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Vinte Linhas 756

Exortação final aos animais (s/foto de Carlos Tomé)

Não estou mais disponível para vos responder, podem continuar deitados, a ruminar, abatidos pelo calor de Julho pois a Festa do Campo, como muita gente diz aqui no Bairro do Bom Retiro, é sempre em Julho. Não estou disponível para perder mais tempo convosco mas não deixo de recordar os carros lezirões, a bênção do gado, a procissão, a festa, o desfile dos campinos da Companhia das Lezírias, a ermida da Senhora de Alcamé ao fundo com gente no telhado a deitar foguetes. Vocês, os animais, também foram abençoados pelo padre de Vila Franca de Xira com água benta da caldeirinha, debaixo do pálio onde o incenso passou da naveta para as brasas do turíbulo de prata.

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José Luís Peixoto integra os 50 nomes que influenciaram hábitos de leitura em Portugal (Revista Ler)

José Luís Peixoto (n. 1974) começou por chamar a atenção de quem gosta de ler com um livro de 2000 – «Morreste-me». Mas já antes este texto tinha surgido no DN – Jovem. Sendo um comovente testemunho sobre a memória de seu pai (José João Serrano Peixoto) era também muito mais – a beleza dum artesanato de palavras que leva o leitor a ler o pai como se fosse o filho, o pai de novo pequenino e de novo a dormir o sono da infância.

Em «Cal» não há apenas tangentes de vida e morte, amor e ódio, vazio e esperança mas também versos que não esquecem como «o céu das hortas é maior que o Mundo». José Luís Peixoto escreve na cidade com a luz do campo, transporta o tempo interior de Galveias, os seus leitores sabem que ele será sempre o menino do primeiro ano da Telescola, essa pureza que permanece nunca será corrompida por nada nem por ninguém. O silêncio e o seu volume, o branco da cal e o seu peso, a terra lavrada e o seu cheiro, tudo se incorpora nas linhas do texto porque aqui a Geografia vale tanto como a História.

Em «Nenhum olhar» há o resgate de uma morte por suicídio na secura do Alentejo, tal como em «Cemitério de pianos» morre em Estocolmo o maratonista Francisco Lázaro nos Jogos Olímpicos de 1912. A grande literatura pode fazer esse milagre: misturar medo, culpa e arrependimento numa mesma memória confusa que salta do coração dos homens para as páginas dos livros. É essa fidelização que um vasto público novo criou para com a sua escrita.

Vinte Linhas 755

A Epopeia do Silêncio – ou todos os nomes por dizer

Uma das coisas mais estranhas no nosso quotidiano é a diária sucessão de mortes que nos entram pela casa dentro à conta da televisão. Quarenta mortos em Bagdad, trinta mortos no Paquistão, vinte mortos no Afeganistão, cinquenta mortos na Síria, dez mortos em Beirute, mais quinze mortos na Faixa de Gaza. Este primado do número sobre o nome lembra-me de imediato os textos de Celestino Gomes que me habituei a ler no jornal Diário Popular. Sobre o anonimato recordo uma crónica: «Heróis? Sim. Um milhar deles ou mais, mártires anónimos de quem só as velhas mães, as viúvas e os filhos ficaram rezando os nomes, estorcegados das vagas ou estilhaçados das granadas traiçoeiras, comidos dos caranguejos ou enrolados nos limos, de olhos abertos até ao dia-de-Juízo. Há um rol interminável, uma leva fantasmal de navios perdidos, engolidos no fundo da nossa recordação: o Afriana, o Catalina, o lugre Aveiro, o Douro, o Gaia, o lugre Minho, a barca Neptuno, o Pádua, o Santa Irene cobardemente massacrado na costa de Itália, o Fidelidade, o Maria da Glória, o Portugal. Alguns salvaram-se das agonias horríveis, abraçados à fé do Senhor Jesus dos Navegantes. Estão lá as ingénuas pinturas votivas, na parede do Seu altar, um século dessa triste história trágico-marítima de que o chãozinho de Ílhavo foi sempre a camarinha e o convés: «Ofersido ao snr. Jasus pelos tripulantes da Barca Violeta» ou então «Milagre que fez o sr. Jesus a este suplicante e seus companheiros que vendo-se cançados no extenso oceano pediram ao sr. Jesus que os levasse a terra de providência». Quem sabe agora quais eram esses heróis desconhecidos, salvando do mar irado apenas a lusíada da sua alma, que era só de Deus, ou marujos de Naus-Catrinetas que os anjos desatentos não tomaram nos braços e deixaram afogar?

