É daquelas palavras na moda, que acabam por irritar pela profusão desnecessária, eu sei. Mas quem ouviu as declarações do bastonário da Ordem dos Médicos à TSF, a propósito da coima atribuída pela Autoridade da Concorrência, ficou a conhecer o verdadeiro significado de “pesporrência”.
A pesada penalização surgiu a propósito de uma prática aparentemente normal aos olhos do Dr. Pedro Nunes: tabelar preços dos actos médicos. O valente bastonário, julgando talvez que vive na Itália corporativista de Mussolini, “não reconhece qualquer competência para sequer interpelar a Ordem” à AdC, e não lhe “passa pela cabeça” que aquela “tenha o atrevimento” de a multar. Mesmo prometendo recorrer aos tribunais, a Ordem sabe já que “não pagará a multa jamais”. Pior ainda: o homem declara-se “estupefacto pela AdC se ter lembrado de emitir um comunicado público, quando a Ordem tinha requerido expressamente para que não houvesse comunicado público.” Isto apesar de a AdC a tanto ser obrigada por lei… mas essas minudências não se aplicam aos assuntos da classe médica, pois não? Claro que o Sr. Dr. não acabou a sua prédica corporativista sem agitar o álibi do costume: eles andam a “pôr interesses de doentes em causa”.
Em resumo: a Ordem sabe-se totalmente imune a qualquer espécie de fiscalização da sua actividade. Voga centenas de metros acima do atoleiro onde labutam as criaturas comuns e nunca se rebaixará a pagar uma multa. Tem uma legitimidade que a coloca num pedestal fora do alcance dos reles órgãos fiscalizadores que emanam dos poderes eleitos.
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A ministra e a comissão das bexigas
A ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, pode não ter grande experiência política. Mas aprende depressa. Hoje, deu provas de já dominar duas complexas artes do ramo: dar uma no cravo e outra na ferradura e colocar-se de cócoras ante os Grandes Vultos.
José Saramago resolveu apoucar a actividade de uma comissão de honra dedicada ao estímulo à leitura, de que até faz parte. «Não vale a pena o voluntarismo, é inútil, ler sempre foi e sempre será coisa de uma minoria. Não vamos exigir a todo o mundo a paixão pela leitura». A ministra, confrontada com estas pícaras declarações de Saramago, “estranhou”. Mas não tratou de lhe sugerir de imediato a saída de um organismo a que ele admite só pertencer por uma «fatalidade, como as bexigas». Quando lhe perguntaram se o escritor deveria sair da tal comissão, a senhora ministra soltou um grito de alma: «Meu Deus! Nada disso!»
Deve ter imaginado, num momento de susto, a sua carreira governamental num jazigo ao lado da de Sousa Lara. Temos política.
Quando pensarem mal dos nossos deputados, lembrem-se disto…
Segundo o noticiário da Rede Record de ontem, o Congresso Brasileiro anda ocupadíssimo com incidentes processuais, inquéritos parlamentares, cassações de mandatos, o “mensalão” e, agora, a aproximação do Mundial de Futebol. Resultado: há 68 dias que por ali não é votado um projecto de lei. Nem um só.
Não deixo de sonhar com o grande país que o Brasil poderia hoje ser. Se ao menos tivesse sido descoberto por malta mais capaz e organizada.
Trabalho infantil? Ah, ah, ah!
Eu sei que o maradona é muito giro, que fica bem a qualquer um achar-lhe imensa pilhéria e postular que anda por ali sabedoria a rodos. Mas alguém devia ter dito ao homem que os bobos têm um campo de acção algo limitado: cabriolas para animar jantares dos amigos cultos e pouco mais.
Como é que alguém se lembra de escrever e assinar isto: «a maior parte das crianças que cairiam no grupo que definimos como alvo do “trabalho infantil” estão melhor a trabalhar para as Multinacionais (ui, ui) que a “””””””beneficiar””””””” das condições que lhes (Portugal) proporcionamos»?
