha coerência. Mesmo quando não me apetece nada.

Carta aberta

Aos promotores do Manifesto Como uma liberdade.

Caros Tiago Barbosa Ribeiro e Rui Bebiano:

Como muitas outras opiniões já entretanto publicadas, acho que o vosso texto poderia ser muito mais conciso e, portanto, facilitar a criação de um mínimo denominador comum na defesa daquilo que creio ser o vosso/nosso objectivo central e de princípio: a defesa da liberdade de expressão, sem foro privativo para a fé e crenças religiosas e/ou filosóficas.

Quanto ao resto: o Ocidente, o anti-relativismo, etc. – sinceramente dispenso. Um relativista japonês não pode assinar este manifesto pela liberdade de expressão? O que justificaria essa exclusão?

Mas mais do que isso, desejo protestar contra a inexistência de uma caixa de comentários. Que abaixo-assinado pela liberdade de expressão pode viver sem um espaço onde os signatários possam deixar mais um comentário, uma precisão ou uma ressalva?

Não é tarde para abrir esse espaço, já não acoplado a cada assinatura, mas como folha em branco autónoma onde cada um pode deixar a sua opinião. Não faço depender disso a minha assinatura porque não quero que pensem que invento desculpas para não assinar. Mas apelo ao vosso sentido de justiça e equanimidade perante os co-signatários para que o façam.

Tudo ponderado, a minha assinatura será

Rui Tavares, historiador, Lisboa

Publicarei este mail sob a forma de carta aberta.

Abraços libertários

[Rui Tavares]

Gente fina é outra coisa

Nunca foram mulatos ou pretos quando os cabeças-rapadas andaram à solta e mataram no Bairro Alto. Nunca foram imigrantes turcos quando residências foram incendiadas na Alemanha. Nunca foram iraquianos inocentes atingidos por fogo colateral. Nunca foram subsarianos mortos numa jangada no mediterrâneo.

E certamente nunca foram um judeu alemão quando esta frase foi cunhada em apoio de Daniel Cohn-Bendit, em 1968.

Apenas agora os ideólogos d’O Independente querem ser dinamarqueses.

Como os compreendo. Ser dinamarquês dá uma certa classe. Pessoalmente, invejo-lhes os subsídios de desemprego, a assistência médica, a segurança social e, se bem me lembro, as universidades de graça ou quase. Também não me importava de ser dinamarquês.

O azar é que os correligionários locais d’O Independente estão pouquíssimo interessados em naturalizar estrangeiros.

[Rui Tavares, publicado também em Caravaggio Montecarlo]

A quem serve a escalada

«Seis das doze caricaturas do profeta Maomé foram publicadas no Egipto, em Outubro, sem levantar a menor polémica, afirmou ontem o embaixador dinamarquês no Cairo. A reacção surgiu dois meses depois, quando os líderes muçulmanos reunidos num encontro da Organização da Conferência Islâmica (OCI) coordenaram estratégias e “cristalizaram” a crise, revelou o jornal The New York Times. Só então a revolta começou a sair à rua, com o apoio de vários governos. (…) Para Sari Hanafi, da Universidade Americana de Beirute, os regimes árabes que estavam ressentidos com a pressão ocidental de democratização viram aqui uma oportunidade. (…) Por outro lado, as manifestações também permitiram a certos governos afastar o crescente desafio que enfrentam por parte da oposição islamista que se apresenta como defensora do islão, acrescenta o NYT. Foi o que aconteceu com o Egipto, onde os islamistas têm vindo a aumentar a sua influência, como se viu nas eleições; foi também o que se passou na Arábia Saudita. A 26 de Dezembro, o reino quis ouvir o embaixador da Dinamarca, depois decretou o boicote. “Os sauditas fizeram isto porque quiseram marcar pontos contra os fundamentalistas”, disse Said.»
Público, 10 de Fevereiro

«Estamos num confronto cultural e civlizacional. Podemos rezar todos os dias para que não exista. Estamos em guerra. Os americanos já o perceberam há muito tempo, os Europeus ainda não.»
José Pacheco Pereira, Quadratura do Círculo, SIC

A liberdade não se encomenda

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Lars Refn foi o único cartoonista que, apesar do pedido do Jyllands-Posten, optou por não representar Maomé, o profeta, mas Mohhamed, aluno do 7ºA. O jovem aponta para um quadro onde se pode ler, em persa: «Os jornalistas do Jyllands-Posten são um bando de provocadores reaccionários».

