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Terceira balada para Luciana

Luciana quase menina
Tem o jeito de mulher
Lavando na sua rotina
Chávena, pires, colher

Envolvida numa espuma
As mãos na água quente
Não pensa coisa nenhuma
É trabalho transparente

Fica um balcão brilhante
Com brilho do seu asseio
O seu olhar tão distante
Lembra lugar donde veio

Nem repara que na mesa
Se veio sentar Cesário
Chegou aqui de surpresa
Ficou sentado ao contrário
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Vinte Linhas 208

Fala do gasolineiro da Sobreira a caminho dos Montes da Senhora

Fecho devagar as portas do escritório da bomba de gasolina à beira da estrada de Castelo Branco. São 23 horas e tenho todo o tempo do Mundo para me fardar. As contas foram fáceis de fazer: não tem havido trovoadas e o sistema não tem ido abaixo. À medida que me afasto da Sobreira e me aproximo dos Montes começo a ouvir o som de um conjunto que recria êxitos da música pimba. Não vejo mas sei que há meia dúzia de pares arrastando os pés no largo em frente. Alguns pares são de duas mulheres. Os homens estão mais perto da cerveja e dos petiscos. O palco onde vou actuar fica entre o silêncio da igreja e o ruído sem limites deste camião que vomita luzes e sons de discoteca. A minha música é outra. Não preciso de ser antropólogo para saber que o exercício do folclore tem algo de insólito e, em termos práticos, é uma batalha perdida. Visto a farda, subo ao palco e, como num poema ou numa oração, junto de novo o que o tempo separou. Sou de novo um resineiro, um ceifeiro, um azeitoneiro cansado e com os dedos gretados pelo frio. A resina hoje é feita por processos químicos. Já não há resineiros. Também já não há ceifeiros. As máquinas fazem hoje esse trabalho que alucinava os homens num calor de forno. E não havia água fresca que matasse essa sede antiga. Amanhã, quando manhã cedo abrir o posto de gasolina da Sobreira, já sem a farda, voltarei a ser o gasolineiro. Mas no olhar acumulo o sorriso do meu par, a pureza da música da tocata e a luz das tarefas antigas (ceifar, colher resina, apanhar azeitona) quando a vida era mais lenta e a única velocidade era a dos animais. Por isso chamam cavalos à unidade de força dos motores dos automóveis que chegam aqui mortos de sede.

Balada da Calçada do Combro

A Rua de todos os dias
Onde eu ia quatro vezes
E as noites mais sombrias
Demoravam como meses

Polícia à porta da Escola
A proteger as meninas
O amor era uma esmola
Pedida noutras esquinas

Poço dos Negros abaixo
Em cima era o Calhariz
Na memória que eu acho
Tudo é escuro e infeliz

Havia a guerra e o medo
Estava perto a inspecção
Um poema era segredo
Na Escola Veiga Beirão

Ao sábado até à uma
O trabalho continua
A bica de alta espuma
Espera por mim na rua

Manhã de segunda-feira
Vinte e oito na pendura
Uma vida verdadeira
Não se vive em ditadura
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Vinte Linhas 266

Perfil de mulher entre pedra e água

Todos o sabemos: de noite os rios não existem, são apenas água, puramente água, nada mais que água, no trânsito veloz das suas pedras laterais e do seu leito.
O sorriso da mulher, registado numa pequena máquina electrónica, abre-se aos mais ínfimos locais do seu próprio tempo, sua memória e seu trajecto, nessa tarde de luz que devagar morria.
Foi o tempo de uma pausa num passeio pela Beira Litoral, um olhar, um instante, um tempo suspenso que a fotografia testemunha.
Foi o tempo de um sorriso entre o usufruto da força da água e do conforto da pedra.
Todos o sabemos: não há vida sem água nem lar sem pedra. Nascemos na água e crescemos no diário calor da pedra na lareira.
Este sorriso que uma pequena máquina electrónica regista, ultrapassa a circunstância do lugar e do momento.
Então já não estamos na Beira Litoral mas num lugar onde tudo começa de novo, onde cada ponto de fumo na serra do Açor ou da Lousã, inaugura uma gramática de fraternidade que desagua numa casa sempre com mesa posta e numa porta que, mesmo de noite, não se fecha.
Assim como a palavra pronunciada pela primeira vez, solene e grave, começa a reordenar a realidade, também a mulher que sorri recomeça, no momento preciso do seu olhar, a ordenar a luz da vida, a recusa da solidão e a certeza de ser, entre pedra e água, o vagaroso pressentimento da felicidade.

