Vasco Pulido Valente no Público de ontem. Não é que faça muita questão em lê-lo, pois o vómito como forma de escrita e a sobranceria habituais não me atraem e as remissões para a Primeira República já cansam e nada adiantam. Mas o exercício de ontem tinha por título “Falar de mais” e, como vinha ilustrado por uma fotografia de Passos, fui ler.
A crónica tem duas colunas e um quarto e, possivelmente por disposições contratuais, não poderia ter apenas um quarto e uma coluna, o que se lamenta. Passando para já por cima dos cinco primeiros parágrafos, ou primeira coluna, mais de um terço do artigo, que são um processo bizarro e muito próprio de libertação de endorfina utilizando Sócrates, e aos quais já irei, vejo o colunista a apontar o dedo ao Governo pela, e passo a citar “interminável série de gaffes, contradições, desmentidos, asneiras, fatuidade e pura patetice, em que o governo corre o risco de se afundar”. A razão do título, portanto. Uma síntese óbvia e acertada. Toda a gente tem visto o desastre e, pior, muita gente atenta não está nada surpreendida. Não se percebe é por que razão VPV aparenta está-lo, tanto mais que desconfia ser Miguel Relvas, e cito outra vez “a superior inteligência que nos dirige”. Estaria VPV à espera de quê?
Quanto aos caminhos que o cronista escolhe para chegar ao que, em resumo, é um conselho amigo ao Governo, passo a explanar o introito. Para ele, a incontinência verbal do executivo tem na base uma vontade meritória de falar verdade (!!?), em contraste com o anterior Governo, mais concretamente o anterior primeiro-ministro (apelidado literalmente de “o abominável homem das neves do PS”), que, nas suas palavras “por convicção e natureza, tentava sempre esconder ao público o mais que podia da actividade do governo. Quando saiu, poucos portugueses percebiam o estado calamitoso em que deixou as coisas e até que ponto o futuro próximo, e o longínquo, estava comprometido. Ainda hoje os jornais servem dia a dia horrores de que nunca tínhamos suspeitado e a lista não parece perto do fim.”
O horror dos esqueletos, que nunca ninguém viu, portanto. A Madeira e o BPN que não existem, a crise europeia que foi uma invenção, a especulação que nunca existiu em torno dos juros, a arquitetura perfeita do euro, a transparência total que os PEC até nem exigiam e por aí fora em cantilena subentendida ao jeito do Correio da Manhã e dos Pedros Lombas e CAA deste país: o Sócrates levou-nos à bancarrota, em suma. E mais, para efeitos do artigo, Sócrates não dizia tudo, Sócrates não dizia nada, Sócrates escondia. É isto a honestidade: sem detalhe, sem dados, como convém. Daria trabalho especificar e, sobretudo, fá-lo-ia chegar à conclusão, se respirasse fundo e se descontraísse, de que o fel não tem justificação na personagem execrada.
Mas não valeria, de facto, a pena ligar à ladainha da primeira coluna, não fora a contradição em que o próprio se enreda mais adiante, ao dizer, em relação ao atual Governo, que “Nem o primeiro-ministro nem os ministros manifestamente decidiam em conjunto o momento e teor do que lhes convinha revelar aos portugueses. Pior do que isso: ninguém decidia por eles”. Um erro, imagine-se, segundo VPV. Pelos vistos, há que decidir alguma coisa em termos de comunicação. Esses pormenores. E vai mais longe: “Sucede que um bom governo exige invariavelmente uma grande reserva”. Ah, a sério? Ou ainda, um bom governo deve ter em conta “o teor e o momento do que revela” ao país. Afinal, VPV, em que ficamos?
E o divertido é que o cronista termina a crónica aconselhando o Governo a falar menos “para que os portugueses o levem muito a sério”. Como se o problema estivesse aí.