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¿Cuba vencerá?

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Ao visitar Cuba, fiquei com o palpite que todo o regime ruiria à concretização de um de dois eventos: o fim do bloqueio americano ou a morte de Castro. A cada aproximação deste último evento, o pessoal de Miami começa a salivar, antecipando talvez uma segunda Baía dos Porcos: desta vez, um regresso em nome do mercado, dos direitos dos espoliados pela revolução castrista, do horrendo rum Bacardi.
Certo é que o sucessor de Fidel deverá, sob pena de arruinar o que de bom entretanto se ganhou por ali, introduzir firmes reformas democráticas e tratar de libertar todos os presos políticos ainda trancafiados. A alternativa poderá ser uma repetição brutal do acontecido na URSS: com a liberdade, veio a entrega da estrutura produtiva ao crime organizado, o crescimento das desigualdades, a insegurança, a fome. Em Cuba, pressente-se uma Guatemala em potência: democrática mas miserável, infestada de esquadrões da morte e outras pragas, incapaz de dar aos mais pobres uma existência minimamente digna. Basta comparar os seus índices de saúde pública com os de Cuba para ter uma noção do que os cubanos se arriscarão a perder, com uma transição selvagem. Pior ainda seria um retorno aos dias de Fulgêncio Batista, quando a ilha não passava de um entreposto e de uma colónia de férias da máfia americana; será este o Eldorado perdido dos exilados de Miami?

PS: Vem-me agora à memória uma conversa que tive em Cienfuegos com um escritor contestatário: ele garantia-me que vivia da “Fé”. Só depois de algumas gargalhadas é que me explicou que se tratava da “Familia en el Exterior”. Na realidade, só quem já se afastou das rotas turísticas cubanas e, por exemplo, comeu bons bifes pelo equivalente a 50 cêntimos é que tem uma boa ideia da tentação sem fim que representam os dólares do vizinho americano…

Entre Cila e Caríbdis, sofrem os do costume

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Pacheco Pereira, logo ecoado pela coorte habitual, vem explicar-nos que o uso da palavra “massacre”, a propósito do ataque a Qana, é propagandístico. Por estes dias, também ficámos a saber que mostrar cadáveres de crianças é crime, quiçá até pior do que causá-los.
A reboque, marcha um pelotão variado: dos irrelevantes crónicos aos mais articulados. Estes últimos explicam-nos que “ao contrário do Hezbollah, Israel não faz qualquer ataque deliberado a civis libaneses”. Deliberado. De propósito, portanto. Já tínhamos lido coisas do mesmo jaez a propósito da morte dos observadores da Unifil, apesar dos 10 contactos que estes tiveram com as forças armadas israelitas a queixar-se da proximidade do bombardeamento — para nada. É que Israel não procura a morte de civis; apenas faz pouco para as evitar. (Imagino que a sua grande e única preocupação seja mesmo nunca bombardear nada com cidadãos americanos nas redondezas. Se um dos capacetes azuis “massacrados” fosse yankee, presume-se que a presente ofensiva já teria sido interrompida.)
E este é o ponto-chave desta guerra. Não estamos a testemunhar um conflito civilização-barbárie. É certo que de um lado temos o Islão mais extremista, fonte de obscurantismo, promotor de infindas violações dos direitos humanos, princípio motor de alguns dos movimentos e governos mais pavorosos deste mundo. Mas do outro lado não encontramos a linda e angelical democracia que muitos lobrigam em Israel. Trata-se de um país muito mais próximo de Esparta do que de Atenas; um estado que já se rege por algumas leis abertamente racistas; uma nação convicta da sua superioridade e até da sua comunhão directa com o Altíssimo; eleitores que procuram escolher os governantes mais radicais e belicosos. Só um país paralisado pelo medo e aguilhoado pela arrogância é que poderia desculpar as últimas acções das suas Forças Armadas. Claro que chegará o dia em que o arrependimento será chorado pelas ruas de Tel Aviv; mas sempre tarde demais.
Hoje, para quem defende Israel a outrance, todos os argumentos são válidos. Só haverá “massacre” quando se provar que houve intenção de massacrar, não apenas negligência criminosa; a “proporcionalidade” é uma invenção de cúmplices da Al Qaeda (como se durante anos Israel não tivesse lidado com os lançadores de foguetes a contento, com operações de tropas de elite e bombardeamentos de precisão); o ataque a edifícios cheios de civis é desculpado pelo lançamento prévio de folhetos a exortar os seus habitantes a ir viver para a estrada, a caminho de um campo de refugiados que os possa receber.
Hoje, há quem escolha criteriosamente a versão da história recente em que quer acreditar, elegendo como certa a única timeline que faz preceder o rapto de soldados do Tsahal pelo Hezbollah de um bombardeamento com foguetes a cidades israelitas; tudo para que a resposta posterior pareça mais equilibrada, suponho (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7… é fácil encontrar pistas de que não foi assim, até em dados do min. dos Negócios Estrangeiros de Israel. Não que faça grande diferença). Mas nada há de surpreendente nisto: também andam por aí a querer convencer-nos de que esta maré de violência tem como origem a independência de Israel, em 1948, fazendo de conta que não existia já então uma tremenda bagagem de ódio, terrorismo e massacres (sem aspas) a envenenar tudo e todos por ali.
Se alguém quiser continuar a crer que se trata de um conflito entre inocentes árabes e cruéis israelitas, tudo bem. Se preferirem achar que as bombas com a estrela de David são redentoras e os foguetes são armas de terroristas sem humanidade, idem. Mas creio que já está na hora de abrirmos os olhos para os monstros que se digladiam hoje no Médio Oriente. E vermos que a único partido que urge tomar é o dos inocentes apanhados de permeio.

