Grbavica, um belo filme bósnio de Jasmila Zbanic, ganhou o Urso de Ouro da Berlinale, contra todos os prognósticos que atribuíam a vitória a The Road to Guantanamo, de Michael Winterbottom e Mat Whitecross.
Eram oito fora o gato, para não falar da criada
BLOCO# 10
Um passeio ao acaso
Por estranho que pareça, só agora dei com o novo blogue de Vitorino “formiga” Ramos. Claro que tratei de acrescentar o Random Walks and Thoughts ali à coluna do lado. Recomenda-se vivamente uma visita delongada. Nem que seja só para descobrir histórias fascinantes como a do escândalo das escutas telefónicas na Grécia
Americas most wanted list *
A cidade que deixei 3
Ele há os fala-baratos e ele há os fala-caros
O senhor chefe das finanças da minha repartição teve a amabilidade de me dirigir uma missiva de inegável qualidade literária que podia ser poste em blogue de altíssima categoria. A certo ponto pode ler-se:
“Fica Notificado, nos termos do disposto no artigo 7º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela lei nº15/2001, de 5 de Junho, de que contra si foi instaurado o processo de contra-ordenação supra indicado, por violação às normas acima referidas, em face dos factos sumariamente descritos no quadro ao lado, puníveis entre o mínimo e o máximo assinalado no quadro anterior.”
Reparem pois neste suculento naco de prosa literária “contra si foi instaurado o processo de contra-ordenação supra indicado, por violação às normas acima referidas, em face dos factos sumariamente descritos no quadro ao lado”. Notável. Portantos o processo é supra, a violação é acima e os factos estão ao lado. Ou seja, não está naquele parágrafo nada que seja realmente importante. O resto do texto, garanto-vos, acompanha sempre esta notável capacidade de não dizer nada em muitas palavras.
Sem o auxílio de um dicionário português-finanças finanças-português, um marialva fica engasgado com tanto léxico pomposo. Calculo que o homem não se empenhe assim para qualquer um. A verdade, é que finda a leitura das letrinhas a ponto seis senti-me um bandido. Mas, caramba, um bandido muito importante. RMD
VIAGENS #3 – BÉLGICA 1
Carreirismo (Mário-Henrique Leiria roubado e alterado)
Após ter surripiado por três vezes a compota da despensa, seu pai admoestou-o.
Depois de ter roubado a caixa do senhor Esteves da mercearia da esquina, seu pai pô-lo na rua.
Mais tarde, alambazou-se com uns “trezes” na faculdade e foi colocado no Instituto de Defesa da Pátria, seu pai teve um enfarte.
Voltou passados vinte e dois anos, com chofer fardado.
Era Director Geral das Polícias. Seu pai morreu de susto.
O homem que não acreditava em superstições…
Erudição Marialva à hora de almoço
O problema dos contrários
E obviamente não o compraram aos franceses
Governo francês endurece discurso: O chefe da diplomacia francesa acusou esta quinta-feira, pela primeira vez, o Irão de ter um programa nuclear «militar clandestino». RMD
PS: A carteira de clientes de armas francesas é muito mais transparente que de outros países.
Henrique Raposo e as suas ideias requentadas
Quando faltam iguarias novas, é só ir ao congelador buscar uma velharia qualquer e apresentá-la de novo aos comensais. O que o Nuno ali em baixo chama “revelação” é apenas uma ressuscitação de um post já publicado pelo próprio Henrique Raposo. E já aqui analisado.
Agora, aí o temos de volta, a pregar a encíclica costumeira: o terrorismo é invenção de leninistas, o Islão radical idem, Che Guevara era um maluco apostado em disseminar “actos de terror dantescos”.