Lars Refn usou da sua liberdade de expressão como queria e não como lhe foi ecomendada. O jornal, apesar de amar a liberdade de imprensa, não gostou da graça e escreveu, como legenda: «pensamos que Lars Refn é um cobarde que não entende a gravidade da ameaça muçulmana à liberdade de expressão». Parece que o Jyllands-Posten adora a sua liberdade, mas não convive bem com a liberdade dos outros. Insultar o jornal que lhe publica o desenho, isso sim, é ter tomates.

Cocoricó

No DN de ontem, terça-feira 7 de Fevereiro, saiu um curto depoimento meu sobre a questão do momento. Como entre o ditar o texto ao telefone e a edição final se perde sempre qualquer coisa, eis aqui o texto restituido ao original:

“Ao contrário dos fundamentalistas e do próprio Vaticano, que se pronunciou recentemente sobre o assunto, sou da opinião de que a liberdade de expressão inclui ofender os outros nas suas crenças religiosas, voluntária ou involuntariamente. Vejo com agrado que parece começar a gerar-se entre nós um consenso neste sentido: ainda no ano passado, aquando da morte do papa, este princípio fundamental não tinha feito o seu caminho entre os nossos neoconservadores. Espero que, a longo prazo, estes acontecimentos possam ajudar de alguma forma a aumentar o espaço da liberdade de expressão para todos. Como é natural, a prova dos nove far-se-á quando for fácil caricaturar Maomé do lado de lá e ofender os cristãos do lado de cá.Também nesse momento será mais fácil demarcarmo-nos das espirais de racismo e indignação fácil como as que vivemos actualmente.”

Apesar da imperfeição e da pressa, aqui fica. É até ao momento a minha única tomada de opinião sobre este assunto crucial, assustador, mas fascinante.

Duas notinhas finais:

A primeira para notar que, após diversos dias de tensão com esta polémica, chegou o primeiro momento de alívio cómico sob a forma da ridícula nota do MNE Freitas do Amaral dedicada à questão dos cartunes.

A segunda para dizer que, uma vez que não sou actualmente membro de nenhum blogue de assuntos correntes, nos próximos tempos usarei (muito esporadicamente) a casa emprestada de amigos. Uma dessas casas é aqui a Aspirina, a quem agradeço pela hospitalidade. Outra casa emprestada será a pensão residencial Caravaggio Montecarlo, do João Macdonald, onde faço tenções de deixar um texto mais desenvolvido sobre a questão que nos tem ocupado.

Os bloggers, como as galinhas, cacarejam quando põem um post.

[Rui Tavares]

A manha

A primeira parte da resposta que Vasco Pulido Valente me dá é dedicada a bicar em Gandhi, apresentado como um “produto típico do Império Britânico”. Gandhi? O hindu gujarati, filho de devotos da comunidade modh, cujo mestre foi um monge jainista e a sua maior influência estrangeira um escritor russo? Um “produto típico do Império Britânico”? O mesmo Gandhi que disse que “Hinduism as I know it entirely satisfies my soul, fills my whole being … When doubts haunt me… I turn to the Bhagavad Gita”? Não nego que o contexto britânico seja importante para a formação de Gandhi, mas descrevê-lo enjoadamente como “produto típico do Império Britânico” não é mais do que a confirmação das fracas lentes com que os nossos anglocentristas vêem o mundo. Gandhi tinha umas ideias sobre auto-determinação, liberdade individual, igualdade perante a lei e democracia. Como sabemos, é impensável que (contra a sua própria opinião) as tenha ido buscar a outro lado senão à terra do Yorkshire pudding e do chapéu de coco.

Só que na realidade, Gandhi não é um produto típico deste mundo estreitinho. VPV escreve que “sem a moderação e o legalismo do Raj [britânico] e, sobretudo, sem o espírito “liberal” da opinião pública inglesa, não haveria Gandhi”– não sei se aqui VPV se esqueceu dos milhares de mortos e dezenas de milhares de presos da repressão britânica – e que “não se imagina a “não-violência” do Mahatma face à China ou, por exemplo, à Rússia de Estaline ou dos czares”. Mas nem de propósito, a grande influência política e filosófica de Gandhi foi o russo Tolstoi, com quem se correspondia, e cujo pacifismo cristão criou grandes embaraços aos czares e lhes minou a influência entre milhões dos seus súbditos. Quando Tolstoi morreu, em 1911, o lugar que ocupava na sociedade russa dos czares não andaria muito longe do estatuto de santo laico que o seu discípulo indiano também veio a alcançar. Só possível no império britânico e nunca na Rússia dos czares?

