Esta tarde, pelas 18h30, o ciclo de debates É a Cultura, Estúpido! contará com a presença de Mário Soares. O ex-presidente falará sobre “O futuro dos partidos políticos e as novas formas de organização partidária”. A conversa será moderada por Anabela Mota Ribeiro, com Pedro Mexia e Daniel Oliveira no papel de “agentes provocadores”. Nuno Artur Silva e José Mário Silva dirão o que andam a ler, ver e ouvir.
Build a better home in the Phantom Zone
Há uns tempos que eu e o Jorge Mateus emigrámos ali para a coluna dos has-beens, dos obsoletos, dos “ex” do Aspirina B. Agora, apaziguando a comichão dos dedos do teclado, inaugurámos um outro estaminé, aqui mesmo ao lado: a Zona Fantasma. Ali iremos deixar as tralhas que andamos a produzir para o “Tal&Qual” e toneladas da costumeira fancaria.
Fazendo jus ao nome, a coisa ainda está ténue, desgrenhada e notoriamente carenciada dos iminentes arranjos gráficos. E, a bem da verdade, o ectoplasma Mateus ainda não deu um ar de sua graça. Mas é, para todos os efeitos, a nossa humilde casinha na blogosfera. Visitem-nos sempre que vos apetecer.
O MAL QUE DIVIDE AS ALDEIAS (2)
Por este andar, disse-me há dias um velhinho reformado, na mais feliz das hipóteses e sem dramatizar excessivamente a teatrada, as lutas por aumento de salários ou contra o desemprego, por melhores condições de trabalho, impostos mais baixos e outras bagatelas menores penduradas nas barracas da grande feira da reivindicação ainda serão daqui a mil anos a norma permitida e oficialmente encorajada pela assembleia dos justos, a isca e engodo que nos impedem de começar a considerar a verdade primeira dum planeta que cada vez mais nos parece ser, em todos os aspectos e sentidos, resultado do esforço dessintonizado duma mente colectiva influenciável, compulsòriamente afastada das áreas fundamentais do conhecimento, pescando apenas o que lhe ensinaram a pescar, para gáudio dos inescrupulosos detentores dos arcanos milenários.
E continuou, o velhote : já são horas de se tocar alguns sinos de rebate, já é tempo para os menos parvos ou iludidos começarem a interrogar-se sobre se não haverá infantilismo político a mais na ideia de se pensar que as anseios da Humanidade podem ser eternamente acalmados com mais um ou dois euros por hora de vez em quando para alegrar o olho ao papá e habilitar o menino a mais um ou dois gelados por altura dos banhos, ou com uma greve-geral de vinte em vinte anos. Concordei plenamente.
Mas, que fazer? Isso também eu gostaria de saber ao certo, eu e o velhote do lar de esperar pela morte. Todavia, sugestões merecedoras de alguma consideração não faltam por aí, a pingarem de bocas ou a bailarem em cabeças com boas intenções. Que tal, por exemplo, a proposta honesta dum tal Eurico da Labareda para se ultrapassar com urgência a mentalidade reivindicadora e materialística dos pobres e remediados, cujo resultado imediato, e esperado porque premeditado por quem a tolera e cultiva, é o de sancionar, justificar e assegurar aos ricos a enorme fatia que lhes cabe? Ou a ideia nada má de que seria aconselhável fugirmos para bem longe, e quanto mais cedo melhor, das gratuitas e bolorentas explicações oficiais para “o que somos?” e “donde viemos?” que nos vendem ou impõem com a ajuda de ciências a soldo de políticas que se estão, no fundo, marimbando para nós? Que tal aceitar que há, no desafio que se apresenta no futuro a toda a gente de carne e osso, vantagem em incluir a participação activa da Alma e do Espírito que fomos ensinados a desprezar, única forma de nos reposicionarmos harmoniosamente em relação ao cosmos, de nos limparmos das lamas de mentira, de revogarmos decretos inspirados em filosofias de atrito entre classes, de negarmos direitos de arbitragem às administrações centrais que nasceram da iniciativa de dúzia e meia de abutres políticos a quem ninguém encomendou o sermão?
