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Como é, portugueses?

Não vai haver eleições para já, mas a associação recreativa que nos governa e que gravita em torno de uma espécie de professor Pardal das Finanças, está a colocar-nos em sérios apuros. Gorado o seu único plano, é tempo de outros assumirem posições claras e alternativas quanto ao futuro do país, com vista a dele tomarem conta. Do que observo, há quatro em cima da mesa.

Primeira – Posição do Governo. Mantemo-nos no euro. Cumprem-se à risca os ditames da Troika, usando-se mesmo uma fórmula mais ousada para demonstrar empenho e saber. Crença de que, quanto mais depressa e profundamente empobrecermos, mais depressa deixaremos de ser pobres. Se a situação se aproximar de níveis sem regresso (horizonte atual), nenhuma alteração se reivindica, para não incomodar quem tão generosamente nos recompensará depois. Espera-se que a Alemanha ajude, pelos nossos lindos olhos. Se a situação piorar indefinidamente, espera-se que a Alemanha e a Troika ajudem indefinidamente. Não será assim. Não só a Alemanha não ajuda indefinidamente, porque sabe fazer contas e nunca viu beleza especial nos nossos olhos, aliás nem reparou que os temos, como há outros países em apuros, e são cada vez mais e maiores, ameaçando a própria existência da moeda única. Assim a Alemanha veja que já recuperou o suficiente dos empréstimos ao sul e … “aufwiedersehen”. Perspetivas: negras a curto, médio e longo prazos. Possível sentimento da população: pertencer a um clube de ricos para sermos os limpa-chaminés não se justifica. Acabaremos fora do euro ou seus escravos.

Segunda – Posição do atual PS. Mantemo-nos no euro. Cumpre-se em geral o acordado inicialmente com a Troika, procurando não matar totalmente a atividade económica (talvez agora já seja tarde). A situação não é famosa, as previsões também não; convicção de que só melhorará com uma renegociação das condições do acordo. Forte aposta numa mudança de rumo da liderança europeia, que, no entanto, demora a produzir efeitos concretos. Aqui a hipótese bifurca-se: ou a Troika aceita rever o acordo (os prazos, os montantes, algumas medidas, etc.) e faz-se nova tentativa – perspetivas: cinzentas, mas com boas abertas a médio prazo; ou a Troika e sobretudo a Alemanha não aceita renegociações (como parece estar a dizer à Grécia), mantém o rumo atual e impõe mais medidas de austeridade até não restar no retângulo homem e mulher sobre pedra, uns porque morreram, outros porque fugiram. Perspetivas: regresso à Idade Média.

Terceira – Posição, imagino, de parte do PS e eventualmente do Bloco. Declaramos a nossa vontade de nos mantermos no euro, mas ameaçamos sair, caso não nos sejam dadas melhores condições para cumprirmos os nossos compromissos. Aposta no receio e na impreparação da Alemanha para resistir ao efeito sistémico. Das duas, uma: ou essas condições são-nos dadas e repete-se o que já foi dito mais atrás, ou não nos são dadas e saímos do euro. Grande caos inicial, enorme fúria da Alemanha (confessemos que nos daria gozo), consequências para a Europa imprevisíveis (com dados da hora atual), mas… regresso à nossa moeda e à nossa independência, e recuperação da economia provavelmente assegurada (ao contrário do cenário “euro-acorrentados”). Não seríamos os únicos na Europa. Perspetivas: negras e agitadas no imediato, cinzentas logo a seguir, com um rosa a espreitar, apenas ensombrado pelo que entretanto se passar na restante Europa, da qual fazemos geograficamente parte (conflitos sérios não estão excluídos).

Quarta – Posição potencialmente existente, mas sem defensores claros. Comunicamos desde já que o euro não nos interessa nestas condições e saímos, assumindo o nosso destino, tendo de recorrer igualmente ao FMI, mas agora com moeda própria passível de desvalorização. Possibilidade de acordos de financiamento com BRICs e outros, que exigirão contrapartidas também. Abandono do clube Euro, no qual, para todos os efeitos, já ocupávamos uma posição totalmente irrelevante, subalterna e em afundamento.
Não arrisco dizer que é esta a posição do PCP. Do que conhecemos deste partido que não seja a função de agitação, sobretudo contra o PS, nenhuma posição é aceitável se não forem eles – o povo e os trabalhadores – a assumir o poder “contra o grande capital”, sendo que todas são aceitáveis desde que assumam o poder. A sigla BRIC para o PCP seria, no entanto, BRICCC, pois incluiria a Coreia do Norte e Cuba, países que, estranhamente, não são emergentes, mas submergentes.