António Lobo Antunes foi escolhido entre os 50 nomes que levam mais portugueses a ler

Com «Memória de Elefante» de 1979, António Lobo Antunes (n.1942) iniciou um percurso literário que veio conquistar (primeiro) e a consolidar (depois) muitos leitores fiéis, assíduos e apaixonados. Logo nos primeiros livros, este autor dá pouco relevo aos elementos habituais do romance (intriga, espaço, personagens) para «fazer avultar o tempo, que hesita entre a temporalidade humana e uma duração rítmica onde o silêncio é ainda intervalo, ou o dito da pausa, do escuro, do que se ignora» – como afirma Maria Alzira Seixo.

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Vinte Linhas 754

Aviso à EMEL – o Joel Neto já não mora no Bairro Alto

Os agentes da EMEL continuam a imobilizar e multar as viaturas de residentes no Bairro Alto com dispositivo EMEL mas estacionadas num espaço que a EMEL considera proibido. É a Travessa de S. Pedro onde existe a todo o seu comprimento um muro do Instituto de S. Pedro de Alcântara. Além de se tratar de um muro sem portas nem janelas, sabe-se que as freiras fazem a sua vida pela Rua Luísa Todi. Só por maldade, estupidez e má-fé a EMEL não considera este espaço do muro para servir de estacionamento. Aqui, onde já existem quatro lugares, poderiam ser atribuídos os oito lugares que nos roubaram com o estaleiro de obras na Travessa da Boa Hora. Quando eu era membro da Assembleia de Freguesia ouvi um pobre dizer, entre a basófia e a burrice, que estes oito lugares punham em causa a segurança do Bairro. A referência ao Joel Neto tem a ver com ele ter tido a coragem de, num artigo no Diário de Notícias, colocar o dedo na ferida e, depois de saberem que ele morava na Travessa de São Pedro, este arruamento passou a sofrer, por parte da EMEL, repetidas expedições punitivas. Como ainda não sabem que ele, cansado de viver aqui, cansado das multas, se foi embora para outro bairro da cidade, aqui estou eu a dar a novidade. E já agora um pedido: deixem-nos em paz, preocupem-se antes com quem, como ontem deixou entre as 22 horas e as 24 horas um automóvel a impedir a saída do Bairro Alto, bastaria uma ambulância querer passar para a Rua da Rosa e já não podia. Isso é que é importante como seria importante a EMEL juntar-se à Junta de Freguesia e à AMBA para discutir, rua a rua, travessa a travessa, todo o trânsito do Bairro Alto. Para emendarem a burla no documento da EMEL em Novembro de 2002: «Os moradores poderão estacionar livremente com o uso dos identificadores da EMEL».

Vinte Linhas 753

Smart Box – uma caixinha de surpresas geográficas

Gozei em excelente companhia na semana passada uma oferta feita no Natal de 2011 através de uma caixinha com o título simpático de Smart Box. Até aqui tudo bem. Foram quase 24 horas de encantamento num espaço cujo nome dá logo a entender do que se trata – Casal da Eira Branca. A eira serve de terraço panorâmico abrindo o nosso olhar para um vale onde passa uma ribeira e onde chegam os sons das tarefas da agricultura. O casal (lugar) chama-se Infantes e fica na freguesia de Salir de Matos (Caldas da Rainha). Além da eira, espaço de lazer onde outrora foi ponto de trabalho de malhar e joeirar, o conjunto dispõe de jardim, piscina, biblioteca, bar com Internet e sala de estar. Em suma – uma maravilha, um carregador de baterias humanas num espaço sossegado mas bem perto das praias da Foz do Arelho e São Martinho do Porto sem esquecer os diversos encantos da cidade de Caldas da Rainha.

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Lamentação da mondadeira de arroz

Ontem fui à criminosa

Não há nada que se esconda

Maioral de voz raivosa

Mandou-me para a monda.

Vou passar o dia inteiro

Com os pés na água fria

Chegam as febres primeiro

Logo se afasta a alegria.

No pátio que é nosso mundo

Nunca chega a Primavera

Há um silêncio profundo

Todos ficamos à espera.

Os filhos, noras e família

A mulher que vive ao lado

São para ele a mobília

Do querer descontrolado.

Onde ninguém tem vontade

Própria, nascida em raiz

Nem sonho de liberdade

Fora do que o maioral diz.

Na Senhora de Alcamé

Procissão, bênção do gado

Todo o mistério da fé

Continua indecifrado.

Teimosia milenar

Resiste num tempo lento

Aquilo que vou cantar

É levado pelo vento.