Amanhã, seguindo pela mesma viela, poderemos até garantir que os africanos estariam bastante mais confortáveis algemados a segadeiras na Europa do que a passar fome no Chade…
Apresenta-nos assim o maradona uma versão refrescada do velho chavão das crianças-do-terceiro-mundo-que-ainda-bem-que-trabalham-senão-andavam-a-prostituir-se. Aliás, este lugar comum também assoma à sua leve pena: “ou seja: antes putas que eu imaginar-me responsável aos olhos dos meus amigos do Bairro Alto por uma menina de nove anos estragar a vista e a infancia a montar relógios numa fábrica em Rayong.” Todos sabemos bem que os boicotes abrutalhados podem ter consequências terríveis; só que a alternativa não é por certo aceitar alegremente que cada vez mais crianças cresçam sem infância. Mas ficamos assim a saber que ainda há quem julgue aceitável que uma empresa maximize os seus lucros oferecendo — em Rayong, por exemplo — ordenados infantis, poupando-se ao esforço financeiro de pagar salários a adultos, mesmo os prescritos pelos padrões tailandeses! Tudo para que os investidores recebam mais uns cêntimos por acção ao fim do ano e nós possamos ter pochettes mais em conta.
Não me vou pôr a adivinhar se o maradona alguma vez amou uma criança ou não. Sei é que só um coração impermeável admite um tal pesadelo e ainda é capaz de o decorar com chistes supostamente espertalhões.
Silencioso em Auschwitz
Bento XVI esteve em Auschwitz. Talvez tocado pelo local, o papa lembrou-se de ecoar a pergunta que vem ao cérebro de qualquer ateu sempre que confrontado com mais uma malfeitoria do espírito humano ou colossal desgraça dos elementos: se Deus existe mesmo, porque não mexe uma palha para evitar estas catástrofes?
“Porquê Senhor Permanecestes calado? Como Pudestes tolerar tudo isto? Onde estava Deus nesses dias? Porque permaneceu em silêncio? Como permitiu Ele esta matança extrema, este triunfo do mal?” Não são lamentos de cristão interesseiro e pouco iluminado em assuntos da Fé; são palavras do chefe da Igreja Católica.
Estranha queixa esta, vinda de quem vem. Toda a teologia cristã pode ser vista como um labiríntico emaranhado de biombos destinados a ocultar a inacção e o silêncio de Deus. Quando Ele age, os Seus caminhos são insondáveis; quando fica quedo, trata-se por certo de um Mistério, coisa não destinada ao nosso ínfimo entendimento. Há sempre forma de dar ao vazio a aparência de grande ponderação e suprema bondade.
E até para ter permitido as matanças insanas dos nazis Nosso Senhor deve ter um boa desculpa na manga. Claro que ele tinha a agenda muito preenchida; é que ser uma divindade suprema, ainda por cima tripartida, não é pêra doce. Por exemplo, nos dias em que Hitler cimentava a sua liderança do partido nacional-socialista, no início de 1926, Deus estava ocupadíssimo com missão de extrema importância: aparecer à irmã Lúcia e reclamar dos maus tratos que andamos a dar à senhora Sua Mãe. Afinal, dar a conhecer à Humanidade que “são cinco as espécies de ofensas e blasfémias proferidas contra o Imaculado Coração de Maria” só pode ser demanda prioritária, a exigir acção pronta e excursão prolongada do Menino Jesus, himself, a Pontevedra. Como poderia Deus, ao mesmo tempo, lembrar-se de cortar a carreira a Adolf Hitler, antes que o nazismo desse no que deu? Omnipresente mas não tanto, caramba…
Uma fábula com música

Por mais desmentidos, desmontagens e desmascaramentos que apareçam, o Priorado do Sião continua a dar que falar, escrever e facturar. Por mim, já desisti de tentar compreender os fanáticos destas imposturices divertidas mas pegajosas.
Li há uns dias a lista de Grandes-Mestres do dito Priorado. De Leonardo a Cocteau, passando por Newton, é um verdadeiro dream team de supostos conspiradores. Incluindo, para lá de muitas figuras de cuja capacidade organizativa não duvido, o meu compositor predilecto: Claude Debussy. Sim; o Debussy incapaz de gerir a sua vida financeira, os seus prazos, as suas mulheres. Este homem tão desprovido de sentido prático teria sido, de 1885 a 1918, um dos vultos ocultos que governaram o mundo sem que de tal déssemos conta. Pois, pois.