As três últimas posições, para vingarem, exigiriam a proximidade de eleições, mas nada impede os partidos de assumirem a sua defesa mais cedo, e em função do evoluir da situação, por uma questão de clareza perante os eleitores. É claro que qualquer das três exige líderes fortes, convictos e convincentes, caso contrário o discurso do medo em que assenta a primeira posição levará a melhor. E, no entanto, os resultados do rumo seguido estão bem à vista de todos.

Tiro à demagogia

1. Madeira e continente. É muito comum ouvir-se, dos direitolas e não só, que Portugal não se pode queixar da postura da Alemanha em relação a nós e aos países do sul em geral, quando, em relação à Madeira, nós próprios nos comportamos agora de igual maneira e não compreenderíamos que assim não fosse. Para quem vende tal hipotética semelhança, pergunto: qual o papel do continente na definição das políticas da Madeira nos últimos 38 anos? Acaso o Governo da República lhes impôs, por exemplo, a destruição de culturas ou das pescas? Haveria reuniões regulares, por exemplo, conselhos insulo-metropolitanos, para decidir das ajudas, das prioridades ou, mais recentemente, das formas de combate à crise internacional? Uma mera miniatura de um PEC que fosse? Quais as contrapartidas para o continente dos fundos nacionais atribuídos? Em que medida se harmonizavam as práticas do arquipélago com as do continente, como acontecia entre este e a Europa? É ou não é a primeira vez que o continente está a ser responsabilizado pelas finanças da Madeira? A Madeira recebia ou não fundos europeus como região ultraperiférica? Qual a semelhança entre o escrutínio feito às contas da República e o feito às da Madeira, região jardinistamente autónoma? Quem, no continente, escondeu de Bruxelas faturas no valor de 8000 M€?

2. Europa. Schäuble, ministro das Finanças alemão, anda a dizer que deviam ser transferidas mais competências, ou seja, mais poder para Bruxelas. Eis o que diz: “Até agora, os Estados-membros da Europa tiveram quase sempre a última palavra. Isso não pode continuar”. Última palavra, só a deles, claro. Compreendemos porquê. Fartos de que lhes seja colocada nos ombros toda a responsabilidade pela resolução da crise do euro (chama-se a isso os ossos do ofício de quem decide de facto), os alemães, também para não serem acusados de serem os maus da fita e os donos da Europa, querem a aparência de que são outros a decidir e, sobretudo, que não é apenas o dinheiro deles que entra. Mas, admitindo que são sinceros e que até quereriam em Bruxelas um governo eleito por todos os europeus, alguém acredita que aceitariam cumprir ordens de Bruxelas se as considerassem contrárias aos seus interesses? Aliás, admitiriam sequer um presidente europeu que não fosse alemão ou sua marioneta? Transferir poderes para Bruxelas? Sim, mas no esquema do BCE, onde são eles que mandam.

3. Perdão da dívida. Moreira da Silva, vice-presidente e coordenador político do PSD, mostrando-se adepto de toda a austeridade e do máximo agravamento da dívida possíveis, afirmou: “Se amanhã a ‘troika’ perdoasse toda a dívida” a Portugal “nem assim os problemas estariam resolvidos”, porque o país tem “outros défices estruturais”. Na fase a que chegámos, quase concordo. Difícil consertar o país agora. Com a economia e o comércio quase totalmente destruídos, os jovens mais qualificados ausentes em melhores paragens, o poder de compra em mínimos históricos, investidores estrangeiros sem objeto do tipo não chinês em que investir e o crédito interno totalmente ameaçado, de facto, mais dívida menos dívida até pode ser considerado irrelevante. Mas não seria, se tivesse havido o cuidado de manter o país a funcionar, nem que tal implicasse divergências com os credores, lembrando-lhes, justamente, que, assim, nunca irão reaver o seu dinheiro. Mas vejamos as soluções propostas pela personagem, com um foco especial na sua distinta lata: “O desafio passa por reformas estruturais e investimento seletivos na área do conhecimento, da política industrial e da economia verde”. Pára tudo! Estamos perante um génio. Como é que Sócrates não se lembrou de tal coisa?