Até que alguém nos ilumine sobre essas ou outras sugestões mais capazes ou menos chocantes para o pusilânime mas satisfeito troglodita, uma simples passagem da nossa mão pela crista do galo politico que nos acorda todos os dias às seis da manhã com ordens para continuarmos o trabalho da Repetição servirá, no mínimo, para nos lembrar que o segredo supremo do Mal – a Manutenção e Congelamento da História Que Nos Ensinaram– continua a não dar mostras de querer revelar-se ou abrir-se voluntàriamente, apesar de tanta testa franzida, de tanto reparo por parte dos curiosos e preocupados inquiridores. Vê-se que o Senhor Mal ainda sabe a força que tem, provavelmente soma controlada das energias de todos os seus aliados
Mas há um obstáculo de difícil transposição atravessado no caminho do Mal e dos seus vassalos. É que a História, se bem que com tendência a coincidir nalguns aspectos do seu desenrolar não confirmado e por confirmar, só se repete nos sonhos e nas imaginações optimistas dos que pretendem falsificá-la ou escrevê-la a seu bel-prazer. A essa gente escapa-lhes a importante necessidade de não se esquecer que tudo tem um prazo para se consumir, sob pena de se causar enjoo ou repulsa ao consumidor. As coisas ou são frescas para poderem enganar ou espirituais para poderem perdurar.. O uso prolongado dum método de convencimento expressamente criado para criar ignorância torna evidente o caracter perecível e degradante da política que o utiliza. Tais métodos, quando batidos e gastos, são passiveis de promoção a lixo, senão redundam em desastre. E os desfechos últimos de registo histórico, mesmo se isso fosse, que não é, considerado fundamental e importante para uma solução final com base no Amor e Compreensão, dependerão sobretudo das reacções avisadas ou naturais do duplo elemento Humano-Espiritual. E é por isso que já começa a notar-se que esta não é das melhores épocas para se fazerem prognósticos fáceis usando as réguas e compassos do sistema antigo – uma enorme dor de cabeça para a irredutível, enganosa e enganada filosofia do Poder, para os Planeadores Gerais e para as Elites a soldo do Mal.
Passeio bloguítico
Não é Luís Carmelo o único a interrogar os blogueiros sobre que os move e espevita. Também João Ferreira Dias o faz, no seu Contrastes, e vai lançado. Veja-se aí, por exemplo, e é um exemplo bom, a recente entrevista (a número 51) a Hélder Guégués, de que sou assíduo leitor.
*
A quem for, como eu, fã do ‘Gato’ Ricardo Araújo Pereira (conheço, e admiro-o, já há bem dez anos), aconselha-se o apontamento de 14 de Janeiro sito aqui. Estarão os quatro valentes, como aí, se afirma, a pôr tão alta a fasquia que o resto, mesmo próximo, passa a vida ganindo? Quem sabe…
A poesia, agora de comboio
Dois poetas holandeses, Hagar Peeters e (o bem mais conhecido) Simon Vinkenoog, leram ontem live poesia em comboios. Num comboio ao calhas, num comboio à sorte – e digamos que a sorte era real.
Que tal se hoje, por alturas de Pombal, lhe surgissem, nos fones, os graves de Manuel Alegre, ou por alturas de Vendas Novas, a carícia de Maria do Rosário Pedreira, viajando ali com você, claro?
Boa viagem.
Pelos olhos de Célia
Pelos olhos de Célia passa toda a profundidade e todo o silêncio dos caminhos do Sul, toda a solidão dos montes perdidos entre o vento e a luz, todo o longe das planícies secas neste Verão que parece não ter fim.
Emília, a dona da casa onde escuto e contemplo Célia, serve-nos um aromático café que se perfila na mesa ao lado de uma taça de arroz-doce e um prato com algumas batatas doces acabadas de assar no forno.
Pelos olhos de Célia passa uma paisagem povoada pela saudade: o arroz-doce lembra as alegres mondadeiras com lenço e chapéu que regressam a cantar do campo ao fim do dia e a batata doce lembra as jovens campaniças que passam a caminho de casa com o cesto dos mimos da horta fechando assim as portas da tarde.