Como seria se Vasco Graça Moura tivesse um gémeo de esquerda?

«Os direitistas são todos umas bestas que salivam ante a perspectiva de verem mais uma família palestiniana em pedaços. Apoiam Israel só porque o seu mestre, Bush II, assim comanda. Para eles, se um palestiniano reclama pelas horas que passa todos os dias em check-points israelitas, é por certo um terrorista em potência, candidato a evisceração imediata e sem piedade.
O pessoal de direita finge ignorar que o estado israelita foi fundado em massacres como o de Deir Yassin e numa limpeza étnica que ainda hoje mantém centenas de milhares longe das suas terras. Essa malta nojenta vira a cara para não ter de encarar as criminosas acções dos sionistas e dos seus lacaios ao longo dos tempos. Para eles, tudo o que vem de Israel é bom, pelo simples facto de se tratar de uma democracia, mesmo que a sua organização faça lembrar bastante mais Esparta do que Atenas. Ou talvez seja apenas porque é assim que os círculos do pedantismo bem pensante vêem o mundo, entre fumaças de Cohibas e mais uma citação de Oakeshott sacada à pressa da Internet.
A cada edifício civil destruído em Beirute, abrem mais uma garrafa de caro champagne; a cada ambulância pulverizada, gritam novos “vivas” ao poderio angélico e sempre esclarecido do Tsahal.
Se alguém ousa levantar a grimpa, é por certo um pós-soviético, um anti-semita do piorio e um anti-americano com posters de Bin Laden e do WTC destruído a encimar um pequeno santuário dedicado a Estaline.
Claro que não tenho de provar nenhum destes vómitos disfarçados de prosa. Sou poeta e os poetas vivem acima de pormenores como a inteligência, a verosimilhança e o equilíbrio.»