“Aquilo que aconteceu durante um período longo em Portugal deu origem a problemas estruturais, nós somos um dos países da União Europeia com maiores desigualdades sociais, com maior dependência energética, com menores competências ao nível da leitura, das ciências e matemática, o país com maior abandono escolar, com uma dependência alimentar elevada”, assinalou.
Chega. Com todos estes indicadores a agravarem-se graças às políticas que defendem e aplicam, anunciei tiros, mas este tipo de demagogia só mesmo à bomba.

E a que distância do par se poderá dançar?

No jornal Público de hoje, lê-se, e quase não se acredita, que, para cortar com a visão quadrada que os jovens têm da Igreja, criaram-se as “cristotecas”, para lhes proporcionarem um convívio cristão, sem bebidas alcoólicas. A ideia, como facilmente suspeitaríamos, surgiu no Brasil, terra da igreja Maná e de outras igualmente hipnóticas e verdadeiros nichos de mercado.

Continuando por esta extraordinária notícia adentro, lê-se que “a cristoteca desenrola-se num espaço que inclui uma pista de dança (a primeira experiência, em Portugal, é (where else) em Fátima), mas não esquece a oração e a evangelização e tem entrada gratuita”. Abre às 20h00 com uma missa.

Nas palavras de Vanessa Bueri, missionária brasileira da organização criadora, (atenção, picante) “durante a noite será feita «a evangelização corpo a corpo»”. Uau! Mas atenção, não é o que pensam. Consiste no seguinte: “Abordamos os jovens enquanto eles dançam e se divertem, para poder falar um pouco de Deus com eles”. (Hum, não será para controlar o contacto ou, digamos, pôr água na fervura?)

Mas Vanessa, decerto partilhando do espírito da maior parte dos jovens, é francamente noctívaga e, assim, para ela, o único senão da iniciativa é “o facto de o local ter de encerrar à meia-noite e meia, correndo-se o risco de os jovens irem divertir-se o resto da noite para as discotecas convencionais”. Sem problemas, Vanessa contra-ataca com esta: “é preciso proporcionar uma experiência de tal maneira intensa que os jovens não tenham vontade de ir para outros espaços de diversão”. (Oh la la!)

Diz ainda o jornal que “no seu sítio na internet, a Aliança de Misericórdia diz que ao criar o conceito de «cristoteca», a ideia é «sermos mais espertos que o mal”. E mais: “Ao não oferecer bebidas alcoólicas, nem drogas, muito menos a promiscuidade (lá está), e levantando a bandeira do namoro com seriedade e santidade (será “sexo antes do casamento, não”?), a organização acredita que está a atrair o jovem para aquilo que o seduz.” Só que, depois do isco lançado, o programa prevê um desvio dececionante da rota convencional (eventualmente promíscua para Vanessa) para (Oh…) “levá-lo a conhecer Jesus”. Bom, haja alguém que o conheça. Desejo a todos as maiores venturas e que ninguém ouse perverter este santo projeto.

Apontamentos de futebol

Não posso deixar de admirar quem domina bem bolas de futebol, sobretudo em corrida. Uma vez fiz uma experiência numa equipa mista de colegas e fiquei sem compreender como é possível. Felizmente que, para quem gosta de desporto como eu, existem outras modalidades, como a ginástica ou o ténis. Dito isto, vi o jogo de ontem e achei que os rapazes trocaram muito bem a bola, que os outros quase nem lhe tocaram e que as chamadas oportunidades de golo foram mais que muitas. Porém, todavia:

1. Seria muito conveniente que a seleção treinasse com balizas mais pequenas. Assim, quando chegassem ao terreno de jogo, era impossível não acertarem.

2. Seria também conveniente que alguém fizesse exercícios de preparação mental com os avançados, de modo a capacitarem-nos de que têm mais tempo do que pensam para chutar em frente da baliza.

3. A camisa do Paulo Bento não é bonita. Tem à frente duas costuras em V. Porquê?

Quem quer resgates?