No fundo, aquela passagem a contragosto por Gandhi é apenas uma distracção, ou melhor, um adiamento da confissão – que se imagina tão custosa quanto é rara em Vasco Pulido Valente – de que o seu oponente lhe fez uma pergunta “séria e merece uma resposta séria”. Com justiça, deve dizer-se que VPV tentou ao máximo dar essa resposta séria. Começou por baixar radicalmente a bolinha à civilização ocidental. Há dois dias, ela era simplesmente superior; agora VPV admite que “às vezes, muitas vezes, quase constantemente, duvido”. Ao menos não tentou, como outros comentadores, fingir que o holocausto e muitos outros crimes sejam estranhos a esta civilização. Sob VPV 2.0 seremos, então, maus como as cobras; mas os muçulmanos é que terão de ser péssimos sem remissão [“uma civilização fanática, despótica e analfabeta”]. Tão analfabeta que, apetece dizer, até o seu anti-judaísmo foi herdado do anti-semitismo ocidental, felizmente que sem resultados tão criminosos como os seis milhões de judeus mortos por europeus.

É aqui que talvez valha a pena voltar ao início. O hindu Gandhi morreu a tentar explicar aos seus conterrâneos que os muçulmanos não eram um povo inferior. Foi assassinado por um hindu tão convencido da superioridade da sua civilização que achava que os muçulmanos não tinham sequer direito às reparações que a União Indiana aceitara conceder-lhes por iniciativa, precisamente, de Gandhi. O resto foi o que se viu. Foi também quando os alemães se encontravam mais enamorados da superioridade da sua civilização que os crimes do holocausto começaram a nascer. Quem combateu estes crimes não precisou de o fazer em nome da superioridade de outra civilização mas somente da repugnância de que tais ideias pudessem vir a vencer. No fim da guerra, os aliados tiveram o cuidado de não exigir rituais de humilhação da “civilização germânica”, como haviam feito em 1918 contra os que chamavam de “hunos” e “bárbaros teutónicos”, com maus resultados. Desnazificaram onde tiveram de desnazificar, e deixaram a “civilização germânica” em paz. Aliás despreocupados dessas desforras, os Europeus ocidentais construiram décadas de paz e bem-estar. Assim foi, mas agora milhões de muçulmanos estão convencidos da superioridade da “sua” civilização, e no Ocidente há quem acredite que a mera insistência na superioridade da “nossa” civilização resolve magicamente alguma coisa.

Contudo, pregar a superioridade da nossa civilização é coisa fácil: estamos rodeados dos nossos, enchemo-los de orgulho e somos pagos com adulação. Rende bons dividendos na farsa do politicamente incorrecto. De ambos os lados, não falta quem abuse desta manha. O resto fica por fazer.

[Rui Tavares]

E agora?

Uma organização judaica holandesa apresentou queixa contra a Liga Árabe Europeia, por esta, em resposta aos cartoons sobre Maomé, ter publicado cartoons antisemitas que faziam paródias com o Holocausto. Não publiquei os primeiros, ainda menos publicaria estes. Mas não deixo de ficar à espera que os jornais portugueses de referência e os blogues as mostrem. E espero que todos se indignem com mais esta inaceitável tentativa de limitação à liberdade de expressão tentada por “fanáticos” judeus. Agora que todos os fantasmas se soltaram, façam todos muito bom proveito. Um dia ainda falaremos sobre a absoluta irresponsabilidade de toda esta história. Mas isso será um dia. Quando todos se acabarem de divertir a chafurdar na porcaria.