Vinte Linhas 265

«Diário de Notícias» – será só incompetência?

No Diário de Notícias de hoje (1-6-2008) é publicada uma entrevista ao presidente do Sporting Clube de Portugal. Até aqui nada de especial. Especial é uma pequena «caixa» sobre o Dr. Borges Coutinho (presidente do Benfica) aqui relacionado com o presidente do Sporting por ter sido seu sogro. Não sabemos se por incompetência se por qualquer outra razão, a verdade é que o jornalista escreveu o seguinte: «Borges Coutinho conquistou seis títulos de campeão consecutivos de 70/71 a 76/77.»
A verdade é diferente. No ano desportivo de 1973/74 o Sporting Clube de Portugal foi Campeão e ganhou a Taça de Portugal. No campeonato obteve 49 pontos e marcou 96 golos; o Benfica ficou em segundo lugar com 47 ponto e marcou 68 golos. Não é por acaso que se referem os golos pois nesse ano desportivo o jogador Yazalde marcou só ele 46 golos em 29 jogos batendo a melhor marca portuguesa (Peyroteo) com 43 golos e a melhor europeia (Skoblar) com 44 golos. Por isso foi o vencedor da «Bota de Ouro» europeia desse ano.
Quanto à Taça de Portugal desse ano de 73/74 o Sporting venceu o Benfica por 2-1 na final disputada no Jamor.
Não se percebe como é que perante dados tão indiscutíveis alguém se lembrou de escrever aquilo. Ainda por cima numa entrevista como presidente dum outro clube e quando a pessoa do Dr. Borges Coutinho era referido na circunstância apenas como sogro do presidente «leonino» e nada mais do que isso. Saiu o tiro pela culatra a quem quis ser simpático: exagerou e quis reescrever a história. Já não vai a tempo.

Vinte Linhas 264

«Montaigne tinha, por vezes, muita graça»

Recebi em casa, no mesmo dia, um postal da Fundação Calouste Gulbenkian a anunciar o site da Revista Colóquio/Letras (www.coloquio.gulbenkian.pt) e a revista «O Bancário» desta quinzena. As duas formas de comunicação cruzaram-se num nome – Jacinto do Prado Coelho. Na verdade foi um convívio agradável (embora breve) que mantive com o simpático director da Revista Colóquio/Letras entre 1980 e 1984. Fui apresentado por Luís Amaro, o competente e dedicado secretário da Revista. As portas do seu gabinete estavam sempre abertas para os novos e lá publiquei alguns poemas. A revista «O Bancário» noticia a saída de um livro meu no Brasil e, ao referir a bibliografia, chama «Eduardo» ao autor (coordenador) do Grande Dicionário de Literatura Jacinto do Prado Coelho. São lapsos que acontecem como por exemplo numa leitura de poemas com Joaquim Pessoa e José Jorge Letria quando o nervoso apresentador disse «Temos connosco Fernando Pessoa e Joaquim Letria!» saindo esbaforido pelos fundos do palco. A história deliciosa que quero contar tem a ver com uma aluna visivelmente inapta para os estudos literários a quem o professor Jacinto do Prado Coelho pediu um texto sobre o seguinte tema: «Montaigne e a Graça». Na segunda-feira seguinte a mocinha trouxe uma redacção que começava com esta frase desenrascada e também inesquecível: «Montaigne tinha, por vezes, muita graça.» Claro que a redacção, toda ela neste tom, foi contemplada com um redondo «zero» porque o professor Jacinto gostava de brincar mas nas aulas não era para brincadeiras. Voltando ao princípio: não deixem de ver o site pois está muito bem organizado e podemos ler no ecran o que agora só aparece nos alfarrabistas.