Com mais países à beira da bancarrota, o que significam os resgates anunciados para a Espanha e a Itália no valor de 750 000 M€? Significam nada mais que a perpetuidade da austeridade mortífera a que já foram condenados Portugal, a Grécia e a Irlanda, agora alargada a países com maior peso económico. Significam o alastramento do quadro recessivo europeu. Significam o enquadramento dos problemas desses países no frio esquema do “credor-devedor”, como se não houvesse União Europeia nem moeda única e a CE fosse o FMI. A oficialização do cenário das duas Europas, a rica, a norte, e a pobre, a sul. O início de uma nova situação penosa e forçosamente transitória, até uma forma qualquer de explosão?, ou a subjugação permanente. Por fim, significa a prevalência da vontade da Alemanha e a defesa dos seus interesses imediatos (se o podem fazer, bom para eles).

Não havendo notícia de que as atribuições do BCE irão ser alteradas ou de que se mutualizará parte das dívidas soberanas, nem sequer de que haja qualquer admissão mínima pelas instituições alemãs e outras de que as principais causas das falências em dominó de vários países não residem (muito pelo contrário) no estrito nível nacional nem de que a privação de instrumentos clássicos de combate ao endividamento excessivo, como a desvalorização da moeda própria, cerceia a liberdade dos países em dificuldade para escolherem uma via esperançosa para a saída da crise – resta-nos aceitar a decadência?

Evidentemente que, com exceção de Passos e Gaspar, o oco impreparado e o experimentalista desvairado, ninguém é adepto dos resgates. Muito menos com o espartilho do euro. Mas parece que a Alemanha, bem na vida, aposta neles e só neles. E eles aí estão. A Europa encontra-se numa situação a todos os títulos estranha. Dir-se-ia que está toda a gente à espera de um milagre, uns de Santo Austero e outros de algum extraterrestre. Isto enquanto as dívidas, já de si grandes, aumentam com os juros cobrados pelos empréstimos e os especuladores especulam, aumentando-as ainda mais. E a população empobrece. E a economia estagna. Com as revoluções mortas, o que fazer? Mandar o euro às urtigas e vender-nos à China talvez não fosse mau. Quererão eles incluir na sua lista de compras metade do velho continente? Talvez quisessem. É que dirigentes como Rajoy, Monti ou Samaras também me parecem não ter qualquer incentivo próprio para pressionar a central de decisão alemã. Estamos num sufoco desesperante, sem saber bem a quem apontar o alvo.

“Moral hazard” e cobardia

Dizem os alemães que presidem à Europa mais os seus correligionários que a adoção de euro-obrigações encorajaria os países do sul a desrespeitarem a disciplina financeira, a não sanearem as contas públicas e a não fazerem as reformas que eles consideram indispensáveis, dado que teriam o dinheiro a juros muito mais baixos. (O que não pode ser. Imagine-se! Aqueles pés rapados com dinheiro mais barato? O que não fariam? Iriam logo gastar em droga, ou pior, em linhas de comboio, quando existem por lá tantos burros.)

Mas, e se os gregos votarem (votassem?) nos partidos pró-memorando, que não desejam contestar (muito) as imposições da Troika, não seria isso incentivar a Alemanha e amigos a não reverem o seu egoismo, egocentrismo e arrogância e a não se compenetrarem de que têm mesmo muito a perder com a desagregação da zona euro, mesmo até com a redução do número de países que nela se mantivessem? E deixar de ganhar ao não irritar os alemães?

Estou pela chantagem como resposta à chantagem. O programa austeritário em dose concentrada não nos interessa. Mata a economia, condena as pessoas à pobreza ou à emigração e não dá qualquer esperança aos que permanecem. Já que, do norte, nos dizem que é austeridade ou morte, e a austeridade é, de facto, a morte, e defendem sobretudo os seus interesses, vamos por aí. As populações dos países do sul estão a ser condenadas à miséria, enquanto, a norte, se continua a viver bem e o Estado social se mantém intacto, pese embora alguma austeridade, ligeiríssima quando comparada com a que nos impõem. Não foi para isto que se passou da CECA à CEE e depois à UE. Para regressar aos nacionalismos (agora não assumidos) e às desigualdades, mais vale sair do clube e manter a independência. Ou jogar com as armas que se têm.