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Das três, duas

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A- Israel bombardeou por acidente o posto da ONU em Khiyam, provando asssim que a ideia é mesmo demolir às cegas, numa lógica de destruição e massacre generalizados, tendo já desistido de identificar os tais “bastiões” do Hezbollah.
B- Israel bombardeou propositadamente o posto da ONU em Khiyam, enviando mais uma poderosa mensagem ao mundo: “eis a consideração que nos merecem as vossas tentativas de interferência e os vossos observadores”.
C- Existe uma grande falta de falantes de Inglês nas forças armadas israelitas, pois o bombardeamento ao bunker da Unifil durou horas, tendo os observadores telefonado ao oficial de ligação israelita após a queda de cada uma das 10 primeiras bombas. A seguinte foi fatal.

Mais um “anti-semita larvar”, desta vez em Israel

Tenho pena de não dispor de tempo para traduzir este artigo de Ze’ev Maoz, professor na Universidade de Tel Aviv. Mas fico feliz por ver que muita gente em Israel ainda não sucumbiu à idiotice do dogma da superioridade moral israelita. Um dia, teremos por cá malta assim.
Recomendo-vos a visita ao “Haaretz” e deixo-vos com duas passagens: «On July 28, 1989, we kidnapped Sheikh Obeid, and on May 12, 1994, we kidnapped Mustafa Dirani, who had captured Ron Arad. Israel held these two people and another 20-odd Lebanese detainees without trial, as “negotiating chips.” That which is permissible to us is, of course, forbidden to Hezbollah.»; «What exactly is the difference between launching Katyushas into civilian population centers in Israel and the Israel Air Force bombing population centers in south Beirut, Tyre, Sidon and Tripoli? The IDF has fired thousands of shells into south Lebanon villages, alleging that Hezbollah men are concealed among the civilian population. Approximately 25 Israeli civilians have been killed as a result of Katyusha missiles to date. The number of dead in Lebanon, the vast majority comprised of civilians who have nothing to do with Hezbollah, is more than 300.» Bravo.

War fever

No “Da Literatura”, Eduardo Pitta prossegue a sua laboriosa campanha contra o anti-semitismo que, de olho clínico em riste, vislumbra a medrar por todo o lado. Esse insidioso vírus cresce pela calada em malta que finge ignorar as atrocidades que Putin vai ordenando na Tchetchénia; prospera em gente, como Eduardo Lourenço, que nada terá dito a propósito do genocídio do Ruanda ou dos primeiros ataques da UPA em Angola (!); floresce, por fim, na néscia manada que ignora olimpicamente a crueldade do blitz alemão sobre Londres e da invasão de Berlim pelos russos (a sério: o homem escreveu mesmo isto).
Tudo para atingir um corolário quase admirável: «argumentar com a soi disant “desproporcionalidade” não deixa de ser uma infantilidade. Insistir nessa tecla é uma forma naïf de dizer o indizível. Podiam assumir de uma vez por todas o anti-semitismo larvar.» Porquê? Não se explica. Mas entende-se: como desde há anos, o número de acusações de anti-semitismo em circulação num dado momento continua a ser um excelente barómetro do comportamento do Estado de Israel.
Noutras paragens, há quem imagine, de espírito dilacerado, uma horda de bandidos sanguinolentos acoitados em Espanha e dedicados a martirizar os pobres portugueses. Nesse caso, «teria ou não o Exército Português direito a internar-se em território espanhol, dar caça aos bandidos e eliminar redutos, arsenais, paióis e instalações utilizadas pelos terroristas?» E logo vem a conclusão triunfante: «Ora, é o que o exército de Israel está a fazer no Líbano. É o direito à resposta, o direito à retaliação; em suma, uma guerra justa.» Quer dizer que as pontes demolidas, os bairros residenciais arrasados, as populações sem água, as ameaças de represálias bárbaras, as carrinhas cheias de civis alvejadas do ar, etc… nada passa de uma sinistra montagem anti-semita: trata-se sim de uma mera questão de paióis e outros “redutos”, tudo tão bem camuflado. (Já agora, respondendo a este senhor, existe um tratado entre Portugal e Espanha a permitir perseguições transfronteiriças, desde que com conta, peso e medida, como é de esperar de nações civilizadas e democráticas. )
Que um colunista prestigiado como Akiva Eldar tenha perguntado «será possível que um estadista sábio mude a sua doutrina por causa de um bando de lançadores de foguetes? (…) Ainda não aprendemos que, na relação entre nós e os nossos vizinhos, a força é o problema, não a solução?» é pormenor de somenos para os cultores do simplismo; que mesmo organizações de direitos humanos israelitas acusem o seu exército de usar civis como escudos (coisa que só os malandros do Hezbollah fazem, como todos sabemos) é-lhes indiferente. Israel tem sempre razão, Israel é sempre moralmente superior, Israel tem o direito divino de esmagar tudo e todos e quem disto duvidar é parvo, anti-semita ou as duas coisas em simultâneo.
O pior é que a tontice revela-se mal contagioso. O infantil arremedo de raciocínio acima descrito foi destacado no Insurgente como “Uma pergunta para os amigos dos terroristas”; estes serão, suponho, malta como Eduardo Lourenço ou qualquer outro mânfio que não se tenha manifestado em tempo certo contra os ataques da UPA. A inteligência, como sempre, é a primeira vítima da guerra.