Vinte Linhas 752

João Cabral de Melo Neto – «a vida que levo sob o efeito permanente de aspirina»

O livro é organizado, apresentado e anotado por Flora Süssekind, editado pela Nova Fonteira e Casa de Rui Barbosa e chama-se «Correspondência de Cabral com Bandeira e Drummond». Aqui se juntam cartas, bilhetes, telegramas, poemas e cartões trocados entre João Cabral de Melo Neto (1920-1999) com Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Manuel Bandeira (1886-1968). Neles se descobre por exemplo como Mário Calábria foi responsável em 1952 pela denúncia de João Cabral de Melo Neto como comunista o que levaria o poeta a ser desligado do Itamarati, só conseguindo a reintegração dois anos depois. Tudo porque Cabral solicitou a Paulo Cotrim Rodrigues Pereira um artigo para a revista do Partido Trabalhista Inglês. O mesmo Cabral escreveu em 1951 a Manuel Bandeira «porque da Europa é que pude descobrir como o Brasil é pobre e miserável. Isto é: depois de ver o que é a miséria europeia acho que é preciso inventar outra palavra para a nossa, cem vezes mais forte.»

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Retrato de mulher no Bairro do Bom Retiro em 1961

Sempre de luto, não lhe sabia o nome

Que se esgotava em ser mãe de três

O António, o Manuel e a Marcolina.

A água do poço da casa era salobra

E servia apenas para as lavagens

A da sopa era da fonte de Santa Sofia.

A casa deles era pobre, húmida e fria

Mesmo rente à terra de semeadura

E muito abaixo do muro da nossa rua.

O mais velho era campino, lá longe

Vinha só de quinze em quinze dias

Para levar o avio numa saca preta.

António não usava o fato das festas

Mas sim o vulgar tecido de cotim

Tal como os militares e todos nós.

Manuel e Marcolina iam à Escola

Não tinham livros, alguém lhos deu

E calçavam sapatilhas das baratas.

Ainda hoje lhe recordo a silhueta

O cheiro da sopa de todos os dias

A máquina onde costurava lágrimas.

E não lhe recordo o nome que não sei

Nem a sua vida que trocou pela vida

Dos seus três filhos sempre asseados.

Vinte Linhas 751

Algumas opiniões sobre «Rio sem margem» de Zetho Cunha Gonçalves

Depois de ter sido publicado aqui no Blog Aspirina B o texto «Um livro por semana 272» surgiram alguns comentários alto de estúpidos mas quem anda à chuva molha-se e o Mundo é mesmo assim. Adiante. Pessoa amiga fez-me chegar às mãos um resumo de três opiniões abalizadas de três figuras das letras. Portugal, Brasil e Angola, todos importantes, todos valiosos, todos com percurso assinalado. Vale a pena dar um pouco de atenção.

E.M. de Melo e Castro (Covilhã, 1932), poeta e ensaísta, assinou 23 livros de poesia entre 1950 e 1990 além de 11 volumes de ensaio entre 1965 e 1993, além de ser co-autor da «Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa» com Maria Alberta Menéres. É dele a seguinte opinião: «Rio sem margem é uma maravilha !!! de que muito gostei e que vai ser muito útil sempre que tiver que falar ou escrever sobre a poesia de África em português.»

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O bordão dos tímidos ou Nausicaa outra

Para Fernando Assis Pacheco

Não havia clássicos no Curso Comercial
O «Ulisses» em banda desenhada – apenas
E pouco mais que ler quase parecia mal
Quando as semanas voavam pouco serenas

As Edites e as Ângelas dançavam longe
No baile de finalistas era num celeiro
Encostado às paredes eu fazia de monge
Chorando por um desgosto verdadeiro

Em corredores no metro as encontro hoje
A caminho do médico já com as crianças
São uma porta fechada e o passado foge
Para deixar no poema estas lembranças

E a voz cansada de quem jogou quase tudo
E perdeu tudo sem saber bem o resultado
Volta-se hoje para um exercício mudo
Ângulo fechado para dentro do passado

José do Carmo Francisco
(in «Leme de Luz», Edição SOL XXI 1993)

Balada do Cais das Colunas (O Tejo a seus pés de Carlos Botelho)

Cais das Colunas, janela
Do Tejo, do Mar da Palha
Registas um barco à vela
Que noite e dia trabalha

Bote, batel ou canoa
Bateira, falua, enviada
Traz o peixe de Lisboa
No preço de quase nada

