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O poste que podia ter sido um romance

Ontem voltei à Severa. Muito turístico, é certo. Mas a Severa é a Severa.

Entre cantos e guitarradas apaixonei-me por uma senhora de nome Lina Santos. Voz e canastro de polícia sinaleiro no porto de Lisboa. Está bom de ver que a Lina não era nenhuma Adelaide da Facada, mas o amor aconteceu ao primeiro fado.

Sentindo que me fazia sôfrego, a matrona dedica-me a “Rosa enjeitada”. Agradeci com tinto de Portalegre em cima da mesa. É para que voz não lhe doa, mandei que lhe dissessem. O bálsamo surtiu efeito e a cantadeira voltou ao centro do boteco, já sem xaile e mais afoita que nunca.

O guitarreiro, bem atento, já me fitava. “Amor de Inverno” pediu ela. “O fado do ciúme” insistiu ele. Logo se adivinhava que por causa da Lina a sala ainda ouvia uma “cegada”. E que noite seria com marialvisse da antiga, forcados de homens e toureiros de cornudos. Fiquei aguado.

Mas nem ela era a Severa nem eu o Conde. Desilusão! Da promissora contenda saiu o frouxo “Fado da Mariquinhas”. Poucos copos mais tarde findava a noite que o espectáculo, esse, há muito que tinha acabado. Abalei de volta às ruas do bairro alto pensando na Lina, no guitarrista e no romance que podia ter sido. Que se lixe. Fica poste. RMD

Dói-lhe a liberdade

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Berlusconi foi entrevistado por uma jornalista. Uma das poucas que ainda sobrevive nas televisões italianas. Não por acaso, a antiga presidente da televisão pública trabalha no canal menos visto da RAI, que foi esquecido pelo Cavalieri. Lucia Annunziata fez o que fazem, por todo o mundo democrático, os jornalistas. Fez perguntas difíceis, insistiu nelas quando o primeiro-ministro não respondeu e não deixou os insultos sem resposta. Habituado a longos e delirantes monólogos com os seus empregados das televisões privadas e dos dois principais canais estatais, Berlusconi levantou-se ao fim de 17 minutos. A decência e a coragem incomoda os cobardes. Annunziata afirmou, com ele já de pé: «não está habituado a ser entrevistado por jornalistas». Não por acaso, Annunziata não contou, como seria normal, com o apoio do Presidente da RAI. De alguns que, de vez em vez, se lembram que a liberdade de imprensa é a base de qualquer democracia, espero há anos por uma palavrinha sobre Itália, que fica aqui mesmo, na Europa. Mas bem posso esperar sentado.

Comentário (muito) marginal no dia da morte de Milosevic

Do meu ponto de vista, a reflexão mais interessante que pode ser feita a propósito do processo de Milosevic é aquela que questiona essa criatura nova que é a justiça penal internacional, os seus pressupostos e as suas ambições. Por um lado, os mais idealistas dirão que o fim da impunidade dos Estados é um inegável progresso da civilização. Por outro, os mais cínicos recordarão que a justiça internacional será sempre uma justiça de vencedores. A despeito desta cacofonia, tão previsível como confirmada, o tema não pode ser abandonado, até porque está no centro de qualquer reflexão normativa sobre as relações internacionais: como diz Macintyre, prevenir uma prática de dois pesos e duas medidas é o problema maior que a ética tem por resolver. Dir-me-ão que isso nunca será possível, enquanto houver vencedor e vencido, friend and foe, uma classe e a sua oposta. Não importa; a justiça, é sabido, é (apenas) um horizonte. Pela minha parte, tenho que na Haia deviam ter estado também Tudjman e Izebegovic, ou que então se calhar era melhor que não tivesse havido Haia nenhuma. Longe de mim ter qualquer tipo de simpatia pela personagem (a causa do nacionalismo de base étnica é insusceptível de fazer vibrar qualquer corda sensível que haja em mim); mas quando oiço, por exemplo, a Euronews – esse espantoso exemplo de correcção política – a fazer o obituário de Milosevic, não me posso impedir de pensar que a história não pode ser assim tão simples, que a história está ainda por fazer.

Gente de segunda (versão revista)

Nunca votei no Bloco de Esquerda. Também é verdade que, por razões de documentação (ou deverei dizer de tragédia pessoal), nunca votei em nenhum partido português. Mas sempre arregimentei gente que votasse por mim – e por eles. Algumas vezes no BE, até em Francisco Louçã.

Hoje sei que nunca votarei, nem ninguém votará por mim, em Louçã. Isto, se for verdade o que leio no «DN»de hoje: ter-se ele recusado a cumprimentar o novo Presidente da República. E não creio que o «DN» inventasse isso.

Eu não votei Cavaco Silva. Também ninguém votou nele por mim. O meu – o nosso – candidato foi outro. Mas acontece que Cavaco é desde ontem presidente do meu País.

Que um hoje paisano, como Soares, tenha deixado o Palácio sem ir ao beija-mão, eis o que, achando feio, não me ofende. Mas que representantes do povo não tenham aplaudido, nem mesmo no fim, nem mesmo sentados, nem mesmo visivelmente incomodados, um discurso presidencial, eis o que já acho degradante. Agora que o dirigente-mor de um partido que sempre respeitei, e mesmo admirei, tenha dado prova de tamanha falta de civismo, aí está o que me ofende. Profundamente.

Não só, como dirigente, provou falta de sentido democrático, como demonstou a posteriori a falta do ‘sentido de Estado’ que, como candidato, fazia crer possuir.