O lugar onde Célia sorri e fala de mansinho tem o estuário do Tejo à esquerda e a Estrada de Pegões à direita. Entre a água e a terra, entre os pescadores e os camponeses, há neste lugar um intervalo onde apetece ficar. Como se o sal destas velhas salinas sugerisse o prolongamento deste encontro entre água e terra. Assim o encontro ficaria conservado numa espécie de arca onde o olhar de Célia – suas memórias e suas paisagens povoadas – não se iria perder na monotonia e no desgaste de todos os dias.
Pelos olhos de Célia passa uma música suave cruzando, de maneira harmónica, as cantigas das mondadeiras e as melodias da viola campaniça. É essa música, essa mistura da voz das raparigas e da viola campaniça, é essa música que eu continuo a ouvir em todos os cruzamentos da estrada no caminho de regresso às convenções, às conveniências e às obrigações do quotidiano.
José do Carmo Francisco
As mulheres e os maridos
O presidente do Conselho de Administração da União de Leiria terá provocado um conjunto de sonoras gargalhadas nos jornalistas presentes na apresentação do novo treinador do seu clube ao referir-se à ausência de público nos jogos disputados pela sua equipa em Leiria com a seguinte frase: «Só falam de Leiria. Mas Leiria é como todas as outras cidades. Apenas os três grandes têm sócios fidelizados. Antigamente não havia centros comerciais, cinemas… Além disso as mulheres agora mandam nos maridos.»
Para além do aspecto anedótico desta conversa é preciso ver algo mais. O que o presidente da União de Leiria lamenta é que o tempo em que os homens iam para o futebol ao domingo à tarde e as mulheres ficavam a passar a ferro, a costurar ou a arrumar roupa nas gavetas tenha acabado. Como sou natural de uma aldeia da Estremadura que pertence ao distrito de Leiria, conheço perfeitamente o assunto. As coisas e as relações entre as pessoas levaram uma grande volta nos últimos anos e hoje as mulheres pura e simplesmente deixaram de cozinhar aos domingos. Basta ir ao Vimeiro, ao Acipreste, ao Peso, à Mata de Porto Mouro ou à Portela para ver as enormes filas de espera que se formam às portas dos respectivos restaurantes.
E não são só as mulheres mais novas, também as mais velhas. Claro que as refeições acabam tarde e depois a sugestão é para um passeio à praia da Foz do Arelho ou a São Martinho do Porto. Bebem a bica e passeiam à beira-mar. Por isso o futebol fica para trás. E vai ficando cada vez mais porque as mulheres já não aceitam uma situação de subalternas. Mas parece que o presidente da União de Leiria ainda não percebeu que tudo à sua volta mudou nos últimos anos.
José do Carmo Francisco
Pois é
Pois é, há três anos que EDUARDO GUERRA CARNEIRO morreu. Hoje, como há três anos, o blogueiro Xatoo podia, num poemazinho meritório, chamar-lhe «o poeta / de que ninguém ouviu falar».
Pois é, as histórias da poesia portuguesa contemporânea citavam-no pouco. Ou nada. Ele não alinhava, o parvo. Era só um bom jornalista, só «um bom poeta», como Francisco José Viegas dele disse, lembrando aos desatentos que não são «bons» todos os poetas que desaparecem.
Aqui há mais a seu respeito. E vai um poema. Este, que é um espanto.
CLARA
Disse que se chamava Clara
e sentou-se na mesa, chamando
o criado para pedir um uísque irlandês.
Eles abriram mais espaços, cruzaram
as pernas, perguntaram se os charutos
a incomodavam. Clara disse: «Não!»
Pediu mesmo se lhe ofereciam um.
«Claro!», ofereceu o mais jovem,
emprestando-lhe a tesourinha
niquelada. Disseram banalidades,
Vieram mais bebidas. Clara traçava
o rumo da conversa, entre baforadas
azuladas. Quando ela saiu, descruzaram
as pernas e ficaram sem saber o que dizer.