A diáspora acetilsalicílica
Antecipando até a liberalização das farmácias, alguns dos nossos bem-amados colegas do Aspirina andam por aí a fazer pela vida, e bem.
O João Pedro da Costa dá alma, verbo e graça ao “blogue canino” do Brand New, conhecido programa de novidades musicais. O Daniel Oliveira voltou à cena do crime com o seu Arrastão: provocação, sarcasmo e análise inteligente nas doses do costume.
Claro que toda a gente já sabe disto tudo há um ror de tempo. O que ainda não sabem é o que os nossos ex-sócios António Figueira e Nuno Ramos de Almeida andam a preparar, com alguns cúmplices de ocasião… Na altura certa (e não com meses de atraso como agora) darei novidades.
Meteorologia

Que bela noite. Perfeita para o fim do mundo. Uma noite quente, de céu claro, com milhões em quintais recém-regados, apontando telescópios para astros que nunca despontarão. Uma noite abafada, húmida, em que tudo nos parece justo, correcto, no sítio mais próprio. O calor que denuncia a iminência das grandes catástrofes geológicas. A calmaria que sugere o fim de todas as tribulações. Que bela noite.
A aldeia global entrou em órbita

Há dois meses, um astrónomo amador, entusiasmado com o Google Earth, decidiu usá-lo para procurar crateras de meteoritos ainda desconhecidas. Ou seja: munido de uma ferramenta ao alcance de todos, Emilio González teve a ousadia de se imaginar capaz de encontrar estruturas geológicas ignotas. Fenómenos com dezenas de quilómetros que tivessem escapado aos argutos olhares de incontáveis especialistas, debruçados sobre fotografias colhidas por enxames de satélites. E, em meia hora, fez precisamente isso. Descobriu, algures na fronteira entre o Chade e a Líbia, uma cratera em que ainda ninguém tinha reparado.
Que dizer quando a informação que qualquer um de nós tem na secretária pode conter o mapa para descobertas científicas? A infosfera tornou-se num símile tão perfeito do nosso mundo que já serve de território de pesquisa, laboratório que até dispensa de todo o contacto directo com a realidade.
Disse González, com uma candura reveladora: “é um pouco como um jogo de vídeo. Só que é real”. Mas ainda existirá mesmo essa linha de fronteira, assim tão clara, ou será que ela se está a desfocar e a afastar de nós a cada dia que passa?
Pontos de vista
Dois caminhos para provar a mesma coisa
Sob o signo da incubadora (2)
Carrilho será uma osga insuportável. Talvez. Será um mitómano que coloca tudo e todos em causa, menos a sua própria presciência. Terá perdido a campanha contra um adversário fraquíssimo sobretudo por incapacidade absoluta de gerir e protagonizar uma campanha eleitoral agreste. Por certo. E ter-se-á lembrado agora de congeminar o seu regresso com este pequeno “Manual do Ressabiado” movido por dois impulsos irresistíveis: atirar as culpas para cima do resto do mundo e apontar à sua nada modesta pessoa os holofotes da ribalta mediática, nem que seja por mais um minutito apenas. Claro como água.
Mas há que convir que nem todas as suas queixas são infundadas. Ele não é um doppelganger do Santana Lopes dos murros na incubadora, das gaffes diárias, da necidade crónica e militante. Houve de facto alguma má vontade em torno da sua campanha. Se suscitada por embirração com a personalidade difícil de Carrilho ou por maquinações sombrias, como ele defende, é agora indiferente. Mas dão-lhe alguma razão, por exemplo, os que o vaiaram por usar o seu filho no vídeo de lançamento da campanha e depois aplaudiram quando Cavaco Silva exibiu os netinhos.
O jogo da censura

Os intelectuais hardcore andam felizes. O mundo tem destas coisas: de quando em vez, mais ou menos ao ritmo das aparições do cometa Halley, alguém presta atenção às querelas esotéricas e às escaramuças bizantinas de artistas, críticos e outros profissionais da cultura. Aí, é chegado o momento de celebrar.
