Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

Paris ainda está a arder?

Os motins em França podem bem ter sido coisa simples. Obra de miúdos divorciados da realidade por horas demais frente à Xbox. Quem sabe? Já há décadas foram armadas experiências nas quais alguns voluntários demoliam automóveis à marretada numa rua penumbrosa; não tardava até que inocentes transeuntes, atraídos pelo clamor da destruição e pela aparente impunidade, desatassem também a escaqueirar as pobres viaturas. A alcateia não precisa de fome nem de instinto; por vezes morde apenas porque sim. Quem sabe?
Ou talvez seja mesmo verdade que outro estudo, bem mais recente, tenha revelado que em 100 respostas a anúncios de emprego, 14 franceses com nomes árabes conseguem entrevistas, enquanto que citoyens de nomes puros, mas com as mesmíssimas qualificações, despertam o interesse de 75 empregadores.
Não vos parece rastilho suficiente para todos os ódios, para incêndios mil? Claro que não. A resposta não está no racismo encapotado, mas sim na inadmissível cobardia, no suicida laxismo de quem recebe e acarinha malta apenas interessada em drogas, Islão e subsídios de desemprego: o terrível “multiculturalismo” é que tem mesmo a culpa. O mal não está em recusarem-lhes emprego; está em não os obrigarem a uma integração perfeita — escondendo, se preciso for, apelidos exóticos e peles pouco francesas (seguindo a prudente receita de um emigrante português, entrevistado há dias pela SIC, que não permitiu que a filha meio argelina herdasse qualquer nome da sua mãe).
Olhem que há gente que acredita nisto. Talvez a mesma gente que aplaude como profeta um analista que ainda há um ano nos garantia que “à sombra do multiculturalismo, discute-se seriamente hoje em dia em França a possibilidade de ser introduzida no ordenamento jurídico nacional a lapidação para certos crimes, embora restrita à comunidade muçulmana”. A atmosfera em Urano aparenta ser algo intoxicante. Ou talvez seja apenas mais um caso de dedicação excessiva a jogos de computador, daqueles que nos deixam incapazes de distinguir ficção e realidade…

Volta a velha rotina dos Sábados…

Pego no “Expresso” e a namorada irrompe furibunda pela sala adentro:
— Mas já estás a ler o jornal? E o jantar, quem é que o faz?
Resposta honesta e apaziguadora:
— Não o estou a ler, amor meu. Estou só a espreitar as partes mais cómicas à procura de inspiração para um postzito. E sabes bem o jeito que o Espada e o Saraiva dão…

Eça agora…

O Jorge Palinhos, num dos derradeiros posts do BdE, aponta certeiro às meninges sempre febris da malta que gasta os seus dias a maldizer a “choldra” que é Portugal. Depois de inventariar as litanias preferidas das lusas carpideiras, conclui: “criticar sem ideias ou convicções ou acções, pelo simples fundamento de que Portugal não é a França e Lisboa não é Paris, não é colocar-se acima dos burgessos ou apresentar-se como uma elite aristocrática. É apenas ser um burgesso que cita Eça.”
É impossível não concordar. Mas resta um curioso e desconcertante paradoxo: o fulano que melhor cultivou uma certa postura hiper-crítica e luso-céptica — e que até citava Eça como ninguém — veio, apesar de tudo, a transformar-se num verdadeiro tesouro nacional. É hoje um farol que ilumina os caminhos brumosos do rarefeito orgulho pátrio que por aí ainda ande perdido.
Falo, claro está, do próprio Eça.

Um Discurso de Inauguração falhado


É fado repetido: quantos mais planos cuidadosos congemino, mais doloroso se revela o trambolhão no momento decisivo. Para hoje, tinha planeado dois ou três posts magistrais, daqueles em que a economia de recursos se une ao fulgor estilístico para deixar a malta leitora muda de assombro e prenhe de iluminação espiritual (não que alguma vez tenha conseguido produzir semelhantes teofanias, mas sonhar não custa…). Pois. A semana começou logo de forma aziaga: uma intoxicação atirou com metade do familiar agregado ao tapete. E, depois de febres, hospital e tormentos vários (que incluíram ficar fechado no meio da rua em roupão, depois de receber um estafeta que os chupistas aqui do escritório me enviaram com trabalho, sem qualquer consideração pela minha enfermidade), os pendentes laborais amontoaram-se de forma terminal. Concluindo: está aí o dia da Grande Inauguração e não tenho nada que se mostre. Népia.
Assim sendo, vou ter de adaptar alguns argumentos que enderecei ao Valupi para tentar aquietar as suas naturais apreensões. Ele por certo que me desculpará a inconfidência; e terá tempo para revelar o seu lado desta estranha conspiração…