Para disfarçar o sabor rançoso do left-over, ele acrescenta mais dois dos seus “factos”, mais uma vez com a falta de rigor habitual: “facto um: o terror revolucionário é uma invenção moderna; foi introduzido em 1789 e, no século XX, foi a arma de leninistas e fascistas. Facto dois: antes dos anos 70, o terrorismo era sinónimo apenas de ideologias europeias e não do Islão. A cronologia é uma velhaca, não é?” É pois! O bom Henrique esqueceu-se, mui convenientemente, da campanha de terror levada a cabo pelos fundadores de Israel na década de 40 (seriam leninistas ou fascistas?). Fala de al-Banna (na realidade grande admirador dos fascistas italianos e aliado dos nazis), mas omite o facto de este ter fundado a sua Ikhwan al-Muslimun ainda em 1928, tendo o seu braço armado, o al-jihaz al-sirri, surgido pouco depois, com óbvia inspiração nos camicia nera de Mussolini. A cronologia voltou ao ataque e deu cabo dos “factos” do Henrique.
Ele ainda tem tempo e persistência para de novo recomendar um artigo já antes prescrito. A brilhante peça de prosa onde se prova que o iraniano Rafsanjani é herdeiro da Revolução francesa por… ter usado a palavra “terror” num discurso.
A fechar, vem a “conclusão”, não menos alienada: “tal como o leninista, o islamita é senhor de uma doutrina armada”. Não interessa que Lenine tenha escrito condenações do terrorismo. O que interessa mesmo é deixar, selado pelo infalível e científico “tal como”, a certeza que os terroristas muçulmanos são é filhos do comunismo. E, claro está, muitos deles nunca receberam treino e financiamento dos EUA, quando se chamavam “combatentes da liberdade”…
O furúnculo romeno
Puta de Inverno. No chuveiro, olho para os meus pés e vejo um furúnculo de todo o tamanho e dermatoses várias a alastrar, herança de imprudentes passos a pé descalço na alcatifa infecta de um hotel de cinco estrelas imaginárias que só brilhavam no skyline de Bucareste, uma business trip sem business nenhum para fazer, apenas o whisky da free-shop para despejar e eu ao frio com as mãos nos bolsos do sobretudo a olhar feito parvo para a fealdade da paisagem pós-socialista e a tentar atribuir-lhe um interesse qualquer que ela era obviamente insusceptível de ter, sem sentido aquilo tudo, o meu business de faz-de-conta, a inenarrável Bucareste e eu próprio ali plantado (agora estou a pagá-las). Fora do chuveiro, olho para os meus sapatos favoritos, uns mocassins pata larga que eu tinha comprado em Nova Iorque há um par de anos e que desde então tinham aguentado doses sucessivas de meias-solas sem um queixume, e agora quase choro de vê-los destruídos por uma chuvada súbita e desapiedada que se abateu sobre mim tinha eu ido buscar a miúda à escola, a chuva começou a caír e eu sem um carro onde me meter ou um chapéu-de-chuva sequer, enfiei-me com a miúda na paragem do autocarro e o autocarro sem vir, e a chuva a caír e a água a subir, até aos tornozelos, e os meus queridos mocassins pretos, que antes pareciam luvas e agora parecem sacos de batatas, a sofrerem uma morte atroz até finalmente o autocarro chegar, logo três de uma vez, no preciso momento em que a chuva amainou e a miúda me apontou feliz um arco-íris sobre as nossas cabeças. Nisto apanhei frio, e constipei-me, e dantes eu não apanhava frio assim, porque quando chovia eu parava, se tinha dentista desmarcava, se tinha encontro faltava (quem mandou esta miúda crescer?), e esperava sentado, com os braços cruzados, as pernas esticadas e os pés sem furúnculos nem sapatos, até que a chuva passasse e o sol voltasse, e o sol acabava sempre por voltar (mas agora parece haver sinais de que o sol deixou de obedecer).
Chegámos a Março: o fim de uma embalagem de oitenta filtros para café “Melita”, inaugurada no último solstício, anuncia-me a Primavera. Brilhantes, radiosos, dourados, opulentos, saturados de luz, sucedem-se agora os dias. No meu pé, entretanto regressado à pureza de linhas que o tornou célebre entre as mulheres, o temível furúnculo da estação passada não é agora mais do que uma coloração desvanecida e destinada a desaparecer, que alude a uma viagem também em vias de esquecimento aos confins transcarpáticos da Velha Europa. Na Roménia a sério de que os jornais falam, um governo novo faz miséria e acaba de vez com as minhas hipóteses de business. Tanto melhor, digo eu, que o dinheiro não paga tudo e não foi para isto que eu aceitei nascer. Agora ela faz anos e o meu pé vai dar um show de erotismo. Agora tudo parece possível outra vez.