Eduardo Guerra Carneiro
«O Rei do Cubango»
No mais recente número, o 14, de Ficções, revista de contos dirigida pela Luísa Costa Gomes, vem um conto, «O Rei do Cubango», do escritor galego Xosé Martínez Oca. É um texto fenomenal. De partir o coco. Escolham entre o elogio sublime e o térreo, mas servem um e outro.
Está escrito na ortografia ‘normativa’ do galego, e com o vocabulário corrente na Galiza. Mas com uma ajudinha (no final do conto há um glossário mínimo) lê-se muito bem e diverte-se uma pessoa com uma história verdadeiramente delirante.
Vai aqui um trechozinho. As coisas passam-se na esplanada do Café Vianna. Quem conhecer Braga sabe de que falo.
O local estaba repleto de xente baixo a protección dos toldos. Con aspecto de turistas uns, os menos. Outros deixando adiviñar na solemnidade da súa roupa o labrego [lavrador, camponês] acomodado que baixara da aldea ós seus asuntos e, despois de resoltos estes, cumpría co ritual da sobremesa, cheo da seriedade do petrucio [mandão] campesiño. Sen faltar tampouco os emigrantes en vacacións, coa súa inxenua necesidade de aparentar por riba dos costumes ancestrais de que foran arrincados, tantas veces en contra da propia vontade.
Dunhas noutras, entre a observación distraída dos clientes máis próximos, o ruído das súas conversas e a somnolencia da sobremesa, acabara por derivar nese estado de beatitude anfibia en que a pesar de ter os ollos abertos non se ve nada, non se oe [ouve] nada, non se pensa en nada. Somnolencia da que me quitou a irrupción no meu campo visual dun preto de proporcións descomunais, embutido nunha sahariana gris e uns pantalóns claros que parecían incapaces de coutar por moito tempo a avalancha de carne que teimaba por estoupar en cada costura do tecido.
– Desculpe o señor – dirixiuse a min con esa voz de cantante de blues, feita de lixa e melaza, que teñen os negros – pódome sentar un bocadiño?
Espetei os ollos nel cunha curiosidade indisimulada e inclinei a cabeza en sinal de asentimento.
Sobre Martínez Oca leia-se isto.
Um doce real para Eduardo Guerra Carneiro
A vida é breve, o amor é incerto, a alegria é escassa. São os pequenos gestos quotidianos que nos salvam do desespero. Faz agora um ano que «partiu» o poeta Eduardo Guerra Carneiro. Tinha um lugar cativo na pastelaria «Doce Real» ali entre o fim do Príncipe Real e o princípio da Rua D. Pedro V. Tinha, tal como eu, uma paixão pelos pastéis de nata ali fabricados.
Escrevi o poema abaixo e a proprietária resolveu colocar uma moldura com as palavras do poema na parede por cima da mesa do poeta transmontano. Aqui fica para todos vós este poema de circunstância – como, afinal, são todos os poemas.
Louvor do pastel de nata «Doce Real»
Como no pódio em lugar cimeiro
Acima do queque e do croissant
O pastel de nata é o primeiro
Da mais bela fornada da manhã
O forno cozeu pão de madrugada
Não esgotou o calor e a doçura
O pão mata uma fome já esperada
A nata adoça o sal da amargura
Quem chega e se dirige ao balcão
Zangado com notícias e jornais
Recebe prazer da boca ao coração
E fica com vontade de pedir mais
No ritual da manhã de cada dia
Tem lugar ao balcão e à mesa
O pastel de nata dá a energia
Para combater a nossa tristeza
José do Carmo Francisco
Ele e o Lord
A história começa assim:
tendo eu nascido numa pequena aldeia no centro de portugal, não imaginava que teria um dia a suprema honra de partilhar a minha namorada com um lorde inglês.
Não sei, leitora, leitor, se – tendo lido essa primeira frase – você é ainda capaz de parar. Prossiga, pois. O conto está em Nada Niente (também na lista aqui à direita), o blogue do contista (e muita coisa mais) João Camilo, que A Fenda edita.