Balada para Fernanda à chuva

Chuva no fim de Maio
Gavetas de naftalina
Olha o tempo de soslaio
O seu olhar de menina
Fato de banho adiado
Fim-de-semana na sala
Outra banda, outro lado
Chuva em fato de gala
Teu cabelo já sem pontas
Está à espera do calor
Nos desenhos e nas contas
Há um erro do previsor
De quem espera este mês
Numa luz já de Verão
Perante o mar português
Um calor doutra estação
Assim a chuva limita
O prazer duma viagem
Numa tarde infinita
Para além da paisagem
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Vinte Linhas 263

O campeão «Nani» e o seu professor

Logo que terminou a transmissão televisiva do jogo Manchester United – Chelsea, o primeiro telefonema que fiz foi para o professor João Couto. Se alguém tinha sido decisivo na carreira de Luís Carlos Cunha (nome civil de «Nani») na passagem do Real para o Sporting Clube de Portugal, essa pessoa foi o professor João Couto. Contra tudo e contra todos, seguro, indiferente a desconfianças e a burocracias, respondeu sempre com esperança e convicção. João Couto tinha a vantagem de ser treinador e professor de «Nani» ao mesmo tempo. Conheceu Luís Carlos Cunha como atleta e como aluno. Conheceu a família, conheceu o seu envolvimento social, o seu bairro, as suas origens. Por isso mesmo teve artes de convencer a estrutura do futebol juvenil do Sporting a ter tempo e paciência (dois valores difíceis de obter no futebol); por isso durante largos meses «Nani» treinava mas não jogava. Foram problemas na obtenção da nacionalidade, foram dificuldades em juntar as assinaturas certas das pessoas certas, foram demoras na burocracia do Ministério da Administração Interna. Nessa altura «Nani» foi aos EUA numa viagem organizada pela jornalista Nélida Gomes exactamente porque estava mais livre de compromissos desportivos obrigatórios. Se João Couto não tivesse investido e acreditado nas qualidades de «Nani» não teríamos esta alegria pura e imensa de o ver levantar a Taça da Liga dos Campeões da Europa depois de, minutos antes, ter resgatado o falhanço de Cristiano Ronaldo com um remate certeiro no pontapé da marca de grande penalidade que não podia falhar. E não falhou. Tal como, anos atrás, o seu treinador e professor João Couto, não falhou na aposta. Eu sei, eu vi, eu estava lá, eu não esqueço.

Vinte Linhas 262

«Último minuete de Lisboa» de Fernando Venâncio

Este livro (subtítulo Nove desencontros literários) é dedicado a Fernão de Magalhães Gonçalves (1943-1988) e ao «Manifesto por uma literatura legível». Mas a sua referência é «O aprendiz de feiticeiro» de Carlos de Oliveira. Nesse livro de 1971 o autor de «Uma abelha na chuva» viaja à volta da obra de Afonso Duarte, Abel Botelho, Fernando Pessoa, Raul Brandão, Camilo, Alves Redol, Abelaira, José Gomes Ferreira, Irene Lisboa, Cesário Verde, Caldwell e Tchekov. Polémico, sábio, informado, Carlos de Oliveira afirma: «Começar outra vez a poesia portuguesa como se ela acabasse de nascer? Desculpem a imagem camponesa mas a enxertia faz-se na árvore que já existe.» Fernando Venâncio inventa cavaqueiras: Jorge de Sena e José Saramago, Camilo Castelo Branco e Almeida Faria, Florbela Espanca e Mário de Carvalho, Castilho e David Mourão-Ferreira, Eça de Queirós e José Cardoso Pires. Sobre «Mau tempo no canal» de Vitorino Nemésio escreve que ele «não é um dos grandes romances portugueses do século» embora a sua linguagem seja «enxuta e sem redundâncias.» Depois afirma: «chega, aqui e além, a ser luminosa.» Outros autores relidos são Pinheiro Chagas, Machado de Assis, Abelaira, José Cutileiro, Nuno Bragança, José Saramago, Alexandre Pinheiro Torres. E surge ficção sobre o Barão (Branquinho da Fonseca), o Grande Prémio APE de 92, o magala (Luiz Pacheco), o livro escrito na Ericeira e perdido porque o jump foi roubado e ao autor não fez o print. Espaço de desencontro, a literatura é o lugar onde a maioria dos prosadores e poetas não anda satisfeita mas isso é positivo: «Não há, sinceramente, melhor espectáculo do que a dor dos que sabem contá-la».