Agora, é o affaire Handke/Milosevic. Para quem anda mais distraído, aqui fica um resumo da coisa: Peter Handke, escritor de ascendência parcialmente eslovena, é desde há anos uma das vozes incómodas que recusa o encerramento do dossier das guerras da Jugoslávia com o simplista veredicto da culpa exclusiva dos sérvios e de Milosevic. Para piorar tudo, lembrou-se de aparecer no funeral do bode-expiatório/ditador sanguinário (riscar o que não interessa), com um elogio fúnebre na algibeira.
Reacção: Marcel Bozonnet, director da Comédie-Française tratou de “desprogramar” uma peça de Handke, “O Jogo das Perguntas ou Viagem à Terra Sonora”, obra que nada tem a ver com a Jugoslávia. Logo estalou a polémica, com abaixo-assinados, insultos, barricadas e intelectuais que se imolam pelo fogo (bem; ainda não chegámos a tanto, mas é capaz de não tardar). Como peixes famintos de atenção que por fim são presenteados com umas migalhitas, também cá as hostes se abespinham e se erguem de verbo fácil e inflamado em riste. Por exemplo, no último número do “Mil Folhas”, Augusto M. Seabra e Jorge Silva Melo quase fazem eco um do outro, embora com algumas dissonâncias interessantes, mormente a propósito de uma espécie de abaixo-assinado do director do Centre dramatique national d’Orléans, Olivier Py. Silva Melo vê nessa prosa “um texto dilacerante” (será mesmo elogio?); por seu lado, Seabra exorciza o “indescritível manifesto” que ali lê.
Angiogénese

Naquele dia, deixou-se fascinar por veias. Veias e artérias. Pensou e admirou o seu crescimento, a forma ordeira como se espalhavam em silêncio por dentro do seu corpo. Pequenos rios de sangue a crescer de acordo com as leis escondidas de uma orografia espantosa; alimentando continentes, levando cheias sem aviso a terras sequiosas. A cada segundo, mais um milímetro de tubagem era construído com precisão e sem fadiga. Quem convencera o seu próprio organismo a alimentar assim o pequeno invasor? E onde estaria o projecto de uma tal empreitada? Como poderia, logo desde o início, aquela mão-cheia de células ambiciosas comandar um prodígio assim?
E não era apenas a logística com que as linhas de abastecimento acompanhavam a invasão; todo seu corpo se rendia a um sem fim de exigências famintas, cedendo nutrientes, calor, protecção. Um instinto maternal à escala celular, colaborando com a inflação desenfreada dos tecidos?
Ela conformara-se desde o início. Sabia bem que esse era o caminho da Natureza. Aquela vida dentro de si só existia porque podia contar com uma hospedeira prestimosa. E apenas conhecia um ditame: crescer. Crescer sempre, mesmo que à custa de tudo o que a rodeava.
Cancro Pequeno

Quando pessoas de bom senso e sensibilidade se vêem do mesmo lado da barricada que malta da extrema-direita, algo de estranho aconteceu. Neste caso, aconteceu mais uma entronização das touradas no renovado altar do grunhismo nacional. Mesmo a tempo de prolongar esse êxtase do lusitanismo obscurantista que são as cerimónias da Cova da Iria e fazendo já a ponte para mais uma gloriosa jornada de patriotismo descartável a propósito do futebol.
Quando alguém aplaude como espectáculo uma encenação em torno da agonia de um animal, está a desistir de muitas das coisas que nos tornam humanos. Será folclórico, será do agrado dos turistas, será cultura… mas é por certo um momento de júbilo para o que há de mais negro nas nossas almas.
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Ainda o grande derby Couves x Alforrecas

Em princípio, a estrambótica providência cautelar contra o livro do JP George terá destino daqui a pouco mais de uma hora. Não se aceitam apostas; espera-se sim que o bom senso prevaleça. Até lá, vai prevalecendo a promoção ao lançamento da Objecto Cardíaco e ao autor.
Não sei porquê, mas não consigo deixar de pensar que o título desta pequena maldade, “Couves e Alforrecas”, caía que nem uma luva no recente ajuste-de-contas-em-forma-de-livro de MM Carrilho.
A Guerra em close-up

Como fazer uma série de televisão sobre uma operação militar que envolveu centenas de milhares de soldados, sem dispor de grandes meios? Como mergulhar no inferno, sem gruas, hordas de extras, meses de pós-produção? Simples mas não fácil. Filma-se de perto a verdadeira matéria-prima das grandes guerras clássicas: a carne.
