“-Peguem num exemplo histórico: o que distingue o fascismo português dos seus congéneres europeus? A priori, quase tudo os aproxima: contexto temporal, natureza de classe, até características precisas da ideologia e do funcionamento do Estado e do partido – o enquadramento das massas, o culto da personalidade, a militarização da vida social – you just name them. Mas como sempre, um olhar mais chegado à realidade observada permite descobrir diferenças significativas, nomeadamente as que resultam dos atavismos próprios às distintas variantes nacionais da espécie humana e que são aquelas em que eu me quero concentrar agora, por serem as mais ricas de ensinamentos e que maior valor explicativo possuem. Sem pretender de algum modo recuperar a memória do nosso fascismo, que foi justa e inapelavelmente condenado pela história, parece-me todavia evidente a sua benignidade relativamente a outras manifestações mais virulentas do género na Europa: tomem-se por termo de comparação o nazismo alemão com a sua demência genocida ou mesmo o franquismo espanhol com a sua sanguinolência incontinente e facilmente se entenderá o que pretendo afirmar. Coloca-se então a questão de saber porquê: Seremos nós melhores que os outros? Não, do ponto de vista moral nós somos tão maus quanto, porque em bom rigor tão mau é quem mata um como quem mata um milhão: o pequeno ou médio criminoso terá menos eficiência e menor notoriedade, concedo, mas uma dose de culpa igual à do grande. A razão é diferente: o que faz a nossa força (e nos torna menos maus que os outros, so to say) são justamente as nossas fraquezas, e o que nos safa é a nossa profunda e afinal tão estimável falta de convicção – o famoso “desinteresse” que Vaillant aqui descobriu na década de trinta e com o qual compôs, vinte anos depois, o seu Don Cesare. O “desinteresse”, como é sabido, é uma doença do sistema volitivo central que afecta a vontade e a crença e se exprime pela apatia e pelo cepticismo; entre nós, até as forças da repressão ele atacou. Pensem nas SS e na GNR, por exemplo: pensem primeiro em efebos correndo nus pelas florestas onde Armínio desbaratou as legiões de Augusto, à cata de fantasmas wagnerianos e de alguma paneleirice, e depois pensem nos gordos da GNR. (De novo a questão: serão estes melhores que aqueles? Não; os gordos eram igualmente perversos e até igualmente ridículos, apenas mais sornas e preferindo eventualmente cabeleireiras a rapazinhos). Ora enquanto o führerprinzip era um credo para ser levado a sério, e os nazis acreditavam mesmo nas parvoíces obscuras e complicadas que o Hitler inventou, com uma credulidade que fazia sorrir os seus homólogos nacionais, estes esforçavam-se apenas por viver “normalmente”, e o seu salazarismo não era mais do que uma mera conveniência, um expediente sem princípios elevados, e em última instância uma farsa; pois como disse a este propósito um erudito inglês, while some believed in the weirdest misteries, others believed in nothing but a succulent meal and a satisfying coïtus. Percebem?”
Bom, este texto está ladeado de aspas. Falta saber quem é o autor, nesse caso…
Chamemos-lhe o Académico X.
Chamar-te “Académico X” quer dizer que ainda andas empatado na tese de doutoramento?
Muito bom. Agora o resto, António, donde vem o desinteresse? Recordo que o José Gil, desenvolvendo variantes da tese, se confessou incapaz do diagnóstico histórico e/ou antropológico, ficando pela sintomatologia.
Concordo com o diagnóstico, mas não com o corolário.
Para mim é infinitamente mais infame um fascismo de conveniência do que um de crença.
(Caramba, primo Valupi, espanta-me que tenhas deixado passar essa em claro… ;)
Primão, podendo ser infame (e claro que o é, sendo um qualquer tipo de opressão política, social e psicológica), é também menos letal, porque não é histérico. No fundo, é a recapitulação dos “brandos costumes”, a matriz do fascismo à portuguesa.
O curioso é, simultaneamente, o tabu que ainda persiste no meio académico e artístico quanto ao nosso século XX pré-Abril, e, a falência do escol intelectual para reconverter esse período em matéria teórica. Já agora, também o nosso período revolucionário é ainda uma “no man’s land” epistemológica — mas, aqui, com a muito relativa caução da proximidade cronológica.
Até hoje, só encontrei uma explicação para o “mal de vivre” lusitano que tem pernas para andar. Se a discussão lá chegar, abro essa porta.
noque-noque (quererá Valupi abrir a aludida porta?)
Claro que sim, colega. Basta que a discussão lá chegue. Neste momento, está no impasse da espera.
Estou absolutamente convencido que a gordura dos GNRs era por causa dos excelente enchidos e quem come bons enchidos tem que relativizar a vida. Cá para mim, esta explicação é tão boa como a do envenamento dos romanos pelo chumbo.
E se em vez de Salazar tívessemos tido alguns integralistas mais radicais, ou Rolão Preto, ou um qualquer líder desses movimentos? Teria a coisa sido mais violenta e marcial?
A Repressão só tem ser um pouco mais poderosa que a Resistência para ter sucesso. Talvez esteja aí a explicação para a “brandura” do fascismo português.
Salazar não promoveu fuzilamentos como os de Franco em Badajoz porque não precisou. Economia de meios, pura e simples.
Para quê agudizar a situação quando tudo está sob controlo?
hofowoksaui weaahqg