Se a Espanha falir e o desmantelamento da zona euro acontecer, não pensem Gaspar e Passos que a Alemanha vai premiar o seu bom comportamento convidando Portugal a integrar a nova aliança monetária do norte. Seria para rir. E Seguro, já é mais que tempo de começar a pensar com o segundo neurónio. Se não for capaz, ou não o tiver, os militantes que ainda o não perceberam que acordem e tratem de escolher novo líder. Os líderes fazem a diferença. Os sociais-democratas suecos, por exemplo, depois de décadas no poder, passaram há 6 anos para a oposição, onde se têm mantido com baixíssima popularidade e perspetivas quase nulas de recuperação, assistindo tristonhos a duas vitórias do centro-direita e condenados a assistir à terceira em 2014. Até há uns meses, altura em que mudaram de líder. Um líder sindical e ex-metalúrgico, carismático e empático, aproveitou o facto de o desemprego estar nos 7,8% (para nós, que saudades) e de a direita se ter envolvido num escândalo de armas e ter privatizado, com resultados desastrosos, parte da assistência a idosos para, em pouco tempo, recuperar 10 pontos percentuais nas intenções de voto, reunindo agora 37%.
Não podemos defender os nossos interesses sob o jugo da Troika? Claro que podemos. Os alemães não têm interesse em voltar ao marco. Têm, por isso, todo o interesse em ouvir e respeitar os países do sul. Evidentemente, refiro-me aos conhecedores da história e aos orgulhosos que tiverem alguma coisa a dizer. Não aos capachos.

Não vale já a pena ao PS invocar os compromissos assinados. Foram obrigados a isso e não governariam bem com eles. Deixemo-nos de hipocrisias. Para aplicar tão tenebrosa agenda, mais vale que sejam outros. Que ainda por cima gostam dela. Mas é essencial que haja uma oposição séria, fundamentada e determinada, ancorada noutras formas de pensar existentes também noutros países. Tendo em conta o fanatismo ideológico gasparense, o tal sado-monetarismo, e a alteração de circunstâncias na Europa, não me parece difícil a um partido da oposição ganhar credibilidade. Estes tipos têm maioria absoluta, caramba! Podem bem fazer o que querem sem os socialistas. Já não há saco para ouvir os comentadores da direita a elogiar a postura de Seguro. Como se tal postura fizesse a mínima diferença no descalabro que se avizinha. Mais: se o descalabro não se verificar, ou por milagre ou porque a Alemanha, pressionada, inverteu o rumo, o que ganhou Seguro em não descolar de tal agenda, ainda por cima altamente extravasada?

Diário dos Euros

O Cristiano Ronaldo deixou a crista e põe agora brilhantina e um penteado à anos 30 e decidiu que só trabalha em um quarto do terreno, golos é que nada; os franceses branquearam literalmente a equipa, perderam peso (refiro-me mesmo a kg) e parece correrem mais; os irlandeses jogam com umas meias verdes às risquinhas, muito giras, mas vão-se embora com elas; os ingleses, tendencialmente excêntricos, vestiram o guarda-redes de pijama; os alemães jogam em formação e traçaram previamente a trajetória das bolas com régua e esquadro, sendo eficazes mas nem tanto, é só fazer-lhes uma cócegas (ao estilo das cigarras); os gregos não sabem que também se podem distribuir pela zona imediatamente antes da baliza adversária; os italianos ainda falham mais flagrantes do que nós e os ucranianos são o esplendor na relva (refiro-me também aos fatos).

Esta é a Europa despreocupada e bonita em vésperas de grande confusão no seu flanco sul. Sendo certo que ainda existirá Euro 2012 daqui a duas semanas, existirá ainda a eurozona?
Se a Grécia abandonar a área (o Euro já praticamente abandonou), os prejuízos financeiros já foram mais ou menos contabilizados: € 89 000 milhões para a Alemanha, 59 000 milhões para a França, 39 000 milhões para a Espanha (à beira da bancarrota, vem mesmo a calhar) e algo parecido para a Itália (também à beira do estrangulamento). E depois? Ninguém sabe. Provavelmente por causa disso, os gregos vão poder renegociar as condições. Mas o contrário também é possível. O que se segue, ninguém sabe.

Ao ouvirmos os políticos e economistas deste mundo, já ninguém tem pruridos em trocar as expressões “a Europa” ou “o Conselho Europeu” ou “as instâncias europeias”, até aqui muito politicamente corretamente utilizadas como introdução a uma crítica, por simplesmente “a Alemanha”. Já toda a gente percebeu que é lá que, mais uma vez, está o problema. A chancelerina alemã (numa altura destas, há inegáveis vantagens em não ser um homem, não há?) chama os espanhóis de irresponsáveis e brevemente presenteará os italianos com epítetos semelhantes (e esqueçamos o que já disse ou mandou dizer dos gregos).