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O Sumiço

Fico eu sem expressões que pelo menos suspirem por reproduzir no espírito do bondoso leitor o meu desgosto com este momento: o nosso BdE finou-se. De modo bruto e definitivo, no more posts, no more comments; em frente, somente o zero onde se reduzem em pó os frutos de gloriosos e longos meses. Infindos esforços, minutos em multitude: primeiro gloriosos, hoje só devolutos.
E fico eu mudo por virtude de dispositivo conhecido: o homem submerge-se em criteriosos desígnios e Deus, no fim, impõe o seu definitivo direito de dispor desses pobres sonhos de poder. O efeito? Micróbios teimosos, clientes infelizes, HTML rebelde… todos unidos no grupo de escolhos em pleno percurso do meu Norte predilecto.
Dos mil e um posts previstos e queridos, o que pode resistir? Elejo o custoso repto do nosso ZM: um momento de respeitoso preito pelo glorioso OuLiPo. Efemérides existem que impõem respeito e honesto suor de esforço.
Júbilo sim; o desespero é que é proibido. Deste termo, muito promete sobreviver: de novo nos veremos por esses novelos de blogues e outros sorvedouros do nosso tempo livre. Disso fico certo.

Em simultâneo com o hoje moribundo BdE, ficou aqui um minúsculo lipograma para comemorar o aniversário do OuLiPo de Perec e de muitos outros génios da palavra constrangida. Tem o seu quê de justiça poética que o meu primeiro post aqui seja o meu derradeiro na minha antiga casa, agora condenada à demolição…

Blog, sweet blog (dois títulos em Inglês por dia, dá saúde e alegria)

Já dizia o Almada Negreiros (fica sempre bem começar um texto com uma citação – ou mesmo com duas, como diria a Clara Pinto Correia), que as coincidências são as únicas coisas na vida que não acontecem por acaso. No preciso momento em que mudo virtualmente de blog, d’As Ruínas Circulares práqui, estou igualmente a mudar de casa, de Canidelo para o Campo Alegre, uma das zonas mais bonitas da mui nobre e distinta cidade do Porto.

Eu já calculava que a segunda mudança seria ligeiramente mais complicada do que a primeira (o Luís Rainha fez tudo, eu gosto muito do Luís Rainha), mas nem mesmo a severa educação católica que recebi dos meus pais e de um Bombeiro Voluntário de Coimbrões me preparou para lidar com essa classe profissional que se dá pelo nome de «agentes imobiliários» ou com as burocracias inerentes a sintagmas e siglas como (rufar de tambores):

1) «contrato promessa de compra e venda»;
2) «registos provisórios»;
3) «licença de habitabilidade»;
4) «IMT» e
5) «escritura».

Há cerca de duas semanas, e após eu a Manela termos despachado o «contrato promessa de compra e venda» com os (ainda) proprietários da casa, os «agentes imobiliários» (chamam-se assim porque estão sempre parados e nunca fazem a ponta de um corno) falaram-nos da necessidade de assinarmos uma declaração para que pudéssemos ter acesso a uma cópia da chave antes da «escritura», isto para salvaguardar os direitos de propriedade dos (ainda e generosos) proprietários. Marcou-se uma data para a assinatura do dito papel e lá fomos nós contentinhos da vida. Deixo-vos aqui um pequeno apontamento dramatúrgico do que aconteceu nesse dia, feito a partir daquilo que me foi relatado posteriormente pela Manela. Dedico-o aos (ainda, mas já falta pouco) proprietários da casa, o Jaime e a Susana (nomes fictícios), por serem a única coisa boa que nos apareceu ao longo de todo este inicático processo.

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Um dos meus problemas num blog

Das pessoas que conheço, só insulto, embora com ternura, os amigos. Tenho o grave problema de fazer cerimónia com os conhecidos. A minha timidez em justiçar quem mal conheço dá-me imensos problemas e retira-me, somando à preguiça, capacidade de escrever com regularidade. Percebam o meu drama: fiz dois artigos para a “Máxima” quando a Helena Matos era chefe de redacção e isso tem-me até agora coibido de escrever sobre o que acho dos seus textos. Embora, quanto mais a leio, tenha cada vez mais vontade de dizer-lhe que para ser de direita não é obrigatório deixar a inteligência no vestiário antes de escrever.
Mas adiante, acontece-me com algumas pessoas o que sucedeu com o prolífico Vilhena do “Cavaco” e da “Gaiola Aberta” . Há uns anos, a Paula Moura Pinheiro, a Conceição Lino e a Júlia Pinheiro tinham um programa de entrevistas na rádio, várias vezes tentaram entrevistar o supracitado Vilhena. Debalde. Na última vez, ele acedeu a explicar o motivo de tanto silêncio: “sabem, eu vivo de desenhar, nas minhas capas, as meninas da televisão nuas, mas se as conheço perco coragem. E as senhoras são tão bonitas e são três, ia perder muito dinheiro com isso”.