Same old story

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Não é de todo difícil confirmar a minha antipatia de estimação com a Clara Ferreira Alves. Mas até um relógio parado dá as horas precisas duas vezes ao dia. E a hora da “Pluma Caprichosa” quase chegou no passado dia 8 de Julho. Quase; ou, como Graham Greene bem poderia ter dito, “close, but no cigar”.
A nervosa cronista foi desta vez irritada por um documentário sobre Portugal que a CNN resolveu emitir, a propósito da deslumbrante carreira lusa no mundial do chuto na bola. E com razão, se a coisa foi como ela a descreve: “uma charrete, um homem de colete e bota alentejana a tocar um cavalo, uns homens e mulheres rodopiando o vira, ou o corridinho, ou o que quer que seja e seja folclórico, mais o chouriço assado e a taberna, o lenço vermelho e a taroca, o boné e a festa popular.” Os espectadores da CNN terão assim ficado “com uma ideia de Portugal que nos coloca, exactamente, no tempo de Salazar mas… a cores.”
Até aqui, tudo mal. Mas a Pluma descarrila quando chega a altura de encontrar causas para a miopia do documentário. Saca de um preconceito para explicar outro: é americano, só pode ser ignorante. Assim: “O problema da CNN e da sua abordagem em ângulo fechado é o problema típico do império americano no século XXI, ignorância e falta de curiosidade à mistura com ingenuidade e arrogância.”
Será que já ninguém se recorda de uma pérola cinéfila de nome “Lisbon Story”, realizada por Wim Wenders, produzida com ajuda do omnipresente Paulo Branco e paga com dinheiro da Lisboa 94? O que ali se via de Lisboa poderia ter sido filmado bem antes de Salazar: eléctricos decrépitos, terraços sobre bairros de má nota, tralha derrelicta a cair pelos cantos. Com menos de 50 anos, só alguns prédios que teimaram em intrometer-se nos enquadramentos artísticos da obra. Como banda sonora, o neo-faduncho suburbano-depressivo dos Madredeus. Não foi preciso, naquela instância, encomendar a vinda de americanos para nos encontrarmos de tal forma retratados: um país melancólico, pobre, velho e infeliz.
Talvez não seja só má vontade de quem quer pintar frescos às três pancadas com a pobre pátria tuga como modelo. Talvez sejamos mesmo assim. Se pensamos em Espanha, imaginamos flamenco, largadas de touros, tomatinas, arquitectura arrojada, progresso, gente colorida em busca da praça e das tapas mais próximas. De Portugal, entrevemos lampejos de tascas escuras onde se geme o fado, destinos tuberculosos, saudade a escorrer a sua peçonha por calçadas às ondas.
Imagino que a CNN e Wim Wenders se tenham esforçado bastante para encontrar pontos de vista simpáticos sobre esta doença crónica disfarçada de país. Não é obra fácil.