Eis a verdadeira vedeta da série “Dunkirk”, da BBC, de que ontem voltou a ser exibido o último episódio. A carne dos soldados. Carne suja, suada, rasgada, amputada, gangrenada. Ou apenas exaurida por esforços para lá do humano. A câmara faz mais do que procurar intimidade com as suas presas. Ela aproxima-se até que a pele mais não permite. Fixa-se nos poros, num nariz sujo, num ombro destroçado, numa esfregona que limpa um convés, ensopada de sangue. A câmara recusa a imobilidade, adopta os ritmos daqueles derviches insones; gira e rodopia, bem dentro do desespero dos soldados e civis envolvidos na maior evacuação militar da história. Induz a vertigem no espectador, faz do seu movimento mais uma barreira entre o horror da guerra e a nossa tranquilidade no sofá. De quando em vez, lá surgem as imagens documentais, algumas a cores, para nos lembrar que tudo aquilo aconteceu mesmo, ainda no tempo dos nossos pais. Estranhamente, os grandes planos de multidões em fuga a custo organizada, as enormes barcaças em chamas, todas as intrusões do mundo real no tecido microscópico da narrativa de “Dunkirk” acabam por funcionar como um contraponto perturbador na sua coerência: como se a verdadeira guerra apenas conseguisse igualar, nunca ultrapassar, em “realidade”, a presença palpável da carne dos actores.
E há o fantasma da sempre presente caução (bem anunciada no início de cada episódio) realista: estas histórias foram todas recolhidas de entrevistas e diários de sobreviventes. Cada nome, cada corpo, pertenceu mesmo a um ser humano. A intimidade que a câmara celebra a cada segundo não é apenas um artifício da ficção; é uma busca da realidade perdida no pó dos arquivos. Um último resgate dos heróis de Dunquerque.
E há os olhos também. Os olhos que são dos poucos sinais a distinguir cadáveres de combatentes ainda vivos. Os olhos do oficial inglês que abate um seu camarada desertor. Do ferido que só aguarda o tiro de misericórdia e recebe dos alemães um cigarro e água. Do moribundo que pestaneja sob a chuva, gota a gota, do sangue do seu companheiro de beliche. De Churchill ao ordenar que os feridos sejam deixados para trás.
“Dunkirk” é excessivo, manipulador, exibicionista, quase demagógico. Por tudo isso, é uma grande obra de televisão.
O Quinto Império vai ter olhos azuis
O que vai ser de Portugal? A economia esboroa-se. O optimismo foi fazer companhia aos dodós no paraíso das criaturas alérgicas à realidade. Os analistas mais lúcidos só concordam num ponto: ninguém sabe porque é que esta nação porfia na acédia e derrapa na ineficiência desde há séculos. As “elites” empresariais rabiam à caça de culpados, nunca se lembrando de procurar no cotão dos seus umbigos forrados a Maludas. Os pessimistas passam dias a gemer o luto antecipado pelo finis patriae. E a realidade teima em dar-lhes razão: a cada ano, lá somos ultrapassados por mais um recém-chegado à europeia fraternidade. Até já se estimou a data em que daremos connosco a segurar com cotos decrépitos a lanterna vermelha desse pelotão imparável: 2050.
Se Portugal fosse um animal, a extinção seria destino certo e merecido. Mais uma experiência falhada, mais um projecto simpático mas inviável. Um dia, Portugal acordaria vazio. Assim sem mais menos. E, como a geopolítica e a demografia têm horror ao vácuo, logo outras populações viriam reclamar tanta riqueza imobiliária devoluta. Construindo cidades vibrantes onde hoje estiolam praças desertas; empresas inovadoras em vez dos estaminés que agora se limitam a dar “empregos”, não trabalho; multidões alegres em lugar das sorumbáticas turbas portuguesas.
A única coisa que nos poderia salvar? Uma mutação inopinada que nos ofertasse novas qualidades, que nos trasnmutasse em criaturas plenas de energia, inteligência e instinto. Impossível, desconfia o bom-senso. Infelizmente, acrescenta o mesmo.
Mas… e se esta mutação já estiver mesmo em curso?