INTRODUÇÃO AO MAL QUE DIVIDE AS ALDEIAS
Aqui há dias, deixei pendurada no meu post “Sim ou Não” uma pergunta à qual ninguém respondeu própriamente, como, de resto, tive o cuidado de prever. Houve reacções, sim, e resolvo destacar sem favoritismos a muito curiosa vinda dum fulano que insinuou, para quem o quiz ler, que já não deve haver Amor dentro de mim. Tocou-me fundo, do coração às gónadas, partes sensíveis e mal defendidas. Que o homem saiba que a sua opinião conta bastante, aqui e lá fora nas ruelas da Democracia ao Deus Dará, mas que difere, evidentemente, da que tenho e que passo a explicar defendendo-me com o argumento de que há Amor do grande e do pequeno dentro de toda a gente sem excepção no género humano desde Cromagnon, inclusive dentro do carrasco por vocação, moderno ou antigo. Um pouco de Amor aqui e ali, nada de farturas desperdiçadoras, dará sempre para encher vazios importantes, por vezes espaços usados por gotas de suor que emigram na única direcção permitida. Todavia, agravamentos em casos específicos que envolvem carrascos e outra gente má como eu podem surgir de vez em quando, sobretudo quando a estupidez que se mistura com o ar que respiramos aproveita as portas deixadas abertas pelas transpirações e nos invade os corpos como uma besta incontrolável, pondo fim a equilibrios que já são, por si sós e sem ajudas de mais nada ou de ninguém, nitidamente precários.
TT
What happened to… Rute Monteiro?
Leio com estupefacção as dúvidas do Zé Mário acerca do rapto da jornalista portuguesa Rute Monteiro no Líbano. Nelas insistia ele num «post» aqui abaixo.
Compreendo – e, até certo ponto, louvo – que o profissional no ZM se alvoroce com um ou outro pormenor menos rotundo num conjunto, ele mesmo, longe de nítido. Mas tenho de lembrar-lhe que essa sua – noutros assuntos, saudável – reticência apenas ajuda a criar pretextos para o silêncio dos nossos média acerca deste pequeno desastre português. Sem o querer, decididamente sem o procurar, o ZM veste a pele do provocador.
O facto é que, noutros países, a notícia já circulou, sem espalhafato, mas com naturalidade. No sábado passado, o vespertino holandês, Het Avond Nieuws («As Notícias da Noite»), publicado em Delft mas de expansão nacional, citava fontes árabes assim como o seu correspondente no Médio-Oriente, Oswald Poets.
A notícia confirmava o essencial do afirmado no blogue «Freelance» no dia anterior. E não é habitual jornais holandeses lerem, menos ainda reproduzirem, blogues portugueses… Em suma, tudo indica que o nosso compatriota blogueiro andou bem informado.
Aguardam-se desenvolvimentos. Uma onda de solidariedade nacional estaria – parece evidente – entre os mais desejáveis.
Cuba, Miami e Fidel
Diz Luis M. Jorge:
Eu, que nunca conheci cubanos de Cuba nem de Miami (mas sei o que pensam e o que dizem), não podia estar mais de acordo.
«Transumantes, nómadas»
Copia-se aqui a nossa resposta ao inquérito do Miniscente. Isto é, pode comentar-se também aqui.
O que lhe diz a palavra «blogosfera»?
Vejo a blogosfera como uma multidão informe, aloucada, saudavelmente contentinha de si, passeando descontraída pelos rebordos dum abismo que dá para o mundo físico. Ela é, assim, um universo paralelo, em que tudo é real, também. Reais são os seus prazeres, dores e desvarios, reais os seus sonhos, triunfos, frustrações. Só que a realidade é doutro tipo: impalpável, fugidia, insatisfeita. Os habitantes dela são, por sina assumida, transumantes, desenraizados, nómadas. Nesse sentido, esse habitáculo galáctico em que se entra teclando, e donde teclando se sai, pode revelar-se mais inóspito do que o suporíamos, e portanto, a prazo, rejeitável. Mas podem seguir-se-lhe universos menos habitáveis ainda. Só uma coisa parece certa: a intranquilidade veio para ficar.
Qual foi o acontecimento (nacional ou internacional) que mais intensamente seguiu através dos blogues?
Foi o observar da descoberta, alheia e própria, da inaudita versatilidade deste brinquedo, o «blogue», que consegue produzir coisas tão humanas como a admiração e o enamoramento, mas também a irritação, a suspeita e o enxovalho. Tudo público, claro.