Varino, muleta, fragata
Cangueiro, proa redonda
Catraio onde a serenata
Não tem voz que responda

E a palha que deu nome
Ao mapa deste estuário
Pode ser sinal de fome
Num lugar ao contrário

Da Chamusca, alagados
Os campos sem animais
Sobe a água nos valados
Há notícias nos jornais

Mistério, o Tejo amplia
Em homens e cacilheiros
E na faina do dia-a-dia
Os sonhos são verdadeiros

E povoam todo o luar
Da noite do que persiste
As horas de trabalhar
Não dão para ser triste

Inscrevem-se na paisagem
Nos barcos, mercadoria
Ligam uma, outra margem
Na mais teimosa alegria

Vinte Linhas 750

Duas exposições na Praça das Amoreiras – até 7 e 15 de Abril

Num espaço relativamente próximo, apenas com o arvoredo e a esplanada do jardim a separar os dois eventos, temos uma exposição de António Carmo na Mãe d´Água das Amoreiras até 7-4-2012 e uma colectiva (Amigos de Paris) na Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva até 15-4-2012. A primeira exposição funciona de 2ª feira a Sábado das 10 às 18 horas e a segunda de 2ª feira a Domingo também das 10 às 18 horas.

António Carmo (n.1949) em «Encontros Musicais» festeja o 25 aniversário do Museu da Água com uma série de retratos de compositores (Mozart, Bach, Liszt, Wagner, Stravinsky, entre outros) e nesses retratos quem fica em homenagem é a própria música – como arte universal.

Quanto aos «Amigos de Paris» que são 4 – Lourdes Castro, René Bertholo, José Esacda e Jorge Martins – todos foram amigos do casal Arpad Szenes – Vieira da Silva e beneficiaram da sua generosidade – o casal convidava-os com frequência para sua casa, oferecendo desenhos ou guaches que poderiam vender quando as necessidades materiais eram mais prementes. Lourdes Castro (n.1930), René Bertholo (1935-2005), Costa Pinheiro, Gonçalo Duarte, João Vieira, José Escada (1932-1980), Jan Voss e Christo fundaram a revista «KWY» da qual foram publicados doze números. Por seu lado Jorge Martins (n.1940) foi para Paris em 1961 não integrou o grupo «KWY» tendo, no entanto, colaborado na revista homónima.

São duas exposições absolutamente a não perder.

Vinte Linhas 749

Aconteceu no Oeste, aconteceu na Beira Baixa

Chego à estação de Abrantes duas horas depois de sair de Lisboa. Viagem agradável mas palavras tristes do factor da CP: «Querem acabar com isto!». Percebi que não é apenas a minha linha do Oeste que eles querem destruir; é também a linha da Beira Baixa. Ligo à minha filha mais velha dando os parabéns ao meu neto Tomás; nasceu em 2006 mas o dia foi domingo, hoje é sábado. A minha filha mais nova veio esperar-me com o namorado mas ainda não chegaram. O meu filho do meio ficou a preparar o churrasco. A luz de Julho no Rossio ao Sul do Tejo entra num forte contraste com a massa líquida do Rio.

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Sobre Lisboa Menina e Moça de Lisa

Quando Elza foi embora

De volta ao Algarve natal

Falámos mais de uma hora

Naquele átrio principal.

Como não tinha postais

Dos seus quadros antigos

Ofereceu quatro iguais

De pintores seus amigos.

Primitivos modernos

Faltava uma designação

Nos jornais e nos cadernos

NAIFS não estava à mão.

Desenho numa gaveta

Este quadro de Lisboa

Canteiros de uma praceta

Por cima a gaivota voa.

Entre pedras do Mosteiro

E as ameias do Castelo

Olhamos um cacilheiro

E um eléctrico amarelo.

Santa Engrácia, panteão

Autocarro para Belém

Cristo Rei em oração

Reza por nós também.

Que fazemos da cidade

Trajecto de teimosia

Nas praças a liberdade

Nas casas uma alegria.

E quando o dia se cala

Das cantigas e pregões

O artista fecha a mala

Amanhã há mais razões.