Poema do centenário

Ainda reinavam os príncipes e os reis
Ainda sorriam as princesas e rainhas
Naquele ano de mil novecentos e seis
Tu Sporting sabias bem ao que vinhas

Vinhas do Campo Grande e de Belas
Para chegar à Europa e a todo o Mundo
Para dar ao Desporto as novas estrelas
Fazendo ouvir o teu grito tão profundo

Dum leão que saltou dos emblemas
Para correr nas pistas e nos relvados
A derrotar opositores e problemas
Que ficam vencidos e ultrapassados

Mesmo nos campeonatos pequeninos
Ouve-se na cabina uma suave melodia
É a música já eterna dos cinco violinos
Não morreu e nasce de novo a cada dia
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Vinte Linhas 260

Vidas de Sal – fotografias em Rio Maior

Álvaro Carvalheiro, Eduardo Mourato e Tiago Barata são os autores das 44 fotografias em exposição na Casa da Cultura «João Ferreira da Maia» em Rio Maior. A exposição pode ser vista até ao dia 31 de Maio no seguinte horário: aos sábados das 9 às 13h; de segunda a sexta-feira das 10 às 12,30h e das 14 às 18,30h. O edifício fica situado em pleno centro histórico de Rio Maior, perto da Igreja da Misericórdia. Poderia a exposição chamar-se «Cronologia da Paciência» pois nos vem mostrar 44 imagens das tarefas dos salineiros, os pacientes e obscuros administradores do trabalho do sol e do tempo sobre a água salgada. Há nestas fotos das salinas de Rio Maior, Tavira, Castro Marim e Figueira da Foz, o registo sensível do cansaço dos salineiros, o modo como as suas mãos sábias dividem os diversos tipos de sal, as casas e os armazéns com as suas tão especiais fechaduras com chaves de madeira, os seus rodos, baldes, pás e picotas. E também o insólito de um casal de noivos que quis celebrar o seu casamento numa paisagem de sal – quem sabe se à procura de uma inspiração de perenidade (que o sal sempre teve ao longo do tempo) contra as ameaças do terrível efémero que, também nas relações humanas, corrói o tempo que nos é dado viver. Esta belíssima exposição de Álvaro Carvalheiro, Eduardo Mourato e Tiago Barata vale a pena para quem não conhece as salinas (é uma descoberta) mas também para quem já conhece (é uma memória revisitada). Funciona, na sucessão das suas 44 imagens de rigor e de emoção, como um reencontro feliz para quem viveu perto de um tempo em que tudo na vida de todos os dias era mais simples e mais puro porque não era preciso pagar um preço nem pelos beijos nem pelas lágrimas.