Se a cabeça não consegue mais…
Contas do Embaixador do Irão
(Embaixador explica aritmética a um grupo de amigos)
«Em entrevista à rádio Antena 1, o embaixador do Irão em Lisboa, Mohammed Taheri, afirmou: “Para incinerar seis milhões de pessoas seriam precisos 15 anos, por isso há muito que explicar e contar” sobre o Holocausto.»
Faço minhas as palavras do Miguel Vale de Almeida: não é possível expulsar o gajo?
BLOCO# 9
Para rir sem parar
(Típico leitor do Acidental depois da sua dose diária de Raposo)
Leia a última revelação do Raposo: Lenine era filho do Khomeini, pela parte da avó.
Assassinos graças a Deus
Não consegui deixar de sorrir ao escutar o discurso moderado do líder dos ismaelitas, Aga Khan, em Évora. Não tenho nada contra o conteúdo, apenas relembro uma suave ironia motivada pela história: os ismaelitas têm muitas memórias, uma das quais a fundação da chamada seita dos assassinos, alegados percursores do terrorismo. Segundo um dos livros que em tempos li sobre o assunto, Marco Pólo – O espião de Veneza de Jean Larteguy, a intenção até podia ser das mais meritórias. No romance, do autor dos Pretorianos, os assassinos opunham-se à tirania e aos métodos de guerra e correlativos massacres. Para eles, era mais ético assassinar um responsável político do que invadir uma cidade e vitimar uma população com a guerra.
No entanto, não deixa de ser uma história com leituras para os tempos de hoje. Talvez seja por isso que o Público edita o Alamut, de Vladimir Bartol, romance sobre a seita e o seu fundador Hassan Ibn Saba, e considera que para o “leitor de hoje, será difícil não associar este líder do século XI ao saudita Bin Laden”.
O escritor Amin Maalouf também usa a vida de Hassan Ibn Saba. No seu romance Samarcanda, faz cruzar a sua vida com a do poeta e pensador livre Omar Kayyam, construindo um romance parábola sobre estes dois lados da cultura muçulmana: a tolerância e a violência.
Uma das obras de referência sobre o assunto é o livro do historiador Bernard Lewis, The Assassins. Apesar de datado de 1967 continua a ser uma leitura recomendável.
Apesar dos livros, o conceito de “terrorista” continua a não reunir consenso. Nem na ONU conseguem definir a palavra. Tudo isto está obviamente sujeito a flutuações históricas e políticas. Para os norte-americanos, Bin Laden era um combatente da liberdade quando, com apoio da CIA, combatia os soviéticos no Afeganistão. É sabido e reconhecido, nomeadamente, pelo General Israelita e antigo governador de Gaza, Yitzhak Segev, que o próprio Hamas mereceu o beneplácito das autoridades israelitas durante muitos anos: Israel auxiliava o Hamas que por sua vez minava a popularidade da OLP.
No filme a “Batalha de Argel”, que foi proibido em França e na Argélia durante muitos anos, mostra-se uma escalada de repressão e tortura das autoridades francesas que coexiste com uma série de atentados contra civis da guerrilha argelina. A certa altura, os militares franceses conseguem capturar um alto dirigente da FLN que exibem numa conferência de imprensa. Um jornalista francês, profundamente enojado com a proximidade, pergunta ao argelino: “não tem vergonha de enviar as mulheres com cestos com bombas para fazer atentados contra civis franceses”. O dirigente da guerrilha responde ironicamente: “os vossos aviões bombardeiam, todos os dias, as nossas aldeias; se vocês quiserem trocar os nossos cestos pelos vossos aviões, a gente faz a troca”.