Os cristãos novos da blasfémia

São só dois exemplos numa procura rápida. Há dois anos escrevi um post a gozar com a Páscoa e a crucificação de Cristo. Caiu o Carmo e a Trindade. Vale mesmo a pena lerem alguns dos comentários para terem algum contacto com a sempre tão aplaudia tolerância ocidental. Poucas semanas antes, o Barnabé tinha feito o mesmo com uma tragédia numa peregrinação a Meca (sem que isso provocasse nenhum alarido). Achei graça ir ler os comentários ao Kit Páscoa. Na assinatura dos comentadores às vezes vem um link para o seu blogue, se o têm. Cliquei em dois críticos ao mais do que duvidoso gosto do meu post. Um, AAA (André Azevedo Alves), do Insurgente, dizia: “Um desagradável mas elucidativo exercício de mau gosto”. Outro, um tal de Carlos, do Galo Verde, concordava: «Mau gosto. Adepto dum estado laico, mesmo assim me admira muito que os partidos de esquerda tentem sempre minimizar, gozar, banalizar, ideias caras ao povo que querem representar.» O que diz agora o senhor AAA? Diz que o Deus dos muçulmanos é «um Deus que não ri nem quer ser objecto de riso» O seu blogue, aliás, tem estado na primeira linha da defesa da liberdade de expressão e da blasfémia. E senhor Carlos, do Galo Verde? «O Islão tenta impor-se com a sua cultura no ocidente (os véus na França) e até exige que a liberdade de imprensa seja diminuída se estiverem em causa os seus valores.»

E estes são só dois exemplos, à pressa. O que não faltam por aí são cristãos novos nesta matéria. Sobre Cristo, a blasfémia é «mau gosto». Sobre Maomé, é «liberdade de expressão».

A liberdade da islamofobia

Como de costume, neste país treslê-se o que se ouve e escreve. Disse no “Expresso” e no “Eixo do Mal” que “dou” aos muçulmanos todo o direito de se indignarem (desde que pacíficamente) da mesma maneira que “dou” aos jornais europeus todo o direito a parodiar Maomé. Dito isto, fui acusado de defender a violência dos muçulmanos (apesar das vezes que repeti que esse protesto só é aceitável se for pacífico) e de defender a limitação da liberdade de expressão (apesar das vezes que repeti a defesa da publicação dos cartoons, de quaisquer cartoons).

O que não aceito é que, só porque alguém usa da sua liberdade de expressão, não possa ser criticado. O que não aceito é que os muçulmanos, se reagem, são fanáticos, mas se os judeus reagem e chamam a meio mundo de anti-semita logo se explique que têm boas razões para isso. O que não aceito é que Cristo e Moisés sejam intocáveis na Europa e Maomé motivo recorrente de galhofa. O que não aceito é que se alguém que não seja judeu mande uma piada sobre judeus seja imediatamente suspeito de simpatias nazis e quem maltrate os muçulmanos apenas esteja a usar da sua liberdade de expressão. O que não aceito é que uma manifestação de muçulmanos seja sempre uma manifestação de “fundamentalistas”, uma manifestação de cristãos seja uma manifestação de “conservadores” e uma manifestação de judeus seja uma manifestação de “judeus”. O que não aceito é que haja “judeus ortodoxos”, “cristãos conservadores” e “islâmicos” (por isso, sempre “ortodoxos” e “conservadores”).

Sou contra a criminalização da liberdade de expressão. Sou contra a criminalização de opiniões homofóbicas, racistas, fascistas, negacionistas do Holocausto. Sou contra a proibição de ofender símbolos nacionais e de os destruir. Sou por toda a liberdade de expressão. Mas toda. E lamento que tantos só se lembrem dela quando se trata dos muçulmanos. Que tantos só se lembrem dos direitos da mulher quando se fala de muçulmanos, só se lembrem da separação entre Estado e Igreja quando se fala de muçulmanos.

Sei apenas o tempo em que vivo. E sei que a islamofobia é um dos maiores perigos que a Europa vive. Defendo a liberdade de todos os islamofóbicos. Mas não estou do lado deles. Como defenderia, nos anos 20 e 30, toda a liberdade aos anti-semitas para falar. Mas estaria na primeira linha contra eles. Infelizmente, faltou então quem se lhes opusesse. Como falta agora quem defenda os muçulmanos do preconceito.

PS: Uma associação islâmica belga está a publicar cartoons anti-semitas e a brincar com o Holocausto. E agora? Com nojo, digo que têm liberdade para isso. Com nojo, nojo, nojo. Espero que me caiam em cima os mesmos que antes, pelo nojo que agora sinto.