Qual foi o maior impacto que os blogues tiveram na sua vida pessoal?
Criar-me mais um gastadoiro de tempo, onde ele já era tão escasso. Mas a queda compulsiva para intervir vinha já de longe. Ninguém foge ao fado.
Acredita que a blogosfera é uma forma de expressão editorialmente livre?
É, decerto. E o controle social, em que a blogosfera é exemplar, evitará que o mundo exterior, repressivo, ponha tão cedo as botifarras aqui dentro.
«Estou sempre a bordo de uma deriva»
Não sei se costumam ler o Luís Carmelo, bem conhecido do Miniscente (está na lista aqui à direita), mas actualmente também cronista no Expresso digital. Pois comecem por aqui. E fiquem atentos.
Bom. Agora, com o risco de se me achar oportunista, informo que, na série de entrevistas a blogueiros que desde há meses o Miniscente publica, aproxima-se a de um colaborador do Aspirina. Estamos mortinhos de curiosidade.
Fiama, essa ilustre desconhecida (1938-2007)
INFÂNCIA
Todas as árvores apaziguam
o espírito. Debaixo do pinheiro bravo
a sombra torna metafísica
a silhueta de tronco e copa.
Em volta da ameixoeira temporã
vespas ensinam aos meus ouvidos
louvores. As oliveiras não se movem
mas as formas da essência desenham-se
cada dia com o vento.
Na sombra os frémitos
acalentam o pensamento
até ao não pensar. Depois
até sentir a vacuidade
no halo de flores que o envolve.
Sob as oliveiras, por fim,
que não se movem contorcendo-se,
concebe o não conceber.
Três Rostos
Um Sim afirmativo
Tem gente de esquerda. Tem gente de direita. Tem boa escrita. Tem bom gosto. Tem boas ideias. Tem bons argumentos. Tem razão.
O misterioso rapto de Rute Monteiro
Eis a notícia do dia, que já anda a circular pela blogosfera com a rapidez do costume (mas por enquanto sem reflexos na comunicação social): segundo o blogue Freelance, alegadamente escrito por um jornalista chamado Olavo Aragão, uma repórter portuguesa foi raptada por uma milícia islâmica no Sul do Líbano, em Outubro de 2006.
Verdade? Mentira? Noutro lugar já expus as minhas dúvidas.
Ainda a «Justiça de Torres Novas»
Na minha qualidade de juiz social do Tribunal de Menores de Lisboa, já com catorze anos de experiência, não posso calar a minha revolta pela decisão tomada no Tribunal de Torres Novas. O pai adoptivo de uma criança foi condenado por sequestro da mesma quando afinal tem tomado conta dela desde os três meses de idade, quando a mãe biológica lha entregou devido à sua incapacidade para cuidar da menina com um mínimo de condições de conforto. Desempregada e abandonada pelo pai biológico da criança, a mãe brasileira tomou a melhor decisão em favor da vida futura da criança. Entregou-a de boa-fé a quem a recebeu de boa-fé e lhe tem dado todo o carinho ao longo de cinco anos. O superior interesse da criança é que deve sempre pautar todas as decisões do Tribunal, seja ele de Torres Novas ou de outra qualquer comarca. Condenar por sequestro o pai adoptivo que sempre tratou bem a criança desde os três meses de idade não é – seguramente – defender o superior interesse da criança. Se fosse julgado nos juízos onde trabalho, este caso nunca teria este desfecho. Eu nunca assinaria por baixo uma sentença que considera sequestro a recusa de um casal entregar uma criança que tem tratado como filha ao longo de cinco anos a um pai biológico que só agora se interessou pela filha e que não esteve nunca presente nem quando soube da gravidez nem quando a criança nasceu. Como além de juiz social também sou jornalista, ouvi dizer que é uma pessoa da família do pai biológico que está a puxar os cordelinhos. E a pagar a uma equipa de advogados para ganhar a criança como se fosse um troféu de caça. Justiça de Torres Novas: um caso em que o Direito, uma vez mais, é o maior inimigo da Justiça.