Sabemos que Mario Gomez, Özil ou Lahm nenhuma responsabilidade têm na condução alemã da política europeia. Mas se os europeus do norte e os do sul não se entenderem definitivamente quanto à resolução desta crise das dívidas, perante a falta óbvia de meios para resgatar países grandes, e desatar tudo à batatada, alguém cá de baixo terá vontade de se voltar a divertir nos tempos vindouros com os de lá de cima? Só se for com uma bola de explosivos.

E se alguém um dia destes, em Itália, complicando-se a situação, se lembra de dar um tiro num alemão? Não é impossível.

Mais longe, no país de destino do Titanic, não estando os americanos nada divertidos com o que se passa na Europa, é provável que já estejam a pensar acionar o alerta de “prontidão”. Vai uma dinamizaçãozinha da economia, como em 1944?

Mas a economia belga vai bem

Problema que Portugal não tem:
Há coisa de duas semanas, houve um sarilho numa “comuna” de Bruxelas, chamada Molenbeek, onde a maior parte dos habitantes é de origem magrebina e/ou de religião muçulmana. Uma mulher que circulava vestida com um “niqab”, indumentária que cobre integralmente o corpo feminino, com exceção dos olhos, foi interpelada pela polícia e levada para a esquadra, onde aproveitou para fazer um escarcéu, chegando mesmo a agredir com violência as agentes da autoridade que com ela tentavam dialogar, expondo-lhe a lei. De imediato se juntaram à cena elementos da comunidade muçulmana local e, mais tarde, elementos de um movimento fundamentalista islâmico intitulado “Sharia4Belgium” (título mais do que sugestivo; há alucinados que querem impor a “Sharia” no ocidente), que acrescentaram verdadeira gravidade ao, chamemos-lhe assim, diferendo inicial. O líder do movimento foi preso, obviamente.
Escusado será dizer que o episódio suscitou uma série de debates políticos (e de acusações mútuas) em tudo o que é meio de comunicação social e parlamento (há vários) sobre a integração dos imigrantes, sobretudo na região belga de Bruxelas, onde os muçulmanos abundam e numa forma não dispersa.

Mas, ainda no rescaldo do debate, hoje um jornal nacional trazia um artigo do Secretário de Estado ecologista da região Bruxelas-capital a defender que as aulas de integração dos estrangeiros, a par das disciplinas de língua e civismo, deviam substituir as de religião pelas de filosofia (o senhor tem nome de origem grega). Só posso aprovar. Filosofia, claro. É um bom princípio. Uma passagem do que ele diz e link para o artigo integral: « Les cours de religion c’est un débat des années 50. Il est dépassé. Il faut maintenant faire partager des valeurs communes comme la laïcité de l’État, l’égalité homme/femme… ».

E, para confirmarmos, como se fosse preciso, que as sociedades podem regredir, aqui fica um vídeo com um discurso proferido por Nasser, Presidente do Egito, em 1953.


Nasser e o véu (1953)

E assim vamos, não sabemos para onde

Paul Krugman escreve hoje mais uma vez no New York Times contra a política europeia, desta feita a propósito do resgate dos bancos espanhóis. Não vou aqui traduzir o artigo, que pode ser lido na íntegra no NYT em linha, mas destaco mesmo assim alguns pontos.

1. Este resgate era de prever. Ele previu, toda a gente previu, nada se fez para evitá-lo, nada se fez muito antes para não se chegar a este ponto.
2. A preocupação com a solvência dos bancos obriga-os a vender ativos, que por isso mesmo desvalorizam, o que levanta ainda mais preocupações com a tal solvência. Um círculo vicioso. Em tempos normais, os governos injetam dinheiro; em tempos como estes, em que o Estado não tem dinheiro, intervém o Fundo Europeu, (e agora digo eu) emprestando dinheiro ao Estado, que empresta aos bancos, que, por sua vez compram dívida do Estado. Enfim, o descalabro, ou seja, um resgate pleno, não tarda.
3. À falta da Irlanda, que patina, a Letónia tornou-se agora o último grito em austeridade bem sucedida. [Lendo também sobre este tema na The Economist, ficamos a saber que