[Indevidamente informado pelo «DN» de hoje, incluí, em versão anterior deste post, uma referência a Jerónimo de Sousa. Lamento-o e peço desculpa].

Dois comentários

1 – António Pedro Vasconcelos disse na televisão que a Federação Portuguesa de Futebol não tinha nada que mudar o equipamento da selecção nacional e que deveria haver um sobressalto cívico (ele falou de um abaixo-assinado) contra essa prepotência federativa. Em princípio, eu acho que ele tem razão. Para além de me parecer que isto do futebol é demasiado importante para estar entregue apenas à gente do futebol (há uma importante dimensão de representação nacional em causa, para todos os efeitos o Cristiano Ronaldo é mais conhecido que o Prof. Cavaco Silva), choca-me como a APV o despotismo e a insensibilidade com que meia-dúzia de burocratas dispõem do património nacional. Isto em princípio; na prática, não acredito na viabilidade do proposto abaixo-assinado, não creio, para grande pena minha, que a maioria dos meus compatriotas partilhe os meus pontos de vista e julgo que, nisto dos símbolos nacionais, em boa medida “quem pode, pode” e “o que tem de ser tem muita força”. APV defende o retorno ao equipamento vermelho e verde, que é (para além da bandeira da 2ª circular: SLB-SCP) o das cores nacionais; mas se calhar não se lembra que a bandeira republicana também foi escolhida por uma comissão de “sábios”, que o recém-implantado regime recusou a hipótese de um referendo sobre a substituição da bandeira azul e branca e que, consequentemente, também foi por um diktat administrativo que o país passou a ser representado pela bandeira do Columbano. E eu cá estou para os equipamentos um pouco como para as bandeiras: desde que Portugal seja campeão, no limite até podem alinhar todos de pijama…

2 – Ainda a televisão: parece que na tomada de posse do novo Presidente, os deputados do PCP e do BE não aplaudiram o discurso de Cavaco Silva e Ricardo Costa, na SIC, disse que isso tinha sido de mau gosto. Parece-me completamente errado. O PCP e o BE são adversários políticos do novo Presidente, disseram coisas horríveis dele durante a campanha eleitoral e não consta que tenham mudado de ideias entretanto. O discurso de Cavaco tinha um conteúdo político com o qual eles não concordavam e, por isso, não aplaudiram. Não lhe faltaram ao respeito, simplesmente marcaram a sua distância. Cavaco Silva não é um Bragança, que paire acima da vida política: é um actor da política, a política é adversarial e os conflitos devem ser – no respeito da cortesia, evidentemente – assumidos. Ricardo Costa, das duas uma: ou é um produto tardio da escola portuguesa da política videirinha, do respeitinho provinciano e do temor reverencial (julgo que não) ou então confunde neste caso a substância e a forma, sacrifica a política ao protocolo e dissolve o conflito democrático no unanimismo patriótico: acho que devia reflectir melhor no que disse.

Motherfucker, moi?

guantanamo.jpg

Bem podem andar por aí os desordeiros do costume a berrar que o Human Rights Violations Report apresentado ontem pelo Departamento de Estado americano deixa de fora um prevaricador de peso: os próprios EUA. Mas não. Nada disso; hoje em dia, os bravos yankees até são capazes de alguma autocrítica. Se procurarem o capítulo dedicado a Cuba, verão logo que o relatório descreve com minúcia a forma como os direitos humanos são trucidados em Guantánamo on a daily basis:
• denial of fair trial, particularly to political prisoners
• severe limitations on freedom of speech and press
• beatings and abuse of detainees and prisoners, including human rights activists, carried out with impunity
• extremely harsh and life-threatening prison conditions
• interference with privacy, including pervasive monitoring of private communications
• denial of peaceful assembly and association
• restrictions on freedom of movement.

Na ficha do Afeganistão também não se deve dar com qualquer menção a Bagram… E por aí fora, de continente em continente. Assim vai o auto-proclamado farol da liberdade e da decência no mundo.

E também sou benfiquista porque o meu pai era sportinguista

No outro dia insistiram comigo: “porque raio assinas RMD quando o poste já tem o teu nome cá em baixo”. Expliquei: “porque quando para cá entrei, fazia-o por hábito. Mas logo um engraçado aproveitou o facto para gozar comigo. Decidi naquele momento que, enquanto cá estiver, acabo sempre com as iniciais. É uma espécie de desforra do engraçadinho. Se tivesse recuado estaria a dar graça à gracinha. Assim, farei tantos postes com as minhas inicias no fim que a gracinha deixará de ser graça para ser hábito.” RMD

Deixado na caixinha por um leitor

a mobilidade social já existia, mais dificil do que é hoje, mas existia.
a diferença entre classes é que era brutal.
a mobilidade social em nada veio acabar com a luta de classes.
o povo não é só o pobre, ou a plebe, ou a classe baixa, como preferirem.
o “subir na vida” nada muda, estão todos a tentar ser os gajos do “big cash”, ter alguem abaixo deles e se possivel não ter ninguem acima.

quem o ouvir falar pensa que não existe classe baixa em portugal ou que as diferenças que se tem acentuado não prejudica niguem.

não me leve a mal, mas essa visão só demonstra cegueira ou no minimo miopia ideologica e preconceito.

proletario é todo aquele despossado de capital, de meios de produção, são todos aqueles que trabalham por conta de outrem. como se diz nos states aqueles que trabalham para o “the man”.
a unica diferença é a qualificação dos proletarios de ontem e de hoje.
o resto são umas codeas que se dão e se dá o nome de classe media.

O Agitador

RMD

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