Vinte Linhas 748

No Verão desse tempo havia tempo para tudo (foto da velha igreja de S. Catarina)

Todos se lembram mas poucos recordam – esta adversativa do poeta Carlos Garcia de Castro vem mesmo a calhar para o início de uma memória. Algures no tempo entre 1961 e 1966, nas férias grandes da escola, havia tempo para tudo. Descansava-se na parte final de Junho, todo o Julho, todo o Agosto e todo o Setembro. É que as aulas só começavam a 6 porque 5 de Outubro era feriado nacional. As minhas idas à loja do senhor Ernesto e da menina Judite tinham deixado de ser para trocar ovos por arroz, açúcar e sabão e passaram a ser por causa do correio. Não havia ao tempo estação dos CTT e era ali pelas duas da tarde que a loja se enchia de gente para ouvir cantar em voz alta os nomes nos endereços dos envelopes. Com o arranque da guerra em África (não se podia dizer guerra) começaram a circular os aerogramas e aumentaram muito os objectos postais em circulação.

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Um livro por semana 281

«Portugal Luz e Sombra – O País depois de Orlando Ribeiro» de Duarte Belo

O geógrafo Orlando Ribeiro (1911-1997), autor do célebre estudo geográfico «Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico», comprou a sua Leica em 1937 e durante 48 anos viajou e fotografou um Portugal diferente daquele que o Poder (Salazar) julgava vislumbrar quando autorizou Keil do Amaral a fazer o levantamento da arquitectura portuguesa . O facto é que não há uma casa portuguesa, não existe a casa típica do Portugal.

Segundo Duarte Belo (n.1968) que revisitou 252 fotografias de Orlando Ribeiro, do Norte ao Sul de Portugal Continental, elas «são o relato de um olhar inebriado e fascinado por um país, por si calcorreado, nas suas dimensões mais desconcertantes e de uma extraordinária multiplicidade de formas civilizacionais».

De Alcácer do Sal e Alferrarede a Tourém e Vila Nova de Milfontes, há nestas 318 páginas sucessivos encontros de fotos a cores com as fotos a preto e branco mas Duarte Belo juntou às fotos em confronto as palavras originais de Orlando Ribeiro. Como no caso das Salinas da Fonte da Bica em Rio Maior: «As massas de sal-gema, ou mais provavelmente os leitos intercalados com outros de gesso, dão origem a uma exploração artesanal desde o século XII por meio de fontes e bombagens, no Verão, com uma curiosa paisagem de talhos de água saturada e brancos montículos ao ar livre».

(Editora: Temas e Debates/Círculo de Leitores, Capa: Duarte Belo, Apoio: INATEL e Turismo de Portugal)

Vinte Linhas 747

«O pedreiro cheira a cal / o carpinteiro a madeira…»

Nasci em Fevereiro de 1951, dois meses antes da Maria Judite, temos quase a mesma idade mas eu fui para o Montijo em 1957 com toda a família e só nos reencontrámos no ano lectivo de 1960/1961. Eu vinha já com a ideia de fazer o exame da terceira classe em Abril e, pouco depois, o exame da quarta classe em Julho de 1961. Ambos na Delegação Escolar das Caldas da Rainha. Tenho uma memória dos nossos números : julgo que éramos 8 alunos (3 rapazes e 5 raparigas) no exame da quarta classe porque o exame da terceira classe foi só para mim que andava um ano atrasado por causa de uma birra da Delegação Escolar do Montijo. Adiante.

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Um livro por semana 280

«Caderno de Milfontes» de Rui Almeida

Autor de «Lábio cortado» (Editora Livro do Dia -Prémio Manuel Alegre 2008 da Câmara de Águeda) Rui Almeida celebra 40 anos (n. 1972) e viaja até Milfontes a ler um livro da mesma idade («Sob Sobre Voz» de João Miguel Fernandes Jorge) escrito na Praia da Consolação para ver hoje o seu livro de poemas publicado por uma editora da Nazaré.

Dito de outra maneira – a Costa Atlântica é o lugar, o ponto de partida: «Daqui, noite clara, se avista / A pequena enseada, / Nem sempre a falésia / Ou o quase silêncio / Da ondulação. / Aqui o chão de onde se vê longe / É firme. / A cadência do mar /Amplia o golpe na sombra / Sobreleva o reflexo».

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Vinte Linhas 746

Em Santa Catarina, ao domingo à tarde, as mulheres não lavavam roupa no Rio da Pedra. Havia os jogos de futebol e a bola podia sujar as roupas ao sol a corar. Maria Judite assistia do lado de cima da loja (mercearia e fazendas) à confusão organizada do lado de baixo (taberna) onde os rapazes do Grupo Desportivo Catarinense se fardavam para o jogo. Às vezes era complicado arranjar os onze e por isso o desafio começava mais tarde. A táctica era desenhada numa folha de papel pardo em cima do balcão e as quatro camisolas mais complicadas de atribuir eram sempre as mesmas – 4, 6, 8 e 10. O chamado quadrado mágico.

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