Vinte Linhas 261

Crónica de Ouro do Futebol Português – A selecção

Percorrer as 224 páginas deste livro do Círculo de Leitores organizado por Joaquim Vieira com textos de António Tadeia, Bruno Prata, João Querido Manha e Joel Neto, percorrer as suas belíssimas fotografias, muitas delas raras e antigas, é um grande prazer mas também é um sofrimento. Ao lado da luz do ouro a sombra da tristeza está sempre presente. Sempre quer dizer desde 1921 quando nasceu «a equipa de todos nós». A selecção nacional de futebol corporiza o próprio país na sua propensão para o abismo entre «o oito e o oitenta». Em 1928 nos Jogos Olímpicos de Amesterdão os portugueses ganharam às melhores equipas (Chile e Jugoslávia) e perderam com a mais fraca: o Egipto. Os egípcios perderam nos dois jogos da fase final estrondosamente por 6-0 com a Argentina e por 11-3 com a Itália. Em 1966 no Campeonato do Mundo os portugueses ganharam brilhantemente às melhores equipas (Hungria, Bulgária, Brasil e Coreia do Norte) e perderam com a mais fraca: a Inglaterra que só foi campeã graças a uma artimanha de organização e aos favores dos árbitros da final, um suíço e um soviético. A artimanha organizativa consistiu em obrigar os portugueses que estavam instalados em Manchester (e que tinha sido os vencedores do seu grupo só com vitórias) a deslocarem-se para o barulho de Londres num hotel sem condições para uma equipa de futebol quando a Inglaterra tinha ficado em segundo lugar na sua série. Em 2004 no Campeonato da Europa os portugueses ganharam às melhores equipas (Rússia, Espanha, Inglaterra e Holanda) e perderam com a mais fraca: a Grécia, a equipa que apresentou o futebol mais pobre, mais defensivo e mais feio. A sombra da tristeza lado a lado com a luz do ouro.

Para um retrato de Paulinho

Quando nasceu foi-lhe negado todo o carinho
Foi a paixão pelo seu Sporting que o fez falar
Antes soltava pequenos sons mas devagarinho
Hoje ele sabe qual o seu espaço e o seu lugar

Conhece os cantos, balneários e corredores
Todos sabemos que o Paulinho é diferente
Passa sempre o Natal na casa dos jogadores
E é tratado como se fosse mais um parente

Quando nasceu foi-lhe negado todo o carinho
Depois encheu de jogadores a parede imensa
Hoje o grande exemplo de vida do Paulinho
Está nas páginas mais coloridas da imprensa

Da sua vida já percorrida em forte trajectória
Há mais um exemplo a retirar para todos nós
Toda a esperança legítima faz uma memória
Toda a força para lutar e vencer faz uma voz

A varanda de Pilatos

(o caso very-light 12 anos depois)

Vinha Rui Mendes em festa
Num bilhete que ele trazia
Uma gente que não presta
Deu-lhe a morte nesse dia
A varanda de Pilatos
É na Praça da Alegria
Visto isso mais os actos
Ninguém faz da noite dia
Ninguém faz a obrigação
Todos fogem dos sarilhos
Há que saber dar a mão
Às mãos frias dos filhos
Ninguém faz o seu dever
Ninguém segue o preceito
As lágrimas duma mulher
Não cabem dentro do peito
Por duas vezes negada
A razão de uma sentença
Eles fingem que não é nada
E dormem na indiferença
Continuar a lerA varanda de Pilatos

Academia

(poema – autógrafo para Domingos Matos)

Muitas vezes vou cedo chego primeiro
Com a fábrica de sonhos inda fechada
Ainda a relva tem a água do nevoeiro
Ainda a terra tem a frescura da geada

Chego cedo para ter tempo e perceber
A voz da terra que sobe com lentidão
Para respirar a sua postura de mulher
Em sementeiras de ternura e de paixão

Muitas vezes vou cedo chego primeiro
Aqui tudo tem mais peso, mais verdade
Nesta terra nascida dum gesto pioneiro
Secar pântanos para fazer uma herdade

Aqui se fazem as melhores sementeiras
De tudo o que é grande e é mais puro
A escola não tem muros ou fronteiras
Os alunos conjugam verbos no futuro