Onde é que já vimos isto?

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Israel ameaça destruir 10 edifícios libaneses por cada novo ataque de foguetes.
Há uns anos, duas aldeias checas foram arrasadas como represália por um outro ataque. Mudam-se os tempos, permanecem as vontades de mais sangue.
O que vale é que os jornalistas lusos encontraram um lenitivo para mais este degrau na descida rumo à barbárie: os edifícios assim condenados estão, ao que parece, em “bastiões do Hezbollah”. É por certo uma espécie de “efeito Helena Matos”: se morreu, devia ser terrorista. Mesmo que, por exemplo, apenas tivesse cometido o crime de viajar de carrinha; hoje em dia, tal basta para atrair a fúria justiceira da “única democracia da zona”.

Sem olhos em Gaza

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No Knesset, já há quem peça a “obliteração” de Gaza. Enquanto estes extremistas não passam a maioria, toda a população da Faixa de Gaza vai sendo castigada pelas acções de outros fanáticos. E a vida de milhões permanece sequestrada pelos que julgam só poder contentar os seus usando a violência à mínima oportunidade.
O soldado raptado continua longe de casa; entretanto, seu exército persiste nos raids contra a “infra-estrutura civil do Hamas”; incluindo orfanatos e lojas de brinquedos.
Aos homens de bom-senso, pouco mais resta que continuar a fazer propostas já desesperadas que ninguém ouvirá. E actualizar a contabilidade mais funesta.

Decomposição artística

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A peça de Damien Hirst que há pouco se aproximou do recorde de preço para obras de um artista vivo está a apodrecer. O tubarão que habita The physical impossibility of death in the mind of someone living, encomendada em 91 pelo publicitário Charles Saatchi, apresenta claros sinais de decomposição. Pouco atraído pela perspectiva de poder ver o espectáculo de 9 milhões de euros a desfazer-se na sua sala de estar, o infeliz proprietário está a tratar, com o artista, de substituir o inquilino da precária obra por um espécimen mais resistente.

Como é simples o mundo de quem vive entre estereótipos…

Luciano Amaral continua a partilhar connosco a sua singela visão do Mundo. Para ele, qualquer um que não partilhe a sua sageza, além de por certo pertencer à Esquerda, essa infame turba, é um néscio incapaz de largar «o keffieh (sabem, é o lenço palestiniano) e a boina do Che, para além dos cartazes habituais: “Bush=Hitler”, “Bush Go Home”, “Terrorista Mundial n.º 1”, “Assassino em Massa” e restantes mimos da ordem»; um dos «guevaristas e racistas» que poluem as ruas europeias a cada visita de George Bush.
Este intelecto ponderoso explica-nos hoje que antes de se fechar a vergonha de Guantánamo será «preciso saber o que fazer com aqueles 500 prisioneiros, que ninguém quer propriamente ver por aí à solta.» Ou seja, mesmo sem julgamentos, culpa formada ou grande informação sobre eles, o bom do Luciano já os sabe armados com os chifres do demo. E, para a sua mente iluminada, haveria uma saída bem desejável: «porque não deixar a Europa tratar do assunto?» Mas claro: os EUA que os detenham e sujeitem sabe lá Deus a quê, em flagrante fuga a todas as disposições legais americanas e internacionais; agora, o mais lógico seria a Europa tomar conta da ocorrência e limpar o lixo. Claro.
A teoria geral deste colunista é que mais vale fazer qualquer coisa, mesmo que às cegas e à bruta, do que investir em maltosa como a da ONU, ineficaz no «Ruanda, no Congo, no Darfur ou em Timor.» Como se estivéssemos na presença de dois blocos antagónicos e mutuamente exclusivos: os EUA e as Nações Unidas. Como se os primeiros não fizessem também parte dos problemas (e das parcas soluções) da ONU.
A derradeira frase deste texto é uma definição lapidar deste pequeno mundo a preto-e-branco: «É fácil e sempre dispensa de se pensar e fazer qualquer coisa.»