Fernando Ferreira

Desenhas devagar um quadro no relvado
Com toda a geometria que te fôr precisa
Para levar o som da tua voz a todo o lado
E a bola a entrar tão veloz na outra baliza

No corpo da equipa tu és um forte pulmão
Não tens anidrido mas sim oxigénio puro
Nos teus pés nasce um projecto de canção
Escrita na pauta para ser cantada no futuro

Chamar canção à festa não é nada exagerado
Nos abraços de cada golo nasce uma melodia
Que chega ao meu ouvido onde estou sentado
Que toca quem ouve o resultado na telefonia

Se esta equipa fôr um comboio de passageiros
Tu só podes ser o seu mais activo maquinista
Que não quer ver comboios lentos e ronceiros
Nesta planície onde os sonhos estão ali à vista

Paulo Teixeira

Nos juniores tu eras sempre o capitão
Depois na equipa B tinhas a braçadeira
Hoje sei que jogas futebol em Portimão
Porque leio A BOLA de segunda-feira

Corri o país para escrever no meu jornal
Fazia as crónicas e a notícia pequenina
Eras tu que me falavas sempre no final
Mas em nome de toda a equipa leonina

Foste o melhor em campo várias vezes
Tal como já tinhas sido vestido de leão
Em Santarém nos Sub-21 portugueses
Fazias toda a ala direita dessa selecção

Ainda hoje não percebo este mistério
Que te afastou para longe de Alvalade
Tu continuas a jogar e sempre a sério
A encher os teus domingos de verdade

Breve retrato de Mário André

Passa o dia a viajar como um cigano
Entre a Lezíria e a Estrada de Pegões
Respira o verde todos os dias do ano
Entre a casa e a Escola de Campeões

Chega a esquecer-se das suas lesões
No esforço de curar quem o procura
No relvado eles correm como leões
Na marquesa sofrem com amargura

Passa o dia a viajar como um cigano
De terra em terra a fazer tratamentos
Os olhos são Atlas do corpo humano
Percebe uma lesão em dois momentos

Tudo o que diz é genuíno e verdadeiro
Tudo o que faz tem o toque dum artista
A sua vida não se esgota no enfermeiro
A sua alma está para lá do massagista

Vinte Linhas 257

«Fia-te na Virgem e não corras, vais ver o tombo que levas…»

Esta tempestade num copo de água que por aqui passou no «aspirinab» a propósito dos «posts» sobre a dedicatória rasurada pelo Nobel 98 e o poema «Rosa Luz» leva-me a lembrar duas ou três coisas essenciais nesta matéria. É preciso olhar com distanciação para estas coisas e saber separar bem o percurso das margens. Alguns não perceberam nada e como não estão a par do assunto mas gostam de te opinião, tentaram ver na crítica ao gesto da rasura dos nomes do «Levantado do chão» uma guerra pessoal. Não preciso de dizer que a pessoa em causa não me interessa absolutamente nada. No poema «Rosa Luz» tentaram arranjar um problema sem perceber que eu nunca iria alterar um poema meu por causa da métrica ou das sílabas. Basta pensar que os professores universitários Clara Rocha, Silvina Rodrigues Lopes e António Cândido Franco não perderam nenhum tempo com isso quando discutiram a tese de mestrado sobre a minha obra. Falaram apenas de coisas substanciais e importantes que integram a tese de mestrado do escritor Ruy Ventura. Daniel de Sá apenas propôs uma nova redacção para uns versos, nada mais. Não é um drama. Eu naturalmente não a segui porque se a seguisse o poema já era outro. O azar foi ter havido entradas à margem das leis, como se diz no futebol. Mas ele já estava farto depois de incidentes anteriores. Aprendi com o Agostinho da Silva que as críticas ou os louvores são apenas opiniões; quem tem um caminho segue o seu caminho. A malta aqui no Bairro Alto diz de outra maneira: «Fia-te na Virgem e não corras, vais ver o tombo que levas…»