PS: nem de propósito. Hoje mesmo, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos tratou de demonstrar qual será o caminho para Guantánamo: a sujeição às leis americanas e às garantias constitucionais, escapando aos inflacionados e auto-atribuídos superpoderes de Bush II.

Bolhinhas e racismo

O rapper e produtor Jay-Z lançou há dias uma cruzada contra o champagne Cristal. O motivo? O presidente da casa produtora teria afirmado que a elevação do seu produto à categoria de ícone do hip-hop era “atenção indesejada”. Jay-Z reagiu ao ultraje berrando “racismo!” e apelando ao boicote: “I view his comments as racist and will no longer support any of his products through any of my various brands, including the 40/40 Club, nor in my personal life”.
Que ninguém gostaria de se ver associado à cultura “bling-bling”, com a sua hedionda acumulação de seios extravasantes, veludos foleiros, Rolls Royces cor-de-rosa e jóias a rodos, parece-me evidente. Que tal seria verdade mesmo se a malta em questão fosse composta por metaleiros loirinhos do Alabama também tem ar de coisa óbvia. E o pior vem quando se lê que a expressão “unwanted attention” nem sequer foi proferida pelo gestor da casa Roederer. Mas o boicote continua de vento em popa. Já devemos ter chegado à silly season.
Ah, é verdade: cada garrafita de Cristal custava, nos bares de Jay-Z, entre 450 e 600 dólares.

O seu a sua dona

Anda por aí meio mundo a tentar escolher a Grande Figura do jogo com a Holanda e poucos procuram no lugar certo. Não falo do árbitro que arruinou o que poderia ser um jogo excelente, nem da inenarrável cabeçada de Figo, nem na falta de desportivismo exibida nas fitas, no teatro e no anti-jogo descarado (não que tenha sido a nossa equipa a única a pecar).
Segundo opiniões abalizadas, é sim hora de entregar os louros devidos à Nossa Senhora de Caravaggio. Já o li em vários sítios. Deve ser verdade.
Mas fico sem perceber como é que a pobre senhora, com o fraco ar que ostenta, pode ter ajudado no que quer que fosse. Não percebo mesmo grande coisa de futebol.

Para onde quer que vá, o bravo português leva consigo as suas atiladas competências técnicas (2)

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Atrás de uma notícia do Público, segui para o Luxemburgo, onde o mundial de futebol está a dar que falar entre a nossa comunidade emigrante, e não só pelo desempenho da nossa selecção. Em dois jornais luxemburgueses, apareceu gente muito incomodada com a omnipresença de bandeiras portuguesas — por vezes com o tamanho “de lençóis” — nas ruas e janelas do Luxemburgo. Isto para nem mencionar as turbas apinhadas em carros igualmente enfeiados pelos nossos trapos verde-rubros e as hordas de ébrios cambaleantes mas vitoriosos. Ainda para mais, este pessoal desrespeita uma lei que impõe a presença do estandarte luxemburguês a acompanhar bandeiras alienígenas.
Claro que um comportamento intolerável deste jaez só podia vir de gente mal integrada e quase sub-humana. E a culpa nem é do pobre desporto: “O futebol devia ser pura felicidade. Temos de recusar deixar que ele se transforme num elemento de segregacionista”. É que esta maltosa só se civilizará “Quando eles estiverem realmente integrados no nosso país, quando os seus televisores não ficarem perpetuamente ligados à RTPi”. Claro que não tardou até surgir uma boa alma a recordar a taxa de insucesso escolar “horrivelmente elevada dos estrangeiros”. Tudo no meio de acusações de “patriotismo malsão” e de “chauvinismo”, prontamente contra-atacadas por denúncias de racismo e xenofobia.
É linda a forma como o desporto une os povos.